Militares

Luiz Carlos Azedo: Militares na política

Com a candidatura de Bolsonaro, além do general Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército

A última vez que um militar disputou a presidência da República em eleições diretas foi em 1960. No final do governo, em meio à crise econômica e a ampliação das demandas sociais, Juscelino Kubitschek tentou costurar uma aliança entre o bloco PSD-PTB e a UDN. A proposta, porém, foi rechaçada por Carlos Lacerda, que decidiu apoiar Jânio Quadros, que havia se notabilizado como bom administrador em São Paulo e não tinha compromisso com partidos. Filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN), o político populista contava com o apoio de três pequenas agremiações — o Partido Libertador (PL), o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Republicano (PR) — e se colocava acima delas. A mesma postura adotou em relação à UDN.

Diante do impasse, sem um nome que unificasse a elite política, PSD e o PTB resolveram lançar o marechal Henrique Teixeira Lott, um líder militar de muito prestígio entre os políticos por posições legalistas. Era ministro da Guerra desde de 1954, escolhido pelo vice-presidente João Café Filho, logo após tomar posse na Presidência da República, no mesmo dia do suicídio de Getúlio Vargas: 24 de agosto. Conhecido por sua intolerância a qualquer indisciplina militar, foi mantido no cargo por Juscelino, que em fevereiro de 1956, logo após tomar posse, teve que enfrentar uma rebelião militar, conhecida como Revolta de Jacareacanga, no Pará. Lott agiu com vigor, mas Juscelino, depois, concedeu uma anistia aos insubordinados para pacificar a caserna.

Jânio venceu as eleições presidenciais de outubro de 1960 com 48% dos votos do eleitorado, contra 32% dados a Lott e 20% a Ademar de Barros. Tomou posse com João Goulart, que foi eleito graças à manobra dos sindicalistas de São Paulo, que lançaram a chapa Jan-Jan, uma dobradinha pirata entre o candidato da UDN e o vice do PTB, rifando o cabeça de chapa do PSD (naquela época, votava-se separadamente no vice). Lott foi um desastre como candidato, embora sua campanha tenha se notabilizado pelo marketing político profissional. Anos Dourados, seu jingle de campanha, ainda hoje é considerado um dos melhores de todos os tempos. A espada como símbolo, porém, não foi boa ideia; em contraponto, Jânio escolheu uma vassoura, que fez enorme sucesso graças ao jingle Varre, varre, vassourinha, no qual prometia uma faxina no governo. Na reta final da campanha, perguntava aos correligionários para onde iria o marechal, em tom de piada, e dizia que mandaria cancelar os comícios nas cidades por onde o militar passasse”.

Ao contrário de Lott, cujo vice era um político profissional, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) escolheu um general de quatro estrelas para companheiro de chapa: o gaúcho Antônio Hamilton Martins Mourão. Sua estreia na campanha foi desastrosa. Em Caxias do Sul, ao falar sobre o desenvolvimento do país, disse bobagem: “E o nosso Brasil? Já citei nosso porte estratégico. Mas tem uma dificuldade para transformar isso em poder. Ainda existe o famoso ‘complexo de vira-lata’ aqui no nosso país, infelizmente (…) Essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem. Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso ‘cadinho’ cultural.”

Estrela

A “lição de antropologia” não tem nada a ver com o mito fundador do próprio Exército, que cultua a memória dos heróis da Batalha de Guararapes, na expulsão dos invasores holandeses: o índio potiguar Filipe Camarão, o negro Henrique Dias e o mazombo André Vidal de Negreiros. Mourão tentou se justificar para a imprensa: “Quiseram colocar que o Bolsonaro é racista, agora querem colocar em mim. Não sou racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira”, disse. Mourão se notabilizou quando era Comandante Militar do Sul, ao prestar homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ultra, conhecido torturador, que chamou de herói em solenidade militar oficial. Após o episódio, foi transferido para um cargo burocrático, embora importante: a Secretaria de Economia e Finanças do Exército. Numa palestra na Maçonaria, em Brasília, após criticar o governo Temer, porém, voltou a falar demais e defendeu uma intervenção militar. Perdeu a função e ficou na geladeira até passar à reserva.

Com a candidatura de Bolsonaro, além de Mourão, mais de uma centena de militares disputam as eleições, em todos os níveis. São raros os que não apoiam o ex-capitão do Exército. Muito da resiliência e capilaridade da sua campanha se deve ao apoio maciço de militares da ativa e da reserva à sua candidatura. No alto-comando, quatro generais são seus companheiros de turma. Inicialmente, a indicação de Mourão foi vista como uma espécie de blindagem, para barrar um eventual processo de impeachment pelo Congresso, caso Bolsonaro seja eleito. Nesse caso, seria substituído por um militar de alta patente. Entretanto, Mourão já se tornou uma estrela da campanha e ofuscou o próprio Bolsonaro no noticiário político.

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Luiz Carlos Azedo: A frente ampla

O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo

Durante o regime militar, nunca houve consenso entre as elites do país. Sempre houve uma resistência política organizada, institucional, nos espaços legais, o que, no decorrer do processo, se demonstrou mais eficiente e produtiva — e capaz de conquistar adesão popular —, do que a agitação pura e simples ou a desastrada luta armada. Antes da consolidação do antigo MDB como frente eleitoral das oposições, o que somente se deu após as eleições de 1974, essa elite dissidente foi representada pela chamada Frente Ampla, formada em 1966. Reunia a oposição trabalhista liderada por João Goulart e dois políticos que haviam apoiado o golpe, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, do antigo PSD, e, para espanto de muitos, o ex-governador carioca Carlos Lacerda, líder inconteste da UDN, além do líder comunista Luiz Carlos Prestes (PCB), na clandestinidade.

O programa da Frente Ampla era essencialmente democrático: retorno às eleições diretas, anistia, pluripartidarismo e direito de greve. A aliança de Lacerda com Jango, JK e Prestes foi uma decorrência óbvia da suspensão das eleições diretas à Presidência da República, que estavam marcadas para 1965, na qual o udenista seria candidato. A edição do AI-1 anulou as esperanças de Lacerda, que passou à oposição, embora fosse um dos líderes civis do golpe. Com um manifesto no jornal Tribuna de Imprensa, do qual era fundador e diretor, o ex-governador exigia eleições diretas, desenvolvimento econômico, reforma partidária e uma política externa soberana.

Com comícios e mobilizações, a Frente Ampla conquistou adesão popular e promoveu grandes manifestações no ABC Paulista, em Londrina e em Maringá, assustando o presidente Costa e Silva, o general que havia substituído o marechal Castelo Branco no Palácio do Planalto. Ainda mais após a morte do estudante Edson Luiz, em 28 de março daquele ano, que provocou grandes manifestações estudantis e levou o alto clero católico à oposição. Em abril, a Frente Ampla foi cassada; na sequência, motivado também pelas ações armadas da esquerda radical, que optou pelas guerrilhas urbana e rural, Costa e Silva editou o AI-5, em 13 de dezembro daquele ano. Lacerda teve os direitos políticos cassados e acabou preso, porém, após uma semana de greve de fome, foi libertado.

Os líderes da Frente Ampla mantiveram certa influência política, mas foram impedidos de participar de eleições. Morreram antes da anistia: Juscelino em 22 de agosto de 1976, em um acidente de carro na Via Dutra; João Goulart, no exílio, em 6 de dezembro de 1976, em Mercedes, na Argentina, de um ataque cardíaco; Lacerda, em 21 de maio de 1977, após ter sido internado por desidratação, devido a uma infecção no coração. Suspeitas de que essas mortes tão próximas umas das outras estejam relacionadas à Operação Condor, montada em 1975 entre militares do Chile, Argentina, Brasil e Paraguai para combater seus opositores, nunca foram comprovadas.

Alckmin

Ontem, líderes do “Centrão” anunciaram o apoio à pré-candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República, reeditando uma frente ampla que reúne o establishment político do país. O grupo é formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, que agora se juntam ao PSDB, ao PSD, ao PTB e ao PPS. O deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP) resumiu o significado do apoio: “Estamos convencidos de que para tirar o Brasil desse buraco que estamos só com um conjunto de forças como esse, que se junta em torno dessa candidatura”. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou que o tucano poderá contar com a “militância aguerrida” do partido. Ambos eram aliados de Lula, derivaram para a oposição à Dilma Rousseff, namoraram a candidatura de Ciro Gomes e acabaram junto ao tucano paulista. Formou-se uma frente que terá quase 50% dos meios de campanha destinado a todos os partidos, principalmente o tempo de televisão: 14 minutos e 47 segundos a mais de tempo de TV, contando os programas eleitorais diários e as inserções na programação.

Ao contrário da Frente Ampla da década de 1960, essas forças não estão na oposição, apenas mantêm distância regulamentar do MDB, que deve confirmar a candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Nos bastidores, houve um empurrãozinho do presidente do Michel Temer para que a aliança não sofresse obstrução do governo. O que motiva essas forças? É a aposta nas estruturas partidárias existentes e seus mecanismos de reprodução de poder. O instinto de sobrevivência das elites políticas leva ao caminho do meio, no caso o tucano Geraldo Alckmin, testado e aprovado pelo establishment como governador de São Paulo por quatro mandatos.

No fundo, a reação dos políticos do “Centrão” às candidaturas de Jair Bolsonaro (PSL) e de Ciro Gomes (PDT) tem o seu DNA na crise de 1964 e na reação dos políticos daquela época ao que aconteceu, principalmente os que apoiaram o golpe militar e se arrependeram. Representa também o convencimento de que o projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém uma candidatura inelegível a qualquer preço, não tem a menor viabilidade.

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Denis Lerrer Rosenfield: A volta dos militares

Novidade histórica: os militares voltarão ao poder, pela via democrática

Eis um cenário altamente provável, que foge totalmente do padrão das últimas eleições. Estamos diante de um fato novo, que não se deixa mais reduzir aos moldes de uma polarização hoje vencida entre PT e PSDB. É forçoso reconhecer que o País mudou.

Essa provável volta contará com o apoio da sociedade e, certamente, das Forças Armadas. Para a opinião pública, os militares representam uma instituição da mais alta confiabilidade, que não foi tomada pela onda da imoralidade pública. Eles se tornaram, para muitos, uma opção, uma alternativa de poder. Seu prestígio só tem aumentado.

É bem verdade que todos os governos após a redemocratização contribuíram amplamente para isso. A segurança pública foi deixada em frangalhos, o crime assola a Nação, e tudo tem sido tratado com leniência e ineficiência, se não com complacência e simpatia ideológica. Crime não seria crime, mas uma forma de resposta social. Se os mortos falassem, eles lhes dariam uma resposta adequada!

As pessoas estão aterrorizadas, nas ruas e em casa, e ainda são obrigadas a ouvir o discurso ensurdecedor do politicamente correto. Mais de 60 mil pessoas são mortas por ano e temos de ouvir as falas insensatas sobre a manutenção do Estatuto do Desarmamento, como se esse fosse o maior problema do País. Os cidadãos de bem tornam-se, graças ao legítimo direito à autodefesa, os responsáveis pela criminalidade!

A candidatura Bolsonaro surge como uma resposta a esse tipo de questão, por mais impreciso que seja ainda o seu discurso político e, sobretudo, econômico. Soube escutar esse anseio da sociedade, ciente de que o Estado não se pode sustentar sem o exercício da autoridade estatal.

O Estado, em negociações “democráticas”, virou refém de corporações de funcionários e empresários que se apoderaram de uma fatia do bolo público e são avessos a qualquer mudança. Se a tão necessária reforma da Previdência não foi realizada, foi por que as corporações de privilegiados se negaram a reduzir seus benefícios dos mais diferentes tipos.

A esquerda, seguindo sua degradação ideológica, ficou do lado das corporações públicas, como se elas representassem os trabalhadores, estes, sim reféns de baixos salários e do desemprego. As corporações do Judiciário e do Ministério Público também se recusaram a aceitar a igualdade básica dos cidadãos enquanto membros do Estado. Este se tornou presa de seus estamentos, perdendo o sentido da moralidade e do bem coletivo.

Tachar o discurso do deputado Jair Bolsonaro de extrema direita é o melhor atalho para refugiar-se na miopia ideológica. Só teria sentido se se considerasse a defesa da vida e do patrimônio das pessoas uma bandeira de extrema direita. Isso significaria, então, que a esquerda valoriza o crime e a violência? Ou não se preocupa com a vida e o patrimônio dos cidadãos?

A greve dos caminhoneiros mostrou com inusitada clareza que os militares se tornaram uma opção para boa parte dos cidadãos. Os pedidos de intervenção militar alastraram-se pelo País e foram muito maiores do que o noticiado. A sociedade clama por moralidade pública e por segurança física e patrimonial. Cansou-se do discurso de uma classe política que não mais a representa. Partidos com forte estruturação ideológica, como PT e PSDB, ficaram literalmente perdidos, tontos.

Evidentemente, tal saída seria uma ruptura institucional, ferindo uma democracia cambaleante. E mais imprópria ainda por ter o atual governo levado a cabo uma agenda reformista que está mudando o País, apesar de seus percalços. Não seria esse o destino desejável.

Nas últimas décadas os militares têm tido um comportamento exemplar, defendendo a democracia e a Constituição. Passaram por momentos muito delicados, sendo objeto de acusações as mais diversas, com a ameaça de revisão da Lei da Anistia pairando sobre eles. Souberam resistir no estrito respeito às normas constitucionais, enquanto seus opositores pretendiam jogá-las pelos ares.

Agora, todo um setor importante da sociedade brasileira clama para que voltem ao poder, por intermédio da candidatura Bolsonaro. Ele não representa apenas a si mesmo, mas responde a um apelo social, podendo contar com o apoio dos militares, embora as Forças Armadas permaneçam, enquanto instituição estatal, neutras e equidistantes em relação ao processo eleitoral.

É visível o empenho de militares da reserva em favorecer essa via democrática de volta ao poder. Generais importantes estão empenhados nesse processo, dando o seu aval a uma candidatura que, vitoriosa, poderá contar com o apoio daqueles que querem restaurar a autoridade estatal.

Acontece que a Nação apresenta uma condição de anomia, cada estamento puxando para o seu interesse particular, como se o Estado pudesse ser esquartejado, perdendo-se até mesmo a própria noção do bem coletivo. A desordem toma conta do espaço público, como amplamente demonstrado na greve dos caminhoneiros, que conseguiu curvar o governo no atendimento de suas demandas.

O caminho está aberto para que outras corporações sigam o mesmo caminho. A greve contou com o apoio da sociedade, que, do ponto de vista público, terminou prejudicada em todo esse episódio. O que contou, porém, foi a expressão de uma insatisfação generalizada, que encontrou aí uma canalização para o seu mal-estar.

E é esse mal-estar que está sendo a condição mesma do apoio social à volta dos militares ao poder. Talvez os que defendam a ideia da bolha da candidatura Bolsonaro, como se ela fosse logo explodir, não tenham compreendido que a sociedade não mais aceita uma classe política que se corrompeu e dela se distanciou.

Se há uma bolha, diria crescente, é a de uma sociedade que deseja mudanças. E ela, sim, pode explodir!

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS


Luiz Carlos Azedo: Caiu a ficha

Como o governo, deputados e senadores foram surpreendidos pela greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas para o abastecimento e os serviços públicos

Parece que caiu a ficha de que o governo Temer e a cúpula do Congresso são sócios da crise e não adianta ninguém tirar casquinha, porque a situação é desastrosa. Estão em risco a economia do país e a estabilidade política. Ontem, Temer e os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), divulgaram uma nota na qual se comprometem a colocar em prática o acordo feito com os caminhoneiros: “Neste momento, os poderes Executivo e Legislativo estão unidos na defesa dos interesses nacionais. Assumem o compromisso de aprovar e colocar em prática, no menor tempo possível, todos os itens do acordo”. Maia vinha se estranhando com Temer; Eunício, com Maia. Enquanto isso, caminhoneiros radicalizados dificultam a normalização do abastecimento e pregam uma intervenção militar.

Apesar da nota, o clima no Congresso é de apreensão e perplexidade. Como o Palácio do Planalto, deputados e senadores foram surpreendidos pelo vigor da greve dos caminhoneiros e, mais ainda, pelas consequências dramáticas do movimento para o abastecimento da população e funcionamento dos serviços públicos. Os políticos estão descolados da sociedade e demonstram incapacidade de respostas positivas para situações complexas e graves.

Resultado: o país ainda não saiu do sufoco causado pela greve dos caminhoneiros, e os petroleiros já anunciam uma paralisação de 72 horas, com apoio das centrais sindicais. Detalhe: fora da data-base, com o objetivo de inviabilizar a normalização do abastecimento de combustível. É uma greve política, na linha do “Fora, Temer!”, cuja intenção imediata, a deposição do governo, não difere em nada da “intervenção militar” defendida pelos caminheiros que permanecem em greve: derrubar o governo.

O Caroço
Quem quiser que se iluda, tem caroço nesse angu. Análise realizada pela AP/Exata — Inteligência em Comunicação Digital — no Twitter sobre as redes nos primeiros dias da greve dos caminhoneiros mostra que o movimento foi deflagrado pelas hashtags #TemerAbaixaAGasolina e #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. Em meia hora, foram realizados 2.772 tweets. O monitoramento do fluxo em tempo real revelou um perfil específico muito influente: @JqTeixeira. Trata-se de um perfil fake, que dissemina ideias conservadoras, a partir de uma elevada carga moral e da defesa do militarismo. “Personagem do bom pai de família honesto, cristão e patriota”, um perfil fictício, a conta possui mais de 207 mil seguidores e está sendo investigada pelos órgãos de inteligência.

A conta não tem conteúdo pessoal, costuma partilhar e publicar com regularidade assuntos de teor político de extrema direita. Possui ainda outros perfis, com centenas de milhares de seguidores, nos quais realiza igual tipo de posts sobre as mesmas temáticas. As publicações e os perfis já foram suspensos mais de uma vez por Twitter e Instagram, mas depois retornaram.

O post que turbinou a greve foi o seguinte: “Sextou? Não vai ter álcool no bar nem cigarro. O X beicon acabou. Não há munição pro revólver. Del Rey com tanque vazio. Prostitutas paralisadas. É o fim da sexta-feira como a conhecemos. Que Deus nos proteja. #TemerAbaixaAGasolina”. Após 447 compartilhamentos, com 51 comentários, o tweet viralizou. O engajamento foi mecanizado, promovido por perfis de interferência: fakes, robôs e perfis militantes. As redes sociais foram operadas para transformar a greve num movimento de desestabilização do governo.

Joaquin Teixeira também publica ocasionalmente posts em apoio ao deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). A AP/Exata encontrou vários elos em comum. O ritmo de publicações do perfil é similar em ambas as contas, registrando aproximadamente 100 tweets semanais. E tem relação com a formação de comunidades em torno da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros. No começo da greve, em meia hora, foram realizados 4.192 tweets. Essa rede é muito mais orgânica que a anterior, visto que o protagonismo de influência está dividido em vários perfis, entre os quais Patriotas Caminhoneiros, que defende a intervenção militar; Caminhoneiros Brasil; Brasil Caminhoneiro; Caminhoneiros; e Blog do Caminhoneiro, que propagam vídeos e material publicitário sobre a greve. Após a reunião do governo com os caminhoneiros, na quinta-feira passada, essas páginas imediatamente difundiram vídeos dizendo que o movimento continuaria.

Apesar de as interações da hashtag #EuApoioAGreveDosCaminhoneiros serem predominantemente orgânicas, houve interferência de perfis de apoio a Jair Bolsonaro, anti-PT e de “direita”, mas perfis de “esquerda”, anti-Temer e pró-PT também aderiram à comunidade. Essa convergência entre radicais de direita e de esquerda nas redes se materializa agora com a anunciada greve dos petroleiros, com apoio das centrais sindicais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central e CSB. Se a greve for bem-sucedida, a crise de abastecimento recrudescerá.

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Luiz Carlos Azedo: Governo fraco

A União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam por um acordo que jogue a conta no colo do consumidor

“Isso é coisa de governo fraco”, sapecou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao criticar a mobilização das Forças Armadas para enfrentar a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros (na verdade, um grande locaute das transportadoras, que só agora começa a ser enfrentado pelo governo como manda a lei). Na quarta-feira, Maia foi protagonista de uma votação na Câmara que complicou ainda mais a situação, ao induzir os deputados a votarem pela extinção do Pis-Cofins no diesel dizendo que a perda seria de R$ 3 bilhões, quando na realidade seria de R$ 10 bilhões. Disse que as contas da receita estavam erradas, ao contrário dos cálculos da assessoria técnica do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-RJ).

O último presidente da Câmara a se aproveitar de um governo fraco foi o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que abriu o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), aliado à oposição, mas hoje está cumprindo pena em regime fechado. Dilma havia passado por um tremendo desgaste em 2013, quando foi surpreendida por grandes manifestações de protestos em todo o país, mas, mesmo assim, conseguiu a reeleição. Não resistiu, porém, quando as mobilizações de rua convergiram para as articulações no Congresso, em razão do colapso de sua “nova matriz econômica”, que jogou o país na maior recessão de sua história e provocou desemprego em massa. Seu vice, Michel Temer, entrou na conspiração e assumiu seu lugar. É um presidente fraco pela própria natureza.

Ao contrário de Cunha, Maia é hoje o primeiro na linha de sucessão de Temer. Na semana passada, o ambiente na Câmara era de vaca estranhar o bezerro, como gostam de afirmar os políticos. Os que haviam votado contra a denúncia contra Michel Temer diziam que sua manutenção no cargo foi um erro. Estava-se pagando um preço muito alto por isso, pois o governo não se recuperou da crise ética, apesar da queda da inflação e dos juros baixos. Aliados de Temer admitem que estão sendo muito cobrados pelos eleitores por causa do voto contra a denúncia. O ambiente na Câmara não é favorável ao governo. Resumindo, se houver uma nova denúncia, Temer será afastado do poder.

Maia sabe disso e parece arrependido do apoio a Temer. Teve os destinos do país nas mãos, mas não atendeu ao apelo da maioria dos seus pares, depois de um puxão de orelhas de sua mãe, uma chilena que viveu os dias dramáticos da queda de Salvador Allende ao lado do ex-prefeito Cesar Maia, então um jovem professor de economia exilado no Chile. Mariangeles Ibarra Maia, em mensagem encaminhada ao filho, pediu: “Não conspire contra Temer”. A pré-candidatura de Maia a presidente da República parecia uma jogada para garantir a recondução ao comando da Câmara; agora, começa a ter outro sentido.

Caso Temer fosse afastado, Maia assumiria a Presidência e poderia concorrer à reeleição no cargo. Há dois caminhos para isso: abrir um processo de impeachment, o que teria uma conotação golpista para o presidente da Câmara; ou esperar a terceira denúncia contra Temer, com base na investigação do Porto de Santos. Nos tempos de Janot, isso já teria ocorrido. A procuradora-geral Raquel Dodge, porém, não tem a mesma gana do antecessor contra Temer, por quem foi nomeada para o cargo, sendo a segunda mais votada entre os procuradores.

Abastecimento

O Brasil já teve muitos governos fracos, alguns acabaram depostos, como a Regência da princesa Isabel, em 1889, e os governos de Washington Luiz, na Revolução de 1930, e o de João Goulart, em 1964. Mas nenhum foi tão fraco como a Regência Provisória que assumiu o comando do país com a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, formado pelo paulista José da Costa Carvalho, o maranhense João Bráulio Munis e o general Francisco de Lima e Silva. Num dos seus piores momentos, o governo passou seis dias cercado por mercenários amotinados, traficantes e fidalgos insatisfeitos. Nessa crise, avultou-se o ministro da Justiça, o padre Diogo Antônio Feijó, e um jovem major do Exército, Luiz Alves de Lima e Silva, filho do general, que enfrentaram os amotinados e, depois, uma série de rebeliões. Era uma época em que o nosso Estado-nação estava nos seus primórdios.

Hoje, temos um governo fraco, mas um Estado forte, com instituições sólidas e mão pesada. É uma ironia, mas a crise que estamos vivendo decorre mais do segundo do que do primeiro aspecto. Resulta de um conflito distributivo no qual a conta já não fecha, além de uma estratégia de desenvolvimento que tem como polos mais dinâmicos da indústria a produção de veículos automotivos e a exploração e o refino de petróleo do pré-sal, de um lado; a construção civil nas cidades e a produção de commodities agrícolas no campo, de outro. O Estado forte vive de aumentar impostos de combustíveis, telecomunicações e energia elétrica, para financiar governos ineficientes e subsidiar setores privilegiados da economia.

A paralisação colapsou a economia, enquanto a União, o Congresso, os governos estaduais, as empresas de transportes e os caminhoneiros brigam para ver quem vai ganhar mais ao jogar a conta no colo do consumidor. Por essa razão, a greve dos caminhoneiros gerou sentimentos contraditórios na população, que num primeiro momento ficou contra o governo, porque abraça a ideia de reduzir impostos para baixar o preço do combustível, muito inflacionado pela alta do dólar. Até o abastecimento entrar em colapso. Agora, a opinião pública se volta contra os grevistas, mas não refresca o governo. A crise política instalada só se resolverá nas eleições

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Luiz Carlos Azedo: Ossos da abertura

Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo a limpo, mas não revirou os porões do regime militar

A divulgação pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), de memorando da CIA sobre reunião de 30 de março de 1974, entre o presidente Ernesto Geisel e três subordinados dos órgãos de segurança do Estado (generais Milton Tavares de Souza, Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE), e João Baptista Figueiredo, chefe do SNI) reabriu o debate sobre a anistia na opinião pública.

O documento teve grande repercussão no Brasil e no exterior. “Desconstrói” a imagem do general Geisel, o presidente militar que ampliou a estatização, apostou na exploração de petróleo em alto mar, criou o Proálcool, assinou o acordo nuclear com a Alemanha e reconheceu o governo de Agostinho Neto (MPLA), em Angola, até mesmo antes de a União Soviética fazê-lo. A “distensão” de Geisel permitiu a espetacular vitória do antigo MDB nas eleições de novembro de 1974, quando a oposição renasceu das cinzas, depois do fiasco eleitoral de 1970, momento em que a Arena, o partido do regime, venceu as eleições de ponta a ponta, menos no Rio de Janeiro. Em resposta, Geisel mudou as regras do jogo eleitoral com o Pacote de Abril de 1977, que criou o “senador biônico”, mas nem assim evitou nova derrota acachapante da Arena no pleito de 1978.

Àquela época, qualquer militante de esquerda engajado numa das organizações de oposição ao regime sabia que havia uma política de extermínio de líderes e dirigentes políticos da oposição, estivessem envolvidos com a luta armada ou não. O alto clero católico e a cúpula do regime militar, também, tanto que criaram uma comissão bipartite para tratar das violações de direitos humanos e dos sequestros praticados pelos órgãos de segurança, encabeçada pelo arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal Dom Eugênio Salles, e pelo general Antônio Carlos Murici, católico praticante. A comissão teve atuação discreta, mas cumpriu um papel relevante, salvando vidas.

O documento sobre a reunião é horripilante, mostra que o general Milton detalhou o trabalho do CIE durante o governo Médici, revelou a execução de 104 pessoas pelo CIE nos dois anos anteriores. Figueiredo apoiou e insistiu em sua continuidade. Geisel disse que pensaria sobre o assunto no fim de semana. No dia 1ª de abril, disse a Figueiredo para continuar com a política. Relatório da Comissão Nacional da Verdade constatou que 401 pessoas foram mortas ou desapareceram nos 21 anos de ditadura (1964-1985), a maioria no governo Emílio Médici (1969-1974). Já nos governos Geisel e Figueiredo morreram ou desapareceram 89 pessoas (1/4 do total desde o início do regime).

O jornalista Eumano Silva, que pesquisa a atuação dos órgãos de segurança durante o regime militar, pelo Twitter, destaca o impacto imediato da decisão: em 3 de abril de 1974, ou seja, dois dias depois da reunião, foram presos os dirigentes do Comitê Central do PCB João Massena Mello, Luiz Inácio Maranhão Filho e Walter de Souza Lima. Massena era metalúrgico e ex-deputado estadual cassado da antiga Guanabara, havia acabado de cumprir dois anos de prisão. Jornalista e professor universitário, Maranhão era ex-deputado estadual do Rio Grande do Norte, atuava junto ao clero católico, era amigo e interlocutor de Eugênio Salles. Ribeiro era jornalista e ex-tenente do Exército, expulso da Força por se opor ao envio de tropas brasileiras à guerra da Coreia; trabalhou com a equipe de Oscar Niemeyer na Terracap, na construção de Brasília, até o golpe de 1964. Era responsável pela montagem dos “aparelhos” da direção do PCB. Os três foram executados, seus corpos nunca foram localizados, como outros da lista.

Anistia recíproca
Diante dessas revelações estarrecedoras, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que presidiu a Comissão da Verdade em 2013, cobra do Supremo Tribunal Federal (STF) a rediscussão da anistia dada aos agentes da ditadura: “A tortura era uma política de Estado, comandada pela Presidência, e Geisel foi coautor dos homicídios praticados”, argumenta, para concluir: “Neste momento em que corremos o risco de voltarmos à ditadura pelo voto, é importante demonstrar o que ela foi no Brasil”.

Esse é o ponto. A anistia recíproca foi a moeda de troca para a democratização, numa longa transição pacífica, iniciada em 1979 e somente concluída nas eleições diretas de 1989. Na Espanha, o acordo incluiu a restauração da Monarquia; na África do Sul, foi uma das condições para o fim do apartheid e a entrega do poder a Mandela. Aprovada pelo Congresso, fazia parte da estratégia de abertura do regime, que pretendia se institucionalizar via colégio eleitoral. À época, políticos exilados, como Leonel Brizola (PDT), Miguel Arraes, Luiz Carlos Prestes e Hebert de Souza (Betinho), o irmão do Henfil, voltaram ao Brasil.

A abertura de Figueiredo possibilitou o surgimento de partidos, inclusive o PT, mas não a legalização do PCB e do PCdoB. Viabilizou a transição, cujo ponto de ruptura com o regime foi a eleição de Tancredo Neves, um político liberal e moderado, que morreu sem assumir. Não foi à toa que os militares envolvidos nos assassinatos e torturas exigiram a anistia: as ordens vieram da Presidência. Durante os governos Lula e Dilma, a Comissão de Verdade teve oportunidade de passar tudo isso a limpo, mas não revirou os porões do regime militar, nem mesmo em relação à identificação dos ossos do cemitério de Perus nem sobre a atuação dos infiltrados nas organizações de esquerda. Sem embargo de que toda verdade é bem-vinda, e as famílias merecem toda reparação, por que mexer com a anistia recíproca?

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Luiz Carlos Azedo: O passado que assusta

Documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel

Um documento divulgado ontem pelo pesquisador Matias Specktor, da Fundação Getulio Vargas (FGV), lança por terra todas as versões de que o então presidente Ernesto Geisel não endossou a tortura e os assassinatos de oposicionistas nos quartéis, em razão da demissão sumária do comandante do 2º Exército, Ednardo D’Ávila Mello, após morte do operário Manoel Fiel Filho nas dependências de uma unidade do Exército na Rua Tutóia, em São Paulo.

O metalúrgico morto vivia na capital paulista desde os anos 1950. Havia sido padeiro e cobrador de ônibus antes de exercer a função de prensista na Metal Arte, no bairro da Mooca. Em janeiro de 1976, foi preso por dois agentes do DOI-Codi, na fábrica, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). No dia seguinte à sua prisão, os órgãos de segurança emitiram nota oficial afirmando que Manuel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias. Porém, de acordo com colegas, quando preso, usava chinelos sem meias.

As circunstâncias da morte são muito semelhantes às de Alexandre Vannucchi Leme e Vladimir Herzog, que geraram grandes protestos à época. Segundo relato da esposa, no dia seguinte à prisão, um sábado, às 22h, um desconhecido, dirigindo um Dodge Dart, parou em frente à casa e, diante dela, das duas filhas e de alguns parentes, disse secamente: “O Manuel suicidou-se. Aqui estão suas roupas”. Em seguida, jogou na calçada um saco de lixo azul com as roupas do operário morto. A mulher dele, então, teria começado a gritar: “Vocês o mataram! Vocês o mataram!”. A vida e a morte de Manuel são a base do documentário Perdão, mister Fiel — o operário que derrubou a ditadura no Brasil, dirigido pelo jornalista Jorge Oliveira, que mostra a atuação dos Estados Unidos na caça aos comunistas e nas ditaduras militares na América do Sul.

O episódio da demissão do comandante do Exército foi um momento de inflexão na repressão à oposição e, de certa forma, humanizou a passagem do general Geisel pela Presidência da República, tanto em razão da versão relatada no livro do jornalista Élio Gáspari, como também de sua entrevista autobiográfica a Maia Celina DÁraujo e Celso Castro, historiadores, na qual o episódio também é abordado.

Política de Estado

“Este é o documento secreto mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa”, comentou Matias Specktor. O memorando é um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Informações (SNI). O primeiro, o quinto e parte do sexto parágrafos do documento permanecem em sigilo:

“2. Em 30 de março de 1974, reuniu-se presidente do Brasil, Ernesto Geisel, com o general Milton Tavares de Souza (chamado de general Milton) e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe que sai e o que entra do Centro de Informações do Exército (CIE). Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI.

3. O general Milton, que falou durante a maior parte do tempo, detalhou o trabalho da CIE contra os alvos subversivos internos durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele ressaltou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista e que os métodos extralegais devem continuar sendo usados contra subversivos perigosos. A esse respeito, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado, ou pouco antes. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.

4. O presidente, que comentou a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.

6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linha não desclassificada]. Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.”

Esse documento mostra que havia uma lista de condenados à morte, que foram executados com prévio conhecimento e autorização de Figueiredo e Geisel, ao mesmo tempo em que ambos operavam uma política de distensão cujo objetivo era a transferência do poder para um civil ligado ao regime e a retirada em ordem dos militares do poder para os quartéis. O primeiro objetivo foi frustrado pela eleição de Tancredo Neves, em 1985, mas o segundo foi alcançado plenamente, com a anistia recíproca.

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Luiz Carlos Azedo: Lembrai-vos de 1964

Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política

No dia primeiro de abril de 1964, as cidades brasileiras amanheceram com suas praças e ruas mais importantes ocupadas por soldados e tanques. Não era piada. Apoiado por importantes líderes políticos e pelos Estados Unidos, o golpe de Estado durou 21 anos. Somente com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, voltamos à democracia. Sempre é bom lembrar o que aconteceu naquele ano, assim como os militares lembram a tentativa de assalto ao poder dos comunistas em 1935. Nos dois episódios, Luís Carlos Prestes, o lendário líder do movimento tenentista que aderiu ao Cominter, teve grande protagonismo. Foram momentos de irracional radicalização política esquerda versus direita.

Por isso mesmo, é importante refletir à luz da história. Nunca os militares estiveram tão presentes na vida nacional. Seu protagonismo contrasta com o desprestígio, a incompetência e a má fama dos políticos. As Forças Armadas estão em todo lugar, prestando serviços à população na Amazônia, no Nordeste e, agora, no Sudeste, por causa da violência. Segundo as pesquisas, estão entre as instituições mais confiáveis e de maior prestígio do país, em meio à crise ética que afasta o Executivo e o Legislativo da maioria da sociedade. O Supremo Tribunal Federal (STF) está sendo arrastado para o redemoinho da radicalização política, devido ao pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, fosse um cidadão qualquer, já estaria a cumprir pena, mas não pode ser preso porque obteve um salvo-conduto do Supremo. A Corte interrompeu o julgamento do seu caso ao meio porque dois ministros estavam com passagem marcada e não queriam perder o avião. Será concluído na próxima quarta-feira.

Trancos e barrancos
O cenário não é mais grave porque o país saiu da recessão e as instituições, aos trancos e barrancos, ainda funcionam. O governo federal mantém certa capacidade de governança, tem base parlamentar majoritária no Congresso, mas não tem a menor chance de reverter os desgastes causados pelas denúncias contra seus integrantes, a mais recente no círculo de amigos mais próximos do presidente Michel Temer. Caso a investigação resulte em nova denúncia contra o presidente da República, devido à proximidade das eleições, estará criado um quadro de grande instabilidade política. Ainda mais diante da radicalização do processo eleitoral, que ameaça descambar para a violência política, tal o fanatismo dos partidários do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), homem assumidamente de extrema-direita, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste em manter sua candidatura, mesmo sabendo que a Lei da Ficha Limpa o impede de concorrer à Presidência.

Só não vê quem não quer. Estão sendo criadas as condições para uma intervenção militar, que seria aplaudida por parcela expressiva da maioria da população. Alguns dirão: o golpe de 1964 foi resultado da guerra fria e da intervenção do imperialismo norte-americano. Não, apesar disso, o golpe era evitável. O país tinha eleições marcadas para 1965 e Juscelino Kubitschek era franco favorito na disputa, mas a esquerda considerava sua volta ao poder um retrocesso. O problema não eram os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, ou de Minas, Magalhães Pinto, que articularam o golpe. Prestes articulava a candidatura de Jango à reeleição, era uma saída golpista para a crise política. O marechal Castelo Branco deu o golpe primeiro.

“A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos na história”, disse certa vez o ex-ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, aos 94 anos. O general liderou a retirada em ordem do poder e a volta dos militares aos quartéis, onde permanecem. Até agora, em meio à crise ética, os militares estão demonstrando mais compromisso com a Constituição de 1988 do que a maioria dos nossos políticos. Oxalá o Supremo não decepcione a sociedade.

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Luiz Carlos Azedo: Balas traiçoeiras

No submundo da segurança no Rio de Janeiro, as regras de sobrevivência são as mesmas da lei da selva 

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, estão começando a se enrolar nas próprias declarações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio de Janeiro. Jungmann resolveu segurar um fio desencapado ao dar explicações sobre as cápsulas das balas encontradas no local do crime, supostamente desviadas de um lote comprado pela Polícia Federal, que podem ter sido usadas exatamente para embaralhar as investigações e pôr na berlinda a Polícia Federal. Etchegoyen descartou de pronto a possibilidade de o crime ser uma retaliação à intervenção federal na segurança fluminense, quando também pode ser exatamente o contrário.

Todo crime deixa um rastro e tem uma motivação, é o beabá de qualquer investigação. A partir daí, o escritor noir tanto pode ter a trama de um mistério (quando ninguém sabe quem é o assassino), como pode construir o roteiro de um triller (quando todo mundo sabe, mas o mocinho, não). Em 1944, o escritor norte-americano Raymond Chandler, um dos craques dos romances policiais, escreveu um ensaio intitulado A simples arte de matar, que consta do primeiro volume de uma coletânea de contos de sua autoria, publicada pela L&PM. Nele explica o fascínio do herói noir.

“Nas ruas sórdidas da cidade grande, precisa andar um homem que não é sórdido, que não se deixa abater e que não tem medo. Neste tipo de história, o detetive deve ser esse homem. Ele é o herói; ele é tudo. Ele deve ser um homem completo e um homem comum e, contudo, um homem fora do comum. (…) Se houvesse outros como ele, o mundo seria um lugar mais seguro para se viver, sem que com isso se tornasse desinteressante a ponto de não valer a pena viver nele.” É o perfil de seu personagem mais conhecido, o detetive durão Philip Marlowe.

Jungmann e Etchegoyen não têm perfil do herói noir. Os ministros não vão desvendar o mistério. Aliás, é mais provável que o submundo do crime no Rio de Janeiro conheça os assassinos e os mandantes do crime, como nos roteiros de suspense. Foi tudo muito planejado, muito profissional, não houve sequer simulação de latrocínio, que é padrão dos crimes de mando. Quem mandou matar, no contexto da intervenção, desafiou o interventor federal, general Braga Netto, e os dois ministros, que já entraram naquela fase em que é melhor não falar mais nada sobre o que aconteceu, até que se tenha uma resposta efetiva quanto à autoria do crime.

Longo caminho
Foi longo o caminho para se chegar aos romances policiais noir. Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, que Milan Kundera considera a cortina que se abriu para a realidade na Idade Média, foi escrito 1.500 anos depois de Satíricon, de Petrônio. Chandler publicou seu primeiro grande romance policial, O sono eterno, em 1939, aos 50 anos. Como outros escritores norte-americanos, foi soldado, jornalista, empresário e detetive, entre outras atividades. Seu mestre foi Dashiell Hammett, o autor de Falcão Maltês.

Chandler, como outros de seus colegas expulsos de Hollywood pelo macartismo, fez a crítica dos maus costumes políticos e da corrupção policial nos Estados Unidos. Não há pessoas boas e inocentes envolvidas no mundo do crime. E o herói noir não é um cara todo certinho. A diferença é que não vendeu a alma ao diabo. Ele também é um predador, que a cada passo calcula a vantagem de se aproximar da presa sem perder o elemento surpresa. No mundo animal, quando o perigo de ter sua presença notada já não supera a vantagem de chegar mais perto, o predador ataca. Esse é um mecanismo fisiológico que visa obter o máximo de chance de sucesso para qualquer tipo de terreno ou de presa.

No submundo da segurança no Rio de Janeiro, as regras de sobrevivência são as mesmas da lei da selva. Quanto mais perto chegar sem despertar suspeita, maior a chance de ser bem-sucedido na caçada. No livro Informações sobre a vítima (Companhia das Letras), o ex-delegado paulista Joaquim Nogueira conta a história de um policial movido pelo desejo de justiça, que investiga por conta própria o assassinato de um colega. Suas diligências rastreiam os propósitos secretos de uma dezena de suspeitos no submundo paulistano, entre os quais um padrasto estuprador, o traficante e sua mãe hipertensa, o bicheiro generoso, a escrivã sexy, para ao final descobrir que um amigo comum da vítima era o mandante do crime. Quase que também morre por causa disso.

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Luiz Carlos Azedo: Falsa contradição

A tentativa de transformar o caso Marielle numa bandeira partidária e eleitoral está fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude

Por causa dos 20 anos de ditadura militar, estabeleceu-se uma falsa contradição entre as políticas de segurança pública, contaminadas por métodos violentos e ilegais herdados da repressão à oposição ao regime, e a defesa dos direitos humanos, bandeira empunhada pelos antigos oposicionistas até como uma forma de sobrevivência. Incorporados à Constituição de 1988, de certa forma, esses direitos passaram a ter mais centralidade na atuação das antigas forças oposicionistas do que a defesa das instituições políticas que efetivamente garantiram a redemocratização do país, entre as quais se destacou o Congresso.

A violência generalizada e o colapso da segurança pública no Rio de Janeiro, em parte, são frutos do imbricamento dessa contradição com a corrupção em sucessivos governos e na Assembleia Legislativa fluminense, assim como no Tribunal de Contas do Estado. E não se sabe, ainda, se chegou às entranhas do Judiciário local. Afinal, desde a eleição de Leonel Brizola (PDT), em 1982, foram as antigas forças de oposição que governaram o Rio de Janeiro, ou seja, governos do PDT, do PSDB, do PT e do PMDB.

O fato é que o sistema de poder que controla o Estado foi progressivamente tomado de assalto por políticos e empresários corruptos, a partir de um bunker instalado na Assembleia Legislativa; por sua vez, permitiu-se que o crime organizado se enraizasse no sistema de segurança e se fez vista grossa à ocupação de “territórios” pelo tráfico de drogas, sobretudo nas favelas, e pelas milícias, nos subúrbios. A tentativa de retomá-los pelo Estado, sob a liderança do delegado federal José Mariano Beltrame, com as unidades de pacificação, por ironia e contra seus objetivos, fracassou em decorrência do grau de contaminação do aparelho de Estado, sem embargo da discussão sobre essa política em si.

Especialistas no combate à corrupção costumam usar as cores do trânsito para dividir a burocracia em três categorias: vermelha, formada por corruptos contumazes; amarela, por corruptos eventuais; e verde, os não corruptos. Quando a liderança é corrupta, o amarelo avermelha e o verde pode até amarelar; quando a liderança é incorruptível, o vermelho é que amarela e o amarelo esverdeia. A aposta dos militares que lideram a intervenção federal no Rio de Janeiro é que a mudança de comando no sistema de segurança e sua blindagem em relação aos políticos e empresários corruptos possam ter um efeito regenerador nas polícias Civil e Militar, desde que expurgados os corruptos contumazes.

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), líder comunitária da favela da Maré e do movimento de mulheres negras do Rio, precisa lser visto em dois contextos. De um lado, a necessidade de ultrapassar a velha oposição entre defesa de direitos humanos e a política de segurança; de outro, deixar em segundo plano a disputa entre governo e oposição na hora de identificar o inimigo no combate à violência. Mais do que ineficaz, responsabilizar a intervenção pela morte da vereadora é burrice política.

Todas as investigações até agora apontam em direção às milícias que operam no Rio, uma provocação com o nítido propósito de isolar, desmoralizar e, se possível, intimidar as autoridades, entre as quais o ministro da segurança Pública, Raul Jungmann, e o comandante militar do Leste, general Braga Neto, o interventor. Isso já ocorreu outras vezes, com sucesso. A diferença agora é de correlação de forças, uma vez que essas autoridades, encarregadas de restabelecer a Lei e a Ordem, não estão sujeitas a chantagens. No lugar do aparelho de coerção do Estado tomado pela corrupção, o crime organizado esbarra em instituições que estão a salvo disso, entre as quais as Forças Armadas, o MP e a PF. Ou seja, a provocação pode ter efeito contrário e levar ao desbaratamento da organização criminosa que a promoveu.

Bandeiras

Mas há variáveis culturais e ideológicas que precisam ser enfrentadas. A glamourização da malandragem, o jeitinho, o espírito naturalmente transgressor da população; e o esquerdismo infantil e inconfessável que vê no tráfico de drogas uma espécie de “banditismo social”. A convergência desses elementos leva água para o moinho das forças mais conservadoras, que acreditam no “prendo e arrebento” como forma de resolução dos problemas e até veem nas milícias a força do bem contra o mal. A tentativa de transformar o caso Marielle em bandeira partidária está, por essa razão, fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude.

O endurecimento das penas e a repressão generalizada ao consumo de drogas não oferecem solução duradoura. Mais eficaz são a educação, o esporte, o empreendedorismo, a legalização do aborto, a recuperação de áreas urbanas e o combate ao comércio ilegal de produtos roubados e aos serviços pirateados. Saídas radicais, à direita ou à esquerda, são vetores da violência. O que une mesmo é a luta pela paz.

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Luiz Carlos Azedo: Execução foi recado

No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto entre os donos do poder e o crime organizado

 

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.

Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros.

“É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.

As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.

Banda podre

A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será  surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Acióli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.

Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.

Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.

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Luiz Carlos Azedo: Mera coincidência

A ida de Jungman para o Ministério da Segurança Pública é uma solução natural, tipo “prata da casa”. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, pasta criada para o poder civil

No livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, já citado aqui a propósito da conjuntura eleitoral que vivemos, Marx se inspira no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, para descrever o golpe de seu sobrinho Luís Napoleão, 50 anos depois. Presidente em final de mandato, em 2 de dezembro de 1851 dissolveu a Assembleia e convocou um plebiscito que restituiu o Império; um ano depois se proclamou Napoleão III. O livro foi escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852, em Londres, com o propósito de mostrar as circunstâncias nas quais “Napoleão, o pequeno”, como Victor Hugo o chamava, pôde desempenhar o papel de herói e tomar o poder.

Luís Bonaparte foi um reformador, admirador da modernidade britânica, e promoveu considerável desenvolvimento industrial, econômico e financeiro, mas seu maior legado foi a reforma urbana de Paris, sob comando do prefeito Georges-Eugene Hausmann, um dos símbolos da modernidade. Somente deixou o poder em setembro de 1870, quando surgiu a Terceira República, após a derrota francesa na batalha de Sedan, na Guerra Franco Prussiana. Depois de deposto, exilou-se na Inglaterra, onde morreu em 1873.

Uma das melhores reportagens políticas já escritas, nela Marx descreve o surgimento do partido social-democrata (Montanha): “Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a firma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgiu a social-democracia”. E mostra também que legitimistas e orleanistas, frações monárquicas do Partido da Ordem, se uniram no regime parlamentar republicano porque cada uma dessas correntes considerava a república uma solução mais aceitável do que a opção monárquica preferida pela outra, uma espécie de jogo de perde-perde da aristocracia restauradora francesa.

Mas um pedido de impeachment de Luis Bonaparte, apresentado por uma ala radical da Montanha, pôs a república a perder. Derrotados no parlamento, os radicais resolveram abandoná-lo e ameaçaram recorrer às armas, o que não passou de um blefe. Não houve apelo às armas da parte da Montanha, ao contrário do que o partido dava a entender pouco antes de sair do parlamento. A passeata da Guarda Nacional, que estava desarmada, se dispersou ao se deparar com as tropas do exército, convocadas pela Assembleia Francesa, composta majoritariamente pelo Partido da Ordem. Foi nesse contexto que Luís Bonaparte deu o golpe e assumiu o poder. Uniu o Partido da Ordem ao se colocar acima de suas correntes.

Bandeira

Não se deve subestimar a bandeira da ordem, que sempre foi eficiente para soluções autoritárias, como no golpe militar de 1964. É graças a ela que o deputado Jair Bolsonaro (PSC) desponta como forte candidato a presidente da República, com índices de intenção de votos que muitos analistas consideram já consolidados. Acontece que o presidente Michel Temer resolveu tomar-lhe a bandeira das mãos, com a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, a cargo do comandante militar do Leste, general Braga Neto, logo após o carnaval. A cartada decisiva, porém, é a criação do Ministério da Segurança Pública, para o qual foi deslocado o ministro Raul Jungman, da Defesa.

O general Joaquim Silva e Luna, atual secretário-executivo, deve assumir interinamente o comando do Ministério da Defesa. A ida de Jungman para a nova pasta é uma solução natural, tipo “prata da casa”, por estar envolvido diretamente no assunto, desde o agravamento da crise de segurança pública no país, devido a diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem já realizadas pelas Forças Armadas. Entretanto, não é natural um general como ministro da Defesa, a pasta foi criada para afirmar o poder civil. Não há a menor semelhança da nossa conjuntura com a restauração de Luís Bonaparte, mas isso não significa que Temer e Bolsonaro não possam se unir nas eleições.

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