ministério da educação

‘Nós não queremos o inclusivismo’, diz ministro da Educação de Bolsonaro

Milton Ribeiro voltou a defender que algumas crianças com deficiência fiquem em 'classes especiais' no ensino público

Gabriel Shinohara / O Globo

BRASÍLIA — O ministro da Educação, Milton Ribeiro, voltou a defender que algumas crianças com deficiência não estudem na mesma sala de outros alunos. Segundo ele, o governo não quer “inclusivismo” e argumentou que certos graus e tipos de deficiência necessitam de classes especiais.

— Nós não queremos o inclusivismo, criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar — disse em entrevista para a rádio Jovem Pan nesta segunda-feira.

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Segundo o ministro, 12% das crianças com deficiência nas escolas públicas têm um grau que “impede dela ter o convívio” dentro da sala de aula. Ele então comparou essas crianças com atletas paralímpicos.

— Isso é interessante, porque esse diagnóstico de limitações que as pessoas possuem é um diagnóstico feito pela sociedade. Estamos no meio das paralimpíadas, nós descobrimos que tem pessoas que têm limitações físicas, no caso, que não podem competir com outras que não tem. Nesse paralelismo, embora com grandezas diferentes, foi que eu me referia a esses 11,9%, 12% — explicou.

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De acordo com o ministro, entre essa porcentagem de estudantes que não teriam condições de acompanhar estão cegos, surdos e alguns graus de autismo.

— Dentro desses 12% temos algumas crianças que têm problemas de visão, elas não podem estar na mesma classe. Imagina uma professora de geografia: “aqui é o rio Amazonas” para uma criança que tem deficiência visual, são elas também. Tem outras que são surdas, por exemplo, tem uma gama de crianças, tem alguns graus de autismo e tem um grupo que a gente esquece que são os superdotados, que também estão nesse grupo, que precisam de uma atenção especial  — disse.

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O ministro ressaltou que a escola pública não pode recusar uma criança com deficiência e disse que a escolha continua sendo dos pais.

— A escolha quem faz é o pai e mãe, é ele quem coloca o filho lá, nenhum diretor tem autoridade de negar a matricula de uma pessoa que tem deficiência em uma escola pública,  elas não podem fazer isso, não é isso que estou falando.  Ele vai caminhar e vai poder entender, um pai que tenha condição de perceber que seu filho tem limitações e que aquilo não vai ajudá-lo de maneira alguma, então ele vai preferir colocar nessas classes especiais — apontou.

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As falas ocorrem após o Ministério da Educação (MEC) ter divulgado uma nota, na quinta-feira (19), para reafirmar o pedido de desculpas do ministro por declarar, em entrevista no dia 9 de agosto ao programa Sem Censura, da TV Brasil, que alunos com deficiência "atrapalham" em sala de aula.

Na terça-feira (17), Ribeiro havia tentado explicá-la durante uma palestra no Rio, mas repetiu que algumas crianças com deficiência "criam dificuldades" em sala de aula. As declarações foram criticadas por entidades de direitos de pessoas com deficiência.

Nesta segunda-feira, Ribeiro voltou a admitir que cometeu um erro quando falou que as crianças com deficiência “atrapalhavam” o aprendizado de outros estudantes, mas disse que um prejudica o desenvolvimento do outro.

— Não deixando de lado os deficientes, mas olhando também os outros 88% dos alunos que eventualmente podem ter também… Eu, quando usei a palavra atrapalhar eu fui infeliz, eu disse isso, mas usando com todo cuidado, vou fazer novamente, se usei a palavra atrapalhar, um atrapalha o outro. Nesse sentido de caminhar na educação. A palavra atrapalhar não é a melhor, a gente se equivoca, mas um prejudica o progresso do outro.

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E completou:

— A criança com deficiência tem que ter um olhar e um cuidado especial e é isso que o nosso governo quer ter, nosso governo quer ter um cuidado especial para com a criança com deficiência — finalizou o ministro.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/nos-nao-queremos-inclusivismo-diz-ministro-da-educacao-sobre-criancas-com-deficiencia-nas-escolas-25167927


O governo retarda a internet nas escolas

O Senado aprovou um projeto que mandava o governo aplicar R$ 3,5 bilhões para assegurar o acesso dos alunos de escolas públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa

Elio Gaspari / O Globo

Um governo pode ter uma perna no atraso, outra na malandragem e a terceira em otras cositas más. O de Bolsonaro tem todas.

O Senado aprovou um projeto da Câmara que mandava o governo aplicar R$ 3,5 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o FUST, para assegurar o acesso dos alunos de escolas públicas à internet. Bolsonaro vetou a iniciativa. Era o jogo jogado, pois é atribuição do presidente da República vetar decisões do Congresso. Jogando o jogo, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro, e a lei foi promulgada. Sempre dentro do quadrado da Constituição, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal. Perdeu.

Até aí, movia-se a perna do atraso de um governo que reluta em aplicar o dinheiro do FUST para levar a internet às escolas públicas durante uma pandemia. (A rede privada de ensino, quando teve meios, adaptou-se.)

Na semana passada, moveu-se a perna da malandragem. Um dia antes do fim do prazo dado pelo Supremo para que o governo se mexesse, Bolsonaro baixou uma Medida Provisória adiando o investimento de R$ 3,5 bilhões. Chutou a bola para cima, pois a MP vigorará por 120 dias, a menos que seja aceita pelo Congresso.

Passou-se quase um ano, e as escolas públicas não receberam um tostão. Alguém poderia argumentar que o governo tenta segurar as despesas da Viúva e uma conta de R$ 3,5 bilhões é salgada. Nessa hora, olhando-se direito, vê-se a terceira perna do governo.

Em dezembro de 2019 o repórter Aguirre Talento mostrou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) havia soltado um edital que previa um gasto de R$ 3 bilhões para comprar equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Em tese, era uma iniciativa que melhoraria a conexão dos colégios com a internet. Na prática, a Controladoria-Geral da União viu que havia otras cositas más. Uma só escola de Minas Gerais receberia 30.030 laptops para seus 255 alunos (117,76 para cada um). A gracinha do esbanjamento repetia-se em 355 outros colégios. Além disso, o edital parecia viciado para beneficiar fornecedores afortunados.

Passou-se mais de um ano da exposição do jabuti, três novos ministros ocuparam o MEC, o FNDE trocou várias vezes de presidente, e até hoje não se sabe quem botou o jabuti no edital.

Azararam Costa e Silva

Um sábio que pesquisa a história do acidente vascular cerebral do presidente Costa em Silva suspeitava há tempo que ele morreu em dezembro de 1969, entre outros fatores, pela depressão em que caiu porque era tratado como uma criança. As pessoas falavam com ele como se a sua percepção tivesse sido lesada, quando tinha perdido movimentos e a capacidade de se expressar, mas sabia o que estava acontecendo.

A sabedoria convencional dizia que o AVC, uma vez iniciado, teria uma progressão inevitável. Assim, durante quatro dias, ele perdeu progressivamente a fala e os movimentos do lado direito do corpo. Ele teve uma isquemia, que é uma obstrução da circulação sanguínea no cérebro. (O derrame é o contrário, com o rompimento de um vaso.)

Hoje, uma vez diagnosticadas a tempo, as isquemias cerebrais podem ser tratadas com anticoagulantes.

Um artigo científico informa que em 1958, onze anos antes do AVC de Costa e Silva, o neurologista canadense Miller Fisher, em Boston, tratava isquemias com anticoagulantes. No Brasil, o fatalismo da progressão inevitável foi aceito ainda por muitos anos.

O presidente perdeu momentaneamente a fala no dia 27 de agosto. Recuperou-a, e voltou a perdê-la de vez na madrugada do dia 29, quando ainda conseguiu se expressar por meio de um bilhete.

O pelotão palaciano comandava o major médico que cuidava do paciente e levou-o para o Rio. Lá, ele foi examinado pelo neurologista Abraham Ackerman. Era tarde.

No dia seguinte, o marechal perdeu a capacidade de se expressar.

Se Costa e Silva estivesse em Boston no dia 27, seu destino teria sido outro.

Como ele estava em Pindorama, o pelotão palaciano blindou-o, escondeu a gravidade do caso, depôs o vice-presidente Pedro Aleixo e entregou o poder a uma junta militar composta pelos três ministros militares. Ela governou o país por um mês. Em 1988, o deputado Ulysses Guimarães chamou-os publicamente de “Os Três Patetas”. Quinze anos antes, o general Ernesto Geisel usava a mesma expressão, privadamente.

Alexandre e Barroso

Bolsonaro dá a impressão de que está metido numa briga com o ministro Luís Roberto Barroso, mas sabe que sua encrenca é com o ministro Alexandre de Moraes.

Barroso chegou ao Supremo vindo da sua banca de advocacia. A carreira de Moraes foi outra: ele veio do Ministério Público e foi secretário de Segurança de São Paulo.

Um aprendeu a defender seus clientes. O outro aprendeu a baixar o chanfalho em quem viola a lei.

Paulo Bolsonaro

O professor Delfim Netto está bonzinho. Com 14,8 milhões de desempregados no portfólio, o ministro Paulo Guedes resolveu atacar o IBGE, dizendo que suas estatísticas ainda estão “na idade da pedra lascada”. Delfim defendeu a instituição e disse que torcia para que a fala de Guedes “tenha sido um infeliz lapso verbal”.

Não foi. Tratou-se de um caso de contágio bolsonarista, semelhante aos lances do “vagabundos” do STF de Abraham Weintraub, do “pária” de Ernesto Araújo e da “boiada” de Ricardo Salles.

Paulo Guedes é ministro da Economia há mais de dois anos e não notou que convivia com um IBGE de Flintstones. Pior: levou para a presidência do instituto a economista Susana Cordeiro Guerra, doutora pelo MIT, e deixou-a ir embora.

O golpe, em 1961

O Brasil era governado por um tatarana que armava um golpe. As fake news da época eram tenebrosas.

No dia 9 de agosto de 1961, Jânio Quadros pediu ao Conselho de Segurança Nacional que examinasse um material, “tendo em vista a reunião ministerial referente às Guianas”. Era urgente, pois Jânio via ali um “intenso trabalho autonomista ou de emancipação nacional, com a presença de fortes correntes de esquerda, algumas, reconhecidamente, comunistas”.

Na chefia do gabinete da Secretaria Geral do Conselho, o coronel Golbery do Couto e Silva colecionou os seguintes informes, “cujos graus de confiança ainda não foi possível avaliar”:

“Informe nº 5: Pelo barco de pesca Z-189 desembarcaram em Amaralina, BA, cerca de 22 pessoas, trazidas por um submarino desconhecido, ali observado nestes últimos dias, o desembarque ocorreu em fins de julho.”

“Informe nº 6: Durante o corrente ano chegaram ao Brasil cerca de dois mil comunistas, da China Vermelha, técnicos em guerrilhas”.

Aziz disse tudo

O senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, disse tudo, ao duvidar do que dizia o tenente-coronel da reserva Marcelo Blanco, ex-integrante do pelotão levado pelo general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde:

“Aqui não tem otário”.


Fonte: O Globo

https://oglobo.globo.com/politica/o-governo-retarda-internet-nas-escolas-25145799


Nova onda de Covid-19 na Europa divide governadores no Brasil sobre volta às aulas

Reportagem especial da Política Democrática Online de novembro mostra situação em cada Estado no país

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Ao menos 16 redes públicas estaduais de ensino retomaram parte das aulas presenciais ou têm previsão de retorno às salas de aula, ainda em 2020, oito meses após o fechamento das escolas por causa da pandemia do novo coronavírus, em março deste ano. O risco de a segunda onda de Covid-19 chegar ao país aumenta o alerta para governadores.

Em outros oito estados, governadores já se posicionaram pela volta das atividades escolares presenciais somente no ano que vem. No Distrito Federal e em Minas Gerais, professores, sindicatos, governos e Ministério Público travam briga até na Justiça para o retorno das aulas nas escolas.

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O sinal verde para a volta às aulas tem como parâmetro portaria do Ministério da Educação (MEC) publicada em julho e que define diretrizes para a retomada das atividades presenciais. Entre elas, está a obrigatoriedade do uso de máscaras, distanciamento social de 1,5 metro e afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco. No entanto, governos estaduais e municipais têm autonomia para definição do calendário pedagógico a fim de reorganizar as aulas nas escolas.

Nos estados que já reabriram as salas de aula gradativamente, as escolas devem seguir uma série de protocolos sanitários estabelecidos em portarias dos governos e continuarem oferecendo ensino a distância aos alunos que optarem por essa modalidade. Nessa lista estão Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

Em geral, os governadores sustentam suas decisões na diminuição do número de casos de Covid-19 nos respectivos estados. As estruturas hospitalares emergenciais passaram a ser desmobilizadas. Dos leitos clínicos e de UTI do Sistema Único de Saúde (SUS) abertos a partir do início da pandemia, 65% já foram fechados. Por outro lado, o Brasil é o segundo país com mais mortes – atrás dos Estados Unidos – e o terceiro com maior quantidade de contaminações registradas – atrás dos Estados Unidos e da Índia.

A segunda onda de Covid-19 na Europa é um alerta importante aos governadores que decidiram optar por cautela e autorizar retorno às aulas presenciais somente em 2021 ou após a confirmação de uma vacina para imunizar a população. Nesse grupo, estão Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Roraima. Bahia e Rondônia ainda não firmaram posição sobre o assunto.

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Bruno Boghossian: Ministro tenta superar antecessores em intolerância e improdutividade

Governo Bolsonaro usa educação como palanque para sua cruzada obscurantista

Jair Bolsonaro só não fechou o Ministério da Educação até agora porque precisa dele em sua cruzada obscurantista. Por quase dois anos, o governo ignorou o ensino público, tentou sabotar o financiamento do setor e explorou a pasta como palanque para seus retrocessos.

O terceiro chefe da área se esforça para superar Ricardo Vélez e Abraham Weintraub em improdutividade e intolerância. De uma só vez, Milton Ribeiro conseguiu fazer propaganda de visões preconceituosas e fingir que não têm nada a ver com disfunções da educação brasileira.

O doutor sugeriu ao jornal O Estado de S. Paulo que o ministério não tem interesse em melhorar a tecnologia nas escolas. Para ele, a dificuldade do ensino a distância durante a pandemia é problema dos outros.

“A sociedade brasileira é desigual, e não é agora que a gente vai conseguir deixar todos iguais”, afirmou. “Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil.”

Talvez Ribeiro estivesse mais interessado em conseguir um cargo no governo da Noruega, mas acabou ficando por aqui. Se estivesse insatisfeito, ele poderia procurar países onde ressoam alguns de seus valores, como o Iêmen ou a Mauritânia.

O ministro deu um show de discriminação e disse que a homossexualidade é uma “opção”, que ele atribui ao que chamou de “famílias desajustadas”. “Normalizar isso e achar que está tudo certo é uma questão de opinião”, declarou, na entrevista.

Ele sabe que não se trata de uma mera “questão de opinião”, mas usa a velha tática bolsonarista de esconder seus insultos atrás do argumento da liberdade de expressão. O ministro, que é pastor da igreja presbiteriana, alega que essa é apenas uma pauta conservadora, como se isso legitimasse o desaforo.

Ribeiro chegou ao governo com a chancela da ala militar e o carimbo de “moderado”, após a queda do piromaníaco Abraham Weintraub. Houve quem comprasse essa imagem. A única coisa que o doutor pretende moderar é a descrição dos horrores da ditadura nos livros didáticos.


Cristovam Buarque: Reunião de horrores

Ministro da Educação de Hitler sentia horror às simples expressões ‘povo judaico’ ou ‘povo cigano’ ou ‘comunista’

Bernhard Rust foi ministro de Hitler para a Educação. Nomeado no primeiro dia do governo nazista, foi fiel até a morte, por suicídio, na rendição da Alemanha. Não se pode dizer que Rust era culpado pela situação da educação alemã em 1933. Apesar de muito melhor que a nossa hoje, a educação alemã sofria consequências da Primeira Guerra e dos fortes constrangimentos impostos pelo acordo de paz que comprometeu as finanças públicas. Tudo isso agravado por hiperinflação e caos político ao longo da década de 1920.

Rust não era o culpado da herança que recebeu, mas, em vez de montar um sistema educacional competitivo na Europa, concentrou-se na ideologia para desarticular o que chamava de cultura comunista e influência de judeus na vida intelectual da Alemanha. Ele via a universidade como antro do marxismo cultural. Einstein era recusado como judeu e a teoria da relatividade vista como parte da conspiração internacional comunista.

Rust não fez parte da engenharia do Holocausto, mas foi um dos criadores do pensamento que serviu de base à execução da solução final para extinguir povos não arianos que faziam parte da Alemanha, especialmente judeus. Ele sentia horror às simples expressões “povo judaico” ou “povo cigano” ou “comunista”. Seu tipo de patriotismo achava que na Alemanha havia um único povo, palavra que só se aplicava aos alemães. Para isso, demitiu professores, impediu escolha de reitores pela comunidade, vetou ideias incompatíveis com a tradição cristã.

Lembrei de Rust ao ouvir a participação do ministro da Educação do Brasil, na reunião de gabinete de 22 de abril. Ele não incentivou solução final para nossos índios, mas lançou a base para que isso ocorra. Não por morte em câmaras de gás, mas por morte lenta devido à negação dos direitos básicos de cada povo indígena. Ao sentir horror, sua cara passou a sensação de nojo ao povo indígena, passou a ideia de que o conceito de povo brasileiro nega permissão para a convivência fraterna com outros povos dentro do Brasil.

Ao dizer que tinha horror ao conceito de povo indígena, e manifestar que apenas o povo brasileiro com sua aparente identidade ocidental e cristã lhe interessa, ele repete o que dizia o ministro nazista para os judeus. Quase 100 anos depois, o ministro da Educação do Brasil senta a base ideológica para a ideia da pureza, se não racial, ao menos cultural, do povo brasileiro cristão e ocidental.

Não é por acaso que, logo após, o ministro do Meio Ambiente declarou que o governo deve aproveitar a atenção da mídia voltada aos mortos pela epidemia, para simplificar procedimentos que permitirão ocupar terras e destruir florestas onde vivem o que seu colega considerou “não povo” indígena. Dizimar as florestas onde vivem os índios é como colocá-los em “câmara de gás” que mata lentamente. Foi isso o que os dois ministros combinaram ser feito sem grandes dificuldades burocráticas, um sentando base ideológica pelo horror ao povo indígena e o outro definindo os meios administrativos para o genocídio. Diga-se a favor deles que talvez não tivessem consciência do que diziam, sem saberem quem foi Rust.

Por isso, nenhum outro ministro, nem o presidente, nem o vice, chamaram a atenção deles para o horror do que tinham dito. Acharam natural os sentimentos de horror com o conceito de povo indígena e com as amarras burocráticas que impedem derrubar florestas.

A reunião de 22 de abril passa a sensação de um ministério unido no uso de palavrões e na concepção de Bernhard Rust. Igualmente triste é imaginar que depois de nossos “Rusts”, dificilmente teremos um presidente com a visão do chanceler Adenauer, que, na primeira reunião para definir as prioridades do Plano Marshall, afirmou que a prioridade na reconstrução da Alemanha seria a educação, para recuperar o tempo perdido em décadas anteriores e corrigir o desastre nos anos nazistas.

*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília


Fernando Exman: Falta educação na Pasta da Militância

Setor tem desafios urgentes a enfrentar na pandemia

O Ministério da Educação mantém-se fiel à tradição, no governo Jair Bolsonaro, de protagonizar crises políticas. A gestão de uma pasta fundamental para o desenvolvimento do país começou mal, avançou mandato adentro de forma trôpega e, durante a pandemia, apequenou-se.

O setor tem diversos desafios a enfrentar. Muitos deles se tornaram urgentes, mas outros poderiam ter sido resolvidos há tempos.

Os potenciais problemas da pasta tornaram-se perceptíveis já no período de transição, no fim de 2018. Militares e acadêmicos que formulavam seu planejamento estratégico foram surpreendidos quando Ricardo Vélez Rodríguez entrou no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) como um professor pouco conhecido e saiu como o indicado para ocupar a função de ministro de Estado. A vaga era entregue à ala ideológica que formava a base eleitoral do presidente recém-eleito, criando severos obstáculos à execução do plano programado pelos técnicos que integravam este grupo setorial da campanha eleitoral.

Não demoraria para que Vélez caísse. Mesmo assim, o cargo permaneceu sob influência do grupo que passou a usar a política externa, além das áreas de direitos humanos e da educação, para manter militantes bolsonaristas mobilizados em defesa de um governo com cada vez mais frentes de batalha nos campos político e jurídico.

Não foi à toa que estas três áreas foram expostas, com a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril.

O episódio colocou o titular do Ministério da Educação, Abraham Weintraub, no epicentro das turbulências hoje existentes entre o Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Legislativo. Ele chegou a se manifestar com tanta eloquência na reunião que o presidente pediu mais engajamento de outros ministros citando seu exemplo, mas de “forma mais educada um pouquinho”. Weintraub colocou-se aos presentes como militante e nada do que falou poderá ser reproduzido em livros infantis.

O resultado não poderia ser mais preocupante para um gestor com diversos assuntos a despachar com os outros Poderes. A capacidade de articulação institucional de Weintraub é, hoje, uma nulidade. A notícia positiva para ele, por outro lado, é que justamente essa disposição para o enfrentamento foi que o manteve, pelo menos até agora, no cargo.

No fim de 2019, sua demissão era dada como certa por auxiliares do presidente. Bolsonaro precisou negar que estaria planejando mudar novamente o comando da Educação, sempre com o argumento de que gestões anteriores teriam deixado o Brasil pessimamente posicionado no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Antes de exonerá-lo, ponderava, seria justo dar crédito e condições para o ministro trabalhar.

E resultados é o que se espera neste momento em que a pandemia pode gerar graves danos para o ensino, para a vida de pais, mestres e alunos, além de também afetar a solvência de empresas do setor.

A reação inicial do governo até que foi ágil. O Planalto enviou ao Congresso um pedido para que fosse reconhecida a situação de calamidade pública em meados de março. No primeiro dia de abril foi editada uma medida provisória voltada especificamente para a área da educação durante a pandemia.

A MP flexibiliza o calendário escolar para garantir que os alunos tenham acesso a todas as horas-aula relativas aos 200 dias letivos exigíveis pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ou seja, 800 horas anuais, mesmo que de forma remota.

O Executivo reconheceu, na MP, a gravidade da covid-19 e os potenciais riscos das inevitáveis aglomerações que ocorreriam nas creches, escolas e universidades. Mas, desde então, outros gestos do Ministério da Educação e do próprio presidente não corroboraram com essa visão.

Bolsonaro tentou articular com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que colégios cívico-militares encabeçassem um movimento de retorno às atividades. A ideia não foi adiante.

Também falhou o plano do ministro de evitar o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As discussões sobre o assunto passaram a ser conduzidas diretamente entre a Câmara e o presidente.

O titular da pasta também tem sido alijado das discussões sobre outro tema que angustia o setor e gestores locais: o financiamento da educação. Uma proposta de emenda constitucional estabelecendo um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica precisa ser aprovada e regulamentada ainda neste ano, pois o atual Fundeb vale apenas até dezembro.

Deputados gostariam de aumentar a participação do governo federal no financiamento da educação básica, mas prefeitos ouviram uma proposta da equipe econômica que acabaria por não contemplar totalmente o setor. A ideia seria privilegiar a destinação de verbas para a saúde, por causa da pandemia. Em outras palavras, renovar o fundo como ele é hoje sem carimbar os recursos. As prefeituras poderiam adquirir testes para covid-19, respiradores e outros equipamentos médico-hospitalares, em vez de comprar material escolar. Não há acordo ainda. A educação ficaria, novamente, em segundo plano.

Cabe ao poder central coordenar as ações do setor público e da iniciativa privada. Será um erro deixar que pais e alunos considerem 2020 um ano letivo perdido, mesmo que o futuro profissional dos estudantes ainda esteja nublado.

À medida do possível e dependendo das limitações e especificidades de cada local, métodos de ensino remoto e de reposição do conteúdo perdido precisam ser objeto de total atenção do governo federal. O retorno às salas de aula também precisará ocorrer de forma ordenada e seguindo diretrizes sanitárias. Cada Estado ou município terá que saber o momento certo de fazê-lo. Voluntarismos vindos do ministério ou do Palácio do Planalto não contribuirão nesse processo, sobretudo se forem apenas para manter a militância aquecida. Misturar a situação atual com as discussões sobre a polêmica educação domiciliar, uma bandeira bolsonarista, tampouco parece ser boa ideia.


Hélio Schwartsman: Solução para o Enem

Sem a redação, a prova poderia ser adiada até março ou mesmo abril

O Enem deve ser adiado devido à pandemia? Acho que sim, dentro de certos limites. O argumento é conhecido: como os alunos mais pobres têm mais dificuldades para seguir estudando neste momento de reclusão, a manutenção do calendário reforçaria ainda mais a desigualdade no acesso ao ensino superior.

Não vejo como discordar. O ponto, me parece, é que há um limite para quanto a prova pode ser adiada e ele é dado pelo ano letivo de 2021. O sistema de ensino é um fluxo. Para cada turma que sai, precisa entrar uma nova. Não faria sentido que as universidades ficassem um período sem alunos. Também não podem condensar demais os conteúdos do primeiro ano.

Num cenário de excepcionalidade, como será 2021, as aulas, que costumam ter início em meados de fevereiro, poderiam, sem prejuízo irrecuperável, começar em abril, talvez maio, se suprimirmos as férias de julho. Isso significa que o Enem poderia ser transferido de novembro para janeiro.

Tenho uma proposta que nos daria uns dois meses adicionais. Basta eliminar a redação do Enem. Sei que é polêmico. Todo mundo adora a ideia de prova dissertativa. Em teoria, não há nada melhor do que uma redação para avaliar o estudante. Ela permite, de uma vez só, averiguar o nível de conhecimentos do candidato, sua capacidade de articular ideias e seu domínio sobre a escrita.

O problema é que é impossível corrigir milhões de dissertações de modo objetivo. Sem a redação, o Enem seria menos suscetível às idiossincrasias dos corretores, mais barato e seus resultados sairiam quase instantaneamente, que é o que nos interessa aqui. Poderíamos adiar a prova até março ou mesmo abril.

E o que perdemos abrindo mão da redação? Não muito. Apesar de nossas intuições não concordarem, é alta a correlação entre o desempenho em questões de múltipla escolha e na dissertação. Quem vai bem nos testes costuma ir bem na redação, e vice-versa.


Elio Gaspari: Weintraub, ministro da educassão, é uma ameassa a ceguranssa nacional

Ministro sugeriu que fossem mandados para a cadeia ministros do Supremo Tribunal Federal

Segundo o ministro Augusto Heleno, a divulgação integral da conversa de botequim ocorrida na reunião do conselho de ministros de 22 de abril pode ser um “ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional”. De fato, é possível que tenham sido tratados assuntos sensíveis e seria razoável mantê-los embargados, assim como foi elegante abreviar o verbo fornicante da fala do presidente. Se de fato o ministro da Educassão, Abraham Weintraub, sugeriu que fossem mandados para a cadeia ministros do Supremo Tribunal Federal, seria um ato patriótico expô-lo, para que responda pela sua proposta na forma da lei.

Pedir a volta do AI-5 e o fechamento do Supremo numa manifestação popular é uma coisa. Sugerir a prisão de ministros do Supremo numa reunião ministerial é bem outra.

Esse tipo de arbitrariedade não tem precedente. O marechal Floriano Peixoto ameaçou, mas não prendeu ministros. Nas ditaduras seguintes, o tribunal foi coagido e três ministros foram aposentados compulsoriamente, mas nenhum foi preso.

É o caso de se perguntar como é que se faz isso. Só há um caminho, o da ditadura, enunciado há dois anos por Eduardo Bolsonaro: “Para fechar o Supremo bastam um cabo e um soldado”. Junto com isso, viriam o fechamento do Congresso e a censura à imprensa. Daí à reabertura dos DOIs, seria um pequeno passo.

A divulgação do que se disse na reunião permitirá o conhecimento das exatas palavras do ministro. Sua colega Damares Alves, a quem se atribuiu a proposta de prisão de governadores e prefeitos, esclareceu que se referia aos larápios que desviavam recursos e equipamentos. Weintraub fechou-se em copas.

A JBS fez, e nós?
Um dia a Covid será passado e o Brasil se lembrará de que quadrilhas de larápios bicavam as compras emergenciais. Felizmente, restará também a lembrança de grandes empresas que olharam para o andar de baixo. O Itaú-Unibanco, com sua doação de R$ 1 bilhão, e a Vale, fretando aviões ou distribuindo equipamentos, fizeram história. A eles juntou-se, pelo tamanho da iniciativa, a JBS. Ela anunciou uma doação de R$ 400 milhões. A maior parte desse dinheiro irá para a construção de hospitais e para a distribuição de leitos e equipamentos. R$ 50 milhões irão para pesquisas da área de saúde, e R$ 20 milhões, para organizações sociais sem fins lucrativos. O ervanário será gerido por três comitês de médicos, professores e administradores. Entre eles, Roberto Kalil Filho (Incor) e Henrique Sutton (Einstein) e Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas.

A JBS ficou famosa pelos seus malfeitos mostrados na Lava-Jato e fechou um acordo de leniência com a Viúva comprometendo-se a desembolsar R$ 2,3 bilhões para projetos sociais. Os irmãos Wesley e Joesley Batista resolveram renunciar ao direito que tinham de usar a doação de R$ 400 milhões para abater o que deviam.

Com 130 mil colaboradores diretos, a JBS passou por todos os seus perrengues sem demitir um só trabalhador.

Profecia
A investigação pedida a partir da denúncia de Sergio Moro tende a virar limonada por dois motivos: primeiro porque espremendo o caso, não há como demonstrar que houve crime. Além disso, pode-se intuir que a vontade do procurador-geral Augusto Aras de apresentar uma denúncia contra Bolsonaro é próxima de zero, com viés de baixa.

A zona de conforto dos Bolsonaro termina quando se mexe com dois fios desencapados: a CPI das Fake News e a investigação conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal, relacionada com as mesmas “alopranças”.

Farra elétrica
As concessionárias de energia elétrica levaram uma pancada com a pandemia. O consumo caiu em cerca de 10%, a inadimplência cresceu em outros 10% e o dólar encostou nos R$ 6, encarecendo o custo da energia de Itaipu.

Com toda razão, as empresas estão pedindo socorro ao governo. A conta acabará nas costas dos consumidores.

Até aí, tudo bem, mas o doutor Paulo Guedes está condicionando as ajudas aos estados à entrega de contrapartidas. Seria razoável que as concessionárias de energia também oferecessem contrapartidas. Por exemplo: limitações na remuneração dos diretores e na distribuição de dividendos aos acionistas. Essa tunga duraria o tempo da outra, que penalizará os consumidores.

A exigência de contrapartidas teria o efeito colateral de inibir a voracidade das empresas.

Dólar a R$ 6
No início de março, quando o dólar estava a R$ 4,65, o ministro Paulo Guedes disse que “se fizer muita besteira”, poderia ir a R$ 5. Foi, bateu nos R$ 5,91 e poderá ir a R$ 6.

O sujeito da frase de Guedes estava oculto e ficou no ar quem precisaria fazer “muita besteira”. Uma coisa deve ser reconhecida: até agora, não foi ele.

Moro na muvuca
O juiz aposentado Vladimir Passos de Freitas, que foi um dos principais colaboradores de Sergio Moro no Ministério da Justiça, disse que ele foi para o governo sem que “tivesse ideia de como seria a vida comum ali”.

O doutor pode achar isso, mas ninguém vai para ministério, em governo algum, sem ter ideia de como será a vida ali. Moro, assim como Nelson Teich, sabia quem era Bolsonaro e Bolsonaro sabia quem eram Moro e Teich.

Com uma diferença: Moro não se ofereceu para a cadeira.

Faz tempo, quando o presidente João Figueiredo expandiu seu temperamento errático e explosivo, dois de seus colaboradores diretos conversavam dentro de um automóvel e deu-se o seguinte diálogo.

— Depois que ele operou o coração, virou outra pessoa.

O outro, que entendia de medicina, respondeu:

— O problema não está no hardware. É coisa do software.

Ajuda aos estudantes
A gloriosa Faculdade Nacional de Direito do Rio tem 244 alunos que precisam de ajuda, quer para o transporte (R$ 250 mensais), quer para continuar estudando (R$ 900). De cada quatro, um mora na Baixada Fluminense.

Os ministros Luiz Fux (STF), Luís Felipe Salomão e Benedito Gonçalves, bem como o desembargador Cezar Rodrigues Costa, organizaram um webinar para ajudar esses jovens que, como eles, se formaram na rede pública. O debate se chama “A Covid e o futuro das Cortes de Direito”.

A inscrição custa R$ 200. Mas quem quiser, pode fazer a doação inscrevendo-se, mesmo que não os ouça.

Bolsonaro fashion
Além das camisetas de clubes de futebol, Jair Bolsonaro tem um lado fashion. Em outubro passado, vestiu uma casaca com gola redonda no Palácio Imperial de Tóquio, sacrilégio para quem usa essa fantasia de pinguim.

Na marcha de lobistas que liderou, sobre o Supremo Tribunal Federal, o capitão usava um paletó com um bolsinho sobressalente do lado direito.

Esse adereço espalhou-se pelo mundo no século passado, graças a Lord Halifax, o famoso rival de Winston Churchill. Ele era um inglês esguio e vestia-se de forma conservadora, porém amarfanhada.

O bolsinho de Halifax nada tinha a ver com estilo. Ele havia nascido sem a mão esquerda.


Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques

Em entrevista à Política Democrática Online, superintendente executivo afirma que Ministério da Educação deveria ter mais força reguladora

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação”, afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista exclusiva à 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online. De acordo com ele, o país avançou numa definição genérica de um regime de colaboração. “Só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, afirma ele. Todos os conteúdos da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online

Na entrevista, o superintendente do Instituto Unibanco diz que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba. Além disso, ele afirma que o país acumulou, ao longo da história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil.

Na avaliação de Ricardo Henriques, o Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. “Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio”, ressalta.

Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.

O superintendente do Instituto Unibanco cita também, ao longo da entrevista concedida à revista Política Democrática Online, a necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e o papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

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Elio Gaspari: O caótico MEC de Weintraub

Se os educatecas não conseguem fazer um exame que preste, como farão três?

Depois de ter anunciado “o melhor Enem” e de ter entregue o pior, o Ministério da Educação de Abraham Weintraub saiu-se com uma ideia nova, fatiando-o em três exames que seriam aplicados a partir do primeiro ano do ensino médio. Trata-se de uma parolagem típica de burocratas que não fazem seu serviço e, diante do fracasso, propõem uma reforma. Se os educatecas não conseguem fazer um exame que preste, como farão três?

O Enem é uma praga que aflige a juventude brasileira há mais de 50 anos, desde quando se chamava vestibular. Em julho passado, o ministro Weintraub pôs luz nessa questão anunciando que a partir deste ano as provas seriam feitas por meio eletrônico. Prometeu tudo direitinho, dizendo que até 2026 a nova modalidade estaria implantada em todo o país: “Há cem anos a gente faz exame do mesmo jeito, em papel. Queremos fazer como é feito lá fora”.

Lá fora, tomando-se o exemplo do SAT americano, o exame é feito por meio eletrônico e os jovens têm sete oportunidades a cada ano para fazer a prova. Foi mal num, tenta outro. Se a promessa de Weintraub fosse adiante, algum dia seria possível fazer mais de um exame por ano.

Passaram-se oito meses e um fracasso. O que se vê é o início de uma discussão maluca para esquecer o que foi dito. Não se pode pedir que Weintraub faça o que prometeu, mas não seria muito pedir que faça pelo menos o que está combinado, um Enem por ano, mesmo no papel, sem desastres como o das últimas semanas.

Weintraub foi o quarto ministro a prometer o Enem digital. Ele e todos os outros seguiram a mesma metodologia: prometeram a mudança e nunca mais tocaram no assunto.

Que eleição?
Uma pesquisa realizada em São Paulo revelou que dois terços dos entrevistados não sabiam que em outubro haverá uma eleição municipal para a escolha do prefeito e dos vereadores.

Esperando Bloomberg
Até o dia 3 de março, quando 14 estados americanos realizarão suas prévias, os democratas e a torcida mundial contra Donald Trump continuarão ralando um inferno astral. Só então entrará na disputa Michael Bloomberg, o bilionário ex-prefeito de Nova York.

Os resultados de Iowa e o que virá nesta semana de New Hampshire indicam o caminho para uma derrota quase certa dos democratas, provavelmente enorme. Ficaram na frente o jovem Pete Buttigieg e o veterano Bernie Sanders. Quem acha que o eleitorado americano pode colocar na Casa Branca um gay (Buttigieg) ou um neossocialista (Sanders) pode torcer à vontade, mas terá mais quatro anos de Donald Trump.

Bloomberg entrará na Superterça com 78 anos e uma fortuna de US$ 61 bilhões. Ele já foi republicano e politicamente incorreto. No andar de cima, sua conversão poderá ser absorvida, mas, no de baixo, ele terá que ralar para buscar o voto do eleitorado negro.

O candidato pelo partido democrata tem um ego comparável ao de Trump, mas essa é a única semelhança. Judeu, nasceu na classe média, não herdou um tostão e construiu um império jornalístico. O outro herdou a fortuna do pai e quebrou várias vezes.

Serpentário
Jair Bolsonaro não gosta da imprensa e reclama das notícias de que pretende mexer no Ministério. Tudo bem, mas, de dez frituras que são noticiadas, nove partem do serpentário do Planalto.

Tanto é assim que a saída do ministro Gustavo Canuto do Ministério do Desenvolvimento Regional e sua substituição por Rogério Marinho, uma decisão pessoal de Bolsonaro, passou ao largo dos radares dos fabricantes de frituras.

Energia solar
A turma que pretende taxar a energia solar de forma ampla, geral e irrestrita continua ativa, trabalhando no escurinho do Congresso.

Um curioso acaba de descobrir um documento capaz de subsidiar essa discussão. Trata-se de um manifesto dos produtores de velas, paródia escrita em 1845 pelo economista francês Frédéric Bastiat. Ele defendia a liberdade de comércio e redigiu a petição destinada a enfrentar um concorrente estrangeiro (o Sol), pedindo uma lei que mandasse fechar janelas e claraboias para impedir a entrada de sua luz, protegendo a indústria, o comércio e milhares de empregos.

Bastiat queria preços livres e na sua paródia argumentava que, se a luz do Sol podia concorrer com a das velas, o governo não poderia taxar a importação de laranjas portuguesas, mais baratas que as francesas porque a lavoura de Portugal era beneficiada porque lá havia mais Sol.

Transição
Em 2018, a ministra Cármen Lúcia passou a presidência do Supremo Tribunal Federal ao seu colega Dias Toffoli com grande suavidade.

Depois do barraco dos juízes de garantia, deve-se temer que a transição de Toffoli para Luiz Fux tenha sobressaltos.

Cabral falou
O ministro Edson Fachin homologou a colaboração de Sérgio Cabral, feita à Polícia Federal, determinando que seus anexos fiquem sob sigilo. Eles poderão chegar à centena.

A última colaboração de magano à Federal, também rejeitada pelo Ministério Público, foi a de Antonio Palocci e teve um percurso desastroso. Vazou mais que coador de macarrão e um de seus anexos foi divulgado pelo juiz Sergio Moro durante a campanha eleitoral.

As confissões de Palocci, com 39 anexos, geraram muito barulho e poucos resultados. Pelo andar da carruagem, a colaboração de Cabral pode ir pelo mesmo caminho, a menos que seja acompanhada pelas devidas investigações e necessárias prisões.

Embaixador calado
Pelo menos um embaixador do Brasil numa capital do circuito Elizabeth Arden especializou-se na arte de ficar calado ou de repetir platitudes em jantares onde o colocam ao lado de senhoras estranhas ao mundo diplomático.

As mulheres de diplomatas de outros países sabem que certos assuntos devem ser evitados.

Guilherme Schelb
O procurador-geral Augusto Aras escolheu seu colega Guilherme Schelb para uma das vagas no conselho da Escola do Ministério Público e começou uma gritaria da turma da Casa.

A maior restrição feita a Schelb é a sua simpatia por Jair Bolsonaro e a defesa que faz do Escola Sem Partido. Esse é um direito dele.

A turma da grita tem memória seletiva. Em 2001, Schelb integrou a equipe de procuradores que investigou o assassinato de guerrilheiros do Araguaia no século passado. Alguns guerrilheiros foram executados depois de terem aceito as propostas de rendição feitas pelos militares por meio de panfletos e de convites transmitidos pelos alto falantes de helicópteros a partir de outubro de 1973. Um dos panfletos dizia: “Oferecemos a possibilidade de abandonar a aventura com vida, com tratamento digno e julgamento justo”. Era mentira.

O trabalho desses procuradores ajudou a levantar o véu de silêncio jogado sobre o fim da guerrilha pelo Exército e, sob outros aspectos, pelo PCdoB. Eles listaram nove “desaparecidos” que foram vistos nos aparelhos que o Centro de Informações do Exército mantinha na região.


O Estado de S. Paulo: Guerra política derruba número 2 e paralisa MEC

Luiz Tozi, secretário executivo do Ministério da Educação, é exonerado em meio a uma disputa entre técnicos, militares e seguidores de Olavo de Carvalho; permanência de ministro é incerta

Por Renata Cafardo, Isabela Palhares e Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A disputa política instalada no Ministério da Educação (MEC) levou à demissão do número dois da pasta, o secretário executivo Luiz Antonio Tozi, nesta terça-feira, 12. A saída foi determinada pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Desde a semana passada, o ministério já teve sete funcionários afastados, está com editais paralisados e programas sem definição. Não há garantia de que Vélez, que tem sido criticado por apostar em ações de cunho ideológico e dar declarações polêmicas, vá continuar no cargo.

Tozi tinha perfil técnico, havia trabalhado para o governo de São Paulo e fazia parte de um grupo que vinha aconselhando Vélez a dar um novo direcionamento para o ministério. Outros dois grupos brigam por poder no MEC: os chamados “olavistas”, ligados ao escritor Olavo de Carvalho – considerado guru do “bolsonarismo” – e os militares.

Estado apurou que a “reformulação” na pasta pode chegar a 20 nomes. Entre os atingidos estariam outros seguidores de Olavo e integrantes do grupo do coronel Ricardo Roquetti, apontado como braço direito de Vélez e que foi desligado nesta segunda-feira, 11. Funcionários ligados a Tozi também devem pedir para deixar o MEC. Não está descartada ainda a saída de Vélez logo depois da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, mesmo com o presidente tendo dito nesta terça-feira que ele “continua no cargo”.

Conta a favor do ministro o fato de o governo não ter um nome forte para substituí-lo rapidamente. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já trabalha para indicar um parlamentar para o posto. Outra opção cogitada pelo governo é mantê-lo no cargo, mas num papel de “fachada”. Os poderes ficariam concentrados em um novo secretário executivo, ainda a ser definido. Nesta terça-feira, Vélez avisou pelo Twitter que o novo número dois da pasta será Rubens Barreto da Silva, que era secretário adjunto e amigo de Tozi.

A guerra interna foi exacerbada depois da repercussão negativa da carta enviada pelo ministro a escolas de todo País, pedindo que fosse lido o slogan da campanha de Bolsonaro e que as crianças fossem filmadas cantando o Hino Nacional, noticiada pelo Estado. Como consequência, Vélez acabou demitindo parte do grupo ligado a Olavo, que defendia políticas mais conservadoras.

A reação dos “olavistas” e do próprio escritor foi imediata. Tozi foi chamado de “tucano” e acusado de não ser alinhado às ideias do presidente. Olavo pediu a cabeça do secretário executivo ontem pelo Twitter, assim como já tinha feito com o coronel Roquetti.

Para a presidente do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, a demissão de Tozi “não é um bom sinal”. “Essa gestão precisa entender a missão do ministério, que é enfrentar a crise de aprendizagem dos alunos brasileiros e deixar de diversionismos.”

 

Programas
Enquanto isso, programas estão paralisados e servidores temem tomar decisões. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela transferência de recursos a Estados e Municípios para a compra de livros didáticos, merenda e transporte escolar, é um dos que mais afetados. O órgão tem um orçamento de R$ 58 bilhões e também está dividido – é presidido por Carlos Alberto Decotelli, indicado pelos militares, mas duas diretorias foram entregues a “olavistas”.

A compra de livros literários, que já estava aprovada desde o ano passado, ainda não foi feita. Também não foi alterado o edital de livros didáticos para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que precisa ser adequado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O edital para os livros do ensino médio, que deveria ter sido publicado em janeiro, ainda não saiu. O mesmo ocorre para a compra de dicionários para as escolas. Sem a garantia de que permanecerão no cargo, os diretores não querem assumir a responsabilidade de assinar editais. E se preocupam em validar documentos que possam conter erros ou regras polêmicas.

Secretários
Entidades também estão preocupadas com a falta de clareza sobre o futuro de programas do MEC. Segundo a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cecília Motta, não há informações sobre continuidade das avaliações ou verbas que o ministério repassava para implementação da BNCC. O órgão está preparando um documento para entregar ao ministério em que pede que políticas sejam continuadas.

O grupo que reúne os secretários municipais também tem a mesma preocupação com relação a repasses para programas de alfabetização, por exemplo. “Não há uma definição e as secretarias já estruturaram seu planejamento pensando nesses recursos”, diz Aléssio Costa Lima, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Procurada nesta terça-feira pela reportagem, a assessoria de comunicação do Ministério da Educação (MEC) afirmou que não tinha tempo hábil para responder a todos os questionamentos.

Olavo
A demissão de Luiz Antonio Tozi, e o agravamento da crise interna no ministério foram precedidos por uma série de postagens de Olavo de Carvalho. As críticas seriam uma retaliação “ao expurgo” promovido contra ex-alunos de Olavo dentro do Ministério da Educação.

Em suas redes sociais, Olavo publicou nos últimos dias dezenas de mensagens com recados ao governo, a Vélez e a apoiadores de Bolsonaro. Após a demissão de Roquetti, Olavo publicou que era necessário “concluir a limpeza”. “Diante de uma operação de infiltração como essa, ninguém pode ser poupado. É preciso mandar todos para a rua”, escreveu em seguida.

Olavo também já fez ameaças ao próprio ministro Vélez Rodríguez, dizendo que um acordo com grupos que tiveram influência antes da eleição seria um “crime”, e chegou a sugerir a demissão do ministro. “Recomendei o ministro Vélez, mas se ele cair no erro monstruoso que mencionei (acordo com quem estava na pasta antes), ponham-no para fora”, diz a mensagem publicada na segunda.

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Simon Schwartzman: A fábrica de ilusões

Ensino superior precisa de visão de futuro, regras claras, mais flexibilidade e mais transparência

No Brasil todos querem ganhar na loteria, e muita gente joga, mesmo que pouquíssimos ganhem. No ensino superior é parecido: cerca de 7 milhões se candidatam todo ano ao Enem, disputando cerca de 300 mil vagas em universidades federais. Muitos dos que não passam vão para escolas privadas, em alguns casos com bolsas ou créditos educativos. Em 2017, 2,5 milhões de pessoas entraram em cursos superiores, a grande maioria no setor privado, e 1,2 milhão se formaram. Dados do Inep mostram que depois de quatro anos 31% dos estudantes haviam abandonado o curso e só 11% se formaram. O abandono é muito maior nas instituições privadas (37%) e em áreas como ciências matemáticas e computação (40%), ciências sociais (35%) e cursos à distância (42%).

A peneira, na verdade, começa antes. Hoje existe escola fundamental para todos, mas a qualidade, sobretudo nas redes municipais e estaduais, é muito ruim, e a grande maioria chega ao ensino médio mal sabendo escrever e fazer contas. Em 2018, 3 milhões de jovens entraram no ensino médio, mas só 2,3 milhões chegaram ao terceiro ano. Outro 1,4 milhão, de mais velhos, se matriculou em cursos de educação de jovens e adultos, em que a grande maioria não se forma – e a qualidade é pior ainda. É pior do que loteria, porque é um jogo de cartas marcadas: filhos de famílias mais ricas e educadas, que estudam em escolas particulares ou passam nos “vestibulinhos” das escolas federais, têm mais chances de conseguir boa nota no Enem, passar na Fuvest, escolher os melhores cursos ou ir para uma escola superior privada de elite. Já a grande maioria fica pelo caminho.

Ter educação superior hoje no Brasil significa ter uma renda média do trabalho de R$ 4.600 mensais, comparada com R$ 1.600 dos que têm nível médio e R$ 1.350 de quem só tem o fundamental. Mas depende muito do curso e da faculdade que a pessoa seguiu: cerca de metade das pessoas de nível superior trabalha em profissões de nível médio, com renda próxima de R$ 2.400. Para ter maiores benefícios é preciso entrar numa carreira disputada, como medicina ou engenharia, ou passar na prova da OAB ou num difícil concurso para cargo público: é para poucos.

Além do imenso custo pessoal para os milhões que gastam anos, dinheiro e esperança tentando uma carreira que nunca vão atingir, existe o custo público de manter tudo isso. Segundo dados da Secretaria do Tesouro, os gastos da União em educação superior passaram de R$ 32 bilhões a R$ 75 bilhões entre 2008 e 2017, em sua grande maioria na forma de salários para professores de tempo integral das universidades federais, enquanto o crédito educativo, concedido de forma indiscriminada ao setor privado até recentemente, chegou a mais de R$ 30 bilhões em 2016 e 2017. Tudo isso para financiar um sistema com 30% ou mais de ineficiência, sem falar na qualidade e pertinência do que é ensinado. O Ministério da Educação mantém um sistema extremamente complexo e caro de avaliação do ensino superior, com as provas do Enade e a divulgação de diferentes índices que não nos dizem quais cursos são efetivamente bons ou ruins, nem qual a empregabilidade dos formados, ou a eficiência das instituições no uso dos recursos públicos.

Outra ilusão é a suposta “indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão”, consagrada no artigo 207 da Constituição. Em seu nome, 87% dos professores das instituições federais e 80% das estaduais têm contratos de trabalho de tempo integral, e a maioria de dedicação exclusiva, elevando enormemente os custos, embora a pesquisa que mereça esse nome – regular, de padrão internacional e de impacto social e econômico – esteja concentrada numas poucas instituições, existam poucas patentes e grande parte dos artigos produzidos termine enterrada em revistas que ninguém lê. Em seu nome, também, as instituições de ensino são avaliadas pelo que elas não querem, não sabem fazer nem precisam – quantos professores doutores têm, quantos papers produzem, quantos cursos de pós-graduação oferecem.

Não será fácil sair desta situação. Não é possível reverter o relógio e limitar o acesso à educação superior, mas é possível melhorar as avaliações e oferecer uma gama de alternativas de estudo e formação para pessoas que chegam ao ensino superior com diferentes condições e necessidades. O “modelo de Bolonha”, adotado pela União Europeia e muitos outros países, consiste num primeiro ciclo de três anos de amplo acesso, seguido por mestrados ou cursos mais avançados. Além disso, existem amplos sistemas de formação vocacional que começa no ensino médio e continua no pós-secundário, em institutos e centros especializados. Transitar do sistema tradicional de cursos de quatro ou cinco anos para esse modelo não é fácil, mas é possível, se houver uma visão clara do que se pretende e estímulos adequados para que as instituições respondam.

O setor privado, que trabalha numa perspectiva empresarial, já se vem adaptando às novas condições, compensando a perda dos subsídios do crédito educativo por cursos à distância e ampliando a oferta de cursos “tecnológicos” de curta duração. O setor público necessita, sobretudo, de incentivos corretos para disputar e usar bem seus recursos, com contratos de gestão para cumprir metas diferenciadas e realistas, novas formas de governança e flexibilidade legal e institucional para responder a esses incentivos. E os estudantes devem compartir a responsabilidade e os custos de sua educação, sobretudo por meio de créditos educativos associados à renda futura.

O mercado tem suas vantagens, mas também problemas quando a competição se dá por baixos custos e venda de ilusões. O ensino superior brasileiro precisa de uma visão de futuro, regras claras de funcionamento, mais flexibilidade e mais transparência. E o Ministério da Educação, que é parte, talvez não seja a melhor agência para regular esse sistema.

* Simon Schwartzman é sociólogo e membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES)