Ministério da Ciência
Roberto Freire: Preocupação na comunidade científica
Uma das áreas mais importantes e estratégicas para o desenvolvimento do Brasil está em estado de alerta. O recente corte de 44% no orçamento destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), anunciado em março deste ano pelo governo federal como uma das medidas emergenciais em meio a uma das mais profundas crises econômicas da história do país, repercutiu de forma negativa na comunidade científica. A necessidade de redução dos investimentos da máquina federal por meio do ajuste fiscal, que atingiu praticamente todos os ministérios, e o cumprimento da lei do teto dos gastos públicos, promulgada no fim do ano passado, são dados inexoráveis da realidade, mas é evidente que uma redução significativa em um setor crucial para o futuro do Brasil causa enorme preocupação.
O corte no orçamento do MCTIC para 2017 é de nada menos que 44%, reduzindo o investimento de R$ 5,8 bilhões para R$ 3,2 bilhões. Para que se tenha uma ideia da magnitude dessa redução orçamentária, trata-se do menor valor disponibilizado para a área científica e tecnológica nos últimos 12 anos (desde 2005). O impacto de tamanha diminuição de verba para a pasta foi tão expressivo que uma das mais prestigiadas revistas sobre ciência do mundo, a “Nature”, publicou recentemente uma reportagem em que detalha a precária situação do setor no Brasil e a repercussão do corte orçamentário junto aos profissionais da área.
Nesse diapasão, vale destacar o manifesto publicado por representantes de alguns dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil no qual há duras críticas à diminuição do orçamento do MCTIC. Segundo o documento assinado pelos especialistas, a medida “causará danos irrecuperáveis a instituições estratégicas, alijando o Estado brasileiro de instrumentos essenciais para qualquer movimento de recuperação de nossa economia”. O texto ainda chama a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos institutos federais de ciência e tecnologia, cuja existência estaria ameaçada. Assinam a nota 19 instituições, entre as quais o Observatório Nacional (ON), o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA).
Uma das maiores autoridades na área, Mayana Zatz, professora titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), lembrou em entrevista recente que o Brasil já tinha, antes mesmo dos cortes anunciados pelo governo, “um orçamento muito inferior aos países do primeiro mundo para a pesquisa científica e tecnológica” (cerca de 1% do PIB, ante mais de 4% de Israel e Coreia do Sul e quase 3% da União Europeia). Em sua avaliação, diante desse novo cenário, “torna-se cada vez mais difícil fazer uma pesquisa competitiva no Brasil”.
Por um lado, é evidente que compreendemos a necessidade de se reduzir gastos em um momento de grave crise por que passa o Brasil. O governo federal deve cortar na própria carne até para dar exemplo e sinalizar claramente aos brasileiros que todos nós devemos somar esforços e ter responsabilidade para a superação de um momento tão difícil. Entretanto, não se pode perder de vista que a área científica é determinante para a construção do futuro. Cortar investimentos de forma abrupta em um setor estratégico significa usar o remédio para matar o próprio paciente.
Como os resultados em ciência, tecnologia e inovação são obtidos somente no médio ou no longo prazo, é inequívoco que, se os cortes não forem revertidos tão logo haja um reaquecimento da economia, serão necessários muitos anos para recuperarmos o tempo perdido. E o mais grave: além de não conseguirmos atrair pesquisadores do exterior, perderemos inúmeros jovens cientistas que se verão sem quaisquer perspectivas de crescimento profissional – a dramática “fuga de cérebros”, cujos prejuízos são irreparáveis ao Brasil.
Nós, do PPS, e eu pessoalmente, sempre tivemos uma preocupação especial com a área científica brasileira. Não foram poucos os momentos em que nos posicionamos no lado oposto ao de setores mais atrasados e obscurantistas da esquerda, inclusive durante os debates a respeito do desenvolvimento da indústria biotecnológica no Brasil – cujo avanço alguns tentavam impedir, especialmente em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados. Defendemos alterações em alguns artigos da Lei de Biossegurança que criminalizavam a pesquisa e proibiam a utilização, a comercialização, o registro e o licenciamento das chamadas tecnologias genéticas de restrição de uso, por meio das quais há intervenção humana na geração ou multiplicação dos organismos geneticamente modificados. Entendemos que o futuro do país e a melhoria das condições de vida da população não podem ficar à mercê das forças que combatem a pesquisa científica e os avanços tecnológicos.
Nosso compromisso com a ciência brasileira, portanto, vem de longa data. Não se trata aqui de qualquer tipo de oportunismo, muito menos de uma crítica vazia ao atual governo. De forma construtiva, compartilhamos do alerta feito pela comunidade científica e reforçamos a preocupação com o corte orçamentário no setor. A ciência e a tecnologia não representam um entrave para a recuperação da nossa economia, muito pelo contrário. São essenciais para o desenvolvimento do país e a superação da crise. Não podemos comprometer o nosso futuro.
* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS