ministerio da saúde

Míriam Leitão: Perdas humanas e custo econômico

Por Alvaro Gribel (interino)

O Brasil chega a 150 mil mortes na pandemia combinando o pior dos cenários: elevado custo econômico e um número assustador de perdas humanas. Na média de mortes por milhão, o país é o pior entre as 10 maiores populações. Ultrapassou os Estados Unidos. Na economia, também não há o que comemorar. O custo fiscal foi mais elevado porque o governo não soube fazer o que era mais barato: comunicar de forma eficiente e orientar a população. Vários estudos têm comprovado que há uma relação direta entre a redução das mortes e a recuperação do consumo.

O FMI divulgou um relatório importante na última semana confirmando que os países que melhor controlaram o vírus estão tendo maiores ganhos econômicos. Se a perda no curto prazo foi mais forte, pelas políticas de isolamento social, no médio prazo isso está sendo compensado pela volta da confiança. O Fundo lembra que há o isolamento orientado pelo governo e o isolamento voluntário, quando as famílias ficam trancadas em casa pelo medo do vírus. De um jeito ou de outro o isolamento acontece, e é melhor que seja de forma organizada. Isso quer dizer que nunca houve trade off entre saúde e economia, as duas coisas sempre andaram juntas, de forma complementar.

Aqui no Brasil, o Itaú Unibanco chegou à mesma conclusão fazendo um cruzamento de dados de consumo, auxílio emergencial e número de mortes. Se é verdade que a ajuda financeira está tendo efeito positivo sobre o PIB, o banco descobriu que muitos municípios que controlaram a pandemia já recuperaram o nível pré-crise, ainda que as suas populações tenham recebido menos dinheiro do governo.

“O consumo de municípios com menor repasse e menor mortalidade está acima do consumo daqueles com maior repasse e maior mortalidade”, disse o departamento econômico do banco, para depois concluir: “Os resultados evidenciam que a recuperação da economia e o controle da pandemia são indissociáveis.”
Quem lê o estudo do FMI percebe que o governo brasileiro continua se deixando levar pelos acontecimentos. Como ainda não há certeza de quando haverá vacina, o que vai determinar a recuperação no ano que vem será a capacidade de a população se sentir segura e de o maior número de setores trabalhar remotamente. É crucial que as populações mais vulneráveis tenham acesso à internet de alta velocidade para trabalhar à distância. O mesmo vale para o uso de máscaras, as testagens em massa e as estratégias de rastreamento. Pouco disso — para não dizer nada — foi feito pelo governo federal. Por isso as estatísticas mostram gastos exorbitantes, uma crise fiscal sem precedentes, e um número inadmissível de perdas de vidas de brasileiros.

Fuga de estrangeiros

A crise fiscal e a pandemia ainda sem data para acabar têm pesado sobre a bolsa, que há dois meses vem andando de lado. Pelo gráfico, extraído de uma apresentação do presidente do Banco Central, percebe-se uma fuga em massa de capital estrangeiro da B3. Enquanto o investidor pessoa física entrou com R$ 33,7 bi até setembro, e o investidor institucional, com mais R$ 56,8 bi, o estrangeiro retirou R$ 87,5 bilhões de papéis de empresas brasileiras.

Fundos parados

Se o Brasil precisa de investimentos em tecnologia da informação, há cerca de R$ 100 bilhões parados em três fundos do setor, segundo Vivien Suruagy, presidente da Feninfra (Federação da Indústria de Infraestrutura de Redes e Telecomunicações). Ela explica que esse dinheiro do Fust, Funttel e Fistel não foi usado durante a pandemia e ainda encareceu o serviço na forma de encargos. “Somente 8% do que foi recolhido até hoje foi investido no setor. Foi tudo para a conta do governo”, explica. Ela teme os efeitos da reoneração da folha, que pode levar a demissões em massa no setor de telecom e provocar um apagão do serviço a partir de janeiro.


El País: O general-ministro que não contraria Bolsonaro

O militar Eduardo Pazuello é o terceiro titular da pasta da Saúde desde o início da pandemia

Quando o general de três-estrelas Eduardo Pazuello foi recrutado para se incorporar ao Ministério da Saúde no Governo Bolsonaro, ele mesmo imaginava que seria uma missão temporária. Seu plano era voltar logo à Amazônia, com sua tropa, como contou em uma das suas primeiras entrevistas. Chegava para coordenar a saída de um ministro destituído e a entrada do seguinte. Dificilmente alguém poderia prever naquele mês de abril que esse militar carioca nascido em 1963 se tornaria o terceiro ministro brasileiro da Saúde durante a pandemia, ainda que de forma interina ―e boa parte da população brasileira (precisamente 88%, de acordo com o Datafolha), nem sequer sabe que ele ocupa esse cargo.

O emprego de Pazuello é provavelmente um dos menos invejados do mundo atualmente: o Brasil acaba de ultrapassar o limite dos 100.000 mortos pelo coronavírus e já soma três milhões de contágios. Essas cifras ―as oficiais, que distam muito das reais― colocam-no em uma posição só pior que os EUA. Mas, como bom militar, o general cumpre a missão encomendada pelo presidente, notório negacionista da gravidade da pandemia. “O Exército está se associando a um genocídio”, chegou a alertar o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, sobre os riscos que isto acarreta para a reputação das Forças Armadas.

O primeiro ministro brasileiro da Saúde em tempos de coronavírus foi Luiz Henrique Mandetta, um ortopedista com experiência política como deputado, que chegou a competir em popularidade com Bolsonaro; o segundo foi Nelson Teich, um tímido oncologista que abandonou o navio em menos de um mês. A ala militar do Gabinete tinha colocado Pazuello como número dois de Teich por sua experiência em logística (e por tê-lo sob sua supervisão). Naquele momento, meados de maio, alguns países se comportavam como autênticos piratas na feroz batalha para conseguir suprimentos básicos, como exames para o diagnóstico da covid-19, respiradores e trajes de proteção.

Esse militar, que ao chegar ao Ministério admitiu não saber nada de saúde, costuma insistir que não é nem médico nem político. Seu negócio é a gestão, a logística, a intendência. Nisso se especializou na academia militar dos Agulhas Negras, a mesma onde antes se formara Bolsonaro, que só chegou a capitão e que, depois de uma insubordinação, foi convidado a passar à reserva. Pazuello, por sua vez, não é dos que contrariam o chefe. Dias depois de assumir a pasta, acatou uma polêmica portaria ―a qual seus dois antecessores, médicos, se recusaram a assinar― que autoriza os médicos a oferecerem cloroquina aos pacientes de coronavírus. O eficaz medicamento contra a malária, que Bolsonaro ―e em certo momento também Donald Trump― apresenta como a panaceia, carece de aval científico contra este vírus.

O presidente conseguiu politizar a cloroquina, o confinamento, o distanciamento social e o uso de máscaras. Mas um terço dos brasileiros ainda o segue, diga o que disser, faça o que fizer, em sua calculada estratégia para que o custo político do coronavírus e a consequente hecatombe econômica sejam pagos por governadores e prefeitos. Sua postura não variou em nada depois que ele mesmo contraiu a doença, em julho, enquanto os coveiros fazem horas extras para abrir sepulturas suficientes para as vítimas do vírus.

Pouco depois de chegar, Pazuello tentou limitar os dados que o Governo divulga diariamente sobre a doença, mas causou tal escândalo que em dois dias desistiu ―em reunião com membros da Organização Mundial da Saúde em agosto, ele omitiu os números de infecções e mortes no Brasil, limitando-se a dizer que o Brasil está “entre os líderes mundiais em pacientes recuperados”. Agora, a primeira cifra divulgada nos boletins do Governo é a dos doentes que se recuperaram, não a de mortos.

O general já está há dois meses e meio à frente do Ministério da Saúde. Dá a impressão de que por enquanto não haverá um quarto ministro, embora ele inicialmente tenha sido nomeado apenas como interino, não como titular da pasta. E assim continua, para espanto dos milhões de brasileiros que consideram Bolsonaro culpado de ter contribuído para o avanço da pandemia. “Se me encherem muito o saco, te transformo em titular”, ameaçava o presidente na semana passada, no resumo da atividade governamental que transmite semanalmente via Facebook.

Com Pazuello ―um sujeito discreto, sempre à paisana, que usa máscara com a bandeira do Brasil e, como demonstrou naquela live, ri das piadas do chefe― se acabaram as entrevistas coletivas diárias sobre o coronavírus, entre outras mudanças substanciais. Quando a pandemia começou, a cúpula do ministério era dominada por profissionais da saúde; agora proliferam os fardados. Nomeou cerca de 20, fazendo sua parte na militarização do poder governamental empreendida por Bolsonaro. Quase metade dos ministros vem das Forças Armadas. Esta é a missão mais complexa já encomendada a Pazuello, que no entanto antes liderou outras bastante delicadas. Quando o chamaram para ir a Brasília, fazia três meses que assumira o cargo de comandante militar da Amazônia. Antes, dirigiu a operação para acolher os venezuelanos que chegam ao Brasil fugindo do desmoronamento do seu país e coordenou as tropas envolvidas na Olimpíada do Rio-2016.

As autoridades brasileiras há muito tempo já desistiram de empreender políticas de análise maciça que revele uma imagem nítida da evolução da pandemia. Mas seu tamanho, seus 210 milhões de habitantes e a velocidade com que o vírus se espalha fizeram do país um laboratório magnífico para os testes da vacina. O ministro interino aposta em que ela pode estar pronta em dezembro ou janeiro.