Militares

Ascânio Seleme: O que Bolsonaro faria

Do Império à República: alguns capítulos da história sob a ótica do atual presidente

Num exercício livre de reflexão, comecei a imaginar como seriam contados alguns capítulos da História do Brasil se Jair Bolsonaro estivesse nos sapatos de outros líderes brasileiros desde o fim do Império. Acho que seria mais ou menos assim:

Pedro II - Se fosse Bolsonaro e não Dom Pedro II o último imperador do Brasil, a República poderia demorar um pouco mais a acontecer. Bozo I iria puxar tanto o saco dos militares que talvez conseguisse demover o marechal Deodoro da Fonseca de fazer a proclamação em 1889. Poderia, de outro lado, provocar uma guerra civil se ouvisse a princesa Isabel e o conde D’Eu, que pediam uma reação armada. Antes disso, vetaria a Lei Áurea.

Deodoro da Fonseca - Daria o golpe, claro. Derrubaria o Império e fundaria uma república militar, onde civil ficasse sempre do lado de fora.

Delfim Moreira - Ao contrário do velho presidente, Bolsonaro não levaria a sério a gripe espanhola. Demitiria Carlos Chagas do Serviço de Saúde Pública e nomearia um general para o seu lugar. Os 35 mil mortos feitos pela epidemia em 1918, subiriam para mais de 300 mil no ano seguinte.

Getulio Vargas - Seria um ditador muito mais violento que o velho caudilho. Da mesma forma que Getulio, teria seus guarda-costas e deixaria seus filhos e parentes à vontade perto dos cofres públicos. Na Segunda Guerra, apoiaria Hitler e acabaria sendo derrubado pelas Forças Armadas aliadas. Morreria na prisão, não sendo portanto, eleito anos depois para um mandato democraticamente adquirido, o que não era mesmo o seu forte.

Jânio Quadros - Seria igual ao maluco da vassoura. Mas não renunciaria, nem de mentirinha, em razão do perigo de seu blefe ser aceito e ele vir a ser substituído por um vice “comunista”. Como Jânio, nenhuma dúvida que o nosso parvo trocaria os pés pelas mãos.

Castelo Branco - Golpe é com ele mesmo. Diferentemente de Castelo, seria difícil retirar o capitão do cargo para iniciar o rodízio de generais.

Costa e Silva - Baixaria o AI-5 sem qualquer dúvida. Rindo. E nem se incomodaria em ter o aval do Ministério. Seria uma decisão que tomaria apenas com seus generais. Imaginem a farra que faria se tivesse tanto poder. Cassaria, prenderia e mandaria matar uns 30 mil. Despacharia de farda.

Emílio Médici - Se fosse Médici, Bolsonaro não apenas apoiaria a linha dura, seria membro efetivo do porão. Se pudesse, subiria até a “Casa da Morte”, em Petrópolis, para dar umas porradas naqueles comunistas safados, arrancar um par de unhas. Iria em carro aberto na companhia do coronel Brilhante Ustra, que seria o chefe da “sua” Polícia Federal.

Ernesto Geisel - No lugar de Geisel, jamais iniciaria a abertura, nem lenta, nem gradual, nem coisa nenhuma. Faria do general Sílvio Frota o seu sucessor para endurecer ainda mais o regime.

Tancredo Neves - Impossível fotografá-lo nos sapatos de Tancredo. Bolsonaro jamais conseguiria se adaptar ao papel democrático e tolerante do presidente que nunca assumiu o mandato. Mas, se estivesse no lugar do mineiro, manteria o colégio eleitoral para sempre.

Fernando Collor - Se tivesse um Paulo César Farias ao lado, cumpriria o mesmo roteiro de Collor. De caráter frágil e sem a transparência dos dias de hoje, Bolsonaro deixaria o PC roubar.

Fernando Henrique - Como o tucano, trabalharia por um segundo turno. E depois por um terceiro e quarto. Mas não seria no Congresso. Ao contrário do verdadeiro FH, jamais escreveria ou leria um livro.

Lula - Como Tancredo, é quase impossível pintar Bolsonaro nas cores do Lula. Talvez ele seguisse a política de cotas do PT, mas apenas pelo aspecto político-eleitoral. Ao contrário de Lula, sua preocupação com pobre e com quem tem fome é só da boca para fora.

A conclusão eu deixo para vocês. A mim coube apenas desenhar as hipotéticas situações acima elencadas. Se não foi útil, espero que pelo menos tenha sido curioso.

Como é?

Na sua primeira fala depois de indicado para o Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga disse que a política da Saúde quem faz é o presidente, não o ministro. Que política, Queiroga? Falta quase tudo no governo de Bolsonaro, inclusive inteligência, discernimento, tolerância e capacidade de negociação. Mas, antes de qualquer coisa, falta-lhe política para a saúde pública em meio a uma epidemia que já fez 290 mil mortes. Por isso, aliás, o presidente negacionista agora é também chamado de genocida, e não só por Felipe Neto. Virou uma febre nas redes sociais. Ao assumir o ministério e entregar suas diretrizes ao chefe, Queiroga associa-se ao genocídio brasileiro.

De boas

A nomeação de Queiroga desagradou a quase todo mundo. Parlamentares, governadores, prefeitos e profissionais de Saúde reclamaram da indicação. Principalmente depois de ouvirem do próprio indicado que iria “dar continuidade” ao trabalho do incompetente general que deixou o cargo e que seguiria a política (?) de Bolsonaro. Até o Centrão fez cara feia. Somente o sogro do senador das rachadinhas, amigão do novo ministro, ficou feliz. Ponto para o zerinho, porque nunca é demais ficar de boas com o sogrão. E o Brasil? Bom, o Brasil a gente vê depois.

Reserva

Os generais do Alto Comando do Exército querem que Pazuello vá para a reserva, mesmo que não assuma nenhum cargo no governo. Não são bobos, esses generais.

Terra plana

Bem lembrado por Ancelmo Gois. Quinta-feira fez um ano que o deputado Osmar Terra disse que a Covid-19 mataria menos do que o H1N1. Um homem que abandonou a medicina nos anos 1980 para fazer política sindical e depois partidária, posou de entendido no início da pandemia. Queria ser ministro. Se deu mal o ex-médico. Bolsonaro encontrou outro mais “terraplanista” do que ele.

Morrem mais

Negacionistas morrem mais porque se expõem mais. Nenhuma novidade. Por que, então, o espanto com a morte por Covid-19 de John Magufuli, presidente da Tanzânia? O Bolsonaro tanzaniano cumpriu a jornada que lhe cabia.

Clube dos zerinhos

Por ora, apenas onde o capitão fraquejou não apareceram malfeitos, inquéritos, investigações policiais e indiciamentos. A turminha boa aprecia uma farra com dinheiro público ou desviado de terceiros, além, é claro, de adorar um traficozinho de influência. Os zeros bravateiros também gostam muito de agredir instituições, sobretudo as democráticas. Bem-vindo ao clube, Jairzinho.

Fome

As reportagens sobre a fome no Brasil publicadas nos diversos jornais da TV Globo e da GloboNews mostraram que são inúmeros os brasileiros solidários, que se esforçam além do limite para reduzir a dor alheia. Enquanto isso, governo e Congresso levaram três meses para retomar o auxílio emergencial para quem precisava dele com urgência. Em abril, aqueles que pararam de comer em janeiro, poderão voltar à mesa.

Pergunte a Jesus

Os cristãos de bom coração deveriam se perguntar como Jesus reagiria se soubesse que os senhores do templo podem embolsar integralmente o dinheiro dos fiéis, sem precisar devolver sequer parte dos valores arrecadados na forma de imposto. E o que ele diria se todas as multas por falcatruas aplicadas contra igrejas fossem extintas. Deveriam também se lembrar das imagens de Edir Macedo ensinando “bispos” novatos a extorquir os seus crentes e depois contando dinheiro de doações esparramado pelo chão. Ou daqueles sacos de dinheiro sendo embarcados num helicóptero para fora do templo.

Gravíssima

As tentativas de intimidação a Felipe Neto e aos manifestantes de Brasília que chamaram Bolsonaro de genocida valem tanto quanto um caroço de pequi roído. Nunca prosperarão. Grave, gravíssima, é a instrumentalização da Polícia Civil, que correu para atender o zerinho municipal contra o youtuber, em flagrante ilegalidade, e da PM, que despencou para obedecer comando do Planalto e enquadrar os que protestavam. Com a Polícia Federal já dominada, restam juízes, tribunais e a defensoria pública (obrigado) para conter autonomias indevidas e perigosas. Tirania nunca mais.


Foto: Beto Barata\PR

Eurípedes Alcântara: Vitória do tribalismo?

De todos os meus vícios mentais, o mais evidente é o otimismo. Vício, sim, pois o pessimista só tem boas notícias. De um amigo, poderosa antena assestada sobre os rumos do Brasil, recebi este comentário: “Não se iluda, se surgir uma nova liderança pregando um mínimo de união. Seja ela quem for, todas as ‘tribos’ repentinamente parariam de brigar para, atipicamente juntas, detratarem essa nova liderança e, na sequência, voltarem a guerrear”.

Parei para pensar e tentar refutar esse grave diagnóstico. Li as manchetes dos jornais e, nelas, não encontrei motivos para rebater meu amigo. Reli os artigos de opinião. Fui aos comentários dos leitores e, finalmente, às redes sociais. Nada. A sensação generalizada agora é muito parecida com aquela predominante no começo do século XX e que havia sido, meio sem querer, profetizada por Marx e Engels no Manifesto Comunista: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Darwin demonstrara que somos macacos nus e não anjos decaídos. Freud nos tirava o comando do próprio destino entregando-o ao inconsciente, enquanto Einstein promovia a dessacralização das leis naturais.

O mundo pareceu a seus habitantes estar sendo virado de cabeça para baixo. A reação foi terrível. Um período arejado em que se podia viajar pelo mundo usando como passaporte documentos triviais, como uma carta de apresentação do prefeito da sua cidade, foi seguido de fechamento de fronteiras e da Primeira Guerra Mundial. Uma inédita cadeia global de tolerância foi rompida, e os países se fecharam em feudos. O medo e a desconfiança passaram a ser a tônica das relações.

É quase inacreditável, mas isso pode estar se repetindo agora e, pior, com a ajuda do fabuloso arranjo tecnológico a que chamamos internet. O neotribalismo é assustador por causa da internet. Nascida como Arpanet no Pentágono norte-americano, que buscava uma forma de comunicação descentralizada capaz de resistir a bombardeios nucleares estratégicos, a rede mundial de computadores foi cooptada por corações e mentes libertárias.

O físico britânico Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web, é o pioneiro da internet que melhor representa o roubo do fogo dos deuses, no melhor estilo “Prometeu acorrentado” da tragédia grega de Ésquilo, escrita quase 500 anos antes de Cristo. Berners-Lee imaginou a internet como um sistema complexo de pessoas interconectadas, capaz de unir a diversidade de pensamento com o objetivo de resolver os grandes desafios comuns da humanidade. Em parte, a previsão de Berners-Lee se realizou em projetos extraordinários de colaboração planetária, como o que levou à produção de vacinas eficazes contra a Covid-19 menos de um ano depois do sequenciamento genético do vírus.

Mas a internet está permitindo também boicotes ideológicos nada libertários aos centros tradicionais de autoridade que nos trouxeram até aqui — principalmente ofensivas bárbaras contra os métodos normativos de produção de conhecimento. É preciso lembrar que Darwin e Einstein revolucionaram a ciência, mas com obediência plena ao método científico. O que se vê agora são ataques a processos de tirar lições da experiência e de modificar os esquemas mentais, de modo que dialoguem racionalmente com a realidade — aquilo que o francês Edgar Morin chama de “oscilação constante entre o lógico e o empírico”.

O otimismo é fácil de explicar. O pessimismo exige mais das palavras, como você, caro leitor, testemunhou acima, espero que sem se decepcionar. Cutucado pela mensagem que abre a coluna, exasperei-me com o que parece ser o triunfo do tribalismo via internet, nos condenando ao “todos contra todos” hobbesiano em que, fechados em nossas cidadelas, estamos nos lixando para o resto.

O otimista em mim pode estar começando a ceder à realidade brasileira. Respondi ao amigo: “Muito boa análise. Triste conclusão, com a vitória do tribalismo sobre o bem comum”.


Pablo Ortellado: Outra vez o espectro do golpe

Mais uma vez, Bolsonaro invocou o espectro do golpe de Estado. Ele preparou um elaborado roteiro de ações e respostas que pode resultar em mais uma ameaça às instituições democráticas.

O roteiro tem seu primeiro ato na live do dia 11 de março. Nela Bolsonaro acusa governadores e prefeitos de tomarem “decisões absurdas” sobre o isolamento social, que equivaleriam a um estado de sítio, uma grave subtração do direito de ir e vir. Bolsonaro lembra em seguida que é a pessoa mais importante na cadeia de comando e avisa: “Não podemos deixar isso acontecer! Faço o que o povo quiser. Devo lealdade ao povo. Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas!”.

Nos dias seguintes, meios bolsonaristas passam a divulgar vídeos com trechos da live dizendo que “Bolsonaro deu a senha”, que, se “o povo” pedir uma intervenção militar, Bolsonaro vai atender.

Manifestações são chamadas para o domingo (14) e a segunda (15), no centro das cidades e em frente aos quartéis, mas sem o apoio dos grandes canais e dos grandes influenciadores monitorados pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos.

As manifestações não são muito significativas, mas tampouco são inexpressivas.

No começo da semana, no cercadinho, questionado sobre o que tinha achado dos protestos, Bolsonaro diz que gostou muito, que “o povo está vivo”.

Na live da última quinta-feira (18), Bolsonaro enaltece a “manifestação espontânea” que “vem do coração do povo”. Em seguida, retoma a retórica da senha e diz que “o que o povo quer, a gente faz” e, depois, constata que “o povo disse nas ruas que quer trabalhar”.

Bolsonaro anuncia então duas medidas: uma ação de inconstitucionalidade no Supremo contra a imposição de medidas de restrição de mobilidade pelos governadores e um projeto de lei no Congresso estabelecendo toda forma de trabalho como essencial. Se Supremo e Congresso acatarem as medidas, diz Bolsonaro, se “restabelece a ordem no Brasil”.

Na sexta-feira (19), no cercadinho, Bolsonaro retoma a imagem de governadores decretando estado de sítio e alerta que chegará o momento de medidas “duras”, “para dar o direito do povo trabalhar”.

As duas medidas anunciadas na quinta, porém, estão fadadas ao fracasso. Não há a menor chance de o STF impedir governadores e prefeitos de decretar medidas de restrição à mobilidade no momento em que pandemia está tirando mais de 2 mil  vidas por dia. Não há tampouco qualquer chance de o Congresso desfazer a distinção entre trabalhadores essenciais e não essenciais, que permite que se paralisem as atividades econômicas seletivamente.

Bolsonaro não propôs essas medidas para que sejam aprovadas, mas para depois dizer que tentou a via institucional e foi deixado com as mãos amarradas, só lhe restando as “medidas duras”.

Mais uma vez, prepara a justificativa para uma eventual ruptura institucional. Mais uma vez, o pretexto é a preservação da democracia e das liberdades, com o respaldo do “povo” —ainda que se trate apenas de um punhado de militantes.


Luiz Carlos Azedo: Covid-19 traumatiza o Congresso

Bolsonaro continua sabotando os esforços de governadores e prefeitos para reduzir a propagação do vírus com medidas mais rígidas de isolamento social

A morte do senador Major Olimpio (PSL-SP) traumatizou o Congresso, principalmente o Senado, cujo presidente, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decretou luto oficial de 24 horas no Legislativo. Na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) restringiu ao máximo o funcionamento da Casa: proibiu reuniões presenciais das comissões e ampliou o trabalho em home office dos funcionários. Com a morte do terceiro senador por covid-19, a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro para uma mudança na política sanitária aumentou muito. Mesmo na base do governo, a insatisfação é generalizada.

Major Olimpio foi o terceiro senador a falecer vítima da doença, com a diferença de que, aos 58 anos, era bem mais jovem do que Arolde de Oliveira (PSD-RJ), que faleceu em outubro, aos 83 anos, e José Maranhão, de 87 anos, que morreu em fevereiro passado. Dois senadores também contraíram a covid-19, provavelmente na mesma reunião com prefeitos da qual participou Major Olimpio: Lasier Martins (Podemos-RS), que teve alta do Hospital São Lucas, em Porto Alegre, ontem, após 13 dias de internação; e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que deve receber alta hoje, depois de ser internado na semana passada.

Com a falta de empatia que o caracteriza, o presidente Jair Bolsonaro deu novas declarações colocando em dúvida as informações sobre ocupação de leitos de hospitais, além de criticar, mais uma vez, a política de isolamento social. Suas declarações geraram reações de governadores e prefeitos, ainda mais porque os hospitais, por causa das UTIs lotadas, estão começando a esgotar os estoques de oxigênio e medicamentos usados na intubação de pacientes. Numa live, Bolsonaro anunciou que a nomeação de Marcelo Quei- roga para o Ministério da Saúde será publicada hoje no Diário Oficial da União. O novo ministro está tendo dificuldades para montar sua equipe de trabalho e terá de atuar com o grupo de militares que assessoravam o general Eduardo Pazuello, até que encontre co- legas dispostos a assumir a responsabilidade de combater a pandemia.

Senado Federal decretou luto oficial de 24 horas, no âmbito da Casa, pela morte do senador Major Olimpio (PSL-SP). Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Bolsonaro continua sabotando os esforços de governadores e prefeitos para reduzir a propagação do vírus com medidas mais rígidas de isolamento social: “Tem um pessoal que continua insistindo no fique em casa e outros que querem trabalhar por ne- cessidade. Eu acho que ficar em casa é uma coisa bacana, quem não quer ficar de férias em casa aí? Mas pouquíssimas pessoas têm poder aquisitivo para ficar sem trabalhar”, disse. Insiste em res- ponsabilizar as medidas sanitárias pela crise econômica: “Temos no Brasil servidores públicos, civis e militares, que podem ficar em casa, que, por enquan- to, não veem sua remuneração, proventos, aposentadorias, pensões ameaçadas. Agora, uma grande parte dos brasileiros, os que vivem na formalidade, com carteira assinada, perde emprego, tem redução de salário.” Chegou a dizer que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra as medidas de isolamento, o que será mais um fator de tensão institucional, em nada contribuindo para o enfrentamento da crise sanitária.

Banco do Brasil

O presidente do Banco do Brasil (BB), André Guilherme Brandão, entregou o cargo ontem, por discordar da interferência do presidente Jair Bolsonaro na instituição. É mais uma baixa importante na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, cada vez menos liberal e mais pragmática. É o segundo presidente do banco a deixar o cargo por divergências com o chefe do Executivo. Para evitar especulações sobre o perfil do novo presidente do banco, o Ministério da Economia anunciou que o cargo será assumido pelo atual diretor do BB Consórcios, Fausto de Andrade.

Bolsonaro quer reforçar o papel social do Banco do Brasil, sendo contrário ao fechamento de agências, apesar da informatização cada vez maior do sistema bancário. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, tem o perfil desejado por Bolsonaro, que não cansa de elogiá-lo pelo desempenho na distribuição do auxílio emergencial, apesar do alto número de fraudes já identificadas. Fausto de Andrade será o terceiro presidente do Banco do Brasil em pou- co mais de dois anos do governo Bolsonaro. Antes de Brandão, ocupou o cargo Rubem Novaes. O mercado e os funcionários temem a instrumentalização do banco para fins eleitorais.

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"Bolsonaro não é só um mau soldado. É um fascista incapaz", afirma Alberto Aggio

Em entrevista exclusiva à Política Democrática Online de março, professor da Unesp avalia o governo do presidente como “ameaçador à democracia”

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O historiador e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “gostaria de ser um líder fascista, mas ele fez a vida dentro do Estado, como militar e como parlamentar”. A declaração ocorreu em entrevista exclusiva publicada na edição de março da revista Política Democrática Online.

Confira a Edição 29 da Revista Política Democrática Online

Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

“Fascismo caricatural”

Mestre e doutor em História pela USP (Universidade de São Paulo), Aggio afirma que “o fascismo de Bolsonaro é caricatural”. “Sua inclinação é muito mais tradicionalista, de uma sociedade fechada. Bolsonaro é o anti-Popper, é visceralmente contra a sociedade aberta”, critica o professor.

Aggio, que é diretor do blog “Horizontes Democráticos”, voltado para o debate da política contemporânea no Brasil no mundo, também afirma que o presidente é “um pragmático”. “Mas por ser mentalmente restrito é alguém que não tem capacidade de ampliação pelo que ele representa. Em suma, não é efetivamente um líder”, analisa.

Com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália), o historiador afirma que, pelos acordos políticos que estão conseguindo impedir o impeachment, Bolsonaro pode conseguir a reeleição. Mas com uma condição: “Se seus opositores errarem muito, e infelizmente sabemos que isso pode acontecer”, afirma.

Agruras

Na entrevista à revista da FAP, Aggio explica que o fascismo nasceu da sociedade, das agruras do pós-Primeira Guerra. No fundo, de acordo com ele, “Bolsonaro é não só um mau soldado, como disse o General Geisel, mas é também um fascista incapaz”.

Segundo o entrevistado, além da ligação com os militares, a vinculação do presidente com a religião é instrumental, a pauta de costumes reacionária, tradicionalista. “Bolsonaro espelha melhor um regime autoritário a la Salazar ou Franco, do que a la Mussolini ou Hitler, esses, sim, carregaram um projeto ativo e moderno de mundialização, mas foram derrotados”, diz.

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Luiz Carlos Azedo: Apagão logístico na Saúde

Queiroga assume o ministério deslumbrado com o cargo e alinhado com Bolsonaro, mas completamente perdido diante da gravidade da crise sanitária

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assume o cargo em meio a um apagão logístico: faltam vacinas, mesmo com o escalonamento da programação, leitos, respiradores, oxigênio, material para intubação, sedativos e pessoal treinado em várias regiões do país. Em São Paulo, o estado com mais recursos, maior rede hospitalar e principal produtor de imunizantes do país, a situação é dramática, com uma morte a cada dois minutos. Queiroga fez, ontem, um discurso ambíguo, no qual defendeu a “política de saúde do presidente Jair Bolsonaro” e, ao mesmo tempo, destacou a importância das “evidências científicas” na condução da pasta, o que é uma contradição. Bolsonaro é contra as medidas de governadores e prefeitos para conter a propagação do vírus e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). Está deslumbrado com o cargo, mas completamente perdido diante da gravidade da situação.

Com a saída de Pazuello, não haverá uma transição, mas continuidade da política que estava sendo implementada por ele. Nenhuma mudança na equipe do ministério, formada por militares, foi anunciada. O novo ministro assumiu a pasta no dia em que o Brasil registrou 2.841 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, recorde absoluto desde o início da pandemia, e 84.362 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Com isso, o número de vítimas fatais da doença chegou a 282.128, e o total de casos, a 11,603 milhões. Falta uma coordenação nacional de combate à pandemia, agravada pelo fato de que o presidente Bolsonaro estimula a desobediência civil e o desrespeito às medidas de isolamento social.

Rio Branco, Rio de Janeiro, João Pessoa, Macapá e Aracaju interromperam a aplicação da primeira dose da vacina contra a covid-19 porque o estoque acabou. Maceió suspendeu a imunização programada para ontem. Em Belford Roxo (RJ), milhares de pessoas se aglomeraram nos postos de vacinação sem conseguir receber a dose, todos idosos. Até agora, o Brasil vacinou cerca de 10 milhões de pessoas, o que equivale a 4,7% da população. É muito pouco, porque a chamada P1, originária de Manaus, já se espalhou por todo o país. Esse vírus mutante é responsável pelo novo perfil da pandemia, com taxa de contaminação mais alta e letalidade maior. Também está hospitalizando pacientes mais jovens, por longo tempo.

Falta de insumos
Em São Paulo, foram 679 novas mortes provocadas pela covid-19 em 24 horas, a maior taxa desde o início da pandemia. O estado totaliza 64.902 óbitos causados pelo coronavírus. Nessa escalada, será inevitável um lockdown em muitas cidades, pois 90% dos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) para covid-19 estão ocupados. O índice considera hospitais públicos e particulares. Na Grande São Paulo, a taxa média é ainda maior, 90,6%. Em todo o estado, 69 cidades já alcançaram 100% de ocupação de leitos de UTI. São 24.992 pessoas internadas, sendo 10.756 em UTIs e 14.236, em enfermaria.

No Rio Grande do Sul, foram 502 óbitos nas últimas 24 horas. É o maior registro diário em toda a pandemia. A taxa de ocupação dos leitos de UTIs estava em 109,6%. Dos 3.461 pacientes hospitalizados em leitos críticos, 2.534 são de pessoas confirmadas com covid (73,2%). Na rede privada, a situação é ainda mais grave: 135% das vagas de UTI adulto estão ocupadas. No Sistema Público de Saúde (SUS), a taxa é de 99%. Faltam equipamentos; os profissionais de saúde estão esgotados e adoecendo.

Em Mato Grosso, faltam respiradores. Em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, médicos que trabalham na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Bairro Ipase desmontaram estetoscópios para usar a mangueira do aparelho como mangueira de oxigênio, já que o insumo está em falta. No Ceará, todos os hospitais da rede privada de Fortaleza estão em colapso, com 100% dos leitos de enfermaria e UTI ocupados. No Paraná, 28 hospitais de Curitiba e região estão em colapso, mesmo com o lockdown. Em Santa Catarina, faltam bloqueadores neuromusculares e anestésicos para a realização de intubação de pacientes em tratamento contra a doença. Acabaram os estoques de medicamentos, como Rocuronio, Propofol e Atracúrio.

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Luiz Carlos Azedo: A crise continua

A troca de ministro não está ocorrendo para mudar a política sanitária ou porque Bolsonaro estava insatisfeito com Pazuello, mas para evitar a instalação de uma CPI na Saúde

O presidente Jair Bolsonaro indicou o médico paraibano Marcelo Queiroga, presidente da Associação Brasileira de Cardiologia, para o cargo de ministro da Saúde, no lugar do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, que deve voltar à caserna. Foi o desfecho de três dias de muita confusão e intensa fritura do militar, que atuou de forma desastrada à frente da pasta, seguindo cegamente a orientação do presidente da República durante a pandemia da covid-19. Queiroga assumirá o cargo sob forte desconfiança, depois da recusa da médica goiana Ludhmila Hajjar, que fora convidada por Bolsonaro, mas recusou o convite por discordar da orientação do chefe do Executivo.

O convite à cardiologista e intensivista do Hospital das Clínicas foi um tiro no pé. Hajjar pretendia promover um choque de gestão à frente do Ministério da Saúde, defendendo a criação de leitos e preparação das equipes de atendimento à covid-19; o apoio ao lo- ckdown decretado por governadores e prefeitos; a formação de um comitê de crise 24 horas para apoiar as demais autoridades do Sistema Único de Saúde (SUS); e mobilização das sociedades médicas, a rede de saúde privada e as empresas para combater a pandemia. A médica também é contrária ao uso de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada no “tratamento precoce”, defendendo um protocolo unificado de atendimento aos pacientes de covid-19 que adote as melhores práticas comprovadas.

As conversas entre Bolsonaro e Hajjar, no domingo e ontem pela manhã, foram um desastre, por causa das divergências entre ambos e do fato de que os bolsonaristas fizeram intensa campanha de difamação contra a médica, que sofreu ameaças de morte e até tentativas de invasão do seu quarto no hotel de Brasília, onde pernoitou. Ingenuamente, estimulada por políticos e autoridades de quem tratou de covid-19, Hajjar imaginou que Bolsonaro estava disposto a mudar a orientação do Ministério da Saúde. Suas posições críticas em relação à pandemia eram públicas e conhecidas. Frustrada pelo fato de que o presidente não pretende mudar a orientação do Ministério da Saúde e assustada com os ataques que sofreu dos partidários do chefe do Planalto, Hajjar resolveu revelar à imprensa a conversa com Bolsonaro e denunciar as agressões dos bolsonaristas, reiterando, também, suas posições sobre o combate à pandemia.

Bolsonarista raiz
Com as horas contadas no cargo, Pazuello fez uma prestação de contas de sua atuação à frente da pasta na tarde de ontem. Focou na aquisição de vacinas contra covid-19, cujo atraso está sendo desastroso. Em nenhum momento reconheceu seu fracasso ou fez autocrítica. Na verdade, a troca de ministro não está ocorrendo para mudar a política do Ministério da Saúde ou porque Bolsonaro estava insatisfeito com Pazuello. O general foi defenestrado porque os líderes do Congresso exigiram sua substituição para evitar a instalação de uma CPI voltada a investigar a sua atuação à frente da pasta, como deseja a oposição.

Enquanto Pazuello concedia sua entrevista de despedida, Queiroga se reunia com Bolsonaro no Palácio do Planalto. Logo depois, o próprio presidente anunciou sua indicação: “Foi de- cidido, agora à tarde, a indicação do médico, doutor Marcelo Queiroga, para o Ministério da Saúde. Ele é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. A conversa foi excelente, já conhecia há alguns anos, então não é uma pessoa que tomei conhecimento há poucos dias. Tem tudo, no meu entender, para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo que o Pazuello fez até hoje”, afirmou à porta do Palácio da Alvorada.

Queiroga é bolsonarista raiz, será o quarto ministro da Saúde desde o começo da pandemia da covid-19, há pouco mais de um ano; seus antecessores foram o médico e ex-deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e o médico oncologista Nelson Teich, além de Pazuello. Formado em medicina pela Universidade Federal da Paraíba, fez residência em cardiologia no Hospital Adventista Silvestre, no Rio de Janeiro. Tem especialização em hemodinâmica e cardiologia intervencionista. Indicado por Bolsonaro para ser um dos diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não chegou a ocupar o cargo, porque dependia ainda de aprovação do Senado. Assume para dar continuidade à política de Bolsonaro. Ou seja, a crise continua.

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Ruy Castro: Aos biógrafos de Bolsonaro

O trabalho deveria começar por seus antepassados: Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu

Sempre achei um risco biografar gente viva. Não por medo do biografado ou de sofrer um processo, mas por motivo mais sério: como contar uma história que ainda não terminou? Imagine se, no dia seguinte ao lançamento de uma biografia, o biografado comete algo terrível, como estrangular seu papagaio ou fugir com a mãe de sua mulher. Em um segundo lá se vai o trabalho de anos do biógrafo —por que ele não previu que seu biografado seria capaz daquilo? Donde o certo é esperar que o fulano abotoe naturalmente o paletó, para só então mergulhar na investigação de sua vida.

Mas, com Jair Bolsonaro, não se pode mais esperar que ele vá para o diabo que o carregue. É urgente começar a biografá-lo porque, pela velocidade de sua trajetória —não passa um dia sem praticar um crime contra a democracia, a saúde, a educação, a ciência, a cultura, a economia, a ecologia, a diplomacia, a Justiça, os direitos humanos e a vida—, em breve ela não caberá em um volume. E isso apenas desde que assumiu a Presidência.

Ai está. Uma biografia de Bolsonaro deveria recuar aos seus antepassados, como Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu; explorar suas origens em Glicério (SP), burgo de 2.000 habitantes em 1955, onde depositaram o ovo do qual ele nasceu— e chegar à sua infame carreira militar e ascensão política. Vai-se revelar o seu longo e meticuloso processo de corrupção de colegas, servidores, generais, policiais e juízes, e, de passagem, descobrir como construiu seu patrimônio imobiliário e transferiu esse know-how para filhos e mulheres.

O importante é que, em alguma etapa, surja algo que explique o seu grau de desumanidade estudada, demência, crueldade e ódio.

Pelo que sei, já há profissionais biografando Bolsonaro. Só garanto que não sou um deles. Há um limite para a náusea, e basta-me ter ânsias de vômito quando o vejo na televisão.


Bruno Boghossian: Decantação da pandemia no eleitor deve definir novo presidente

Divisão entre medidas de saúde e efeitos na economia pode permanecer até 2022

Quando os americanos foram às urnas em novembro do ano passado, as mortes por Covid-19 voltavam a se aproximar de 1.000 por dia nos EUA. O coronavírus foi um dos temas mais presentes da eleição presidencial, com uma característica que se tornou a marca política da pandemia: a divisão entre as mortes e seus impactos sobre a economia.

A atuação de Donald Trump e os efeitos da doença no mercado de trabalho racharam o país. Entre os eleitores que consideravam a economia uma prioridade, 78% votaram no republicano, segundo pesquisas de boca de urna. Para aqueles que diziam que o importante era conter o vírus, 79% escolheram Joe Biden.

O democrata ficou em vantagem porque mais americanos achavam importante salvar vidas (52%) do que recuperar a atividade econômica (42%). No Brasil, a escalada da doença e a decantação da crise no humor do eleitorado podem definir o próximo presidente.

A questão central é se a pandemia e seus efeitos serão tópicos relevantes até lá. A depender do cenário do país, o eleitorado pode usar o voto para julgar a conduta de Jair Bolsonaro, pode ir às urnas para escolher outro rumo na administração da crise ou pode ignorar a doença em nome de outros interesses.

Bolsonaro desdenhou da morte de milhares de brasileiros porque acreditava que seus efeitos políticos seriam limitados. Em sua matemática, faria mais sentido oferecer a bandeira da defesa da economia a qualquer custo, em contraponto a personagens como João Doria e Luiz Henrique Mandetta.

O resultado dependerá da situação econômica e de quanta responsabilidade o eleitor atribuirá ao governo. Bolsonaro só será beneficiado se o eleitor enxergá-lo como um nome capaz de liderar a recuperação.

volta de Lula bagunça o jogo porque o petista tenta aliar o discurso da saúde a uma pauta de proteção aos mais pobres e de enfrentamento das dificuldades econômicas. Se a plataforma vingar, ele será um rival de Bolsonaro em duas frentes.


Janio de Freitas: Justiça com injustiça é impostura

O que já é conhecido na conduta de Moro não suscita suspeita, induz certeza

As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.

Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.

O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial.

Nessa delinquência de cinco anos, do princípio de 2014 ao fim de 2018, a ação julgada por Edson Fachin refere-se à preliminar de quatro inquéritos contra Lula, entre eles os do apartamento de Guarujá e do sítio de Atibaia. Quando se vê a razão de Fachin para anular essas condenações, fica quase impossível acreditar que tais processos tramitassem por anos. Dessem em condenações por SergioMoro. Até em aumento das penas pelo Tribunal Federal Regional do Rio Grande do Sul, o TRF-4, com base em relatório pouco menos do que ininteligível de um desembargador idem, João Gebran.
Quisesse, ou não, dar uma sentença que preservasse Sergio Moro do processo sobre a suspeição que é certeza, Edson Fachin viu-se com uma constatação indescartável: “não restou provado vínculo” entre os benefícios atribuídos a Lula, tanto na acusação como na condenação, e negócios ou desvios na Petrobras.

Logo, esses processos foram criados e receberam sentença ilegalmente em juízo restrito a desvios na estatal. Convém enfim realçar: a anulação das condenações de Lula por Moro não decorreu, portanto, apenas de incompetência geográfica da 13ª Vara Criminal do Paraná, como tem parecido. Procedeu, também, da violação deliberada de Moro às leis processuais e penais. Com o fim de fazer a prisão de um candidato à Presidência, o que daria a vantagem a outro. Crime, pois não?

Nada se deu sob sigilo nessa delinquência contra as instituições do Estado de Direito e a eleição legal. Muito ao contrário, a construção do escândalo era um componente planejado da operação.Gilmar falou, a propósito, em conluio e consórcio Lava Jato-“mídia”. Não dispensou nem as orientações de um repórter aos dallagnóis. Incontestável, como mais um capítulo eleitoral da imprensa/TV. Mas uma ressalva é de justiça: em meio à enorme pressão pró-Lava Jato, a Folha pode ter pecado de corpo, mas não renegou a velha alma. Os poucos juristas, advogados e comentaristas da casa que apontaram a delinquência e as arbitrariedades da Lava Jato tiveram espaço e liberdade assegurados nestas páginas.

Não é menos justo, em sentido oposto, dizer que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, souberam sempre o que se passava na Lava Jato. Por experiência no Judiciário e no MP, por informações, por muitos recursos processuais de advogados e pelos poucos trabalhos da “mídia” fora da moda. Ao seu dever fiscalizador preferiram o silêncio e a inação, traindo-se e traindo a Justiça e o Estado de Direito.

Se tudo precisar de recomeço, que seja. Importante é que a Justiça está se despindo de uma impostura, ao tempo mesmo em que se reergue na defesa dos cidadãos e do país sob ataque da doença e do governo, ambos letais.


Elio Gaspari: O novo Lula é o mesmo

Ex-presidente reapareceu com um discurso simples e de essência racional

Para o bem e para o mal, o novo Lula é o mesmo. Numa trapaça da história, enquanto o ex-presidente falava, Eduardo Bolsonaro, o 03, mandava que as pessoas enfiassem as máscaras “no rabo”, e seu pai, delicadamente, colocava-a no rosto.

Lula reapareceu com um discurso simples e de essência racional . Na quarta-feira, o número de mortos bateu a casa dos dois mil, num total de 270.917 (a provável população do Brasil no final do século XVII). A “gripezinha” estava no “finalzinho”, e a “conversinha” da nova onda mostrou-se mais letal que a do ano passado. Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e seu governo de “incompetente”: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid.”

Mais: “O Brasil não é dele e dos milicianos.”

Sem a teimosia delirante do capitão, Lula também tem um pé em sua realidade paralela. Ele fala de uma “Petrobras bem dirigida, como foi no nosso governo”.

A boa gestão no petróleo explicaria “o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos, porque eles têm que ter o estoque para guerra.” Até aí, trata-se de uma opinião, mas Lula foi adiante:

“A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia, para ter acesso à gasolina.”

A Alemanha não chegou a Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. A essa altura, os nazistas já haviam sido detidos às portas de Moscou, e os Estados Unidos já haviam entrado na guerra (dezembro de 1941) e quebrado a perna do poder naval japonês na batalha do Midway (junho de 1942). A partir do final de 1942, os alemães passaram a combater numa guerra que não poderiam ganhar, mesmo que tivessem chegado ao petróleo de Baku. Isso para não se falar na bomba atômica, cujo combustível era urânio.

Falando da eleição de 1989, Lula diz: “Não ganhei porque a Globo me roubou”. A edição do seu debate com Fernando Collor foi editada com viés contra Lula, mas foi ao ar depois da transmissão da versão integral, ao vivo. Collor teve 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula, que só venceu em três estados (RJ, RS e PE).

A agência Lupa checou a fala de Lula e apontou devaneios que custariam caro a Jair Bolsonaro se tivessem partido dele:

“Fachin (reconheceu) que nunca teve crime cometido por mim.”

“FALSO. A decisão do ministro do STF Edson Fachin não cita, em nenhum momento, que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes. Ele apenas considerou que as ações do tríplex de Guarujá (SP), do sítio em Atibaia (SP) e do Instituto Lula não têm relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitado na Justiça Federal de Curitiba.”

Afora casos como esses, Lula continua ligeiro. Ele já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Agora, referiu-se a um artigo de 2004 do juiz Sergio Moro, no qual ele teria escrito que “só a imprensa pode ajudar a condenar as pessoas.” No seu famoso artigo de 2004, Moro não disse isso. Foi preciso, referindo-se à Operação Mãos Limpas italiana:

“Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.”

Lula não precisava ter exagerado.

Bolsonaro na disputa

Com Lula e Bolsonaro disputando uma eleição, os jornalistas e as agências de checagem trabalharão como nunca.

Lula viajou pela sua realidade paralela na quarta-feira, Bolsonaro reagiu na quinta e, como mostrou o repórter Mateus Vargas, contou cinco inverdades em menos de meia hora.

Disse que o número de mortos pela Covid está inflado. Contrariou um boletim do Ministério da Saúde.

Disse que que a Organização Mundial da Saúde condena o lockdown.

Disse que, desde o primeiro momento, tentou comprar vacinas. Anunciou seu veto à CoronaVac e recusou propostas da Pfizer.

Disse que o Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo. O que o STF fez foi garantir as iniciativas dos estados e municípios.

Disse que desde o primeiro momento agiu contra a Covid. Era a “gripezinha“ que provocava a “histeria” dos “maricas”.

Cármen e Nunes Marques

O pedido de vista do ministro Nunes Marques alegrou o Planalto, pois a suspeição de Sergio Moro seria mais uma cereja no bolo de Lula.

À primeira vista, as coisas são assim, mas se a ministra Cármen Lúcia mudar seu voto, acompanhando Gilmar Mendes, a manobra falha e carboniza Nunes Marques. A menos que ele se antecipe, condenando Moro.

STF em chamas

O tiroteio do ministro Marco Aurélio em cima dos colegas Luiz Fux e Alexandre de Moraes mostra que o Supremo Tribunal precisa de uma missão pacificadora. Esse foi o barraco público. Felizmente, aqueles que ocorreram no início da semana, com outras excelências, ficaram no escurinho da Corte.

A tensão decorre, em parte, da suspensão do convívio pessoal, provocado pela pandemia.

Mourão disse tudo

Na sua entrevista aos repórteres Gustavo Uribe e Leandro Colon, o vice-presidente Hamilton Mourão disse tudo:

“É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil.”

Lula 2022

Lula já avisou:

“Eu sou uma metamorfose ambulante”.

Vazou

No início da semana passada, alguns comissários bem informados já sabiam que o ministro Edson Fachin jogaria sua bomba sobre a política nacional.

Guedes na mesa

Nos últimos dias da semana passada, elevou-se a tensão no Palácio do Planalto. Sempre que isso acontece, sobra para o ministro da Economia.

Paulo Guedes terá dias difíceis, com uma janela de oportunidade. Como ele mesmo já disse, dependendo do desconforto, vai-se embora.

O grande chanceler

Com o Brasil assumindo a liderança do número de mortes diárias por Covid, o ministro Ernesto Araújo realizou seu sonho:

“Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, deixado de fora, do que ser um conviva no banquete no cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e semicorruptos.”

Mandato curto

Com a execução do vereador Danilo do Mercado (MDB-RJ), assumirá sua cadeira na Câmara de Caxias a suplente Fernanda da Costa, filha do traficante Fernandinho Beira-Mar, encarcerado em Mossoró (RN).

Seu mandato poderá ser curto.


Bernardo Mello Franco: O fantasma da polarização

A volta de Lula reabilitou um fantasma que assombrou a última corrida presidencial: a ideia de um país dividido entre dois extremos. Em 2018, a propaganda de Geraldo Alckmin martelou que era preciso evitar, a qualquer custo, a polarização entre Bolsonaro e PT. As duas forças foram apresentadas como “lados da mesma moeda: a do radicalismo”.

A retórica denunciava o desespero do tucano. O eleitorado do seu partido já havia aderido ao capitão, e ele terminou com menos de 5% dos votos. No segundo turno, os candidatos do PSDB esqueceram o discurso e correram para Bolsonaro. A carona ajudou a eleger João Doria e Eduardo Leite, que agora tentam se descolar da imagem do presidente.

A equivalência entre PT e Bolsonaro sempre foi conversa fiada. O partido de Lula tem muitos defeitos, mas nasceu na luta contra a ditadura e governou pelas regras da democracia. Quando Dilma Rousseff sofreu o impeachment, os petistas entregaram as chaves do palácio e foram para a oposição.

Bolsonaro é um antigo defensor do autoritarismo, da tortura e das milícias. Não moderou o discurso na campanha nem no governo, onde passou a flertar abertamente com um autogolpe.

Polarização não é sinônimo de duelo entre extremos. Como lembra o cientista político Cláudio Couto, PT e PSDB polarizaram seis disputas presidenciais sem que nenhum deles fosse extremista. O professor diz o óbvio. Mesmo assim, há quem insista na falsa simetria.

A deputada Joice Hasselmann, ex-líder de Bolsonaro, agora se apresenta como adversária do “bolsopetismo”. O termo não quer dizer nada, mas virou moda em rodas conservadoras. Na falta de um candidato competitivo, apela-se ao fantasma de 2018.

O retorno de Lula mostrou que não era difícil polarizar com um presidente que nega a ciência e debocha das vítimas da pandemia. Para o petista, bastou aparecer de máscara, defender a vacina e informar que a Terra não é plana.

OS TRÊS PATETAS

Na semana em que o Brasil superou a marca de duas mil mortes diárias pela Covid, os filhos do presidente se destacaram pelas seguintes ações:

Flávio, o Zero Um, comparou medidas para conter a pandemia ao massacre de judeus no Holocausto.

Carlos, o Zero Dois, deu chilique na Câmara Municipal e chamou um colega de “canalha” e “cabeça de balão”.

Eduardo, o Zero Três, divulgou o desenho de um Zé Gotinha miliciano, armado com um fuzil.

HELIO E A FRENTE AMPLA

Com a morte de Helio Fernandes, vai-se uma parte da História do Brasil no século XX. O jornalista resistiu a seguidos apelos para publicar suas memórias. Deixou um único livro, “Recordações de um desterrado em Fernando de Noronha”, além de milhares de artigos no baú da “Tribuna da Imprensa”.

Helio respirava política e trabalhou pela reconciliação de JK e Lacerda quando os dois rivais, que apoiaram o golpe de 1964, viram-se na mira da ditadura que ajudaram a instalar.

A primeira reunião da Frente Ampla ocorreu na casa do jornalista, no Rio, em 22 de agosto de 1966. O movimento foi sufocado pelos militares, e JK e Lacerda morreram sem ver a redemocratização do país. Helio morreu na mesma casa, na madrugada de quarta, aos 100 anos.