Militares
Luiz Carlos Azedo: A caneta fatal
“Desde que assumiu, Bolsonaro tenta centralizar e verticalizar o poder, o que é uma fonte de conflitos, mas também de equívocos políticos e administrativos”
A caneta Bic é um “case”” de qualidade e produtividade, funciona muito bem e custa relativamente barato. Do ponto de vista da sua finalidade, não fica nada a dever a uma Mont Blanc, objeto de desejo de muitos empresários e executivos vaidosos, como símbolo de riqueza e/ou poder. Lembro de um velho conhecido recém-chegado ao poder que exibiu a sua Mont Blanc na hora de pagarmos o almoço, ficou bravo comigo porque lhe disse, ironicamente, que era caneta de rico. Lascou-se depois, porque a caneta havia lhe sido presenteada por Marcos Valério, aquele publicitário carequinha do escândalo do “mensalão”do PT. Seu nome estava na lista de mimos em poder da secretária, havia ganho a caneta de presente, como brinde de ano-novo.
Secretárias podem ser protagonistas da grande política, assim como a ex-mulher, o motorista ou o caseiro. A política deixou de ser monopólio dos políticos, dos diplomatas e dos militares, como era antigamente. Quando exibe a sua Bic, o presidente Jair Bolsonaro sinaliza para a sociedade que é um homem austero, simples, que não se deixou deslumbrar pelo poder. É um recado que passa para preservar a sua imagem de presidente da República eleito contra o “sistema de poder” e a “velha política”. Será? No seu caso, isso é falso; o problema não é a caneta, é a tinta. Não existe caneta mais poderosa e endinheirada do que a sua Bic. Haja vista a negociação em curso com o Centrão.
Ontem houve a nova troca de cadeiras na Esplanada. Bolsonaro nomeou dois novos ministros: André Mendonça na Justiça e José Levi na Advocacia-Geral da União. Ambos foram elogiados pela competência técnica por Gilmar Mendes e Luís Barroso, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro desistiu de nomear o atual secretário-geral da Presidência, ministro Jorge Oliveira, que trata como afilhado, para o lugar que era ocupado por Sergio Moro, por pressão dos ministros militares e a pedido do próprio Oliveira. Mas ninguém se iluda, a causa da dança nas cadeiras foi a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal, no lugar de Maurício Valeixo, pivô da crise entre Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro. O novo diretor-geral chefiava a Agência Brasileira de Informações (Abin).
O juiz federal Francisco Alexandre Ribeiro, de Brasília, deu prazo de 72 horas para a União prestar informações sobre a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da Polícia Federal. Ele é relator de três ações populares que buscam impedir a nomeação de Alexandre Ramagem por desvio de finalidade. O fato é importante para se ter a dimensão do problema criado pelo presidente Bolsonaro para si próprio, supostamente com objetivo de obter informações confidenciais sobre investigaçoes criminais e relatórios de inteligência. Embora subordinada administrativamente ao Executivo, a Polícia Federal é técnica e judiciária, tem sua própria autonomia, que se traduz na competência dos delegados para presidir os inquéritos policiais.
A Polícia Federal é um órgão de excelência, com pessoal concursado e altamente qualificado, recrutado entre os melhores com vocação para esse tipo de atividade. De certa forma, foi blindada pela Constituição para não cumprir o papel de polícia política, como aconteceu durante o regime militar, quando complementou e legitimou a atuaçao de órgãos clandestinos de repressão política das Forças Armadas. Esse trauma fez com que os constituintes atribuíssem claramente à PF o papel de um órgão de coerção do Estado, e não do governo. A nomeação de Ramagem, um delegado de carreira, resgata esse trauma, não por causa de sua competência técnica, mas devido à motivação da mudança. Além disso, sendo mais novo na carreira, fura a fila das promoções, o que sempre deixa sequelas, haja vista a situação no Itamaraty.
Inércia continental
Vivemos numa democracia de massas, o Estado brasileiro é ampliado, não no sentido da quantidade de servidores ou da intervençao na economia, mas de sua relaçao com os demais Poderes e entes federados, com a sociedade e suas instituições. Desde que assumiu, Bolsonaro tenta centralizar e verticalizar o poder, o que é uma fonte de conflitos, mas também de equívocos políticos e administrativos. Num país de dimensões continentais, a força de inércia das decisões do governo federal é imensa, como a de um grande navio cargueiro na hora de manobrar e de parar. Por isso mesmo, uma decisão equivocada pode se tornar um desastre irreversível. O fato de termos um Executivo que interage com outros poderes e esferas de governo, permeável à sociedade e que se relaciona com suas instituições, reduz a margem de erro e amplia a de soluções.
Agora mesmo, na epidemia de coronavírus, estamos sofrendo as consequências da mudança de postura do governo federal em relação ao distanciamento social. Ultrapassamos a China em número de mortos — mais de cinco mil — e estamos no limiar da barreira das 500 mortes por dia, em consequência do relaxamento da quarentena estimulado por Bolsonaro. É patético ver o ministro da Saúde, Nelson Teich, com cara de mareado no navio; o general encarregado da logística, não se dar conta de que o número de novos contaminados que precisam de UTI é muito maior do que o de respiradores que consegue distribuir; e o principal sanitarista do MS guardar o colete do SUS no armário e, de paletó e gravata, esquecer o bordão que disseminou por todo o país: “Fiquem em casa”. Depois dos Estados Unidos e Reino Unido, somos o terceiro em número de mortos por dia. Ou seja, estamos virando o epicentro da pandemia.
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Luiz Carlos Azedo: A calmaria
“A preocupação de Bolsonaro era acabar com os boatos de que Paulo Guedes estaria desembarcando da equipe, em razão das divergências com os militares”
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), jogou um balde de água fria nas articulações para dar início a um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, o que depende dele. Uma de suas atribuições é aceitar ou arquivar, monocraticamente, os pedidos de impeachment. “Processos de impeachment e possibilidade de CPIs precisam ser pensadas e refletidas com muito cuidado. Acredito que o papel da Câmara dos Deputados neste momento, nos próximos dias, é que a gente volte a debater, de forma específica, a questão do enfrentamento ao coronavírus”, afirmou, em entrevista coletiva na Câmara. Nesta semana, acaba o seu prazo de 10 dias para informar ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello sobre os pedidos que já chegaram à Câmara, que acusam Bolsonaro de crime de responsabilidade, tanto na demissão de Moro como na postura diante da epidemia de coronavírus.
A comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar as denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre tentativas de interferências indevidas de Bolsonaro na Polícia Federal (PF) está no telhado. Segundo o ex-ministro, Bolsonaro queria informações sobre inquéritos policiais e relatórios de inteligência, o que não foi aceito pelo ex-juiz da Lava-Jato, que se demitiu da pasta fazendo muito barulho. Nos bastidores da Câmara, a coleta de assinaturas para a instalação da CPMI já foi iniciada, mas há resistências de parte do Centrão e dos deputados bolsonaristas. Maia mantém distância regulamentar da mobilização, não quer tomar partido.
Bolsonaro, ontem, também tratou de esvaziar a crise. Continua decidido a nomear o delegado Alexandre Ramagem, atual diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin), para a diretoria-geral da Polícia Federal, no lugar de Maurício Valeixo, que foi exonerado à revelia de Moro. Entretanto, a indicação do ministro Jorge Oliveira, secretário-geral da Presidência, para o cargo de ministro da Justiça também estava no telhado. A mobilização contra as duas indicações, devido a ligações pessoais de ambos com os filhos do presidente da República, parece ter levado Bolsonaro a avaliar melhor a situação. Oliveira também estaria reticente sobre mudar de posto. Não será surpresa se Bolsonaro indicar outro nome para a pasta, com maior trânsito junto aos tribunais superiores, no caso o ministro André Mendonça, da Advocacia-geral da União (AGU)
A preocupação de Bolsonaro era acabar com os boatos de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estaria desembarcando da equipe, em razão das divergências com os militares do Palácio do Planalto, que apresentaram um plano de retomada da economia que não passou por seu crivo. Em entrevista coletiva, Bolsonaro garantiu que Guedes continua dando a linha da política econômica para todo o governo. “Acabei mais uma reunião, aqui, tratando de economia. E o homem que decide a economia no Brasil é um só: chama-se Paulo Guedes. Ele nos dá o norte, nos dá recomendações e o que nós realmente devemos seguir”, disse.
Centrão
Ao lado de Bolsonaro, Guedes afirmou que o governo segue firme em sua política econômica de responsabilidade fiscal e garantiu que os gastos públicos extraordinários feitos em decorrência da crise do coronavírus são uma “exceção” na condução da política econômica. “Queremos reafirmar a todos que acreditam na política econômica que ela segue, é a mesma política econômica”, ressaltou Guedes. Estavam na entrevista o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, um dos autores do Plano Pró-Brasil; o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que muitos veem como alternativa para a Economia, e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que sofre um ataque especulativo da ala ideológica do governo e dos ruralistas ligados ao Centrão, que a acusam de ser aliada da China.
As negociações para articular uma base mais robusta para Bolsonaro, a cargo do ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, vão de vento em popa. Roberto Jefferson (PTB), Valdemar da Costa Neto (PR), Ciro Nogueira (PP) e Gilberto Kassab (PSD), os caciques do Centrão, querem garantir a presidência da Câmara, na sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), para o deputado Arthur Lira (PP-AL), com apoio do Palácio do Planalto. O Banco do Nordeste, a Funasa, o DNOS, o FNDE e o Porto de Santos estão no balaio do “é dando que se recebe”, mas Kassab pleiteia também o Ministério da Agricultura. Em troca, Bolsonaro estaria blindado contra qualquer tentativa de impeachment.
Ou seja, a operação política do Palácio do Planalto avançou no Congresso, amainando a crise política. A postura cautelosa de Rodrigo Maia e o silêncio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que estão jogando juntos, refletem isso. Em contraste com a calmaria política, porém, a epidemia de coronavírus avança, com o ministro da Saúde, Nelson Teich, ainda “estudando os dados” de sua propagação, enquanto o novo secretário executivo da pasta, general Eduardo Pazuello, critica a imprensa (que não levaria em conta a diversidade do país) e fala em “planejamento centralizado” num sistema tripartite — União, estados e municípios —, onde qualquer planejamento bem-sucedido precisa ser situacional e participativo. Já são 4.543 mortes, 338 mortes a mais do que no domingo, com 66.501 casos confirmados, ou seja, 4.613 casos a mais. Foram mais 1.802 mortes em apenas uma semana, e o general reclama da imprensa porque noticia o avanço da epidemia.
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Luiz Carlos Azedo: O trilema da hora
“A saída de Moro contribuiu para a radicalização do cenário político, com a ampliação do movimento que deseja o impeachment de Bolsonaro”
A crise tríplice que o país enfrenta — sanitária, econômica e política — foi agravada pela demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro, que deixou o cargo atirando contra o presidente Jair Bolsonaro, ao contrário de Luiz Henrique Mandetta, que deixou a Saúde sem confrontar o governo na política, apenas sustentando suas posições em relação ao distanciamento social que havia adotado contra a epidemia de coronavírus. A troca de acusações entre Bolsonaro e Moro deixa o país à beira da crise político-institucional. Diante da gravidade das acusações do ex-ministro da Justiça, não há como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) não investigá-las, com consequências imprevisíveis, se os fatos forem confirmados.
Moro acusou Bolsonaro de tentar transformar a Polícia Federal numa polícia política, quando sabemos que ela é uma instituição de Estado, técnica e judiciária, apesar de subordinada administrativamente ao Executivo. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinando que os delegados encarregados do inquérito que apura as fake news sejam mantidos em suas funções foi um recado claro de que não poderá haver interferência de Bolsonaro no caso. Por outro lado, nos bastidores de Congresso, é dada como certa a abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar as denúncias de Moro.
Estamos diante de um trilema: superar o conflito político entre Bolsonaro e os demais poderes e instâncias de governo; afastar o presidente da República por crime de responsabilidade ou derivar para um governo autoritário, que se impõe aos demais poderes à moda Fujimori (Peru) ou Chávez (Venezuela). Cada vez mais o governo Bolsonaro adquire características de um governo militar, de viés bonapartista, seja pela sua composição, seja pelas concepções que orientam sua ação.
A separação entre os militares que fazem parte do estado-maior da presidência, alguns dos quais ainda na ativa, e os comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que seria uma linha divisória entre um governo civil e as Forças Armadas, está sendo rompida pelo próprio presidente da República. Isso ocorre quando Bolsonaro vai a uma manifestação que pede a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do Supremo e não critica seus organizadores, muito pelo contrário (o que estão sendo investigados pelo Supremo a pedido do Ministério Público Federal, ou quando o presidente da República diz publicamente que se relaciona diretamente com os comandantes militares, em qualquer nível, sem consultar nem acionar o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva.
No confronto com Moro, que se exonerou por esta razão, Bolsonaro disse que não abre mão de nomear o diretor-geral da Polícia Federal nem dele obter informações sobre investigações criminais e os relatórios de inteligência, o que já acontecia no caso da Agência Brasileira de Informações (Abin), subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Tanto que o diretor da agência, delegado Alexandre Ramagem, deve assumir a diretoria-geral da PF, no lugar do delegado Maurício Valeixo. Há uma evidente contradição entre as regras do jogo democrático, que asseguram aos delegados federais presidirem os inquéritos com autonomia, e o tipo de relacionamento que Bolsonaro pretende manter com o diretor-geral e seus superintendentes regionais.
Mais conflitos
A saída de Moro do governo, além de enfraquecer Bolsonaro, contribuiu para a radicalização do cenário político, com a ampliação do movimento que deseja seu impeachment antes mesmo de que os fatos denunciados sejam investigados. Esse cenário altera a situação de empate que havia se estabelecido entre governo e oposição, no qual o espaço de disputa política era institucional, principalmente o Congresso. Agora, a disputa pode transbordar para as ruas, mesmo em tempo de coronavírus, como sempre desejou o próprio Bolsonaro. É um quadro perigoso, porque opõe, de um lado, os partidos e movimentos de esquerda, e de outro, apoiadores fanáticos de Bolsonaro, muitos dos quais truculentos e portadores de arma de fogo. A maioria mesmo prefere bater panelas nas janelas contra ou, eventualmente, a favor do governo.
A epidemia de coronavírus e a recessão econômica potencializam a crise política. O isolamento social para refrear a epidemia sofre um cerco em pinça para ser relaxado, patrocinado por Bolsonaro, de empresários cujas atividades foram fortemente atingidas, principalmente no comércio e nos serviços, e grande massa de trabalhadores informais e pequenos empreendedores, que perderam as fontes de renda. Ainda que o auxílio do governo de R$ 600 e outras transferências de renda sirvam para mitigar a falta de recursos da população mais pobre, essa pressão aumenta contra governadores e prefeitos. Com o passar do tempo, provoca maior movimentação nas ruas. Resultado: mais mortes e estresse do Sistema Público de Saúde (SUS).
Do ponto de vista da recessão econômica, o grande ponto de interrogação é o choque entre a equipe do titular da Economia, Paulo Guedes, e os ministros, principalmente os militares, que defendem um programa desenvolvimentista. Diante da epidemia e da recessão, as reformas de Guedes, centradas na busca do equilíbrio fiscal, perderam viabilidade a curto prazo. Entretanto, a alternativa discutida no estado-maior de Bolsonaro não é apenas emergencial, tem caráter estratégico, com orientação nacional-desenvolvimentista que lembra o governo Geisel, no regime militar. Nesse cenário, Bolsonaro está diante de uma nova escolha de Sofia. Guedes é o nome da próxima crise na Esplanada.
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Luiz Carlos Azedo: O que vem por aí
“Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando”
Em sua primeira entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Nelson Teich, ontem, anunciou que o governo federal prepara uma diretriz para orientar cidades e estados na flexibilização do distanciamento social contra o novo coronavírus, que deverá ser anunciada na próxima semana. Argumentou que o total de pessoas infectadas com Covid-19 é baixo se comparado com o total da população e fez a previsão de que menos de 70% da população contrairão a doença, ao contrário das estimativas iniciais. Segundo o ministro, o Brasil tem 43,5 mil casos do coronavírus. “Se a gente imaginar que pode ter uma margem de erro grande — digamos que a gente tenha aí 100 vezes, isso é só um exemplo hipotético — a gente está falando em 4 milhões de pessoas. Nós hoje somos 212 milhões”, explicou.
Teich arrematou: “Fora da Covid tem 208 milhões de pessoas que continuam com as suas doenças, com os seus problemas, e que têm que ter isso tratado. E o que é que representam, hoje, 4 milhões de pessoas num país como esse? 2% da população”, disse. O ministro anunciou o novo secretário-executivo do Ministério da Saúde: o general de divisão Eduardo Pazuello, que hoje é comandante da 12ª Região Militar, principal unidade de logística do Exército na Amazônia, responsável por quatro hospitais, embarcações, manutenção, suprimentos e uma companhia de comando, para o apoio às unidades de combate do Comando da Amazônia. Integrante do grupo de generais paraquedista do Rio de Janeiro que hoje forma o Estado Maior de Bolsonaro, é um especialista em logística. Sua missão no Ministério da Saúde será operar a estratégia de saída da política de isolamento social em todo país, sem deixar que haja o colapso do sistema de saúde pública. Se houver precipitação, será uma missão impossível.
Como Teich ainda aparenta muita insegurança no comando do Ministério da Saúde, a entrevista foi protagonizada pelos ministros da Casa Civil, Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O primeiro apresentou dois planos de retomada da economia, denominados Pró-Brasil Ordem e Pró-Brasil Progresso, para serem executados num período de dez anos. O viés é desenvolvimentista, na linha do famoso tripé Estado, iniciativa privada e investimentos estrangeiros. Em meio à recessão mundial provocada pelo coronavírus, é inevitável a comparação com o ambicioso II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do presidente Ernesto Geisel, que foi abatido pela crise do petróleo. Braga Netto disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, que não estava presente na coletiva, endossou o plano.
O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, roubou a cena. Resolveu puxar as orelhas da imprensa: “Nós, do governo do presidente Jair Bolsonaro, respeitamos muito a liberdade de imprensa e ela é fundamental para o processo democrático de todo o país. Porém, desde o começo dessa crise do coronavírus, nós temos observado uma cobertura maciça dos fatos negativos. Os noticiários entram nos lares brasileiros todos os dias. Com todo respeito, no jornal da manhã é caixão, é corpo. Na hora do almoço, é caixão novamente, é corpo. No jornal da noite, é caixão, é corpo e o número de mortos.”
Negociação
Falta ao governo um Aureliano Chaves, o vice-presidente civil do general João Baptista Figueiredo, para falar que não adianta tapar o sol com a peneira. O número de mortos aumenta e a situaão é critica nos hospitais do São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Amazonas e Roraima, estados nos quais afrouxar a política de isolamento social agora significa multiplicar o número de mortos por falta de assistência médica adequada. Faltam leitos de UTI, respiradores e equipamentos de proteção individual, além de médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, porque muitos estão se contaminando. Talvez o general Pazuello seja mais importante para enfrentar o problema de logística no gerenciamento da falta de equipamentos e pessoal do que na estratégia de saída do isolamento, que necessariamente estará subordinada a governadores e prefeitos.
A propósito, foi simbólica a presença do governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), na entrevista. Sinaliza duas coisas: primeiro, que a situação do Distrito Federal é critica, do ponto de vista dos recursos disponíveis; segundo, que está havendo uma forte aproximação do MDB com o governo, de olho na sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara. Ontem, o presidente da legenda, Baleia Rossi (SP), esteve com Bolsonaro, como parte de uma rodada de conversas para rearticular a base do governo e esvaziar a liderança de Maia. Também haverá uma conversa de Bolsonaro com o presidente do DEM, ACM Neto, prefeito de Salvador (BA), agendada para hoje.
A operação de reaproximação com o Congresso tem apoio dos caciques do Centrão: Roberto Jefferson, PTB; Valdemar Costa Neto, PR; Gilberto Kassab, PSD; Ciro Nogueira, Progressistas; e Paulinho da Força, Solidariedade. A negociação envolve a entrega da Funasa, do Banco do Nordeste, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões para esses partidos.
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Luiz Carlos Azedo: Distopia no presente
“Nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa”
A pergunta de meu amigo Carlos Alberto Jr., jornalista e cidadão do mundo, numa live, inspirou a coluna de hoje: “Estamos vivendo uma distopia no presente?”. Normalmente, a distopia está associada ao futuro, porque é a negação da utopia, ou seja, da sociedade desejada, uma projeção pessimista do futuro. De certa forma, sim, estamos vivendo uma realidade distópica, como as que aparecem no cinema. A série inglesa Black Mirror (Espelho Negro), lançada há quase 10 anos, por exemplo, em cada um de seus episódios, que são independentes, nos deixa em situação muito desconfortável em relação à tecnologia, à globalização, ao poder e à “sociedade do espetáculo”.
Qual é a grande distopia que estamos vivendo aqui no Brasil? Uma pandemia de coronavírus ameaça sair do controle e seu combate começa a ser militarizado, com a substituição de uma política de saúde pública participativa por estratégias militares que se baseiam em grandes manobras, controle de informações e saídas racionais para situações fora do controle, como criar mais vagas nos cemitérios para evitar que o aumento do número de mortos gere outro grave problema sanitário: cadáveres insepultos. É uma hipótese sinistra, mas faz sentido, porque a concepção do combate à epidemia é a de que se trata de uma guerra. Em tese, militares estariam mais preparados para isso do que civis, o que, obviamente, é um equívoco em se tratando de saúde pública.
O inimigo invisível entre nós, no trabalho, no supermercado, na fila da lotérica, dentro de casa. Todos nos tornamos seres perigosos, suspeitos. Qualquer aproximação menor que dois metros é uma ameaça e provoca uma reação de legítima defesa, nem sempre um educado “por favor, chegue mais para lá”. Os mais aptos a conviver com o novo coronavírus — os contaminados assintomáticos —, hoje são a maior ameaça, não importa se é um antigo colega de trabalho, um parente querido, um amigo de infância, a pessoa amada; amanhã, porém, poderão ser os salvadores da pátria, portadores de anticorpos e perpetuadores da espécie, os primeiros a voltar ao trabalho.
A salvação virá dos mais fortes e do Estado Levitã, que pode tudo? Qual será o custo de tudo isso? Na lógica do presidente Jair Bolsonaro, é preferível um maior número de mortos do que o colapso da economia; é preciso salvar o comércio, a indústria, os pequenos negócios e os biscates. No fundo, seu raciocínio antecipa a escolha de Sofia do intensivista que seria obrigado a escolher quem vai ter acesso ao respirador na UTI quando o sistema de saúde entrar em colapso.
A República, de Platão, citada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta numa alusão irônica ao famoso Mito da Caverna (metáfora criada pelo filósofo grego para explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”), inspirou Thomas Morus (1478-1535) a escrever Utopia. Publicada na Basiléia, em 1516, na época dos Descobrimentos, criticou a tirania e descreveu a sociedade ideal, prontamente associada ao Novo Mundo. Na Inglaterra, seu livro só viria a ser publicado em 1551, 17 anos após a morte do filósofo e estadista católico executado por ordem de Henrique VIII, da Inglaterra.
Tirania
Coube a outro inglês cunhar a expressão “distopia”, o liberal progressista John Stuart Mill, o primeiro a defender o direito ao dissenso e as prerrogativas das minorias, num famoso discurso no Parlamento britânico, em 1868, ao invocar os valores defendidos por Thomas Morus em confronto com a realidade do proletariado da Inglaterra durante a Revolução Industrial. O tema da distopia foi retomado no Admirável Mundo Novo (1932), de Aldous Huxley, e em 1984, de George Orwell. Na primeira obra, a sociedade é domina por uma casta, que a submete a um condicionamento biológico e psicológico; no segundo, numa alegoria do burocratismo stalinista, um ditador muda a língua do povo, controla a vida dos cidadãos e manipula a imprensa.
Na literatura, portanto, a distopia é a denúncia da sociedade indesejada, autocrática, submetida à tirania e à ordem unida. Na vida real, voltando à pergunta inquietante do amigo, é uma ameaça latente, seria quase uma distopia do presente. Estamos vivendo uma situação inimaginável, num mundo globalizado, conectado em rede, onde todos acompanham tudo em tempo real. Trata-se de um colapso da economia mundial, provocado por um fenômeno da natureza que tem a ver com o “grande encontro” da teoria da evolução, a associação entre o vírus mutante e uma bactéria, que se reproduz em velocidade igual ou maior do que a moderna transmissão de dados.
A ficção distópica dos filmes de catástrofes vira realidade, com centenas de milhares de mortos. Ontem, o presidente Donald Trump anunciou que os Estados Unidos vão suspender a imigração legal por dois meses. O “sonho americano”, inspirado na Utopia de Thomas Morus, entrou em colapso. Aqui no Brasil, a grande distopia seria o colapso do nosso regime democrático.
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Igor Gielow: Ala militar nega golpismo, mas apoia Bolsonaro no embate com Poderes
Presidentes de Legislativo e Judiciário conversaram com ministro da Defesa após ato do domingo
A ala militar do governo negou às cúpulas do Congresso e do Judiciário haver qualquer risco de ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro, mas também fez questão de dizer que considera que os Poderes têm agido de forma a cercear o presidente na crise do coronavírus.
A impressão foi registrada pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Os três conversaram com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, ao longo do domingo (19).
Naquele dia, Bolsonaro decidiu após almoçar com os filhos ir encontrar manifestantes pedindo intervenção militar e edição de "um AI-5" em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.
A cena foi desenhada para chocar o mundo político e supor o apoio dos militares ao governo e a eventuais arroubos autoritários do presidente. Ato contínuo, Toffoli procurou Azevedo, que já foi seu assessor e com quem mantém interlocução frequente.
Tanto o ministro do Supremo como os presidentes das Casas do Congresso, em telefonemas separados, cobraram um posicionamento das Forças Armadas. Azevedo é um ponto de contato tanto com os militares dentro do governo quanto com o oficialato da ativa, de quem é superior hierárquico.
Ouviram a negativa de intenções golpistas e a promessa de que Bolsonaro iria baixar o tom, o que de fato aconteceu na manhã seguinte.
Além disso, o próprio general Azevedo divulgou nota reiterando o comprometimento das Forças Armadas com a Constituição e priorizando o combate ao coronavírus "e suas consequências sociais" —uma deixa não casual, alinhada à ênfase que Bolsonaro faz do impacto econômico da pandemia.
Os interlocutores do ministro da Defesa compreenderam que a ala militar do governo não reprova a irritação de Bolsonaro, ao contrário. Isso alarmou atores políticos em Brasília, que passaram a segunda trocando impressões sobre quais podem ser os próximos passos da crise.
Na avaliação dos fardados do governo, o Congresso tem agido sistematicamente contra Bolsonaro, tolhendo suas iniciativas. O Supremo também colabora com o clima de cerco ao Planalto com suas decisões em prol dos governadores e prefeitos na emergência sanitária.
A visão do presidente na crise vai além: o mandatário máximo acha que estados, liderados por São Paulo do rival João Doria (PSDB), estão aliados a Maia e a setores do Supremo para buscar seu impedimento. Isso o fez subir o tom no domingo, como de resto já previam adversários políticos ao analisar seu isolamento na crise.
Se a ala militar foi compreensiva com o gesto do chefe, o mesmo não se pode dizer da ativa das Forças Armadas. Alguns membros do Alto Comando do Exército, usualmente simpáticos a Bolsonaro, se disseram chocados com o uso simbólico do QG da Força para o proselitismo do presidente.
Assim, é possível dizer que o delicado equilíbrio entre um governo loteado por militares e os fardados da ativa sofreu um abalo significativo. A defesa constitucional feita por Azevedo foi pactuada para acalmar ânimos, mas as fissuras devem continuar.
Do lado dos Poderes, há diferenças de tons. Na romaria de políticos à casa de Maia na noite de domingo, depois negada pelo presidente da Câmara, mais de um dos presentes observou que o deputado estava mais incomodado do que Alcolumbre com a escalada da crise.
Isso se explica porque Maia foi eleito o alvo preferencial das redes bolsonaristas em seu protestos. Mas também há, subjacente, a intenção presumida de Alcolumbre de sair da sombra do politicamente mais denso colega da Câmara.
Já Toffoli, que viu outros ministros se manifestarem contra Bolsonaro no domingo, só fez uma fala sobre o episódio na segunda, quando a situação estava mais clara. Marcou posição, mas como é o árbitro final de muitos conflitos que ainda podem surgir, deverá manter o perfil mais discreto.
Para um participante das tratativas do domingo, a inflexão da ala militar precisa ser acompanhada de perto. Desde que recuperou prestígio no governo, no começo do ano, ela servia mais de anteparo ao radicalismo de Bolsonaro do que de amplificador de crises.
Do ponto de vista institucional, todos parecem convencidos de que não há riscos reais de ruptura, até porque o presidente não tem força para isso —não há amplo apoio social, empresarial ou de militares a quaisquer aventuras.
Mas também é claro o método de Bolsonaro em seus flertes autoritários. O presidente faz um gesto, é repreendido e modera o tom no dia seguinte. Mas a corda foi esticada mais alguns centímetros.
Na opinião desse político, se o presidente se sentir amparado pelos militares do governo, novos episódios são inescapáveis. Com o agravante de que os elementos de mediação evaporam aos poucos.
Luiz Carlos Azedo: O jogador
“Seu gesto pode ser interpretado como crime de responsabilidade, se houver ligações entre os organizadores do ato de domingo e o chamado ‘gabinete do ódio’”
O pior dos mundos nesta pandemia de coronavírus no Brasil seria uma crise institucional, num momento em que as instituições políticas precisam convergir para combater a doença e mitigar os seus efeitos na economia. Em circunstâncias normais, o maior interessado nesse esforço coordenado seria, sem dúvida, o presidente da República, mas acontece que Jair Bolsonaro faz tudo ao contrário. Como no domingo, quando foi ao ato de extrema-direita em frente ao quartel-general do Exército para apoiar manifestantes que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma intervenção militar.
É difícil compreender seu comportamento, que foge à racionalidade, num momento tão dramático da vida nacional. O gesto de domingo, como não poderia deixar de ser, aprofundou o isolamento político de Bolsonaro. Foi repudiado pelos ministros do Supremo, pelos líderes da Câmara e do Senado, por instituições da sociedade civil e provocou um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, para que o STF apure as responsabilidades pela organização do ato, que atenta contra a democracia, nos termos da Lei de Segurança Nacional. Bolsonaro foi poupado pelo Ministério Público Federal, mas o presidente do Cidadania, Roberto Freire, e o líder do partido na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), se encarregaram de requerer à PGR que investigue também os que participaram do ato.
Ontem, ao sair do Palácio da Alvorada, Bolsonaro minimizou os acontecimentos de domingo. Disse que em nenhum momento endossou os pedidos de fechamento dos demais poderes e de intervenção militar. Ironizou: “O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou presidente da República (…). Eu estou conspirando contra quem, meu Deus do céu? Falta um pouco de inteligência para aqueles que me acusam de ser ditatorial. O que eu tomei de providência contra a imprensa? Contra a liberdade de expressão?”
Mas Bolsonaro revelou preocupação com o que aconteceu, quando nada porque sabe que seu gesto pode ser interpretado como crime de responsabilidade, sobretudo se houver ligações efetivas entre os organizadores do ato e o chamado “gabinete do ódio”, o grupo ideológico que o assessora na Presidência. “Em todo e qualquer movimento tem infiltrado, tem gente que tem a sua liberdade de expressão. Respeite a liberdade de expressão. Pegue o meu discurso, dá dois minutos, não falei nada contra qualquer outro poder, muito pelo contrário. Queremos voltar ao trabalho, o povo quer isso. Estavam lá saudando o Exército brasileiro. É isso, mais nada. Fora isso, é invencionice, é tentativa de incendiar uma nação que ainda está dentro da normalidade”, disse Bolsonaro, em defesa prévia.
Bolsonaro estimula uma militância fanatizada, que defende claramente um golpe de Estado. Militarizou seu governo a tal ponto que hoje existem mais generais na Esplanada do que em todos os governos do regime militar. Toda vez que tem um problema e não consegue resolver, apela aos ex-colegas de farda. Seu problema não é chegar ao poder, é a ambição de ter poderes absolutos, pois não consegue administrar a institucionalidade da própria Presidência, em situações emblemáticas, como a de domingo, desrespeitando a liturgia do cargo que ocupa. Não digere o sistema de pesos e contrapesos que normatiza as relações com o Congresso e o STF. No fundo, como um Luís XIV, tem uma visão absolutista da Presidência: “Eu sou realmente a Constituição”.
Isolamento
Enquanto isso, a epidemia avança. No balanço do Ministério da Saúde divulgado ontem, já são 2.575 mortes (no domingo, eram 2.462, aumento de 5,6%, ou seja, 113 óbitos a mais), num universo de grande subnotificação: apenas 40.581 confirmados (no domingo, eram 38.654, aumento de 5%, sendo a taxa de letalidade de 6,3% de letalidade). São Paulo tem 1.037 mortes e 14.580 casos confirmados. Bolsonaro minimiza a progressão da epidemia, diz que 70% da população será contaminada e “não adianta querer correr disso”. Lida com a morte como aquele general que manda seus soldados resistir apenas para ganhar tempo para a própria retirada, sabendo que o front está perdido e eles voltarão para casa dentro de um saco plástico: “Aproximadamente 70% da população vai ser infectada. Não adianta querer correr disso. É uma verdade. Estão com medo da verdade?”, afirmou.
Bolsonaro dobra a aposta de altíssimo risco: “Espero que esta seja a última semana desta quarentena, desta maneira de combater o vírus, todo mundo em casa. A massa não tem como ficar em casa, porque a geladeira está vazia”, disse. Assim, estimula a população a desrespeitar a quarentena, culpando governadores e prefeitos pela retração econômica e pelo desemprego, embora a situação esteja se agravando no sistema público de saúde, como em Manaus e Fortaleza, à beira do colapso. Seu novo ministro da Saúde, Nelson Teich, foi eclipsado. Não pode abrir a boca pra falar sobre o aconteceu no domingo. Não pode criticar Bolsonaro nem endossar suas ideias equivocadas.
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Igor Gielow: Bolsonaro faz apelo golpista e coloca Forças Armadas em saia justa
Governadores veem ensaio de golpe sem apoio pelo presidente, isolado na crise do coronavírus
SÃO PAULO - A demonstração de apoio do presidente Jair Bolsonaro a uma manifestação que pedia intervenção militar e "um AI-5" na frente do quartel-general do Exército fez a crise política inserida na pandemia do coronavírus subir de patamar.
Como se isso fosse possível, notou um governador de populoso estado ainda no princípio do embate com a Covid-19. A agressividade estava na conta, mas Bolsonaro ainda consegue chocar alguns, a começar por integrantes da cúpula militar da ativa que trocaram mensagens durante o domingo (19).
A escolha minuciosa do local e da data, o Dia do Exército, colocou as Forças Armadas ante um impasse que juravam querer evitar desde que pactuaram apoio tácito ao pleito presidencial de Bolsonaro no segundo turno de 2018. Agora, os fardados terão de se posicionar sobre as intenções de seu comandante nominal.
Bolsonaro foi claro em sua fala: quer uma ruptura ao estilo Hugo Chávez, de "povo no poder", desde que, claro, o poder seja exercido por ele. Olimpicamente isolado dos outros Poderes, seus instrumentos para tal missão são parcos.
Congresso, apesar dos planos mirabolantes de atração do centrão decantados, está fora de alcance. O Supremo Tribunal Federal, que não engole a família Bolsonaro direito desde que o filho Eduardo chutou a necessidade de um "cabo e um soldado" para fechá-lo, idem.
Fritar de forma desastrada Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde só levou a outros titulares da Esplanada a certeza de que o próximo poderá ser um deles ou delas.
Logo, nada mais natural que dobrar seu apelo aos militares que, aos poucos, aceitaram serem abduzidos para dentro de seu governo na crença de que poderiam ditar os rumos de um capitão que saiu pelas portas dos fundos do Exército no fim dos anos 1980, insubordinado nato que era.
Para um general ouvido, o presidente apenas quis tensionar o ambiente em um momento de fragilidade, conforme seu estilo. Para o oficial, da cúpula da ativa, as Forças Armadas não farão nada que fira seu papel constitucional.
Outro oficial, de um setor Marinha mais afastado do governo, preferiu a comparação com a tentativa frustrada de autogolpe de Jânio Quadros em 1961, que redundou na renúncia do presidente.
Tal sentimento é compartilhado por governadores de estado, que passaram a tarde trocando impressões sobre o insólito acontecimento deste domingo. Dois deles afirmaram categoricamente que Bolsonaro quer dar um golpe, embora duvidem das condições objetivas para tal.
A união da classe é, como já foi dito, inédita. No sábado, o Fórum Nacional dos Governadores divulgou carta defendendo os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), dos ataques recebidos durante a semana de Bolsonaro.
Os sinais da tibieza bolsonarista são claros. As carreatas em favor das ideias intervencionistas foram mínimas, em termos de adesão. Não houve uma mobilização popular comparável, digamos, à Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964, para ficar num exemplo extremo.
A família do presidente, essa novidade na vida política nacional, ajudou, postando ao longo do dia em redes sociais apoios dos mais bizarros e ameaçadores: a cereja foi dada pelo vereador Carlos, replicando um vídeo de pessoas atirando em apoio a Bolsonaro. Não é preciso nem semiótica para entender a mensagem.
Se a frustração popular com as limitações da quarentena é compreensível, não havia uma multidão na rua. Havia, sim, as mesmas franjas que pediam "SOS Forças Armadas" nos atos pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
São pessoas que acham correto buzinar na frente de hospitais com pessoas morrendo da mesma doença que eles negam a gravidade, sob inspiração de Bolsonaro. Mesmo quem quer encerrar as limitações, sem necessariamente fazer parte do grupo, são só 22% da população, mostrou o Datafolha.
Assim como não há empresariado em massa a favor do governo central. Novamente, a pergunta fica: e os militares?
Não há uma ordem unida entre as Forças, para começar. Não se vê um integrante da Força Aérea com destaque no governo, até porque o "homem do vermífugo", o astronauta-ministro Marcos Pontes, não é considerado da cota fardada apesar de ser militar.
A ativa, após angaraiar prestígio ao governo cedendo quadros, tenta ao longo da crise do coronavírus se distanciar da politização fomentada por Bolsonaro contra governadores, João Doria (PSDB-SP) à frente.
E as manifestações, públicas ou não, têm sido no sentido de que a Constituição será soberana. Bom, em 1964 isso também era argumento, mas os tempos são outros.
A classe política está se sentindo empoderada, para usar o clichê. Depois de ter sido escorraçada pelas urnas em 2018, a instabilidade de um presidente acuado a colocou em evidência. Pesquisas internas de partidos mostram, contudo, que Congresso e Judiciário continuam com suas imagens no chão.
É com isso e com o fato de que as Forças Armadas são ainda vistas com respeito que Bolsonaro conta. A ala militar dentro do governo, o líder Fernando Azevedo (Defesa) à frente, acreditava que seria possível moderar o chefe e conduzir o manejo da emergência sanitária.
Este domingo provou, pela enésima vez, que isso é impossível. Pior, Bolsonaro colocou os fardados em xeque no tabuleiro da política. Isso adensa a crise a um novo nível, e a perspectiva não é das melhores para o isolado mandatário.
Luiz Carlos Azedo: A alegoria de Camus
“A epidemia de meningite só acabou após a vacinação de 80 milhões de pessoas, o que seria impossível com a manutenção da censura sobre a doença”
Publicado em 1947, A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), é uma alegoria da ocupação nazista. Por isso, fez tanto sucesso não só na França como na Europa do pós-guerra e também na América Latina, inclusive no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Camus foi um militante da Resistência, mas teve uma posição muito moderada em relação aos que colaboraram com os invasores alemães durante a II Grande Guerra, condenando os “justiçamentos”. Já era um escritor consagrado, com duas obras elogiadíssimas pela crítica: O estrangeiro e O mito de Sísifo.
Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 na Argélia, à época uma colônia francesa, cenário de seu romance, que conta a história de uma epidemia na cidade de Oran, no norte daquele país. Em 1940, um médico encontrou um rato morto ao deixar seu consultório. Comunicou o fato ao responsável pela limpeza do prédio. No dia seguinte, outro rato foi encontrado morto no mesmo lugar. A esposa do médico tinha tuberculose e foi levada para um sanatório. A quantidade de ratos aumentou exponencialmente. Em um único dia, oito mil ratos foram coletados e encaminhados para cremação.
Em pânico, a cidade declarou estado de calamidade, as pessoas tinham febre e morriam em massa. Os muros foram fechados, em quarentena, ninguém entrava ou saía; os doentes foram isolados, as famílias, separadas. Enquanto o padre apregoava que tudo aquilo era um castigo divino, prisioneiros eram mobilizados para enterrar os cadáveres, que empilhavam nas ruas: velhos, mulheres e crianças morriam. O livro é uma alegoria da condição de vida regulada pela morte, fez muito sucesso porque era uma crítica ao fascismo e relatava as diferenças de comportamento diante de situações-limite. Fora escrito durante a ocupação militar alemã. Camus foi editor do jornal clandestino Combat, porta-voz dos partisans.
Em 1951, Camus lançou o livro O homem revoltado, no qual condenava a pena de morte e criticava duramente o comunismo e o marxismo, o que provocou uma ruptura com seu amigo e filósofo Jean-Paul Sartre, que liderou seu linchamento moral por parte da intelectualidade francesa. Mesmo depois do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, continuou sendo um renegado para a esquerda. Seu discurso na premiação foi profético. Permanece atual nestes tempos de epidemia de coronavírus.
“Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”, disse Camus.
Epidemia
Em comemoração aos 60 anos de sua morte, divulgou-se na França um de seus textos da época da resistência, cujo original foi encontrado nos arquivos do general De Gaulle, o presidente francês que liderara a Resistência do exílio. O documento era destinado às forças que combatiam o marechal Pétain e trata de dois sentimentos presentes no contexto da ocupação: ansiedade e incerteza. A ansiedade “em uma luta contra o relógio” para reconstruir o país; a incerteza, em razão do fato de que, “se a guerra mata homens, também pode matar suas ideias”.
A alegoria de A Peste também serve de advertência diante de certas manifestações de apoio ao regime militar implantado após o golpe de 1964, cujo aniversário foi comemorado ontem. Em 1974, o Brasil enfrentou a pior epidemia contra a meningite de sua história. Para evitar o contágio, o governo decretou a suspensão das aulas e cancelou os Jogos Pan-Americanos de 1975, que foram transferidos de São Paulo para o México. A epidemia começou em 1971, no distrito de Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo. Com dor de cabeça, febre alta e rigidez na nuca, muitos morreram sem diagnóstico ou tratamento.
Em setembro de 1974, a epidemia atingiu seu ápice. A proporção era de 200 casos por 100 mil habitantes, como no “Cinturão Africano da Meningite”, que hoje compreende 26 países e se estende do Senegal até a Etiópia. O Instituto de Infectologia Emílio Ribas, com apenas 300 leitos disponíveis, chegou a internar 1,2 mil pacientes. Na época, eu era um jovem repórter do jornal O Fluminense, de Niterói (RJ). Com a cumplicidade de um acadêmico de medicina, conseguimos fotografar pela janela uma enfermaria lotada de crianças com meningite, no Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF). A foto foi publicada com a matéria, mas gerou a maior crise política para a direção do jornal, porque a meningite era um assunto censurado pelos militares. A epidemia só acabou no ano seguinte, após a vacinação de 80 milhões de pessoas, que seria impossível com a manutenção da censura sobre a meningite pelo governo do general Ernesto Geisel.
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Le Monde: O Presidente, os militares e o astrólogo
Grandes Ministérios, serviços de saúde, pesquisa espacial… os militares ocupam posições estratégicas do país depois de eleger Jair Bolsonaro em 2018. Mas, desde então, o chefe de estado, sob a influência de um "Guru", se liberta de sua tutela
Bruno Meyerfeld - Rio de Janeiro (Brasil) - correspondente
Tradução: Julia Otero
“Nós somos os cadetes do Brasil, com peito viril!”, gritam centenas de futuros oficiais brasileiros, metidos em seus uniformes “azulão”, azuis e brancos, com pluma vermelha. Neste sábado, 17 de agosto de 2019, é dia de festa na academia militar das Agulhas Negras: a cerimônia tradicional a cerimônia do sabre ocorre na presença do Chefe de Estado, Jair Bolsonaro.
No pátio do marechal Mascarenhas de Moraes (conhecido como o pátio “P3M”), no sopé dos picos da Serra da Mantiqueira, 170 quilômetros a noroeste do Rio de Janeiro, cada cadete recebe uma réplica da arma transportada, mais de um século atrás, pelo duque de Caxias, fundador e santo padroeiro do exército brasileiro. "Não há emoção ou honra maior como chefe das forças armadas do que presidir esta cerimônia, diz Bolsonaro na frente dos jovens que lhe dirigiam atenção. Como vocês, em 1974, eu também recebi minha espada neste P3M sagrado."
"Muitos chefes de estado participam dessa cerimônia, mas, com Bolsonaro, naturalmente, estava tocante. Ele se formou a partir daqui e tem um relacionamento especial nesta escola. Nós o recebemos como amigo", lembra o comandante Dutra, diretor da Academia das Agulhas Negras, uma grande academia brasileira de prestígio de 67 km2 que, desde 1944, forma a cada ano cerca de 400 oficiais.
OS MEMBROS DE UMA GRANDE FAMÍLIA
O presidente não veio sozinho. Na plataforma meia dúzia de seus ministros estão de pé: todos os militares, generais e capitães, todos os “antigos” das Agulhas Negras. Diante dos cadetes, o presidente lista seus nomes, exalta suas qualidades. Como se apresentasse membros de uma grande família, finalmente reunidos no topo do estado.
Desde o final da ditadura em 1985, nunca os militares estiveram presentes no meio do governo. Até o ponto em que a mídia do país hoje evocam uma "esplanada verde-oliva", a cor das forças armadas para descrever o eixo monumental de Brasília, onde estão localizados o palácio presidencial do Planalto e os vários ministérios.
Além do capitão Bolsonaro e general Hamilton Mourão, vice-presidente, os militares chefiam vários departamentos: os da defesa, mineração e energia, infraestrutura, ciência e comunicação, controle geral de contas públicas (CGU). Eles também desempenham as funções de chefes de gabinete de segurança institucional (GSI, responsável pela segurança e
Inteligência) e Casa Civil, diretamente subordinada ao Presidente e aos que ganharam cargos em escritórios ministeriais.
O Exército, as forças armadas, também aumentou sua presença em todos os níveis de poder. Segundo relatos da imprensa, pelo menos 2.500 soldados estão servindo em escritórios ministeriais, como conselheiros ou secretários. O Ministério do Meio Ambiente, que empregava um soldado antes da chegada da extrema direita, em consideração hoje doze. Oficiais também foram nomeados para presidir várias agências públicas, como os Correios, serviços hospitalares ou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, responsável pelo monitoramento do desmatamento na Amazônia).
"A grande âncora do meu governo, são as forças armadas ", assumiu Jair Bolsonaro, cercado por policiais, durante discurso no Clube Naval de Brasília em dezembro de 2019. Nestes tempos de cortes no orçamento, o Ministério da Defesa é privilegiado: seus gastos aumentaram 10,9% em 2019. O exército é chamado em todas as circunstâncias: extinguir incêndios na Amazônia durante a operação de verão "Brasil Verde" em 2019; restaurar a ordem no estado do norte do Ceará, onde o crime explodiu em Fevereiro; apoiar funcionários da segurança social, oprimida pelo afluxo de casos no início do ano. E claro, hoje para combater a pandemia devido ao coronavírus.
"Estamos testemunhando a militarização do estado brasileiro", diz um oficial preocupado, ex-funcionário, que exige anonimato e lembra que "começou antes de Bolsonaro". Presidente Michel Temer (2016-2018) já havia baseado seu poder nas forças armadas confiando pela primeira vez a cadeira da defesa a um general e aumentou o orçamento para este ministério de 21%. No final de seu mandato, ele também ofereceu o comando de segurança no Rio de Janeiro aos militares.
FAZER UM “OBSTÁCULO AO SOCIALISMO”
Quem são esses soldados chamados à frente por Jair Bolsonaro, responsável, nos termos do Presidente, para "obstruir o socialismo"?
Entre os soldados, há todas as forças (terra, ar, mar), todas as fileiras (generais, tenentes, capitães, almirante etc.), todos os status (ativo, reservistas, aposentados), de todas as regiões (cariocas, paulistas, gaúchos do sul, mineiros do interior ...): um verdadeiro "exército mexicano".
Na realidade, o núcleo central é formado por alguns generais de quatro estrelas da terra, na casa dos sessenta e graduados da Agulhas Negras entre 1975 e 1978, como Jair Bolsonaro (turma 1977). Neste "quartél" muito selecionado, encontramos, entre outros, o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o chefe da Casa Civil (equivalente ao primeiro Ministro) Walter Souza Braga Netto, e ainda Edson Leal Pujol, o discreto comandante-chefe das Forças Armadas.
"Esta é uma geração muito especial", insiste Maud Chirio, historiadora e autora de A política uniformizada. A experiência brasileira, 1960-1980 (PUR, 2016). “Ela foi treinada na academia durante os períodos mais difíceis da ditadura para combater os “vermelhos", travar a guerra contra o comunismo. Seus instrutores eram oficiais que tinham participado da repressão dos primeiros anos de chumbo e da tortura. Mas, saiu das Agulhas Negras e o país se democratizou. Não há mais guerra, mais ninguém para reprimir. Eles têm a sensação ter chegado atrasado para a reunião de história. De ter perdido a ‘“sua” grande guerra.
Frustrados, esses oficiais foram buscar a glória longe do Brasil. No Haiti, precisamente. O Brasil enviou para lá, de 2004 a 2017, a Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah), da qual participaram 35.000 soldados. "Esses oficiais que foram para o exterior se consideram uma elite, pacificadores, muito superiores aos "políticos" corruptos e ineficazes. Então quando o Brasil afundou na crise, alguns se perguntam: "Se eu ajudei o Haiti, por que não o país? ", analisa Christoph Harig, pesquisador na Universidade Helmut-Schmidt, em Hamburgo. De fato, cinco dos onze comandantes da “turma” do Haiti ocupam - ou têm ocupado - uma função dentro do poder bolsonarista.
Por que esses generais orgulhosos se juntaram ao "pequeno" capitão Bolsonaro? De fato, este último tem sido desprezado por seus superiores. Atribuído a várias posições de artilharia, depois de paraquedista do Rio, ele teve uma carreira medíocre. O cadete 531 tornou-se capitão, apelidado de Cavalão por seus colegas, melhor ilustrado por sua atuação em pentatlo ou mergulho (3'42 '' em apnéia) do que por seu gênio militar.
"ENCARNAÇÃO DO MAU EXEMPLO"
Em setembro de 1986, ele se tornou "a personificação do mau exemplo", lembra um oficial. Frustrado com a democratização e a perda de privilégios militares, o capitão quebra o protocolo para publicar uma carta aberta na revista Veja. Sob o título "Os salários são (ou estão) baixos" e uma foto em que posa, com uma boina vermelha e um olhar severo, ele protesta contra a diminuição dos salários, provocando a fúria dos generais. O "amotinado" é punido com uma sanção disciplinar de quinze dias de prisão.
A ruptura é consumida um ano depois. Veja, sempre, afirma, em outubro de 1987, que Bolsonaro seria o co-autor de um plano chamado "Beco sem saída", que planejava detonar bombas em vários quartéis e academias. O requerente nega isso, mas é condenado por um tribunal militar. Absolvido um ano depois, ele deixa o ativo para a reserva, evitando a desonra da exclusão.
"Seu caminho é a política", aconselha um coronel, que acerta na mosca. Eleito vereador em 1988, então deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1990, o "capitão bomba" se destaca como a voz do militar do "baixo clero": tropas, sargentos e corporais. Ele ganhou popularidade no quartel, mas sofreu aborrecimento e humilhação por parte dos oficiais. Durante anos, ele foi banido de academias, quartéis e até áreas reservadas para oficiais. “Os generais nunca amaram meu pai", um de seus filhos, Carlos, repete regularmente.
Sua reconciliação com a equipe teve que esperar até 2011 pela criação, sob a presidência Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores, PT, esquerda), da Comissão Nacional da Verdade encarregada de investigar os crimes da ditadura. "Para nós, foi uma ruptura, um golpe sério e simbólico. Esta comissão era como uma caça às bruxas, uma "Bolivarização" de exércitos. Destruiu nosso relacionamento com o PT ", lembra o general Sergio Westphalen Etchegoyen, 68, um forte gaúcho do sul e ex-chefe de gabinete do exército. "Então sim, quando tocamos na essência da nossa profissão, nós reagimos”, continua ele.
Bolsonaro, sentindo subir a raiva dos quatro estrelas, se comporta como o líder do grupo da anti-comissão. Multiplicando por dezenas suas intervenções sobre o assunto, ele evoca o "Vinte anos de glória" da ditadura, sob aquela em que o povo "aproveitou ao máximo de liberdade e de direitos humanos ", e não hesita em prestar homenagem ao "herói nacional" da época, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais torturadores do regime.
Em sua ascensão política, o capitão recebe apoio discreto de oficiais de alta patente, mas também do Clube Militar do Rio - uma associação muito conservadora de oficiais. O general Eduardo Villas Bôas, comandante chefe do exército, se opõe, no Twitter, em abril de 2018, para uma possível liberação do ex-chefe de Estado Lula, então encarcerado e principal candidato de Bolsonaro à eleição eleição presidencial seguinte: uma incursão sem precedentes na política por um cargo tão alto, de renome por sua moderação.
CONCILIAÇÃO COM AS ALTAS CLASSES
"Os grandes generais do Haiti viram em [Bolsonaro] uma oportunidade de expulsar o PT do poder e salvaguardar seus interesses ", disse um oficial ativo, um conhecedor da elite militar. Nesta grande conciliação, um homem desempenha um papel essencial: General Augusto Heleno, agora um braço O chefe de gabinete de segurança institucional de direita e influente de Bolsonaro, responsável por coordenar as atividades da inteligência. Tem 72 anos, homem de cabelos brancos perfeitamente penteado é uma lenda do exército brasileiro. Esportista emérito, o mais destacado em três escolas emblemáticas do exército, esse general também foi o primeiro comandante da missão da ONU no Haiti. Mais velho e mais radical do que seus colegas no governo, partidário da linha dura repressiva da ditadura jamais escondeu suas convicções de extrema direita. Seu encontro com Bolsonaro remonta à década de 1970, Nas Agulhas Negras, onde ele era um instrutor. Todos os dois “bocas grandes” (falastrões, exibidos, que gostam de ostentar), esportistas e anticomunistas se dão maravilhosamente bem e mantêm um forte vínculo.
O general Heleno é um dos primeiros a quem Bolsonaro confia seus sonhos de ascensão ao poder em um almoço em 2016. "Você acha que eu sou louco?" Ele perguntou ao general, diante de um prato de camarão. Muito pelo contrário: o quatro estrelas se torna seu principal apoio. E montou um "comando" de três generais para apoiá-lo em sua campanha. "A ideia, era estar com pessoas em quem você confia", disse o general Aléssio Ribeiro Souto, 71, ativista de uma escola "anti-socialista" e membro do "comando" que, toda quarta-feira, a partir de janeiro de 2018, reúne-se no piso de um triplex no norte de Brasília. "Foi muito informal. Conversamos até o meio dia, fizemos apresentações ao candidato sobre assuntos de infraestrutura, educação, desenvolvimento, às vezes economia", lembra ele.
Em outubro de 2018, quando Bolsonaro saiu vitorioso da eleição, os generais escolhem os melhores cargos (em francês é utilizada a expressão “cortar, escolher, dividir a parte do leão”- se taille la part du lion - que significa pegar, escolher o maior, o melhor de alguma coisa), coloca seus homens, impõe sua cadência. Reunindo nacionalistas e preocupados com a imagem do país, os militares também trabalharam para moderar seu presidente, aconselhado, por exemplo, a desistir de intervir militarmente na Venezuela, ou para receber uma base militar norte-americana em solo brasileiro.
Eles, no entanto, vão encontrar um forte oponente na pessoa de Olavo de Carvalho. Este ex-astrólogo de 72 anos que vive nos Estados Unidos, que acredita que a Terra é plana e considera os cigarros bons para a saúde, é o mentor da ala ideológica do Governo Bolsonaro, representado, entre outros, pelos filhos do presidente e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. E ele vomita nos militares.
Entre os "Olivas" e os "Olavistas", a guerra é declarada. Em 2019, no Twitter, o guru zomba o vice-presidente geral Mourão dos "cabelos tingidos e uma voz hipócrita ", da “mentalidade golpista" e da "vaidade monstruosa". Os oficiais não se privam de responder contra isso "Trotsky da direita”. "Os olavistas são um grupo fanático que pensam apenas em criar tumulto: o oposto do pragmatismo militar. São inúteis, fantoches", pragueja Paulo Chagas, general de 70 anos com um elegante bigode, francófilo e louco por cavalaria (ele passou pela escola Saumur), que apoia o presidente.
Bolsonaro vence sua culpa, recusando-se a arbitrar, mas acaba se irritando com a supervisão dos generais. Até o confronto na primavera de 2019: General Carlos Alberto dos Santos Cruz, então poderoso Secretário Nacional de Segurança Pública atraiu a ira de Olavo Carvalho, que o chamou de "merda" e "estrume sugado". Sob o fogo de uma intensa campanha de difamação online lançada pelos filhos do presidente, e libertado por Jair Bolsonaro, o general deixa o governo.
O evento correu mal entre os "Olive", porque Santos Cruz não é um qualquer um. Ele comandou a Minustah do Haiti, mas também a missão da ONU no Congo (Monusco), 23.000 soldados da paz, onde ele perdeu a vida. Depois de sua partida, outros seis soldados renunciaram ao governo ou foram demitidos, como os generais Franklimberg de Freitas, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Maynard Marques de Santa Rosa, da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
NEGAÇÃO DA GRAVIDADE DO CORONAVÍRUS
O medo mudou de lado e a hierarquia se inverteu. Bolsonaro, presidente e chefe das forças armadas, "não aceitava mais ser um capitão no meio de generais", explica a jornalista Thais Oyama em seu livro Tormenta (“Tempête”, Companhia das Letras, 2020, não traduzido), escrito no ano de 2019 sobre o poder brasileiro. Contrário às Forças Armadas, ele, por exemplo, aprovou o assassinato, pelo exército General Iraniano Ghassem Soleimani e apoiou o plano de paz para o conflito israelense-palestino de Donald Trump, e continua a negar a gravidade do coronavírus. "Esses policiais esperavam subjugar Bolsonaro e eles falharam. Ele escapa deles. Ele mostrou a eles que não era seu subordinado e que até o mais brilhante dos generais brasileiros pode ser demitido ", acrescenta João Roberto Martins Filho, especialista em exército.
Desde então, os militares obtiveram novas posições do governo como a Casa Civil, em fevereiro, e Bolsonaro permanece muito popular entre a base da instituição. Mas na elite, algo quebrou. "Entre amigos em geral, achamos que ele deveria se controlar, morder a língua antes de falar ", diz o general Paulo Chagas. "Bolsonaro não é soldado há muito tempo. Ele passou dois terços da sua vida na política. É isso o que ele procura, é o poder ", diz seu “camarada" de quatro estrelas, Sergio Etchegoyen.
As forças Armadas poderiam deixar Bolsonaro? Existe, para elas, uma "linha vermelha"? "Os militares começaram a voltar ao poder antes de Bolsonaro. Eles não fizeram tudo isso para sair rapidamente. Se Bolsonaro for longe demais, é ele quem terá que sair”, acredita um oficial, ex-funcionário da presidência, contra a politização do exército. “Pode afetar nosso relacionamento com a população. Perderemos nossa credibilidade, nossa imparcialidade, seremos responsáveis pelo desastre deste governo. A política, não é o nosso terreno”.
O exército brasileiro, do positivismo ao anticomunismo paranóico
Para proteger seus 16.800 km de fronteiras e equipar seus 360.000 soldados, o "gigante" brasileiro gasta apenas 1,5% do seu PIB em defesa - contra 2,1% em média a nível mundial. E, no entanto, por mais de um século que os militares dão o ritmo no país. "Os militares sempre quiseram se intrometer na política e governar. Após a ditadura, sua presença na vida pública foi somente mais discreta ”, destaca João Roberto Martins Filho, especialista militar e professor da Universidade Federal de São Carlos.
Em 15 de novembro de 1889, foram elas quem derrubaram um império sem fôlego e proclamaram a república, dando no país seu primeiro presidente, marechal Deodoro da Fonseca. O brasil foi presidido por dez presidentes do exército, durante trinta e sete anos - mais de um quarto de sua história moderna. O capitão Jair Bolsonaro é qualquer coisa menos uma exceção.
No final do século XIX , o Exército brasileiro é progressista, influenciado pela França e pela filosofia positivista de Auguste Comte. No poder, decreta a separação entre a igreja e o estado, cria o primeiro ministério da educação e proclama o novo lema nacional Ordem e Progresso.
Coluna "vermelha"
O quartel altamente politizado é o cenário de debates fervorosos e revoltas incessantes, muitas vezes para exigir melhores salários. E às vezes em nome de ideais esquerdistas, como, na década de 1920, o movimento Tenentista, liderado pelo capitão Luís Carlos Prestes, o "cavaleiro da esperança", segundo o escritor brasileiro Jorge Amado.
Na cabeça de uma coluna "vermelha" de centenas de soldados amotinados, ele viaja mais de 25.000 quilômetros durante de uma "longa caminhada" através do Brasil, de 1925 a 1927, tentando elevar a população em seu caminho.
Ele levará décadas para profissionalizar essa turbulento tropa. Nesse sentido, a missão militar francesa no Brasil, liderada pelo general Gamelin, no final da Primeira Guerra Mundial, foi decisiva: disciplina reforçada, centralização do comando, treinamento de ponta, desenvolvimento de indústrias essenciais de armamento ... “a nova concepção de defesa abrangeu todos os aspectos relevantes da vida nacional", sublinha o historiador José Murilo de Carvalho em sua obra de referência Forças Armadas e Política no Brasil (Todavia, 2019, não traduzido). A consagração chega durante a segunda guerra mundial. Mais de 25.000 pracinhas são enviados para o front ao lado dos aliados e obter muitas vitórias notáveis nos Apeninos italianos contra Alemanha nazista.
Um episódio fundador
Ideologicamente, positivismo e ideais socialistas foram, depois de muito tempo, abandonados. Ao contrário, segundo Martins Filho, "as forças armadas são marcadas por um anticomunismo paranóico" cujo episódio fundador é a Intentona de 1935. Neste ano, um punhado de militares, principalmente relacionados ao movimento comunista, fomentou um golpe. Dominado rapidamente, este constituirá, no entanto, um trauma que inaugura "a associação de comunismo com o mal, representado como uma doença", diz o historiador Celso Castro em A Invenção do Exército brasileiro (Zahar, 2002, não traduzido). Uma quinta coluna, espreitando nas sombras.
Foi essa "paranóia" que levou militares, escaldados pelo precedente castrista em 1959 em Cuba e com o apoio de Washington, para liderar, em 1964, outro golpe. O presidente de esquerda João Goulart, eleito democraticamente três anos antes, foi derrubado. Os generais, que desejavam o poder mais que tudo, manteve as rédeas do estado por vinte e um anos - a mais longa ditadura militar no subcontinente. A repressão fez oficialmente 434 mortos, em comparação com uma estimativa de 30.000 na Argentina e 3.000 no Chile. O que fez Jair Bolsonaro declarar em 2016 que o erro da ditadura brasileira tinha sido apenas "torturar e não matar".
Luiz Carlos Azedo: Corpo fechado
“Há muita agitação contra a política de distanciamento social. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores”
Os Estados Unidos se tornaram, ontem, o país com mais casos confirmados da Covid-19 no mundo, superando a Itália e a China, com 82 mil registros. O presidente Donald Trump minimizou o fato, com o argumento de que o aumento dos casos se deve à ampliação dos exames. “No fundo, não sabemos quais são os números reais da doença, mas nós testamos um grande número de pessoas e, a cada dia, vemos que nosso sistema funciona”, disse. Trump está preocupado com a economia norte-americana, que corre risco de entrar em profunda recessão. Negociou com o Congresso um pacote de US$ 2 trilhões, que serão injetados na economia e já estão repercutindo positivamente no mercado financeiro mundial.
No Brasil, ontem, o presidente Jair Bolsonaro insistiu na linha de minimizar a doença, a ponto de tripudiar da política de distanciamento social do Ministério da Saúde, que vem sendo seguida por governadores e prefeitos. “Eu acho que não vai chegar a esse ponto”, disse, se referindo aos Estados Unidos. “Até porque, o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”, disse.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos dois dias, o mundo registrou mais de 100 mil novos casos de coronavírus. Ao todo, já são mais de meio milhão de pessoas infectadas. A OMS explicou que os primeiros 100 mil casos da Covid-19 foram registrados em 67 dias, mas foram necessários apenas mais 11 dias para dobrar e atingir 200 mil casos, e outros quatro dias para chegar a 300 mil. Agora, levou dois dias para somar mais 100 mil novos casos ao balanço.
Para reagir à inevitável recessão que a economia mundial sofrerá, o G-20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, do qual o Brasil faz parte, reuniu-se ontem por teleconferência, encontro do qual Bolsonaro tomou parte. A injeção de recursos na economia já programada por esses países deve chegar a R$ 5 trilhões, o que jogou o dólar para baixo de R$ 5 aqui no Brasil, e fez a Bovespa subir 3,67%, chegando a 77,709 pontos.
Desobediência civil
Nas redes sociais, há muita agitação contra a política de distanciamento social adotada pelas autoridades de saúde. Os aliados de Bolsonaro partiram para cima de prefeitos e governadores, estimulando a desobediência civil, o que se traduziu em mobilização de comerciantes, empreendedores e trabalhadores informais nas redes sociais. Com a virada do mês, a falta de dinheiro por causa dos negócios parados aumentou a tensão social, que pode transbordar do ambiente virtual para as ruas. Será muito difícil manter a quarentena a partir deste fim de semana, com o clã Bolsonaro comandando a mobilização contrária. Se isso ocorrer, será uma tragédia.
A posição de Bolsonaro sobre a epidemia contraria a política da Organização Mundial de Saúde (OMS), que recomenda que as pessoas não saiam de casa, a fim de conter a velocidade de propagação da epidemia. Bolsonaro defende uma espécie de salve-se quem puder: “A quarentena vertical tem que começar pela própria família. O brasileiro tem que aprender a cuidar dele mesmo, pô”, disse. É mais ou menos como fez o coronel Pedro Nunes Batista Ferreira Tamarindo (1837-1897) na Guerra de Canudos. Os habitantes do arraial, comandados pelo líder religioso Antônio Conselheiro, já haviam rechaçado duas expedições do Exército, entre outubro de 1896 e janeiro de 1897. Mas a derrota da terceira expedição, uma força de 1.300 homens comandada por um dos heróis da Guerra do Paraguai, o coronel Moreira César, o Corta-Cabeças, foi um espanto.
Moreira César era um militar que se esvaía “na barbaridade revoltante”, segundo Euclides da Cunha em Os Sertões. Quando foi capitão, participou do linchamento de um jornalista, Apulcro de Castro. Encarregado de reprimir duas rebeliões contra o governo Floriano Peixoto (a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro, e a Revolução Federalista, em Santa Catarina), executou prisioneiros indefesos. Entrou em batalha de salto alto: “Vamos almoçar em Canudos”, anunciou antes de invadir o arraial. O coronel Tamarindo, que assumiu o comando da terceira expedição após a morte de Moreira César, entrou para a história ao comandar a debandada: “É tempo de murici, cada um cuide de si…”. Como Moreira Cezar, foi esquartejado pelos jagunços.
Ontem, a Câmara aprovou um auxílio mensal de R$ 600 a ser pagos aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa durante a crise gerada pela pandemia. O valor inicial proposto pela equipe econômica era de R$ 200, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), propôs aumentar para R$ 500, com o argumento de que a proposta do governo era “muito pequena”. Ao saber disso, Bolsonaro não quis ficar para trás: “Está em R$ 500, pode subir para R$ 600. Vê lá com o Guedes”, disse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por enquanto, é o grande mudo nas polêmicas sobre a mudança na política econômica.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-corpo-fechado/
Luiz Carlos Azedo: O soldado mais lento
“Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social da Saúde, o ministro Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro”
Reza a cartilha da infantaria que o ritmo da coluna depende do soldado mais lento, o comandante apenas orienta o rumo da marcha, pois, se acelerar demais, a tropa se dispersa pelo caminho. Formado numa unidade de elite — a Brigada de Paraquedista —, o presidente Jair Bolsonaro conhece os manuais, mas foi treinado para lutar na retaguarda do inimigo, sem front de batalha definido, improvisando muito para chegar aos objetivos. É mais ou menos o que está fazendo na crise do coronavírus, depois de se dar conta de que estava sendo o soldado mais lento, em vez de comandar a coluna.
O bate-boca com o governador de São Paulo, João Doria, que está no epicentro da epidemia, ontem, desnudou as preocupações de Bolsonaro no surpreendente pronunciamento de terça-feira à noite, no qual atacou governadores, prefeitos e a imprensa e criticou a política de distanciamento social: as eleições de 2022. O presidente da República viu na atuação de Doria uma ameaça ao seu projeto de reeleição, porque se deu conta de que a recessão é inevitável, não somente por causa da política de isolamento social: o Brasil já vinha num voo de galinha, frustrando as expectativas geradas pela sua própria eleição, em 2018.
Bolsonaro resolveu mirar a retaguarda dos governadores e prefeitos: os 40 milhões de pessoas ameaçadas de ficarem desempregadas, falidas ou sem nenhuma outra atividade, em razão da crise. A recessão, que está vindo a galope, chegaria de qualquer maneira, porque estamos diante do que pode ser a maior crise da economia mundial desde a Grande Depressão. Se não descobrirem logo uma remédio eficaz para os contaminados e uma vacina que imunize os demais, será inevitável, a não ser que haja uma ação coordenada dos governos das principais economias para mitigar os efeitos da retração global.
Seu discurso teve muita repercussão nas redes sociais e atingiu plenamente o alvo: jogou a culpa da recessão futura nos governadores e prefeitos. Bolsonaro lida com a morte como uma contingência inevitável. Prefere um ciclo breve de epidemia, com uma taxa de letalidade em torno de 3% a 5%, do que uma recessão dessa mesma ordem. Bolsonaro não é médico, que também lida racionalmente com a morte, mas com uma visão humanista, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), um aliado de primeira hora, que, ontem, rompeu com o presidente da República e questionou a autoridade de Bolsonaro para tomar decisões de ordem sanitária.
Entretanto, Bolsonaro faz política pelas redes sociais, que reagiram sob seu comando. Os partidários do presidente ganharam uma nova narrativa, saíram da defensiva e partiram para cima dos governadores e prefeitos, melhorando muito o nível de aprovação de Bolsonaro, que havia despencado nesse ambiente das redes sociais. A aposta no confronto aberto, porém, politizou a epidemia e manteve o clima de polarização eleitoral na sociedade, ainda que de forma completamente extemporânea.
Economia
Enquanto governadores e prefeitos mantêm a política de distanciamento social recomendada pelo Ministério da Saúde, o ministro Luiz Henrique Mandetta manobra para não entrar em rota de colisão com Bolsonaro e acabar moído no confronto. Outros atores também se movimentam. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), negocia a aprovação de cortes de despesas nos três Poderes, inclusive redução temporária de salários de servidores, para destinar mais recursos para a saúde. Esse pacote está sendo elaborado pelo secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mergulhou. Está sendo eclipsado também pelo presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, e pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, que já estão sendo cotados para substituí-lo. Guedes é um ultraliberal, dificilmente aceitará uma guinada keynesiano na economia que contrarie frontalmente seus princípios.
Outro personagem importante se movimentou na crise, o vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu o isolamento social como uma política de governo, ao contrário de Bolsonaro. Nos bastidores, comenta-se que seu pronunciamento havia sido combinado com os generais que hoje compõem o Estado-maior do Palácio do Planalto. Na véspera, o comandante do Exército, Leal Pujol, fez um pronunciamento que gerou muitas especulações: “O braço forte atuará se for necessário. E a mão amiga estará mais estendida do que nunca aos nossos irmãos brasileiros”, disse. Trocando em miúdos, reafirmou que a Força é uma instituição do Estado e está em condições operacionais para promover a ajuda humanitária e conter distúrbios sociais, além de evitar que a epidemia chegue aos quartéis e às famílias dos militares.
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