ministério da saúde
Folha de S. Paulo: Documentos mostram que Saúde usou Fiocruz para produzir 4 milhões de comprimidos de cloroquina
Medicamento sem eficácia para Covid foi fabricado com recursos emergenciais; Fiocruz diz que é para malária e não comenta uso do dinheiro
Vinicius Sassine, Folha de S. Paulo
O Ministério da Saúde usou a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para a produção de 4 milhões de comprimidos de cloroquina, com o emprego de recursos públicos emergenciais voltados a ações contra a Covid-19 e com destinação prevista do medicamento a pacientes com coronavírus.
Documentos da pasta obtidos pela Folha, com datas de 29 de junho e 6 de outubro, mostram a produção de cloroquina e também de fosfato de oseltamivir (o Tamiflu) pela Fiocruz, com destinação a pacientes com Covid-19. Os dois medicamentos não têm eficácia contra a Covid-19, segundo estudos.
O dinheiro que financiou a produção partiu da MP (Medida Provisória) nº 940, editada em 2 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o enfrentamento de emergência do novo coronavírus, como consta nos dois documentos enviados pelo Ministério da Saúde ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília. A MP abriu um crédito extraordinário, em favor do ministério, no valor de R$ 9,44 bilhões.
Para a Fiocruz, que é vinculada à pasta, foram destinados R$ 457,3 milhões para "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus".
Na exposição de motivos sobre a MP, não houve detalhamento de como o dinheiro seria gasto. O texto da Presidência da República enviado ao Congresso fala em "produção de medicamentos".
Os documentos enviados ao MPF apontam gastos de R$ 70,4 milhões, oriundos da MP, com a produção de cloroquina e Tamiflu pela Fiocruz.
Os ofícios associam a produção dos dois medicamentos aos recursos destravados para a pandemia. As drogas se destinam a pacientes com Covid-19, segundo os mesmos ofícios, elaborados por uma coordenação da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.
No Brasil, a Fiocruz é a responsável pela importação e produção da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. A Fiocruz também desenvolve pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina nacional.
Segundo a instituição, a produção de cloroquina e de Tamiflu não impactou as ações voltadas a pesquisas, testes e desenvolvimento de imunizantes, por se tratarem de unidades distintas no órgão.
Na sexta-feira (5), a fundação afirmou à Folha que Farmanguinhos, o instituto responsável pela fabricação de medicamentos, produziu cloroquina para atender ao programa nacional de prevenção e controle da malária.
"Farmanguinhos produz cloroquina somente para o que está previsto em sua bula. A bula descreve que a cloroquina é indicada para profilaxia e tratamento de ataque agudo de malária e no tratamento de amebíase hepática, artrite, lúpus, sarcaidose e doenças de fotossensibilidade", disse.
Nesta quarta-feira (10), após questionamentos da reportagem sobre os novos documentos, a Fiocruz reafirmou o que disse na nota anterior. "Farmanguinhos não produziu em 2020 ou está produzindo o referido medicamento para outras indicações."
Segundo a instituição, o Ministério da Saúde informou que poderia fazer uma solicitação, mas isso não teria se concretizado.
Farmanguinhos entregou 16,8 milhões de doses de Tamiflu para "tratamento e profilaxia de gripe em adultos e crianças com mais de um ano" e outro lote será entregue em 2021, cita a nota.
Nem a Fiocruz nem o Ministério da Saúde comentaram o uso dos recursos da MP voltada a ações contra o coronavírus para a produção dos dois medicamentos.
Em nota, o Ministério da Saúde disse que a aquisição da cloroquina não foi concretizada, que a produção deve ser explicada pela Fiocruz e que o Tamiflu não é para Covid-19, mas para influenza. "Ao atuar no tratamento da influenza, ele favorece a redução da sobrecarga ao sistema de saúde em função do aumento de doenças respiratórias."
Em 29 de junho, Farmanguinhos já produzia 2,5 milhões de cápsulas de fosfato de oseltamivir 30 mg, 2,35 milhões de 45 mg e 11 milhões de 75 mg, o que totaliza 15,85 milhões de doses. "Esses quantitativos em produção serão custeados por meio de recursos destinados à Fiocruz, pela medida provisória nº 940", cita o primeiro documento do Ministério da Saúde.
O investimento previsto era de R$ 70,4 milhões. "Dada a capacidade produtiva do laboratório público e a necessidade deste ministério, esses medicamentos serão fornecidos ao longo dos próximos cinco meses."
A mesma lógica valia para a cloroquina: "Também com esses recursos alocados à Fiocruz, por meio da Medida Provisória nº 940, está em processo de produção por Farmanguinhos/Fiocruz o montante de 4.000.000 de comprimidos de disfosfato de cloroquina 150 mg. Esse montante tem previsão de entrega nos meses de julho e agosto".
Um novo documento, elaborado em 6 de outubro pela mesma área do Ministério da Saude, confirmou as informações de junho. Dessa vez, a pasta informou que "foi realizada a aquisição" do Tamiflu, em julho, junto a Farmanguinhos, com o uso de recursos destravados pela MP nº 940.
"O Ministério da Saúde tem distribuído o fosfato de oseltamivir para o enfrentamento à pandemia e tem recomendado o uso concomitante com outros medicamentos por até cinco dias até exclusão de influenza, em pacientes pediátricos com diagnóstico de Covid-19", afirma.
O protocolo de uso do medicamento o recomenda para gripe e síndrome respiratória aguda grave.
O documento também dá o panorama sobre a cloroquina produzida na Fiocruz: "Com os recursos alocados à Fiocruz, por meio da MP nº 940, para a aquisição de medicamentos, encontra-se em processo de aquisição junto a Farmanguinhos o montante de 4.000.000 de comprimidos de difosfato de cloroquina 150 mg".
O medicamento "está sendo distribuído de acordo com as orientações do Ministério da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19", afirma.
A cloroquina da Fiocruz se soma a outras ofensivas do Ministério da Saúde. O Laboratório Químico Farmacêutico do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, a um custo de R$ 1,16 milhão, a partir de pedidos feitos pelos Ministérios da Saúde e da Defesa. Já os EUA, ainda no governo de Donald Trump, doaram 2 milhões de comprimidos ao Brasil.
No sábado (6), a Folha mostrou que o governo Bolsonaro mobilizou pelo menos cinco ministérios, uma estatal, dois conselhos da área econômica, Exército e Aeronáutica para distribuir o medicamento.
Com base na reportagem, o PDT ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma notícia-crime contra o presidente nesta terça-feira (9).
Dados do Ministério da Saúde mostram a distribuição de 5.416.510 comprimidos de cloroquina; 481.500 de hidroxicloroquina; e 22.380.510 de Tamiflu. O total gasto, segundo o Localiza SUS, foi de R$ 89 milhões.
O ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, passou a ser investigado nas esferas cível e penal pela distribuição de cloroquina.
Há procedimentos contra o ministro no MPF na primeira instância e na PGR (Procuradoria-Geral da República). Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou ilegalidade no uso de dinheiro do SUS com essa finalidade.
A cloroquina e o governo Bolsonaro
Março.2020
Bolsonaro começa a defender a cloroquina e diz já ter dado ordem para Exército ampliar a produção do medicamento em seu Laboratório Químico Farmacêutico
Abril.2020
Presidente publica medida provisória liberando crédito extraordinário a Ministério da Saúde e Fiocruz
Entre outros objetivos, previsão do dinheiro é para produção de medicamentos
Maio.2020
Parecer técnico do ministério recomenda uso de Tamiflu durante a pandemia em casos de gripe e síndrome aguda respiratória grave
Junho.2020
Fiocruz já produz cloroquina e Tamiflu com recursos liberados pela MP voltada a ações contra a pandemia
Julho.2020
Ministério adquire todo o Tamiflu produzido por Fiocruz
Agosto.2020
Guia do ministério é atualizado e orienta "tratamento precoce" com cloroquina. No mesmo mês, a Fiocruz anuncia acordo com AstraZeneca e Universidade de Oxford para produção de vacina contra a Covid
Outubro.2020
Está em andamento o processo de aquisição, pelo Ministério da Saúde, de 4 milhões de comprimidos de cloroquina produzidos pela Fiocruz
Janeiro.2021
Governo Bolsonaro, diante do avanço de investigações sobre o gasto de dinheiro público com medicamentos sem eficácia, começa a ensaiar um recuo na defesa da cloroquina
O Estado de S. Paulo: 'Já sou contra privatizar Eletrobrás pelo custo ao governo, melhor vender a Caixa', diz Elena Landau
Economista critica a insistência do governo em atropelar o Congresso e propor uma Medida Provisória para vender as ações da companhia no mercado; segundo ela, privatização perdeu a importância e se tornou 'mero simbolismo'
Anne Warth, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O governo vai acabar tendo que pagar para privatizar a Eletrobrás, diz a economista Elena Landau. Ex-diretora da área de privatizações do BNDES durante o governo Fernando Henrique Cardoso e colunista do Estadão, Landau critica a insistência do governo em propor, mais uma vez, uma Medida Provisória para capitalizar (vender ações no mercado) a companhia. Para ela, será uma tentativa de atropelar o Congresso, já usada no passado sem sucesso, e que vai trazer mais insegurança jurídica ao processo, já que a tendência é que o texto caduque antes de ser aprovado.
Landau afirma ainda que a privatização da Eletrobrás perdeu relevância e se tornou mero simbolismo. “O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás, e o governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra a privatização nesses termos. Isso não me mobiliza mais”, afirmou, ao Estadão/Broadcast. Confira os principais trechos.
O que a sra. achou da ideia do governo de enviar, novamente, uma Medida Provisória para privatizar a Eletrobrás?
Qualquer proposta dentro do programa de privatizações demanda enorme segurança jurídica e aceitação por parte dos investidores e do mundo político. Não pode ser feito por MP, que só tem força de lei enquanto não caducou, e depois que caduca, perde validade e cria uma enorme insegurança jurídica. Se for para simplesmente repetir o que já está no projeto de lei que enviaram ao Congresso, que respeitem e não atropelem o Congresso Nacional. Não podem mandar MP para cortar o caminho. E se for para autorizar a contratação de estudos para a privatização, cai no requisito da inconstitucionalidade, pois uma MP dessa natureza não teria nem urgência, nem relevância. Não tem sentido nenhum. Isso já foi tentado no governo Temer e a MP 814 caducou. Todo mundo viu que ia dar errado e mandaram um projeto de lei. Estão repetindo o erro. Ainda que fosse aprovado, daria uma rigidez muito grande ao processo todo. Se precisasse mudar qualquer item da lei, teria que voltar ao Congresso para ajustar. O projeto de lei deve ser votado apenas depois dos estudos e ter apenas aquilo que realmente precisa de lei, como a descotização. Mas aí dá pra fazer uma lei apenas sobre descotização.
O governo considera que precisa dar uma sinalização positiva ao mercado com a renúncia de Wilson Ferreira Jr. A sra. considera que a MP seria esse sinal?
Não sei como o mercado comprou, em algum momento, que a privatização da Eletrobras iria andar no governo Bolsonaro. No governo Temer até tudo bem, porque privatizaram sete distribuidoras e era uma gestão com agenda claramente liberal e reformista. Era crível acreditar na privatização da Eletrobrás no governo Temer, mas no governo Bolsonaro não tem abertura comercial, não tem reforma administrativa. Como vão acreditar na privatização da Eletrobrás? Por isso a saída de Ferreira Jr é tão significativa, porque era o único empenhado na privatização. A MP é uma resposta atabalhoada a isso.
Na sua opinião, qual seria a melhor alternativa para privatizar a Eletrobrás?
Recuar completamente e fazer um único pedido ao Congresso, que é a revogação do trecho do artigo 31 da Lei 10.848, do governo Lula, que excluiu a Eletrobrás e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização (PND). Sou a favor de retomar as privatizações como sempre foi feito. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto. Definir a modelagem antes da autorização de venda é um erro. Entrega ao Congresso uma competência que é do Executivo, quando o Legislativo não tem estrutura técnica para isso. Politicamente é um erro, você precisa começar o jogo da negociação política com uma série de supostos ganhos, como redução das tarifas, dinheiro para o Norte e o São Francisco, e o Congresso sempre vai pedir mais. Não é mais fácil rever todos os encargos setoriais e subsídios para carvão, fontes renováveis, agronegócio, em vez de abater esse custo das tarifas com outorga? Quem definiu o valor que irá para o São Francisco? É preciso um estudo muito detalhado sobre o valor da outorga (quanto a União receberá na operação), incluindo a questão de Tucuruí. É uma questão técnica, não política.
Como a sra. vê a questão da capitalização?
A capitalização foi decidida em 2018, mas dentro das circunstâncias da Consulta Pública 33, para evitar que a Eletrobrás ficassem de fora e perdesse a oportunidade de descotizar a energia de suas usinas (ou seja, vender a energia a preço de mercado). A partir disso, aproveitando a capitalização, daria para diluir a participação da União na empresa. Veio o projeto de lei e o tempo foi passando. O bônus de outorga contribuiria para o resultado primário de 2018, mas essas circunstâncias fiscais hoje são muito diferentes. Em três anos, poderiam ter feito estudos paralelos de forma a maximizar o retorno ao Tesouro, para avaliar os modelos possíveis, as memórias de cálculo e a outorga. Falta transparência nesse processo, que é algo fundamental no programa de privatizações e no serviço público. E ainda tem a questão de Tucuruí (uma das maiores hidrelétricas da Eletronorte, cuja concessão vence em 2024), que era um futuro longínquo em 2018 e agora está próximo demais para ser ignorado.
Onde estão as resistências à privatização da Eletrobras?
Hoje, na área política, estão concentradas no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por causa de Furnas, e na bancada do Norte, nos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas há as resistências de sempre, como os fornecedores, que sempre cobram sobrepreço para vender para a União e usam muitas vezes práticas não republicanas, dos empregados e das corporações.
Como vender a ideia da privatização e vencer a resistência da sociedade?
O discurso da privatização precisa mostrar os benefícios desse processo. A privatização da Gerasul, hoje Engie, mostra o potencial de uma empresa que sai da gestão pública, sem amarras de compras, crédito e recursos humanos. Ela era um pedaço da Eletrobrás e já chegou a valer mais do que a Eletrobrás. A melhor peça a favor da privatização desse governo foi o estudo sobre salários e privilégios das estatais. Vender estatal com o discurso fiscal é muito ruim, ainda mais depois do déficit por causa da covid-19. Os críticos vão fazer uma conta de padaria e dizer que entrará R$ 15 bilhões quando o buraco é muito maior. Além disso, depois da capitalização bilionária que fizeram na Emgepron (estatal militar), o discurso fiscal ficou muito fragilizado.
Com tantas críticas ao processo, a senhora ainda é a favor da privatização da Eletrobrás?
Para mim, a privatização da Eletrobrás se tornou uma questão de simbolismo, porque não tem mais relevância. O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás. O governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra. Não me mobiliza mais. Em 2011, a Eletrobrás tinha 34% da geração, hoje tem 30% e em 2024 terá 24%; na transmissão, era 52% em 2011, hoje é 45% e em 2024 será 39%. A empresa não investe mais, está minguando, e os maiores interessados em reverter esse processo deveriam ser os funcionários, pois o investimento se tornou uma questão de sobrevivência para a empresa.
Se a Eletrobrás fica de fora, qual sua lista prioritária de privatizações?
Estou muito mais focada no simbolismo de vender Valec, EBC, Telebrás, fazer um pente-fino nas empresas dependentes do Tesouro Nacional, ver qual delas se justifica além da Embrapa. Cadê as escolas com banda larga da Telebrás? Para que serve a Valec? A EBC se tornou a TV Bolsonaro e agora compra novela do bispo Edir Macedo, que é um aliado. Se for para comprar novela, comprem da Globo porque é muito melhor. Estou muito mais interessada em vender a Caixa e acabar com o populismo do presidente Pedro Guimarães, que usou o banco para avançar no mercado das fintechs, abrindo agência quando todo mundo está fechando, um cara supostamente liberal fazendo o uso mais populista possível de um banco público. O estrago que a Caixa faz no setor bancário é muito maior que o da Eletrobrás no setor de energia.
O governo diz que a mudança no comando da Câmara vai fazer a privatização andar. A sra. acredita nisso?
O próprio ministro Bento Albuquerque já falou que a privatização ficará para 2022. Fazer privatização no meio de uma campanha presidencial, com o presidente contra, eu nunca vi. Já vi em 1998, mas Fernando Henrique e todo o governo eram a favor. Alguém acha que Bolsonaro vai apoiar? Só se for em fevereiro, com o Congresso distraído e tudo aprovado em 2021. De qualquer forma, com a mudança no comando da Câmara, a desculpa de jogar a culpa no Rodrigo Maia (DEM-RJ) caiu. Perdemos uma Câmara reformista, Maia era um aliado da agenda liberal. Alguém acha que o PP de Arthur Lira (AL) é a favor?
Mas as resistências à agenda de privatizações vão além do Congresso?
Não precisa atravessar a Esplanada dos Ministérios para encontrar inimigos da privatização. Eles estão na própria Esplanada. Valec, Ceitec, EBC, todas as estatais militares. Os ministros que comandam essas empresas são os inimigos. O governo se especializou em jogar a culpa nos outros. Bolsonaro ainda é o mais consciente deles, é um mentiroso contumaz, mitômano, que fala com uma seita que acredita em tudo que ele fala e para o resto distribui cargos. Já o ministro Paulo Guedes vive numa realidade paralela, cria e acredita. O mágico não pode acreditar na mágica. Bolsonaro não é maluco, maluco é quem acredita nele. Vai fazer o que quiser e pegou Guedes para ser seu fiador. Como já disse o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, “é simples assim, um manda e outro obedece”. É um governo populista e vai dar muito trabalho para explicarmos, no futuro, esse interregno populista que nada tem a ver com liberalismo. Guedes prestou um grande desserviço à causa liberal ao participar desse governo e não implantar nada da pauta liberal.
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O Estado de S. Paulo: Pazuello autoriza vacinação; saiba quantas doses cada Estado irá receber
Vacinas serão transportadas para as capitais por aviões da Força Aérea Brasileira; distribuição para os municípios será de responsabilidade dos governos estaduais
Gonçalo Junior e Carla Menezes, O Estado de S.Paulo
O Ministério da Saúde vai iniciar a vacinação contra o coronavírus nesta segunda-feira, às 17h. A decisão foi divulgada no ato simbólico de recebimento dos imunizantes com os governadores de Estado nesta segunda-feira, 18, em evento no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica. A partir desse centro de distribuição, essas vacinas partirão para os Estados, que então iniciam as imunizações. Oficialmente, a vacinação começaria na terça-feira, 19, mas o ministro Eduardo Pazuello autorizou que os governadores iniciem a vacinação ainda nesta segunda.
"Depois de ouvir os governadores, chegamos à decisão de que estamos distribuindo hoje as vacinas aos Estados. A gente pode colocar a ideia de que hoje no final do expediente os Estados começarão a vacinar no município principal. Acho que a gente pode começar hoje no final do expediente", afirmou o ministro.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia autorizado por unanimidade o uso emergencial das vacinas Coronavac e da Universidade de Oxford contra a covid-19. A campanha de vacinação será iniciada com a Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com o laboratório chinês Sinovac. “Este é o marco inicial da vacinação ocontra o coronavírus no País”, afirmou Pazuello. “Hoje, nós distribuiremos todas as vacinas aos Estados”, completou.
Com o início oficial da vacinação nesta terça-feira, o governo federal antecipa em um dia o início da campanha nacional de imunização. O convite aos governadores para a entrega dos imunizantes foi feito depois de a primeira vacina ter sido dada em São Paulo pelo governador João Doria, neste domingo.
Governadores criticam vacinação antecipada em São Paulo
Governadores presentes à distribuição simbólica da vacina contra a Coronavac criticaram a iniciativa do governo paulista de iniciar a vacinação no domingo. A primeira vacinada do País foi a enfermeira Mônica Calazans, que trabalha no Hospital Emilio Ribas. “É um gesto que coloca os outros governadores em situação de segunda categoria. Um gesto que envolve a saúde pública não pode ser transformado em campanha eleitoral. A solidariedade precisa ser respeitada e não o foi ao se iniciar a campanha quando os outros governadores não tinham sequer vacina em seu Estado”, criticou o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO).
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT-PI), reforçou as críticas ao governo paulista. “Foi uma decisão ruim. O Programa Nacional de Imunização é um programa nacional, que envolve todos os Estados. Deveria haver igualdade entre todos”, afirmou.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), evitou comentar a aplicação da primeira dose em São Paulo. Por outro lado, ainda na reunião com os governadores, a chefe do Executivo estadual afirmou que "houve muito tumulto e descoordenação ao longo do período [pandemia]".
Governadores e seus vices de 19 Estados comparecerem ao ato simbólico de entrega das vacinas. Depois de participarem de uma reunião no Centro de Distribuição Logística do Ministério da Saúde, localizado em Guarulhos (SP), nas proximidades do Aeroporto Internacional de Cumbica, eles foram até a Base Aérea de Cumbica para acompanhar o embarque dos primeiros lotes das vacinas em uma avião da Força Aérea Brasileira (FAB). O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informou que a aeronave se destinaria para Goiás e Teresina. Questionado sobre o início da vacinação em São Paulo, Pazuello desconversou. “Ontem é passado. Ontem é para historiador. Quero saber do futuro”.
O governador João Doria não participou do evento. Ele foi representado pelo vice-governador Rodrigo Garcia. "A vacinação em São Paulo já começou. Nesta segunda-feira, as vacinas começam a ser distribuídas para as cidade dos interior do Estado", afirmou Garcia.
Distribuição da vacina por Estado
A distribuição das doses disponíveis da vacina será feita com o apoio de aviões da FAB e das companhias aéreas Azul, Gol, Latam e Voepass. A distribuição, segundo o ministro, será feita para “pontos focais” já previamente definidos em cada Estado. Idosos que vivem em asilos, indígenas e profissionais de saúde da linha de frente são os primeiros a receber o imunizante. O Ministério da Saúde reservou 907,2 mil doses para os indígenas que vivem aldeados.
O País dispõe de 6 milhões de doses da Coronavac. O governo paulista pretende manter no Estado cerca de 1,4 milhão, um volume que não cobre as prioridades. Outras duas milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, estão com a compra acertada pelo ministério, mas ainda sem data para chegar ao Brasil. Além disso, o aval da Anvisa só vale para essas 8 milhões de doses, mas não para as demais a serem produzidas já no Brasil.
Veja a quantidade de doses que será distribuída
Região Norte - 296.520 doses
- Rondônia - 33.040
- Acre - 13.840
- Amazonas - 69.880
- Roraima - 10.360
- Pará - 124.560
- Amapá - 15.000
- Tocantins - 29.840
Região Nordeste - 1.200.560 doses
- Maranhão - 123.040
- Piauí - 61.160
- Ceará - 186.720
- Rio Grande do Norte - 82.440
- Paraíba - 92.960
- Pernambuco - 215.280
- Alagoas - 71.080
- Sergipe - 48.360
- Bahia - 319.520
Região Sudeste - 2.493.280 doses
- Minas Gerais - 561.120
- Espírito Santo - 95.440
- Rio de Janeiro - 487.520
- São Paulo - 1.349.200
Região Sul - 681.120 doses
- Paraná - 242.880
- Santa Catarina - 126.560
- Rio Grande do Sul - 311.680
Região Centro-Oeste - 415.880 doses
- Mato Grosso do Sul - 61.760
- Mato Grosso - 65.760
- Goiás - 182.400
- Distrito Federal - 105.960
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Eliane Cantanhêde: A dupla do balacobaco
No Brasil faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho
Afinal, o que o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, foi fazer em Manaus? Não viu, não ouviu e não soube nada, nem que o caos estava instalado e que as pessoas estavam prestes a ver seus pais, filhos e amores morrendo asfixiados, por falta de oxigênio nos hospitais. Ele só foi lá para uma coisa: tirar foto. E aproveitou para empurrar cloroquina encalhada para a população em pânico, como poção mágica.
O colapso de Manaus e a crise das vacinas são a história de uma tragédia anunciada. Cadê o oxigênio para o Amazonas? Cadê as vacinas para os brasileiros? Cadê as seringas e agulhas? Cadê um plano nacional detalhado com governadores e prefeitos? Cadê o “dia D e a hora H”? Já foram em março, dezembro, fevereiro, janeiro e o último chute foi o dia 20, próxima quarta-feira. Se fosse uma guerra tradicional, os soldados do intendente ficariam sem armas, sem balas e sem coturnos.
A ida de Pazuello a Manaus teve o efeito oposto ao desejado: jogou a tragédia devidamente no colo do governo federal e agravou de vez a irresponsabilidade criminosa do presidente Jair Bolsonaro na pandemia. Os vídeos, fotos e depoimentos desesperados de médicos e parentes rodaram o mundo, revelando um pandemônio, um inferno. Bolsonaro tentou culpar o Supremo, a nova cepa do vírus, o raio que o parta. Não cola. E ainda produziu duas pérolas: “Do Brasil, cuido eu”, “Fizemos a nossa parte”. Sim, nós vimos.
E por que Bolsonaro insistiu tanto em trazer um tico de vacina da Índia a toque de caixa? Anunciou avião para um bate-volta, enviou bilhetinho para o primeiro-ministro Narendra Modi e acionou o Itamaraty para implorar aos indianos ao menos 2 milhões de doses (para 260 milhões de habitantes...). Todo esse empenho, que nunca se dignou a ter contra a pandemia, foi com um único objetivo: tirar a foto do primeiro vacinado antes do governador João Doria.
Foi tudo um blefe. Desde o início, a Índia desconversou, pois a prioridade, obviamente, eram 1,3 bilhão de indianos. O governo brasileiro, porém, garantiu que as doses viriam, anunciou o voo para quinta-feira, adiou para sexta, contou com a autorização de uso emergencial da Anvisa hoje, convocou governadores para a próxima terça e marcou o início da vacinação para quarta. Puf! O cronograma evaporou. Era só parte da realidade paralela de Bolsonaro. Nem a Fiocruz pôde salvar.
O presidente, que vai negar a pandemia até o túmulo, combate isolamento e máscara, chama de “maricas” quem leva ciência e vida a sério, desdenha dos agora quase 210 mil mortos e trabalha contra vacinas. “Não tomo, pronto!”, anunciou, para confirmação internacional de que tipo de pessoa preside o Brasil. E insiste em fazer campanha contra a obrigatoriedade da vacina – que salva vidas e é a única fórmula para vencer a pandemia e retomar a normalidade da economia e do País.
A dupla Bolsonaro-Pazuello é do balacobaco. “Quem manda” se esmera em negar a pandemia e dar maus exemplos. E “quem obedece” virou chacota. Os dois produzem um espetáculo grotesco ao buscar um destino para milhões de doses de cloroquina que Bolsonaro pediu ao “amigão” Donald Trump, obrigou os laboratórios das Forças Armadas a produzir e agora empurra goela abaixo das secretarias de Saúde.
Sem a vacina da Índia (que é para inglês ver e bolsonarista bater bumbo), sem uma gota da Pfizer ou da Moderna, sem negociação com a Sputnik 5, que corre por fora, Bolsonaro só tem uma chance de dar uma rasteira em Doria e tirar a foto antes dele: “roubando” para si a vacina “do Doria” e “da China”. Goste ou não, ela é a única no Brasil, onde faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho. Dilma Rousseff sabe disso. Bolsonaro está começando a aprender.
Cristovam Buarque: O presidente asfixiador
A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil.
Política é a arte de um povo para definir seu caminho com coesão e rumo, por meio de dirigentes escolhidos. O colapso do sistema de saúde em Manaus é prova do fracasso da política. Irresponsabilidade, incompetência, insensibilidade dos governantes que nós elegemos, sobretudo o obscurantismo deles provocaram a tragédia da asfixia de doentes por falta de oxigênio. A imagem de brasileiros se afogando nos corredores de hospitais, por falta de um balão de oxigênio, é uma metáfora real de um governante com o pé no pescoço do país inteiro.
A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil. O sofrimento e morte no Amazonas, previsto por todos os cientistas e pelos ministros de saúde que foram demitidos porque alertaram, é consequência do descuido do presidente com o sofrimento, seu apego à feitiçaria no lugar da ciência, sua mesquinharia ao politizar a saúde pública e seu despreparo gerencial e sua falta de patriotismo. A crise sanitária é apenas um dos males que ele está provocado.
Nestes seus dois anos, ele conseguiu nos transformar em uma nação ridicularizada e desprezada no cenário internacional, está asfixiando o país em função de seu constante incentivo à destruição das florestas, seu descuido e até repulsa à educação de base, ensino superior, ciência e tecnologia e aos artistas faz dele o asfixiador do conhecimento e do espírito nacional, até mesmo esta conseguindo desmoralizar o Exército brasileiro ao dar-lhe tarefas para as quais seus generais demonstram despreparo. Bolsonaro é o asfixiador do Brasil.
Mas lamentavelmente ele não é o único. A asfixia também é feita pelos que não conseguem barra-la. Há dois anos nosso divisionismo permitiu a eleição deste asfixiador. E agora a divisão não nos dá a força necessária para seu impeachment por crime contra os brasileiros e o Brasil. Daqui a dois anos ele pode ser reeleito, se não nos unirmos e oferecermos uma proposta e um nome confiável nas eleições de 2022.
Bolsonaro é o asfixiador, mas o Brasil não nos perdoará se não encontrarmos os meios para impedir sua maldade e sua incompetência. Um país caminha errado, quando seu governo é ruim, mas entra em colapso quando as oposições também são ruins ou quando não se unem.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Folha de S. Paulo: Com Manaus sem oxigênio, Pazuello montou força-tarefa para disseminar cloroquina
Médicos que defendem remédios sem eficácia comprovada receberam convite do Ministério da Saúde
Em meio à falta de leitos e de oxigênio para pacientes com Covid-19 em Manaus, o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro montou e financiou força-tarefa de médicos defensores do que chamam de “tratamento precoce” da Covid-19 para visitarem Unidades Básicas de Saúde na capital amazônica.
Essa abordagem prega o uso de remédios incensados pelo governo federal, mas que estudos científicos dizem não ter eficácia contra o coronavírus, como cloroquina e ivermectina.
Segundo alguns dos envolvidos, eles não receberam pela participação, mas tiveram diárias de hotel e alimentação pagas pelo governo federal.
O Painel enviou três e-mails sobre o tema para o Ministério da Saúde ao longo de três dias, mas não obteve qualquer resposta. Entre outras questões, a coluna perguntou sobre o critério de escolha dos médicos, o valor gasto para realizar a empreitada e se há outras similares previstas.
A força-tarefa agiu na segunda-feira (11), um dia após o governador Wilson Lima (PSC) pedir socorro ao governo federal e a outros estados devido à falta de oxigênio no estado.[ x ]
Nesse dia, os médicos estavam na plateia quando Eduardo Pazuello (Saúde) subiu o tom na defesa desses medicamentos e disse não existir “outra saída”.
Os médicos também deram palestras em defesa do tratamento precoce da Covid-19, que cientistas dizem não existir.
Na audiência estavam membros do Ministério da Saúde, entre eles Mayra Pinheiro, secretária da pasta que assinou ofício que pressionava a Prefeitura de Manaus a distribuir essas medicações sem eficácia aos seus pacientes.
Ela é a principal ponte da pasta de Pazuello com os defensores da hidroxicloroquina e da ivermectina. Mayra foi alçada aos holofotes em 2013 ao hostilizar em aeroporto os médicos cubanos que participavam de curso do programa Mais Médicos.
Esse ofício do Ministério da Saúde, revelado pelo Painel, classificava como “inadmissível” a não-utilização de medicações como o antimalárico cloroquina e o antiparasitário ivermectina para controlar a pandemia em Manaus.
O grupo da força-tarefa envolve aproximadamente dez médicos de diferentes especialidades (infectologistas, oncologista, dermatologista) e recebeu o apelido de “Missão Manaus”.
Eles passaram em Unidades Básicas de Saúde e falaram com profissionais da área, para os quais defenderam o uso de ivermectina e hidroxicloroquina, medicamento que já foi associado à arritmia cardíaca.
O ofício do Ministério da Saúde pedia permissão à prefeitura para que esses profissionais fizessem essa ronda pelas UBSs para que fosse “difundido e adotado o tratamento precoce como forma de diminuir o número de internamentos e óbitos decorrentes da doença".
O Painel obteve vídeo de uma dessas visitas (veja abaixo). Nele, a médica dermatologista Helen Brandão, de Goiás, exalta o exemplo de Porto Feliz (SP), onde o prefeito, Dr. Cássio (PTB), optou por adotar o uso de hidroxicloroquina e ivermectina.
A cidade desde então virou objeto da produção de fake news diversas, como as que dizem que 100% da população tomou hidroxicloroquina e que nenhuma pessoa morreu de Covid-19 na cidade depois de tomar a medicação.
“Ivermectina. O tratamento precoce era azitromicina, hidroxicloroquina, zinco, vitamina D. Lá eles davam até enoxaparina. Até enoxaparina tinha na unidade. Fizeram um trabalho muito bonito. E corticóide, dose alta. Só de fazer isso... A cidade tem 50 mil habitantes e até agora, do começo do Covid até agora, eles tem 20 óbitos, sendo que apenas um fez tratamento precoce, os outros 19 não fizeram. E esse paciente tinha muitas comorbidades. É um case de sucesso ou não é?”, diz Brandão a profissionais da UBS.
Procurada pela Folha, Brandão não comentou a missão, sugeriu que a reportagem contactasse o Ministério da Saúde, disse que a Folha não é um jornal sério e que não deveria ousar citar seu nome.
Ela escreveu em suas redes sociais que Raphael Câmara, secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, mostrou em evento do qual participaram em Manaus que “deixar de atender o doente precocemente já virou caso de polícia e [de] punição ética aos médicos”. Procurada, a pasta não comentou a fala de Câmara.
Ela também publicou nas suas redes sociais um levantamento da quantidade de remédios que distribuíram em Manaus: 20 caixas de ivermectina com sessenta comprimidos, 40 caixas de hidroxicloroquina, 36 caixas de reuquinol (sulfato de hidroxicloroquina), 50 caixas de Clexane (anticoagulante), 63 caixas de enoxaparina (anticoagulante).
Ela também compartilhou mensagem que diz que em vez de se perguntarem sobre a falta de oxigênio para pacientes em Manaus, as pessoas deveriam questionar “quantos pacientes tiveram negado o acesso ao tratamento precoce, agravando a doença e obrigando suas internações”.
Esses médicos foram chamados a participar de evento com Eduardo Pazuello em Manaus também na segunda-feira (11). Foi nessa ocasião que o ministro disse que “não existe outra saída” para além dos remédios sem eficácia comprovada.
“Nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda. Os conselhos federais e regionais já se posicionaram, são a favor do tratamento precoce, do diagnóstico clínico", afirmou.
Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da USP, diz ao Painel que a ação terá de ser usada no futuro “para demonstrar cabalmente que o Ministério da Saúde abandonou sua tarefa de salvar vidas e passou a espalhar crenças”.
“O uso dessas medicações só se justifica pela crença. Podiam levar também os feijõezinhos do pastor Valdemiro [Santiago]. Devem fazer o mesmo efeito”, completa.
Na terça-feira (12), Bolsonaro disse que havia enviado Pazuello a Manaus porque a cidade estava “um caos” e não fazia tratamento precoce. Ele disse que teve que “interferir”.
O médico Ricardo Ariel Zimerman, do Rio Grande do Sul, foi um dos chamados a participar da chamada “Missão Manaus” e foi convidado a dar uma palestra no mesmo evento, quando defendeu o “tratamento precoce”, assim como faria ao participar da ronda pelas UBSs.
Ele não quis falar com o Painel. Ao site da Prefeitura de Manaus, disse que reforçaram “o uso precoce, principalmente nos primeiros dias de sintomas, de medicações antivirais, de preferência em combinação, com várias alternativas que podem ser escolhidas para a prescrição”.
Outro dos membros do grupo, Gustavo Pasquarelli é diretor técnico da unidade da Baixada Santista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, do governo de São Paulo. Em suas redes sociais, ele compartilhou mensagem que diz: “ser contra Bolsonaro é um direito democrático seu. Ser contra a cloroquina é uma monstruosidade ideopata de quem acha moral politizar pandemias e capitalizar mortes”.
A secretaria de Saúde do governo João Doria (PSDB-SP) disse ao Painel, por telefone, que o Emilio Ribas não teve participação na viagem do médico, que foi custeada pelo Ministério da Saúde no período de férias do profissional.
A anestesiologista Luciana Cruz, de São Paulo, tem 50 mil seguidores nas redes sociais e é a mais conhecida do grupo de defensores do tratamento precoce.
Ela diz ao Painel que os médicos não receberam nada do Ministério da Saúde pela viagem a não ser as estadias e o valor de alimentação. Ela afirma que eles brincavam que estavam pagando para estar lá, pois deixaram seus consultórios para participarem da força-tarefa.
Cruz conta que o grupo foi pego de surpresa pelo convite e teve menos de 24h para se organizar e partir para Manaus. Nas malas, afirma, levou hidroxicloroquina e ivermectina.
“Dizer que o tratamento precoce é controverso é apenas uma narrativa. A gente já tem mais do que as evidências científicas e as experiências práticas. Para quem quiser, é muito claro. Muitos médicos nos procuram e quando têm acesso a essas informações eles ficam em choque”, afirma.
“Uma coisa era questionar o tratamento precoce no início do ano passado. Hoje em dia, não é mais questionável. Não tem mais por que ser questionável”, completa Cruz.
Ela diz ter receitado os medicamentos para sua família e para ela mesma. “Não perdi ninguém. Não acho que tenha sido coincidência todos os obesos e diabéticos que a gente tratou [não morreram]”.
“Não recebi um real para fazer o que fiz lá, que foi ir para as UBSs e expor… Eu sabia que estava indo para as UBSs e que havia suspeita de uma cepa mutante, confirmada no dia que fomos. Como confio no que eu defendo, fui com a profilaxia. Acredito no poder preventivo dessas medicações. Não sou nenhuma camicase, prezo muito pela minha vida, pela minha profissão, sou muito ética. Tomei as medicações e fui confiando nisso. Tanto a ivermectina quanto a hidroxicloroquina, fui tomando ambas as medicações”, conclui.
Merval Pereira: Dia D +
O dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a especialidade que fez o General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo bolsonariano.
Os adeptos do presidente consideraram sua decisão uma grande sacada, porque, diziam na época, o que era preciso era uma organização logística de apoio aos governos estaduais no combate à COVID-19. Pois o avião da Azul que iria ontem para a Índia para apanhar dois milhões de doses da vacina AstraZenica/ Oxford atrasou um dia porque esqueceram literalmente de combinar, não com os russos, mas com os indianos.
Eles estão começando por lá a vacinação nacional, e não têm tempo para atender os compradores brasileiros. Além do mais, para quem quer começar a vacinação ao mesmo tempo em todo o país, pelo menos sete estados não têm seringas nem agulhas neste momento, o que indica que em uma semana dificilmente estarão equipados.
Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski está exigindo que cada estado oficialize o estoque de seringas e agulhas que tem, pois no relatório do ministerio da Saúde, que era para garantir que está tudo sob controle, descobriu essa informação crucial, que pode atrasar a vacinação nacional. Por absoluta inépcia do governo federal, que não assumiu o papel de coordenação que lhe cabia na distribuição dos insumos necessários à vacinação em massa, e também, claro, de governadores que não atentaram para o fato de que sem agulhas e seringas não poderiam vacinar, mesmo que recebessem as doses do governo.
O governo só começou a pensar nesses detalhes logísticos da vacinação recentemente, e ainda não conseguiu comprar agulhas e seringas suficientes. Bolsonaro resolveu revogar a lei da oferta e da procura, e “denunciou” que o preço dos insumos ficou muito caro no fracassado leilão promovido pelo ministério da Saúde, e decidiu que só comprará quando a indústria se adaptar ao seu orçamento. Esse encarecimento só aconteceu, o ministro da Economia Paulo Guedes já deve ter explicado, porque o governo demorou a cuidar do assunto, embora tenha sido alertado seis meses antes para a necessidade de fazer as encomendas, pois a indústria tinha que se preparar para a demanda. Quando foi às compras tardiamente, encontrou os preços mais altos.
De qualquer maneira, marcar a data para o início da vacinação nacional é uma notícia boa, que poderia ter sido dada há muito tempo, não fossem os atrasos por causa da inépcia do governo. O Brasil tem experiência grande em distribuição de vacinas, mas como serão duas doses e alguns estados ainda não estão devidamente equipados, o trabalho pode ficar mais difícil.
Esperamos também pela decisão da ANVISA, que deve anunciar no domingo a liberação do uso emergencial das vacinas do Butantã e da Fiocruz. A ansiedade é tão grande que a reunião dos técnicos da ANVISA será transmitida pelo canal do órgão no Facebook. Provavelmente não será tão emocionante como uma reunião televisionada do plenário do Supremo, mas como todos nós brasileiros, que já somos técnicos de futebol e juristas, agora estamos fazendo uma especialização em infectologia e nos tornando especialistas em vacinas - a eficácia global da vacina A é maior que a da B, uma imuniza a tantos por cento, outra vai além -, talvez o voto de cada conselheiro da ANVISA seja acompanhado de uma torcida.
A do Butantã ficou no meio de uma grande polêmica sobre sua eficácia, e de uma disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo João Doria, o que fez com que decisões não muito técnicas tivessem sido tomadas, como na suspensão das pesquisas devido a “efeito adverso” da Coronavac que nada tinha a ver com a vacina em si, mas com o voluntário que, tragicamente, se suicidara.
A irresponsabilidade foi tão grande que o próprio Bolsonaro sugeriu que o suicídio poderia ter sido provocado por efeitos colaterais da vacina. A tragédia que está acontecendo em Manaus é exemplar do descaso do governo, que acredita que a melhor maneira de imunização contra a COVID-19 é todo mundo ser infectado.
Nas redes sociais, bolsonaristas de todos os quilates, até os que têm mandato, comemoraram quando a pressão dos comerciantes fez com que o governo do estado levantasse as proibições. Tratado como “uma vitória do povo", o fim das restrições levou ao caos atual.
Eliane Cantanhêde: ‘Dia D e hora H’
Como Dilma, Pazuello não tem meta nem vacina, mas vai dobrar meta e vacina, um dia, talvez
O papa Francisco, o próximo presidente americano, Joe Biden, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, o seu marido, príncipe Phillips, e até o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que já teve a doença, estão se vacinando ou já anunciaram que vão se vacinar contra a covid-19, dando exemplo para os cidadãos de seus países e para o mundo. E o presidente Jair Bolsonaro?
A pandemia não está no “finalzinho”, como ele chegou a dizer quando o vírus voltou a disparar em dezembro, e as vacinas são a única salvação contra seus efeitos assustadores no número de mortos, contaminados, desempregados e empresas quebradas. A última vítima, muito doída, foi a montadora norte-americana Ford, que foi a primeira indústria automobilística a se instalar no Brasil, em 1919, e abandona o País depois de mais de cem anos.
Em comunicado, a empresa alegou que a covid-19 “amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”. Ou seja: a covid-19 não é a única causa da debandada, mas potencializa o custo Brasil, a falta de segurança jurídica, a desordem tributária, as reformas estruturais que nunca vêm, a crise fiscal que se eterniza, as promessas que não são cumpridas e, como frisou o deputado Rodrigo Maia pelas redes, “a falta de credibilidade do governo brasileiro”. E a Ford joga a toalha justamente quando o Brasil se debate na turbulência das vacinas.
Nem mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, campeã de pérolas, como a mandioca, o cachorro, a “mulher sapiens”, a estocagem do vento e dobrar uma meta sem meta, faria melhor que o general Eduardo Pazuello. Dilma anunciou um programa sem meta e prometeu que, assim que tivesse meta, dobraria essa meta. Pazuello faz tudo o que seu mestre mandar, ataca a mídia e, firme, resoluto, define com precisão que as vacinas vão começar “no dia D, na hora H”. Puxa!
Enquanto EUA, Reino Unido, Canadá, Alemanha, México, Chile, Argentina, Costa Rica e uma fila enorme de países vão vacinando suas populações, no Brasil estamos empacados tanto no “dia D”, que já foi em março, depois fevereiro, depois dezembro e agora pode ser janeiro, ou fevereiro, quanto na “hora H”, que pode ser qualquer uma, desde que Bolsonaro e o ministro da Saúde vacinem o primeiro brasileiro antes do governador João Doria. Para Bolsonaro, que manda, e Pazuello, que obedece, o importante não é vacinar, é vacinar primeiro; não é ter doses para todos, basta uma única dose para a foto.
O problema é que até agora, meados de janeiro, só há uma vacina disponível para ser aplicada no Brasil: a Coronavac. Parte chegou em lotes já prontos da China, outra parte em forma de insumos para o nosso Butantã processar. Assim, a guerra entre Bolsonaro e Doria desabou numa corrida desenfreada entre a Coronavac e a Oxford-AstraZeneca, que, para driblar a falta de doses no Brasil, encomendou às pressas dois milhões à Índia. Não faz nem cosquinha numa população de 210 milhões de habitantes, mas é o suficiente para atropelar a “vacina do Doria”, ou “da China”. E a Anvisa dita o ritmo da corrida...
Bolsonaro olha ao redor, pressiona pelo “dia D”, fica de olho na “hora H” e avalia em que momento vai jogar suas culpas macabras em Pazuello, na mídia, na indústria, nos governadores e no Doria. Ele não quer saber de eficácia de vacina, só do efeito dos atrasos e da incompetência na sua imagem, popularidade e reeleição.
Logo, o importante não é vacinar para salvar vidas e conter a pandemia. É ter uma vacina para se imunizar contra a própria culpa e responsabilidade e continuar contaminando aquele terço da população que pode até não tomar vacina, mas engole tudo o que Bolsonaro fala e faz.
Alon Feuerwerker: Lição de Brasil
De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria). A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).
Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes.
Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.
O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Cristovam Buarque: Basta e basta
União contra Bolsonaro
Basta do governo insano e da oposição dividida. O maior erro dos democratas foi não manterem a unidade da luta contra a ditadura, na hora de construir a democracia, com eficiência econômica, justiça social, sustentabilidade ecológica, fiscal e educacional. Continuamos divididos, mesmo diante do risco de reeleger um regime miliciano no lugar do antigo regime militar.
Em 1985, os democratas se uniram para barrar a continuação do regime militar com o civil Maluf; com exceção do PT, que não votou contra a ditadura, para não se aliar a democratas conservadores. Com poucos deputados, sua opção não impediu a vitória da democracia. Quase quarenta anos depois, outra vez os democratas têm a chance de deixar suas divergências para barrar um regime militarista, obscurantista, candidato a autoritarismo. Desta vez o PT não é mais o pequeno partido de antes. Apesar de todo seu desgaste, por seus erros ou por manipulações na justiça, o PT é um partido grande o suficiente para definir o rumo das eleições em 2022: unindo-se aos demais democratas para barrar a continuação do atual governo, ou repetir o isolamento e correr o risco de reeleger o governo atual, com todas as consequências.
Se repetirmos agora o divisionismo, seja porque o PT não se alia aos demais democratas ou porque estes não aceitam se unir ao PT, há grande chance de outra vez chegarmos ao segundo turno com um nome que não entusiasma ao conjunto dos democratas, e, ainda mais grave, um nome ou um partido com mais rejeição do que o atual presidente. Como aconteceu em 2018, onde Fernando Haddad era muito mais preparado, mas perdeu por causa da rejeição ao PT.
Basta deste governo insensato.
Basta também da insensatez dos democratas que se dividem.
Em 1985, Brizola, Arraes, Ulisses, deixaram de lado suas divergências mútuas e abriram mão da proposta nobre das eleições diretas, adiando-a por quatro anos; se aliaram a Sarney e Marco Maciel, que até a véspera estavam aliados a ditadura mas aceitaram a aliança com seus adversários para iniciar a redemocratização, que sem eles teria sido adiada por anos. Foi a aliança entre adversários discordantes e o nome sem rejeição, do Tancredo, que permitiu barrar a ditadura. Outra vez precisamos que nossos líderes de hoje barrem a reeleição deste presidente que se reelegeu por causa de nossa divisão em 2018. Para tanto, precisam fazer como fizeram aqueles outros 40 anos atrás: explicitarem a unidade, os motivos dela, e escolherem um nome com pequena rejeição na opinião pública. Que assuma o compromisso de abolir o negacionismo, aceitar diálogo e tolerância, respeitar a democracia, rechaçar o armamentismo e conduzir o país por quatro anos. É como se estivéssemos outra vez adiando as Diretas, mas abrindo o debate sobre o progresso futuro, graças a barrar a decadência que o Brasil sofre.
Basta da insanidade do desgoverno ou do divisionismo das oposições.
Murillo de Aragão: Mudando de ideia para sobreviver
O governo deve deixar claro que a vacinação é, de fato, prioridade
Em política, mudar de ideia é quase inevitável. As circunstâncias e o acaso são os curingas da realidade. Mas, de modo geral, a mudança de ideia não é bem aceita pela opinião publica, sendo vista como um sinal de falta de coerência. Em política, porém, coerência e conveniência andam muito próximas da necessidade. São como os três mosqueteiros de Dumas. E, como na história, existe o quarto mosqueteiro, que é a oportunidade.
Na análise política, identificar os mosqueteiros é essencial para entender o que está acontecendo. A coerência é mantida pela conveniência e pela necessidade diante da conjuntura. Quando as circunstâncias mudam, a coerência é sacrificada e abre-se a oportunidade para mudanças.
Nenhum regime totalitário e dogmático do século passado deixou de mudar de ideia ao longo dos acontecimentos. Ao contrário, mudam com mais facilidade que os democráticos, pois controlam a expressão política da sociedade. Já na democracia, as quebras de paradigma são mais penosas porque o processo decisório é mais abrangente e envolve mais atores.
O governo Jair Bolsonaro viveu em 2020 um processo de mudança de ideias com sinais contraditórios. O ex-presidente dos EUA Harry S. Truman teria dito “if you can’t convince them, confuse them” (“se não pode convencê-los, confunda-os”) ao se referir à forma como a oposição tratava o seu mandato perante a opinião pública. Bolsonaro exerceu, de forma muitas vezes rude, o que o americano dizia. Mas não só ele. Lula foi mestre em tecer narrativas contraditórias às suas atitudes.
Há dois processos em curso confundindo o eleitorado. Um é a mudança de ideia materializada nos entendimentos com setores do centro político, prática que Bolsonaro já rejeitou com veemência. A necessidade prevaleceu sobre a coerência. Nada de novo, apesar do estranhamento. O outro processo está indefinido: a questão da imunização contra a Covid-19. Ao mesmo tempo que Bolsonaro diz que não se vacinará, ele já pôs verbas à disposição para os fármacos. Mas o programa de imunização não está posto, ao passo que países menos organizados avançam na questão. A ambiguidade no tratamento do tema pode penalizar a aprovação do governo.
Confundir os adversários com narrativas e atitudes contraditórias depende de mestria, timing e certa simpatia da sociedade. Lula foi popular mesmo negociando com o FMI, praticando um grande arrocho fiscal e operando no submundo da política com o mensalão. Beneficiou-se da tolerância da opinião pública e “daszelite”. Mas não resistiu aos próprios erros. O maior deles foi Dilma Rousseff.
Bolsonaro avançou na reestruturação do presidencialismo de coalizão e demonstrou que sua prioridade era a blindagem política. Mas, no tocante à vacinação, suas atitudes estão obliteradas pela falta de convicção. Ele corre o risco de cometer erros fatais ante os desafios econômicos e sanitários atuais. A questão da imunização deve ser abordada de forma a deixar claro para a opinião pública e, sobretudo, para o mundo econômico que ela é, de fato, prioridade. Sem a vacinação, a economia vai patinar e a aprovação do governo vai encolher. O caminho para o seu sucesso será o de mudar de ideia com mais intensidade. Como disse Churchill, “quem não muda de ideia não muda nada”.
Bruno Boghossian: Governo teve pressa com cloroquina, mas nega ao país empenho na vacinação
Entre a 'angústia' e a 'esperança para corações aflitos', há um governo incompetente
Em março, Jair Bolsonaro se reuniu com o ministro da Defesa e ordenou que o Exército ampliasse imediatamente sua produção de cloroquina. A equipe técnica do governo dizia que o remédio não funcionava contra a Covid-19, mas a ordem foi cumprida em tempo recorde: em três semanas, os militares fabricaram 2 milhões de comprimidos.
A obediência inspirou Bolsonaro. Meses depois, ele escolheu um general para comandar o Ministério da Saúde. Eduardo Pazuello seguiu as vontades do chefe e moveu as engrenagens da máquina pública para distribuir um medicamento ineficaz. Com a cloroquina, o presidente teve uma pressa que foi negada ao país no planejamento da vacinação.
O governo assinou no início de junho a adesão do Brasil a um consórcio internacional para a fabricação de imunizantes contra o coronavírus. No mesmo mês, a equipe econômica perguntou ao Ministério da Saúde se havia previsão de importar material para vacinação. A pasta levou quase seis meses para publicar um edital para a compra de seringas.
Bolsonaro foi mais ágil na campanha do curandeirismo. Ainda em abril, o presidente conversou com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e pediu matéria-prima para a fabricação de cloroquina. Um carregamento chegou ao Brasil em menos de uma semana. No mês seguinte, os Estados Unidos enviaram mais 2 milhões de doses do medicamento.
O estoque de comprimidos está garantido, mas o país corre risco de ficar sem seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19. O pregão aberto pelo governo para comprar 331 milhões de kits fracassou e só deve atingir 2,4% da demanda.
Quando o TCU pediu explicações ao Exército sobre a fabricação de cloroquina a preços acima do normal, os militares disseram que o objetivo era "produzir esperança para corações aflitos". Sobre as cobranças públicas por um plano de vacinação, o ministro da Saúde fez pouco caso: "Para quê essa ansiedade, essa angústia?". Entre a angústia e a esperança, há um governo incompetente.