ministério da saúde
El País: Moraes manda Governo Bolsonaro retomar divulgação total de dados da covid-19
Ministro do Supremo concedeu liminar a pedido de partidos de oposição. Antes, pasta havia fornecido boletim incompleto. Mortes vão a 37.312, segundo consórcio de veículos de imprensa
O Governo Bolsonaro sofreu mais um revés nas mãos do Supremo Tribunal Federal. No fim da noite de segunda-feira, o ministro da Corte, Alexandre de Moraes, concedeu uma liminar aos partidos oposicionistas Rede e PCdoB que obriga o Ministério da Saúde a restabelecer o formato de divulgação integral dos dados da pandemia do novo coronavírus. A pasta, dominada por militares e sem ministro titular desde a saída de Nelson Teich, decidiu, na sexta, aplicar uma mudança drástica no boletim diário sobre a pandemia, incluindo a ocultação de dados totais sobre a covid-19 no Brasil. A alteração foi alvo de uma bateria de críticas, do Congresso Nacional à Organização Mundial da Saúde (OMS), e havia pressionado o ministério a recuar em alguns pontos e anunciar uma nova plataforma, ainda não tornada pública, mesmo antes de a decisão de Moraes colocar Supremo e Planalto mais uma vez em rota de colisão.
Nesta segunda-feira, os representantes da Saúde fizeram uma apresentação à imprensa que acabaram por aprofundar a confusão em torno do tema. A pasta exibiu dados incompletos: no balanço diário consolidado da doença, ficaram de fora os números de ao menos quatro Estados. Também foi deixado de fora a informação de quantos óbitos suspeitos de terem sido causados no país pelo novo vírus seguem em investigação. Depois de atrasar para quase 22h o balanço durante toda a semana passada, agora a pasta diz que fará a divulgação diariamente por volta das 18h.
No boletim desta segunda-feira, os números oficiais foram: 15.654 casos novos da doença e 679 óbitos em 24 horas, totalizando 37.134 óbitos por covid-19 e 707.412 infecções no país. Em vez do gráfico com toda a informação resumida, como vinha fazendo sempre junto à atualização de um site, o ministério apresentou os índices em dois locais distintos. Questionado, a própria pasta admitiu que os números oficiais para o dia 8 de junho poderiam ser maiores, já que o balanço não incluía os dados atualizados dos Estados de Alagoas, Santa Catarina, Goiás e Distrito Federal. Segundo a pasta, as Secretarias de Saúde não haviam enviado as informações até o fechamento do boletim desta segunda-feira. “No caso dos Estados que não enviarem os dados a tempo, manteremos os números do dia anterior”, explicou o coronel Élcio Franco, secretário-executivo da pasta, que segue sem ministro titular em plena crise.
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As seguidas controvérsias e atrasos na divulgação dos dados levaram à formação de um consórcio de veículos de imprensa —G1, Globo, Extra, Estadão, Folha de S. Paulo e UOL— para monitorar de maneira independente os dados junto às Secretarias de Saúde dos Estados. Neste levantamento, que estreou nesta segunda, 37.312 mortes por covid-19 e 710.887 casos confirmados. A compilação mostra que foram notificados 849 óbitos nos 27 Estados e 19.631 casos nas últimas 24 horas.
Total de mortos
Na última sexta-feira, o ministério havia excluído o número total de casos confirmados e de óbitos por covid-19 registrados no país, o que agora foi revertido pela liminar de Moraes. Depois que a imprensa e outras instituição acusaram o Governo de falta de transparência, a pasta liderada interinamente por Eduardo Pazuello já havia voltado atrás e afirmado que tais dados consolidados estão disponíveis no painel covid-19 do Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (Conass), alimentado pelas secretarias estaduais e no Datasus, a hermética plataforma de dados do SUS. Em nenhum dos dois está disponível, no entanto, o número de óbitos ainda em investigação, um dado que antes era divulgado diariamente e sinalizava o gargalo na análise de testes pelo país. Questionado pelo EL PAÍS sobre esse dado, o ministério não respondeu.
A pasta informou que vai adotar —ainda sem especificar quando— um novo modelo de divulgação, com base na data de ocorrência dos casos (quando o paciente informa os primeiros sintomas da doença) e dos óbitos, e não mais pela data de notificação deles no sistema, como vinha acontecendo desde o início da pandemia e como fazem praticamente todos os países do mundo. Como o Brasil ainda não conseguiu implementar estratégias de testagem em massa, o temor é que novo modelo apenas transforme o atraso nos resultados em uma forma de diluir a gravidade da pandemia no país.
“Temos de garantir transparência ativa, em detalhes, dos dados do Brasil. Isso nunca aconteceu desde 1975”, criticou Wanderson de Oliveira, o ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, em conversa com o biólogo Átila Iamarino. Oliveira contou que o sistema de vigilância epidemiológica brasileiro foi criado justamente um ano após a ditadura tentar esconder um surto de meningite em 1974. “O que mata o fungo é a luz do sol”, disse.
O cientista Vítor Sudbrack, físico que faz parte da equipe do Observatório Covid-19 BR, que analisa os dados da pandemia no Brasil, explica que a nova metodologia aplicada pelo ministério pode, sim, permitir ter um panorama mais real de como a doença de comporta no país, desde que seja feita de forma correta e sem ocultação de dados. “Na maioria dos casos, os primeiros sintomas acontecem 30 dias antes da notificação. Por isso, é bom que o Governo se atenha às datas de ocorrência e de óbito, porque aí temos um retrato do real impacto da doença, sem o atraso da notificação, que é arbitrária”, diz.
Pela análise feita no observatório, em alguns Estados, 61% dos óbitos levam mais de 10 dias para entrar no sistema do Ministério da Saúde, de acordo com Sudbrack. Ele explica ainda que o modelo prevê a correção sobre os dias anteriores, assim, uma morte ocorrida, por exemplo, no dia 5 de junho, mas cuja investigação só se conclua depois da divulgação do boletim epidemiológico de 8 junho, ainda deve entrar na soma total de vítimas fatais no país. “Resta ver se é isso que o Governo vai fazer de fato”, diz Sudbrack, cético quanto aos “truques” que o Executivo de Jair Bolsonaro tem usado para divulgar os números da pandemia.
Sudbrack conta que, no sistema Sivep-Gripe, do SUS, uma das base de dados usada pelo Observatório Covid-19 BR, também há discrepância entre os números nacionais e os das secretarias de Saúde estaduais. “Vimos que a base nacional tem menos casos que as estaduais. Em relação aos números do Estado de São Paulo, por exemplo, há 50% de casos a menos na base nacional. Já perguntamos ao Ministério da Saúde a que se deve a essa mudança, se foi aplicado algum filtro específico nos números, mas não tivemos resposta. Assim, tudo o que podemos fazer é especular", diz. Questionado sobre o tema, o Ministério da Saúde afirma que os erros nos boletins se devem à “duplicação” de dados e que “vem aprimorando os meios para a divulgação da situação nacional de enfrentamento à pandemia".
“O Brasil precisa entender onde o vírus está, como controlar os riscos. A OMS espera que a comunicação seja consistente e transparente e entende que o Governo brasileiro continuará relatando diariamente dados sobre a incidência e mortes de forma separada”, cobrou o chefe do programa de emergências da organização, Mike Ryan, nesta segunda-feira.
Enquanto isso, a pressão interna sobre a pasta também era crescente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) anunciou, após uma reunião com líderes políticos, que a comissão mista que acompanha as ações de combate ao novo coronavírus vai trabalhar a partir de agora com os números fornecidos pelas secretarias estaduais de saúde e não pelo ministério. “É papel do Parlamento buscar a transparência em um momento tão difícil para todos”, disse ele. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, havia informado, via Twitter, que cobraria o ministro interino Pazuello sobre a divulgação de dados em reunião virtual nesta terça-feira. Antes da decisão de Moraes, Antonio Dias Toffoli, presidente da STF, já havia se unido ao coro das críticas: “Vimos hoje a realização de uma parceria colaborativa entre diversos veículos de comunicação para dar transparência aos dados da pandemia no país. A transparência é mandamento constitucional. São bem-vindas todas as medidas que visem reforçá-la”, disse ele, num evento no qual criticou as atitudes “dúbias” de Jair Bolsonaro em relação à democracia.
Folha de S. Paulo: Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19
Jornalistas de Folha, UOL, Estadão, Extra, O Globo e G1 vão coletar nas secretarias de Saúde, e divulgar em conjunto, números sobre mortes e contaminados
Em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de Covid-19, os veículos O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, G1 e UOL decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.
Em uma iniciativa inédita, equipes de todos os veículos vão dividir tarefas e compartilhar as informações obtidas para que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela Covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o novo coronavírus.
O governo federal, por meio do Ministério da Saúde, deveria ser a fonte natural desses números, mas atitudes recentes de autoridades e do próprio presidente colocam em dúvida a disponibilidade dos dados e sua precisão.
Como o Ministério da Saúde mudou a divulgação dos dados de Covid-19
Mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na publicação de seu balanço da pandemia reduziram a quantidade e a qualidade dos dados.
Primeiro, o horário de divulgação, que era às 17h na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta (até 17 de abril), passou para as 19h e depois para as 22h. Isso dificulta ou inviabiliza a publicação dos dados em telejornais e veículos impressos. “Acabou matéria no Jornal Nacional”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em tom de deboche, ao comentar a mudança.
A segunda alteração foi de caráter qualitativo. O portal no qual o ministério divulga o número de mortos e contaminados foi retirado do ar na noite da última quinta-feira. Quando retornou, depois de mais de 19 horas, passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Desapareceram os números consolidados e o histórico da doença desde seu começo. Também foram eliminados do site os links para downloads de dados em formato de tabela, essenciais para análises de pesquisadores e jornalistas, e que alimentavam outras iniciativas de divulgação.
Entre os itens que deixaram de ser publicados estão: curva de casos novos por data de notificação e por semana epidemiológica; casos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica; mortes por data de notificação e por semana epidemiológica; e óbitos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica
Neste domingo (7), o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas.
Em razão das omissões, a parceria entre os veículos de comunicação vai coletar os números diretamente nas secretarias estaduais de Saúde. Cada órgão de imprensa divulgará o resultado desse acompanhamento em seus respectivos canais. O grupo vai chamar a atenção do público se não houver transparência e regularidade na divulgação dos dados pelos estados.1 9
Pacientes com Covid-19 na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Municipal Dr. Moyses Deutsch, no M'Boi Mirim Lalo de Almeida/ FolhapressLeia Mais
"Numa sociedade organizada como a brasileira, é praticamente impossível omitir ou desfigurar dados tão fundamentais quanto o impacto de uma pandemia. Com essa iniciativa conjunta de levantamento de dados com os estados, deixamos claro que a imprensa não permitirá que nossos leitores fiquem sem saber a extensão da Covid-19 “, afirmou Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha.
“É nossa responsabilidade cotidiana transmitir informações confiáveis para a sociedade. E, agora, no momento mais agudo da pandemia, precisamos assegurar à população o acesso a dados corretos o mais rápido possível, custe o que custar”, disse Murilo Garavello, diretor de Conteúdo do UOL.
“É triste ter que produzir esse levantamento para substituir uma omissão das autoridades federais. Transparência e honestidade deveriam ser valores inabaláveis na gestão dessa pandemia. Vamos continuar cumprindo nossa missão, que é informar a sociedade”, afirmou João Caminoto, diretor de Jornalismo do Grupo Estado.
"O jornalismo tem a missão de levar à população os números mais precisos sobre a pandemia. É fundamental conhecer a real extensão dos fatos. Esses dados são decisivos para que as pessoas saibam como agir nesse momento tão difícil", destacou Humberto Tziolas, diretor de redação do Extra.
“Neste momento crucial, deixamos nossa concorrência de lado por um bem comum: levar à sociedade o dado mais preciso possível sobre a pandemia. Essas informações orientam as pessoas e as políticas públicas. Sem elas, o país mergulha em um voo cego. O jornalismo cumprirá seu papel”, afirmou Alan Gripp, diretor de redação de O Globo.
"A missão do jornalismo é informar. Em que pese a disputa natural entre veículos, o momento de pandemia exige um esforço para que os brasileiros tenham o número mais correto de infectados e óbitos”, afirmou Ali Kamel, diretor-geral de Jornalismo da Globo (TV Globo, GloboNews e G1). “Face à postura do Ministério da Saúde, a união dos veículos de imprensa tem esse objetivo: dar aos brasileiros um número fiel."
Folha de S. Paulo: Entidades médicas vão à Justiça contra o uso da cloroquina
Médicos afirmam que orientação do Ministério da Saúde deixou profissionais em meio a fogo cruzado
Fernando Canzia, da Folha de S. Paulo
Entidades médicas preparam medidas judiciais para obrigar o Ministério da Saúde a retirar de seu site na internet as orientações para que profissionais de saúde administrem precocemente cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com coronavírus.
Os médicos afirmam que o fato de a orientação existir formalmente dará margem à população para exigir o uso dos medicamentos mesmo quando a avaliação clínica não recomendar a prescrição.
A maioria das unidades básicas de saúde no país não tem, por exemplo, eletrocardiógrafos para aferir se os pacientes podem usar a cloroquina, que apresenta a arritmia como um de seus principais efeitos colaterais.
Mais de 90% dessas unidades também não dispõem de profissionais de segurança, e o temor dos médicos é que, como a escalada da epidemia, muitos pacientes acabem exigindo de forma mais enfática o uso dessas drogas.
Segundo Daniel Knupp, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que reúne 47,7 mil equipes de atenção básica no país, o governo federal está colocando os médicos em um “fogo cruzado” com a publicação das orientações pelo Ministério da Saúde.
“Haverá pressão da população para o uso desses medicamentos, sendo que o próprio governo está sendo tecnicamente omisso em sua orientação”, diz Knupp.
“Esse foi o subterfúgio usado para que não haja uma disputa técnica sobre o uso da cloroquina”, diz Knupp.
Segundo ele, a cloroquina deve começar a ser largamente distribuída pelo governo nos próximos dias por conta da produção que o Exército vem realizando.
Com a orientação para o seu uso publicada no site do ministério, os médicos que não concordarem com ela podem acabar sendo pressionados a fazê-lo.
Na ação contra a manutenção do documento no site, a SBMFC usará o seu próprio texto como argumento contra o uso dos medicamentos.
Em sua primeira nota técnica, o documento afirma que "ainda não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o beneficio inequívoco dessas medicações para o tratamento da Covid-19”.
A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) estuda participar da mesma ação ou tomar medidas jurídicas individualmente.
“Há evidências suficientes para a não utilização da cloroquina e das demais medidas recomendas pelo ministério em pacientes infectados pela Covid-19”, afirma Suzana Margareth Lobo, presidente da Amib.
A Sociedade Brasileira de Infectologia também emitiu nota afirmando que vários estudos mostraram o "potencial malefício” dessas drogas. A entidade recomenda que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 seja feito "prioritariamente em pesquisa clínica".
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro impõe e Saúde libera cloroquina para todos pacientes com covid-19
Documento divulgado nesta quarta-feira recomenda a prescrição do medicamento desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus
Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
Diante da recusa de dois ministros da Saúde, que optaram por pedir demissão para não assinar o documento, coube ao general Eduardo Pazuello, que assumiu a pasta de forma interina, liberar a cloroquina para todos os pacientes de covid-19. Em documento divulgado nesta quarta-feira com o novo protocolo, o ministério recomenda a prescrição do medicamento desde os primeiros sinais da doença causada pelo coronavírus.
Embora não haja comprovação científica da eficácia do medicamento contra a doença, o Ministério da Saúde alega, no documento, que o Conselho Federal de Medicina autorizou recentemente que médicos receitem a seus pacientes a cloroquina e a hidroxicloroquina, uma variação da droga. "A prescrição de todo e qualquer medicamento é prerrogativa do médico, e que o tratamento do paciente portador de COVID-19 deve ser baseado na autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente que deve ser a mais próxima possível, com objetivo de oferecer o melhor tratamento disponível no momento
Na prática, com o novo protocolo, o governo autoriza que médicos da rede pública de saúde receitem a cloroquina associada ao antibiótico azitromicina logo após os primeiros sintomas da doença, como coriza, tosse e dor de cabeça. As doses dos medicamentos se alteram conforme o quadro de saúde. "Os critérios clínicos para início do tratamento em qualquer fase da doença não excluem a necessidade de confirmação laboratorial e radiológico", diz o documento do Ministério da Saúde.
Até então, o protocolo do Ministério da Saúde era mais cauteloso e seguia o que dizem sociedades científicas. A droga pode causar efeitos colaterais graves, como parada cardíaca. Esse é um dos motivos para a resistência de comunidades de saúde em recomendar a cloroquina sem acompanhamento médico.
Médicos que lidam com a covid-19 já levantam dúvidas sobre o documento. O Ministério da Saúde não é claro em exigir a confirmação laboratorial da infecção para a covid-19 para começar o tratamento. O risco, dizem estes especialistas, é que um caso apenas detectado em análise clínica já seja submetido ao tratamento.
Além disso, o documento do Ministério da Saúde orienta a realização de uma série de exames e monitoramento eletrocardiográfico do paciente. Este tipo de procedimento pode exigir a ida ao hospital de alguém que poderia apenas fazer repouso em casa para se curar.
Embates
Em entrevista ao jornalista Magno Martins, na terça-feira, o presidente brincou com o tema, alvo de divergências devido aos possíveis efeitos colaterias. "Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína", repetiu várias vezes ao fazer piada com o assunto.
O uso da substância se tornou foco de embate de Bolsonaro com os agora ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Médicos, eles argumentaram a falta de respaldo científico para que a substância fosse receitada logo no início do tratamento da covid-19. A cloroquina é usada para tratamento de malária e outras doenças autoimunes. Em publicação no Twitter antes de ser demitido, Teich chegou a alertar sobre possíveis efeitos colaterais da droga. Diante de um "ultimato" de Bolsonaro, optou por deixar o governo.
“Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o ‘Termo de Consentimento’ antes de iniciar o uso da cloroquina”, escreveu Teich no Twitter no dia 12 de maio, três dias antes de pedir demissão.
Antes de sair, em abril, Mandetta também disse ter sido pressionado, em uma reunião no Palácio do Planalto, a assinar um decreto permitindo a prescrição da cloroquina a todos os pacientes da doença. Na ocasião, disse que só o faria quando entidades médicas respaldassem a orientação.
Para poder usar o medicamento, o paciente deverá assinar um termo de "Ciência e Consentimento". O documento inclui declarar conhecer que o tratamento pode causar efeitos colaterais que podem levar à "disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, e até ao óbito."
No termo de consentimento que o paciente deverá assinar, também divulgado pelo Ministério da Saúde, o paciente diz aceitar o risco de tomar a droga "por livre iniciativa".
"Estou ciente de que o tratamento com cloroquina ou hidroxicloroquina pode causar os efeitos colaterais descritos acima, e outros menos graves ou menos frequentes, os quais podem levar à disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, e até ao óbito", diz o termo, também divulgado pelo ministério.
A posição de médicos e entidades
O Estadão ouviu três dos principais médicos e pesquisadores que têm se dedicado nos últimos meses ao estudo e tratamento do novo coronavírus no Brasil. Eles afirmaram, de forma unânime, que ainda não existem testes que comprovem a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença.
O médico Alexandre Biasi Cavalcanti, diretor do Instituto de Pesquisa HCor e integrante da Coalizão Brasil COVID, grupo de pesquisadores independentes que conduz um dos maiores e mais aprofundados estudos sobre o vírus no Brasil, disse que os resultados dos primeiros levantamentos sérios no exterior não apontam a eficácia da droga.
Rachel Riera, do hospital Sírio-Libanês e da Unifesp, também coordena uma série de levantamentos que incluem toda a literatura já produzida sobre a cloroquina e covid no mundo. Segundo ela, o Ministério da Saúde já foi informado de maneira categórica que não existem evidências científicas sobre a eficácia da droga.
Infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Rosana Richtmann atua na linha de frente do combate ao coronavírus. De acordo com ela, a cloroquina já foi a “droga da esperança” no início da pandemia mas não é mais, pelo no que diz respeito ao uso preventivo ou em estágio avançado da doença.
Na terça-feira, três entidades nacionais que representam médicos de especialidades diretamente ligadas ao novo coronavírus aprovaram um documento com diretrizes para o enfrentamento da pandemia no qual recomendam que a cloroquina e a hidroxicloroquina não sejam usadas como tratamento de rotina da doença. As entidades são a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
Merval Pereira: Militares no poder
Não é sério um país que põe leigo em Ministério da Saúde para fazer o que dois técnicos se recusaram por motivos éticos
No mesmo dia em que chegamos ao trágico recorde de mil mortes por dia devido à Covid-19, nada mais exemplar da militarização do governo Bolsonaro do que o General Eduardo Pazuello, exercendo a função de ministro interino da Saúde, ter assinado o novo protocolo que autoriza a utilização da cloroquina no tratamento inicial da doença.
Uma decisão polêmica, que não possui suporte técnico de credibilidade para ser adotada. A cloroquina provoca efeitos colaterais graves, como arritmias que podem ser fatais, e não se mostrou eficaz em vários testes já realizados em diversas partes do mundo.
O General Pazuello assumir a responsabilidade de autorizar prescrições médicas temerárias demonstra que as vontades do presidente Bolsonaro já não têm barreiras para contê-las, mesmo perigosas.
Por mais competente que o General seja na questão de logística, o que justificou sua chegada ao ministério na gestão de Nelson Teich, não é sério um país que coloca um leigo em seu ministério da Saúde para fazer o que dois ministros técnicos da área se recusaram a fazer por motivos éticos, no momento em que vivemos a maior pandemia em um século.
Para corroborar a ideia de que os militares aderiram sem restrições à marcha da insensatez de Bolsonaro, o General de Exército Luiz Eduardo Ramos, que ocupa a chefia da Secretaria de Governo, participou da manifestação de domingo na rampa do Palácio do Planalto, e teve o braço levantado para a aglomeração pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, assumindo a condição de político, embora seja um general da ativa.
Nada menos que 2897 militares integravam em março o governo Bolsonaro, dos três ramos das Forças Armadas, número que pode ter crescido exponencialmente, como o de infectados pela Covid-19, pois somente ontem o General Pazuello levou nove militares para trabalharem com ele no ministério da Saúde.
O presidente Bolsonaro não dá a impressão de que tenha um nome para indicar para a Saúde, pois os que são especulados trariam para o governo uma dose a mais de insensatez ideológica talvez exagerada, principalmente quando temos uma crise tripla na saúde, na economia e na política.
A mesma militarização ocorre nos segundo e terceiro escalões dos demais ministérios, especialmente nos oito em que militares estão à frente. A presença de militares no governo encontra ainda um problema administrativo sério no que se refere ao salário.
O limite para vencimentos dos servidores públicos é de R$ 39 mil, e o ministério da Defesa reivindica que o teto constitucional seja aplicado separadamente sobre os rendimentos daqueles que recebem, além do salário de carreira, uma gratificação pela função que exercem.
Esse acúmulo de salários encontrou respaldo na Advocacia-Geral da União (AGU), alegando que há precedentes nos poderes Legislativo e Judiciário e, portanto, "a partir de seus efeitos no Poder Executivo”, seria mantida a isonomia entre os poderes. A reivindicação foi suspensa com a chegada da pandemia, mas está no ar a discussão.
Há indicações de que o presidente Bolsonaro gostaria de manter o General Pazuello no ministério, mas encontra resistência entre seus conselheiros militares, que temem que a crise da Covid-19 caia no colo dos militares caso isso aconteça. Uma preocupação despicienda depois de tudo o que está acontecendo, na área e fora dela.
Os militares sempre defenderam a tese de que não existem ministros militares, mas ministros que têm origem militar, assim como outros são engenheiros, advogados, ou mesmo políticos. Mas o fato de que, assim como o PT aparelhou o governo nos seus 15 anos com sindicalistas e políticos fisiológicos do centrão, Bolsonaro esta aparelhando o seu com o mesmo tipo de políticos e militares, e eles não podem mais se escusar de fazer parte de um governo populista de baixa qualidade técnica e moral.
Bernardo Mello Franco: Em busca de um fantoche
Bolsonaro busca um fantoche para mandar sozinho no Ministério da Saúde. A disputa está entre militares treinados para obedecer e médicos dispostos a distribuir cloroquina
O Brasil começou a semana sem ministro da Saúde. A julgar pelas opções na praça, pode ser melhor continuar assim. A saída de Nelson Teich abriu uma corrida desenfreada pelo cargo. Há gente disposta a rasgar o diploma de medicina para chegar lá.
Jair Bolsonaro já definiu o perfil do novo ministro. Quer alguém que sorria na foto enquanto ele dá as ordens. A busca por um fantoche afunilou a disputa entre dois grupos de candidatos. Os militares, treinados para obedecer, e os cloroquinistas, que topam receitar pílulas mágicas na pandemia.
Há quatro dias, o general Eduardo Pazuello despacha como ministro interino. Ontem ele passou no primeiro teste de fidelidade. Em reunião da OMS, omitiu a gravidade da crise no Brasil e disse que o governo federal busca o diálogo com estados e municípios. Seria bom se fosse verdade, mas não é.
O presidente já encarregou Pazuello de autorizar o uso de cloroquina em pacientes com sintomas leves da Covid. O autógrafo aumentará suas chances de ser efetivado. Como não é médico, ele não corre o risco de ter o registro cassado por charlatanismo.
Entre os civis, desponta Nise Yamaguchi, a Doutora Cloroquina. Em campanha para virar ministra, ela se especializou em dizer o que o presidente quer ouvir. No domingo, a oncologista fez oração e chorou com um youtuber governista. Ontem declarou que aceitaria um convite de Bolsonaro. Nem precisava.
Preterido na sucessão de Luiz Henrique Mandetta, o negacionista Osmar Terra ressurgiu das cinzas após a queda de Teich. Em abril, ele garantiu que a Covid mataria menos de mil brasileiros. O país já perdeu mais de 16 mil vidas para a doença, mas o deputado quer voltar ao governo para errar novas previsões.
No fim de semana, a militância bolsonarista lançou mais um candidato: Italo Marsili, devoto do guru Olavo de Carvalho. Ele já comparou o presidente a Jesus Cristo, chamou os ministros do Supremo de “vagabundos” e definiu o Sars-Cov-2 como “uma porra de um viruszinho”. Pelas ideias e pelo palavreado, arrisca ganhar a preferência do capitão.
José Álvaro Moisés: Por que Mandetta e Teich abandonaram o barco do governo?
Bolsonaro em nenhum momento deu ouvidos aos seus ministros sobre a necessidade de isolamento social como meio de impedir o colapso do sistema de saúde
Nelson Teich não é mais ministro da Saúde. Sua entrevista não deu pistas claras sobre as razões que levaram o governo a perder dois auxiliares em área estratégica de políticas públicas em pouco mais de um mês. A perda ocorre quando o número de mortes causadas pelo coronavírus está perto de ultrapassar 15 mil e o de contaminados da mais grave pandemia experimentada pelo país – e talvez pela humanidade – está quase superando 220 mil casos. O que levou dois colaboradores tidos como competentes a abandonarem o barco em tão curto espaço de tempo, e em meio a um auge da crise?
A primeira resposta é conhecida: Bolsonaro em nenhum momento deu ouvidos aos seus ministros sobre a necessidade de isolamento social como meio de impedir o colapso do sistema de saúde. Em alguns momentos, foi mais longe e humilhou seus auxiliares em público. Nos últimos dias, contudo, os indícios apontaram em outra direção: sem que haja qualquer comprovação científica de sua eficácia, o presidente pressionou os ministros a adotarem o uso da cloroquina. Mandetta já tinha feito ressalvas a isso em protocolo que irritou o presidente, e Teich, ao ser supostamente forçado, não aceitou manchar a sua carreira. O governo, então, ficou acéfalo na área da saúde.
O foco são políticas públicas fundamentais, que deveriam envolver decisões e procedimentos transparentes, em especial diante da ameaça à vida das pessoas. Na ausência, não é de estranhar que em alguns meios surjam perguntas duras: a quem interessa a adoção desse medicamento sem a certificação devida? Que laboratórios produzem ou têm interesse na sua adoção? São questões de evidente interesse público que aguardam esclarecimento.
- Professor de ciência política da USP
Ascânio Seleme: Ministro da saúde não importa
Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos
Para nossa sorte, o ministro da Saúde não tem muita importância. Quem comanda as ações nacionais no combate ao coronavírus são governadores e prefeitos. O Supremo Tribunal Federal já deixou isso resolvido. Teich, Pazuello ou Terra, nenhum deles tem poder para alterar a jornada de combate e controle da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. O distanciamento social, principal mecanismo para conter o contágio, é determinado pelos gestores estaduais e municipais. Nem o decreto de Bolsonaro ampliando os setores considerados essenciais, como salões de beleza e academias, colou. Os governadores ignoraram o presidente.
A demissão de Nelson Teich guarda, entretanto, alguns problemas de naturezas diversas. A primeira e mais grave, aumenta a desconfiança dos agentes econômicos no Brasil. O drama da economia vai se transformando em caos diante de mais este terremoto promovido por Bolsonaro. Em seguida, medidas como compras centralizadas de ventiladores, EPIs e outros produtos usados pela rede pública de saúde podem sofrer solução de continuidade. Sob Teich já se via este imobilismo. Ele gastou apenas o equivalente a 9% do despendido pelo seu antecessor.
E há um outro problema, que foi objeto de crítica do vice-presidente Mourão em artigo publicado na quinta-feira no Estadão. A demissão amplia o prejuízo à imagem do Brasil no exterior. Mas, ao contrário do que escreveu o vice, este prejuízo é sempre causado porque o presidente brasileiro insiste em mostrar ao mundo como age de forma atabalhoada e difusa em qualquer ambiente, mesmo em meio a uma pandemia. Finalmente, escancara para todos os brasileiros a enorme capacidade do capitão em causar problemas para o país e para si próprio. Bolsonaro parece um macaco em loja de louças. Quebra tudo em que seus braços, suas pernas e seu rabo tocam.
De outro lado, apesar de tentar agora passar uma imagem de independência, Teich foi um desastre na Saúde. Quando sentou-se na cadeira de Mandetta, torrado pelos ciúmes doentios de Bolsonaro, desmontou um time técnico super dedicado, militarizou as estruturas do ministério e suspendeu as coletivas diárias de imprensa (usadas por governos em todo mundo para orientar a população). Hoje, 200 mil casos e 15 mil mortos depois, Teich sai dizendo que não quer manchar sua biografia. Tarde demais, ela já foi irremediavelmente tingida.
O ex-ministro deixou o cargo se rebelando contra o uso da cloroquina. Foi um gesto nobre, mas antes de pedir demissão Teich foi checar em hospitais se havia alguma chance de o remédio funcionar. No pronunciamento que fez não tocou no assunto e ainda agradeceu a confiança de Bolsonaro depositada nele. Se sua gestão foi uma tragédia, sua saída foi lamentável, não porque saiu, mas pelo que não disse. Não atacou o entusiasmo do presidente com a cloroquina. Desde a primeira onda do presidente em favor do remédio, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército multiplicou por dez a fabricação da droga e tem tudo para ficar com o mico na mão. A menos, claro, que o novo ministro da Saúde obrigue os hospitais federais a comprar os estoques do Exército, mesmo que não sejam usados.
Não importa quem seja o substituto de Teich, ele será ruim ou pior. O que é incrível. Ruim é o general Pazuello, por ora interino. Pior seria o deputado Osmar Terra, que esta semana voltou com tudo. Um mês depois de dizer a Eduardo Bolsonaro que os casos não estavam apenas caindo, mas sim “despencando”, ele retomou a palavra para insistir no fim do distanciamento social. Afirmou que uma epidemia dura no máximo 13 ou 14 semanas, salientando que estamos na sétima semana e que o pior já passou. No dia em que Terra viu os casos despencando, dizendo que ao filho do presidente que já dava para “comemorar”, havia no país 25.684 casos confirmados e 1.552 mortes registradas. De lá para cá, o número de casos e mortes aumentou dez vezes.
Ilegal, e daí?
O acampamento de apoiadores radicais de Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios é daquelas coisas que apenas no Brasil são toleradas. Ele é ilegal, todo mundo sabe, mas permanece lá. Já aconteceu antes com líderes da UNE, com sindicalistas do PT, com os sem-terra do Stédile e os sem-teto do Boulos. Há uma lei que proíbe acampamentos na Praça dos Três Poderes, nos gramados em frente ao Congresso e nos que se estendem entre os prédios dos ministérios. A lei era e é ignorada. Há, porém, uma grande diferença entre os acampados da esquerda e os da extrema direita. Aqueles era militantes, estes são milicianos armados que ultrajam a democracia e representam risco para a segurança pública.
E mais
Parece bobagem, pode ser, mas também não é legal acampar na Praça Lafayette, em frente à Casa Branca, ou nos Jardins dos Champs-Élysées, diante da sede do governo francês. Em Washington e em Paris a lei é cumprida. Quem a desrespeita sofre com a mão pesada do Estado. Não há jeitinho, não tem conversa. É ilegal, não pode. No Brasil, não só pode como as autoridades deixam estar. A novidade do acampamento dos milicianos da Esplanada é que a Justiça autorizou sua permanência no local. O juiz Paulo Cavichioli Carmona julgou tratar-se de uma manifestação legítima. Armas? Atos antidemocráticos? Agressões? A Justiça é cega e o magistrado não viu.
Outros interesses
Jair Bolsonaro tem outros interesses no Rio para os quais a PF pode ser útil, além de proteger seus filhos e seus novos aliados políticos do centrão. São os amigos milicianos e os inimigos no governo do estado, a começar pelo governador Wilson Witzel.
Nunca antes
Rodrigo Maia perdeu uma grande chance de ficar calado. Ao sair do gabinete de Bolsonaro falando em pontes e diálogos, o deputado mostrou que insegurança pode bater em qualquer um, mesmo no manda-chuva que mostrou determinação e personalidade ao aprovar a reforma da Previdência no ano passado. Rodrigo não deveria sequer ter ido ao Planalto no dia em que o presidente disse que ele jogava para “afundar o país e ferrar com a economia”. E lá estando, deu mole e foi fisgado como um peixinho perdido. Nunca antes se viu um presidente da Câmara tão amador como Maia neste episódio.
Marido traído
A alternativa do presidente Bolsonaro para evitar aborrecimentos em reuniões ministeriais foi cancelar os encontros.
“De agora em diante, não tem mais isso, será só um cafezinho com bandeira hasteada”, disse o capitão, tirando o sofá da sala.
Silvinho de farda
O general Luiz Eduardo Ramos, secretário-geral da Presidência da República, foi designado por Jair Bolsonaro para controlar a distribuição de cargos e verbas para a turma do centrão.
Ele é quem decide quanto cada parlamentar pode levar em dinheiro para o seu município e quais cargos serão entregues aos partidos e seus líderes.
Ramos cumpre a mesma tarefa que Sílvio Pereira, o Silvinho Land Rover, realizava durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Silvinho era o operador de cargos durante o mensalão. Abre o olho, general.
Aliás
De cargos, aliás, os militares entendem muito bem. Para onde quer que se olhe na Esplanada dos Ministérios, vê-se militares e parentes de militares em postos de segundo e terceiro escalões.
Os 20 mil cargos de livre nomeação no governo federal já foram ocupados majoritariamente por sindicalistas, na era petista, políticos e amigos de políticos, na gestão do ex-presidente Michel Temer, e agora são de oficiais das três Forças Armadas, suas famílias e suas turmas.
Distanciamento da realidade
Bolsonaro não consegue ver a realidade. Se ele não tivesse atrapalhado tanto, incentivando as pessoas a desrespeitarem o distanciamento social, talvez agora pudéssemos já estar discutindo o relaxamento das medidas e a cuidadosa reabertura da economia.
A MP inútil
A MP que blinda agentes públicos de processos civis ou administrativos durante a pandemia de coronavírus não serve para crimes contra a humanidade. Tampouco alcança quem cometa negligência que resulte na morte de milhares de pessoas. Parece que Bolsonaro foi mal assessorado.
Demétrio Magnoli: Carta a um não confinado
Consertamos a economia depois, todos juntos, sem individualismo
Não ponho o pé na rua há semanas. Leio, aproveito meu pacote da Netflix, experimento receitas, até comecei a pintar. Exercito-me na esteira da sala. Peço tudo por aplicativo. Faço sacrifícios: sinto falta do Iguatemi, dos meus restaurantes preferidos, de viajar.
Você, não confinado, sabota meus sacrifícios, espalhando o vírus. Devo qualificá-lo como um ser antissocial.
Não há vacina ou remédio confiável. O governo Bolsonaro ignora a pandemia, fechou o Ministério da Saúde, não coordena esforços de testagem. São mais motivos para ficar em casa, nossa única salvação.
O renomado cientista Miguel Nicolelis disse que a quarentena é para "evitar contágios". Itália e Espanha estão flexibilizando a medida com, respectivamente, 1.552 e 2.397 contágios médios diários na última semana. Seus governos irresponsáveis deram as costas à ciência. Você nunca a seguiu.
Leio na Folha as palavras sábias do sanitarista Claudio Henriques, que adiciona prazos à meta expressa por Nicolelis. A quarentena deve perdurar por "mais de um ano" e precisará ser reforçada por períodos de "lockdown" com "cerca de duas semanas cada". Ok: home office direto, via Zoom. Perdi um naco de renda; meus gastos, porém, também diminuíram. Mas essa extensão de meus sacrifícios só terá sentido se você ficar em casa, como eu. Hora de chamar a polícia, Doria!
Os restaurantes, graças aos céus, ainda não podem abrir na Itália. Seus proprietários iniciaram um movimento coletivo de entrega das chaves aos prefeitos. Mercenários: pressionam pelo desconfinamento em nome do vil metal. Vocês, donos de lojinhas e serviços não essenciais que furam a quarentena no Belém, no Brás, no Pari, são ainda piores que eles. Chega, né, Covas? Tem que trancar tudo, com multas exemplares.
Guedes boicota a rede emergencial de proteção social, atrasando o pagamento dos vouchers para os pobres. São meros R$ 600. Ok, acho pouco. Mas nada disso desculpa as cenas das favelas que retomam a normalidade. A vida é o bem maior. Você, informal desconfinado, revela sua ignorância ao desrespeitar a norma sanitária ditada pela ciência. Todos estamos no mesmo barco: dê sua cota de sacrifício, como dou a minha.
Quarentena tem, afinal, coisas boas. O planeta descansa, a natureza respira, a humanidade usa o tempo livre para reaprender a solidariedade. Louvo os corajosos médicos que estão na linha de frente. Postei homenagem no meu Insta, que ganha seguidores.
Vejo imagens de crianças descalças jogando bola na rua de uma favela, não sei se na zona oeste ou na leste. Serão filhos de auxiliares de enfermagem? Pouco importa: um sacrifício não justifica uma negligência. As escolas fecharam para evitar o tráfego do vírus pela ponte dos assintomáticos. Meu filho brinca no playground do prédio, quando desliga o celular. De quantas mortes você precisa para segurar as crianças em casa?
Sigo, atento, as estatísticas da Covid-19. A curva sobe, sinistra. Leio projeções sombrias de queda do PIB. Cinco milhões perderam empregos ou tiveram cortes salariais. Há, nesses milhões, gente como você, que se desconfina --e diz ao Datafolha que a quarentena deve terminar. Por falta de escola, você não aprendeu a ordem das coisas: a distinção entre gráficos relevantes e insignificantes. Economia, consertamos depois. Daqui a um ano pensamos nisso. Todos juntos, sem individualismo.
O Ocidente fracassou --e nem falo dos EUA. A Alemanha reabriu todo o comércio num dia com 282 óbitos, mais de mil contágios. É deboche da ciência. A China, sim, funciona. Lei marcial. Queria ver você lá, em Wuhan, onde dão valor à vida. O isolamento em São Paulo caiu a 47%. Covas, fracote, desistiu de bloquear avenidas. Mas disse certo: "As pessoas não entenderam a mensagem".
Basta. "Lockdown" já! Com esse zé povinho não dá. Odeio você.
Assino: um cidadão informado. Volto às séries.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Ascânio Seleme: O negacionismo e a boa notícia
Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro
Não se pode negar que Nelson Teich tem um bom currículo. Até porque, como ele próprio fez questão de lembrar na reunião em que foi convidado para o Ministério, estudou em Harvard. Aliás, parece que todo ex-aluno de Harvard precisa dizer nos primeiros dez minutos de conversa com uma pessoa que acaba de conhecer que estudou naquela universidade americana. Por isso, pelo currículo, que além da medicina tem graduações e mestrados em economia, gestão e negócios da saúde, Teich tem tudo para ser um bom ministro da Saúde. Seu problema é o “alinhamento completo” que disse ter com o presidente Jair Bolsonaro.
Não é possível se produzir uma boa gestão da epidemia do coronavírus usando o mesmo caminho de Bolsonaro. Ao contrário do que afirma, o presidente tem uma visão reduzida do cenário. Ele nega a importância da crise sanitária em favor da economia. Diz ter uma visão mais ampla do que os ministros que estão focados nas suas pastas enquanto ele pensa no todo. Não é verdade. No caso da saúde, Bolsonaro acha que o coronavírus pode gerar em pessoas como ele apenas uma “gripezinha”, desrespeita regras de distanciamento social de maneira deliberada e insiste em reabrir já a economia.
Se Teich seguir este caminho e sair por aí abraçando pessoas, cobrando de prefeitos e governadores a reabertura do comércio e debochando do vírus, o colapso hospitalar será inevitável. Claro que ele não chegará a este ponto, apesar do anunciado alinhamento total com Bolsonaro. Até porque, para seu constrangimento, o próprio presidente lhe pediu que seja um meio-termo entre ele e o demitido Luiz Henrique Mandetta, como se dissesse “nem tanto ao mar, Teich”.
No seu discurso de posse, o novo ministro voltou a repetir o óbvio. Falou que o combate ao vírus será mais eficiente se baseado em informações, o que cansou de repetir o seu antecessor. Disse que precisa do apoio dos outros ministérios para conduzir o seu, o que já vem sendo feito desde que, para tirar o protagonismo de Mandetta, Bolsonaro transferiu para o Palácio a coordenação dos trabalhos. Falou em formar time de qualidade, enquanto o que mais se ouviu nesses últimos dias foram elogios à equipe técnica do ministério.
Na véspera, ao ser apresentado, Nelson Teich disse que era hora de trazer boas notícias para os brasileiros. E deu um exemplo do que seria uma boa notícia: o número de casos de pacientes que se curam no Brasil. Apesar de esses dados já serem distribuídos pelo ministério (o último boletim informa que 55% dos infectados pela Convid-19 já se recuperaram), a proposta do ministro revela uma outra questão, talvez mais importante. Teich utiliza a boa notícia como Bolsonaro abusa do negacionismo. Ambos levam ao mesmo lugar, o relaxamento do distanciamento social.
“Temos que trabalhar dando confiança às pessoas”, disse Teich no discurso de posse. O que isso quer significar? O próprio Teich explicou que as pessoas estão em pânico e é preciso reduzir a sua ansiedade. Como se fosse um psicanalista, sugeriu que lhe cabe “administrar o comportamento da sociedade”. Disse que pode restabelecer a confiança da população oferecendo a ela informações, acrescentando que o desconhecimento gera o achismo. E então, sem nenhum detalhe ou dado complementar, fez o seu achismo particular ao anunciar que um novo antiviral está sendo estudado que pode resultar num remédio contra a doença.
O discurso do novo ministro atende à retórica presidencial em favor da reabertura da economia. Ele não é explícito, obviamente. Mas pode-se ler essa intenção nas entrelinhas das suas duas falas. Não é tarefa de um ministro da Saúde no auge do combate a uma pandemia letal como a do coronavírus gerar boas notícias, administrar a ansiedade das pessoas ou criar confiança na população. Ao contrário, talvez o medo seja o melhor companheiro nessa hora, porque segura as pessoas em casa. Também não lhe cabe gerar expectativas em torno de novo medicamento que está sendo estudado e do qual ele não sabe mais nada.
De todo modo deve-se registrar que Teich é um bom médico e muito provavelmente pensa sempre no melhor para o seu paciente. No discurso de posse disse que é importante dar atenção aos mais frágeis e que as pessoas estarão sempre em primeiro lugar. O grande problema é o anunciado alinhamento completo com o presidente, que pode ser perigoso. Mas poderia ter sido pior. Imagine se o escolhido fosse o deputado Osmar Terra.
Louco ou Psicopata?
Merval Pereira disse que Bolsonaro é louco. Ruth de Aquino discordou e o chamou de psicopata. Metendo minha colher no debate dos colegas, acho que não é nem uma coisa nem outra. Ele não é insano mas tampouco tem método. Bolsonaro é um perverso. Identificado por Freud em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de 1905, o perverso mantém na vida adulta uma sexualidade infantil, edipiana. Em conflito interno permanente, ele segue uma vida aparentemente normal enquanto, ao mesmo tempo, mantém comportamentos considerados inaceitáveis pela sociedade. Só isso explica sua busca por aglomerações humanas em meio a uma pandemia.
Aliás
Bolsonaro iniciou seu discurso na posse de Nelson Teich com uma frase que só os muito amigos conseguiram entender e explicar. “Hoje é dia de alegria!”, sentenciou o presidente ao transferir o comando da saúde nacional no meio da maior crise sanitária dos últimos cem anos. Àquela hora, o Brasil já contabilizava oficialmente mais de 2 mil mortos e acima de 30 mil infectados. E ainda riu e fez gracinha com alguns convidados para só então tratar da coisa séria.
Abrir fronteiras
No mesmo discurso, o presidente reiterou seu desejo de acabar imediatamente com o isolamento social e fazer a economia reagir. A certa altura disse que era hora de reabrir as fronteiras. E indagou: “Por que a fronteira com o Paraguai está fechada? Tem que abrir”, afirmou sua excelência. Não dá, presidente. Foi o Paraguai que a fechou e, a certa altura, impediu que até mesmo paraguaios retidos no Brasil entrassem de volta para casa.
Tecnologia pra quê?
O pessoal que produz efeitos especiais digitais para redes sociais e os técnicos e engenheiros que fazem aquelas deep fakes, em que reproduzem falas falsas sobre imagens reais de pessoas com sincronia incrível, estão preocupados com o seu negócio no Brasil. É que na terra de Jair tem gente que acredita em tudo. Não importa o tamanho do absurdo ou da incoerência, para conseguir um certo conforto ideológico as pessoas não apenas levam essas baboseiras a sério como as compartilham. Pra que tecnologia?
Tudo para dar certo
Bolsonaro repetiu na quinta-feira o discurso do ministro Paulo Guedes: “O Brasil tinha tudo para dar certo”, disse salientando que a economia dava sinais de rápida recuperação. Guedes disse, há mais ou menos um mês, que a economia brasileira “estava decolando” quando foi alcançada pela megacrise do coronavírus. Será? Não era o que diziam os analistas. Aliás, o ministro da Economia já havia dito no início do governo Bolsonaro que com a aprovação da reforma da Previdência o crescimento seria bárbaro e haveria de jorrar empregos no Brasil. Pois é.
Guerra pós-corona
A vida nunca mais será a mesma. No plano pessoal, é muito possível que o isolamento social de hoje gere insegurança futura, tornando algumas pessoas mais egoístas e reservadas. Na economia, o mundo será outro. Ou você acha que as relações comercial e política dos Estados Unidos com a China voltarão à normalidade? Muito difícil, mas se ocorrer não será sob Trump. Só Binden pode salvar a desgastada relação entre os dois gigantes depois do coronavírus.
Isso pode?
O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército de fevereiro de 2015 até janeiro do ano passado, quando deixou o serviço público, mora numa casa oficial no Setor Militar Urbano de Brasília. Um general da reserva morar num próprio nacional é como um ex-deputado continuar num apartamento funcional depois de terminado seu mandato.
Osmar Terra
Corrigindo informação publicada no meu artigo de quinta-feira. O zap do deputado Osmar Terra dizendo que os números da epidemia estavam desabando em São Paulo foi para Flávio, e não para Eduardo Bolsonaro. Era a última e desesperada tentativa do ex-médico de ganhar do papai do Zero Um a vaga de Luiz Henrique Mandetta. Não funcionou. Mentira tem perna curta.
El País: Mandetta prega consenso nacional para lidar com avanço do coronavírus e reforça pedido de isolamento
Ministro da Saúde assume tom conciliador e pede a brasileiros para se prepararem para muitas perdas de vida. “Deixem que nos planejemos para um estresse grande que vem lá na frente”
Foi uma semana de estresse, com o presidente Jair Bolsonaro e governadores se engalfinhando publicamente enquanto o coronavírus se espalha no Brasil. Nesse tiroteio político, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, decidiu assumir um tom de conciliação na coletiva de imprensa deste sábado, quando a pasta anunciou 3.904 casos confirmados de Covid-19 no Brasil e 114 mortes. “O Brasil é uma nave só”, disse Mandetta, falando no “consenso” que está sendo construído com secretários municipais e estaduais, incluindo o desenho adequado do que é quarentena, e como ela iria funcionar. “Ninguém tem esse parâmetro”, explicou ele. “A verdade é que vamos descobrir como vai ser nossa sociedade, nossas fraquezas e fortalezas. A saúde não é uma ilha. A economia é, sim, muito importante na saúde”, disse ele, vislumbrando a intersecção necessária para se chegar a um ponto de equilíbrio no debate do coronavírus.
O país chegou a um pico de tensão nos últimos dias enquanto o presidente pregava quarentena vertical que isolasse os mais velhos e reabrisse escolas, igrejas, lotéricas e comércio em geral. “Não existe quarentena vertical ou horizontal. O que existe é a necessidade de arbitrar em determinados tempos", afirma Mandetta, lembrando que é preciso “coordenar a ação nacional”.
O ministro explicou didaticamente a necessidade de coordenar a logística para a aquisição de equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde que trabalham na linha de frente nos hospitais, e que podem ser contaminados pelo coronavírus, provocando baixas num momento extremamente delicado. São compras disputadas, de empresas nacionais e internacionais, num momento em que o mundo todo vive a pandemia. “Deixem que nos preparemos para um estresse muito grande que vem lá na frente”, disse ele, lembrando que virão “muitas perdas” de vida, e o sistema de saúde precisa estar preparado para atenuar isso. “Vamos trabalhar para poupar vidas, sabendo que haverá dias duros”, afirmou Mandetta.
Economia
Diante da pressão do presidente e de alguns empresários para retomar a atividade econômica, Mandetta colocou a bola no meio do campo. “O presidente está certíssimo ao dizer que a crise econômica vai matar as pessoas. Temos que buscar uma fórmula com o Ministério da Economia”, afirmou Mandetta, em aceno ao presidente Bolsonaro. Mas assumiu a direção desejada pela grande maioria dos governadores, de olhar as duas dimensões da pandemia ao mesmo tempo. “A economia é muito importante para a saúde. O que colocamos em dúvida são os critérios dessas quarentenas [adotadas pelos governos]”, afirma Mandetta. “Vamos colocar alguns critérios, porque são necessários. Não serão os critérios do ministro Mandetta, estamos trabalhando com os secretários para estabelecer um consenso”, explicou. O ministro reforçou que era necessário garantir alimentos para abastecer mercados que atendam às famílias brasileiras. “Geladeira não pode ficar vazia”, explica.
A leitura de especialistas é a de que, num quadro de emergência, é preciso reacomodar uma cadeia produtiva para atender as demandas urgentes. No caso atual, a saúde e a alimentação básica, que norteariam a abertura do isolamento social caso a caso, ou seja, garantindo o livre trânsito para tudo que seja relativo a insumos de saúde e alimentos. A guerra política dos últimos dias, porém, atrasou alguns acordos, o que Mandetta colocou na conta do aprendizado diante da gravidade da pandemia. Seu norte, contudo, ficou claro na entrevista. "Estamos falando de vida. Vamos nos pautar pela ciência. Precisamos de planejamento, calma, frieza”, avisou ele, se descolando de Bolsonaro, que tinha a intenção de fazer uma campanha pela retomada de atividade econômica no país, mas foi impedido pela Justiça.
Os apoiares do presidente incentivaram carreatas em diversos pontos do país com o slogan “O Brasil não pode parar”, seguindo o apelo de Bolsonaro. O ministro minimizou o assunto. “Os mesmos que fazem carreata vão ficar em casa daqui a duas semanas”, disse Mandetta, que prevê a possibilidade de que o país tenha de parar totalmente. “O lockdown, que é a parada absoluta, pode vir a ser necessária em alguma cidade. O que não existe é um lockdown em todo o território nacional e desarticulado”, explica.
Sobre o medicamento cloroquina, que o presidente Bolsonaro vem divulgando como possível cura do coronavírus, Mandetta afirmou que “não é uma panaceia” e que ainda está sendo estudado para casos graves. “Não é hora de sobrecarregar o sistema de saúde. Vamos aguardar”, acrescentou em seguida. O ministro precisou reiterar sua continuidade no cargo, depois de rumores que entregaria sua demissão neste sábado. Guardou parte da entrevista para pedir pediu calma aos brasileiros e que desliguem a televisão às vezes, porque as notícias podem ser “tóxicas”, segundo suas palavras. Ele lembrou que a pandemia vai mudar tudo, e que depois que terminar, o mundo estará diferente. “Vai sair um mundo reflexivo, que vai ter que repensar seus valores”, concluiu.
Imprensa "sórdida”
Em determinado ponto da entrevista, Mandetta também atacou a imprensa e falou que “às vezes, os meios de comunicação são sórdidos". As palavras, que parecem representar uma tentativa de agradar o presidente Bolsonaro, causaram indignação entre alguns jornalistas e resultou em um duro editorial do Jornal Nacional na noite deste sábado. “Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais", recomendou ele aos brasileiros. "Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque ele só vendem se a matéria for ruim. Publicam o óbito, nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal”, acrescentou.
El País: Mandetta prevê 20 semanas “extremamente duras” com coronavírus. Governo quer declarar estado de calamidade
Após confirmação de óbito por doença, Ministério da Saúde traça cenário duro para os próximos meses. Testes são racionados para pacientes graves
Após a confirmação da primeira morte por coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde desenha um cenário duro para os próximos meses nos país. Apesar do comportamento errático de Jair Bolsonaro com respeito à pandemia, o Governo Federal vai pedir ao Congresso o reconhecimento de estado de calamidade pública para poder gastar além do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal e atender à situação emergencial. O cenário que se desenha no país é grave. “Vamos passar 60 a 90 dias de muito estresse”, diz o ministro Luiz Henrique Mandetta, em um recado claro ao país nesta terça-feira.
O número de casos suspeitos quadruplicou no Brasil de segunda para terça e há pelo menos 291 casos confirmados pelo Ministério da Saúde. No balanço dos Estados, ainda em processo de notificação, o número de casos já passa de 300. Ao menos 28 pessoas estão hospitalizadas pela Covid-19, e a projeção das autoridades de saúde é de que o número de pacientes que precisam de cuidados intensivos nos hospitais deverá dobrar a cada três dias. A perspectiva é de que apenas em setembro a situação deva começar a voltar ao normal.
A rápida escalada da doença tem esgotado sistemas de saúde sólidos em vários países. No Brasil, o Governo já vinha atuando para reforçar leitos de UTI, equipamentos e profissionais, gargalos crônicos do SUS. Mas agora trabalha para atuar em cenários ainda mais drásticos. Considera, por exemplo, ter de adaptar contêineres e escolas para funcionarem como unidades de saúde, caso o sistema que já atua no limite colapse. Os testes para diagnóstico também já começaram a ser racionados, com prioridade para pacientes em estado grave. O Governo deve continuar medindo a disseminação do vírus pelo país por amostragem.
É este o panorama com o qual trabalha o ministro Mandetta, que tem pedido diretamente o envolvimento da sociedade com ações de prevenção e distanciamento social, uma forma de desacelerar o contágio e dar tempo para que o sistema de saúde se recupere e consiga tratar seus enfermos. Nos Estados, no entanto, a situação ainda varia enormemente: apesar de a maioria das instituições de ensino ter cancelado as aulas no Rio e em São Paulo, as duas maiores metrópoles do país ainda têm comércio funcionando e empresas resistindo a adotar esquemas de home office ou escalonamento de pessoal.
Embora ainda não seja possível traçar padrões muito claros de como o coronavírus se comporta num país do hemisfério sul como o Brasil e haja muitas perguntas em aberto sobre o Covid-19, o Governo prevê um período mais agudo de infecção pelo menos até o mês de julho, com números espirais ascendentes. A partir daí, espera que os casos de contaminação voltem a um patamar mais lento de propagação. “Desde que a gente construa a chamada imunidade em mais de 50% das pessoas”, pondera o ministro. Este período deverá ser marcado por situações inéditas e desgastantes, inclusive com a determinação de medidas para reduzir ainda mais o fluxo de pessoas e, consequentemente, o ritmo da contaminação. Os gestores poderão impor quarentenas e bloqueios, prevendo inclusive coerção policial e punições, algo bem mais forte do que as recomendações que governadores e prefeitos já iniciaram ao suspender aulas, estabelecer novas regras ao transporte público e desencorajar eventos.
“Nós teremos aí em torno de 20 semanas, a partir do surto epidêmico, que serão extremamente duras, para as famílias, para as pessoas. Cuidem dos idosos, é hora de filho e filha cuidar de pai, mãe, avó, tia-avó. É preciso ter muito claro que devemos ligar para perguntar como está, mas não levar sistematicamente muitas crianças, que são assintomáticas”, apela Mandetta. O ministro pediu diretamente a solidariedade da população para se proteger. “Quanto menos idosos tivermos com o coronavírus, menos pressão colocaremos nos leitos de CTI (Centro de Terapia Intensiva)”, explica. As medidas envolvem desde a ação direta do familiar no cuidado com os idosos, que integram o grupo de maior risco, até cuidados especiais dos profissionais de saúde, que devem dar receitas para medicações de uso contínuo válidas por seis meses, evitando assim que o idoso precise visitar o serviço médico.
Paralelamente, o Governo passa a se preocupar com ações mais extremas para garantir o atendimento a pacientes durante o pico que deve chegar em breve. Além da previsão de contratar 5.800 médicos de forma emergencial pelo Mais Médicos e do horário extendido para postos de saúde, o Governo treinará estudantes de medicina que estão no último ano de graduação. A ideia é que eles possam atuar no atendimento de menor complexidade, com a supervisão de profissionais graduados. O Ministério da Saúde destaca que é importante aumentar a força de trabalho jovem na linha de frente, já que eles têm maior capacidade de recuperação caso sejam contaminados. Por isso mesmo, médicos aposentados não estão sendo considerados neste momento para atuar na crise. “Nós iniciaremos a capacitação de médicos de outras especialidades, mais jovens, que se recuperam mais rápido em contato com o vírus”, afirma Mandetta.
Contêineres, escolas e outros edifícios também poderão ser adaptados para funcionar tanto no atendimento primário (aquele dos postos de saúde) quanto em caso de internação de pacientes que não precisam de cuidados intensivos. Assim, hospitais poderão ir adaptando sua estrutura ao máximo de leitos de terapia intensiva (os leitos de UTI), onde precisam ser tratados os pacientes mais graves, quase a totalidade deles com uso de ventiladores mecânicos para ajudá-los a conseguir respirar. Essa demanda pode crescer exponencialmente, já que o paciente com coronavírus permanece em média o dobro de tempo do paciente comum na UTI. “Não há nenhum Estado da federação hoje que não esteja tendo sua capacidade aumentada. Vamos precisar de mais, muito mais”, diz Mandetta.
Os testes para diagnóstico também começam a ser economizados. Eles são priorizados para pacientes hospitalizados, que têm quadro clínico respiratório mais grave. A verificação de circulação do vírus nas cidades continua sendo feita por amostragem, com testes executados de maneira aleatória nas chamadas unidades de sentinela. Na China, infectados não diagnosticados aceleraram a explosão. Para tentar reduzir danos, o Governo anunciou um chamamento público para tecnologias para ampliar a capacidade de fazer testes do novo coronavírus, mas avaliará a contratação de testes com base na qualidade deles. Ou seja, pode demorar.