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TV Cultura: No Roda Viva, Kátia Abreu diz que não vê questão ambiental como principal neste momento
Questionada pela bancada do programa Roda Viva desta segunda-feira (5) sobre as questões climáticas, Kátia Abreu não acredita que o debate mereça foco neste momento, quando morrem mais de 330 mil pessoas na pandemia da Covid-19.
Confira a entrevista!
Para a senadora, o assunto é importante, mas ela não tem condições pessoalmente de avançar no assunto nos próximos três meses.
Participaram da bancada de entrevistadores Patrícia Campos Mello (repórter especial da Folha de S.Paulo, escritora e comentarista do Jornal da Cultura), Henrique Gomes Batista (repórter especial e ex-correspondente do O Globo em Washington), Daniel Ritter (repórter do Valor Econômico), Oliver Stuenkel (professor de Relações Internacionais da FGV e colunista do El País),Thaís Oyama (colunista do UOL e apresentadora do Linhas Cruzadas, TV Cultura).
Marcelo Godoy: Exército se vê vencedor da batalha com Bolsonaro, o 'capitão pitoresco'
Chamado de 'pitoresco' por Pujol, o presidente queria alguém que lhe fosse leal no comando da Força Terrestre, no fim, escolheu entre os 3 generais mais antigos
uma semana antes de ser demitido do Ministério da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva procurou o general Augusto Heleno. Revelou seu desconforto com o presidente por Jair Bolsonaro ter pela enésima vez se referido às Forças Armadas como sua guarda pessoal, como se a lealdade delas fosse à um líder e não à Constituição. Bolsonaro estava em plena campanha contra os governadores e as medidas restritivas para o combate à covid-19. Foi ao Supremo Tribunal Federal contra o toque de recolher, enquanto o deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO) tentava obter para o capitão o domínio das polícias estaduais.
No sábado, dia 27, Bolsonaro esteve reunido no Alvorada. Seus interlocutores negaram que tivesse tratado da reforma ministerial. Só no dia seguinte ele teria decidido fazer a troca na Defesa, ainda que quase ninguém acredite que o presidente tenha resolvido em 24 horas montar uma complicada dança das cadeiras. O movimento na Esplanada congelou Brasília nos dias seguintes e fez com que os brasileiros incrédulos redescobrissem as listas de antiguidade dos oficiais generais, como não se fazia desde os anos 1970. Seu esboço, no entanto, começara a ser traçado muito antes.
Edson Leal Pujol só havia se tornado o comandante do Exército porque o general Augusto Heleno soube contornar a primeira intriga feita contra Pujol, ainda em 2018, quando ele dirigia o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército. O general chamou a atenção do então candidato Bolsonaro sobre os extremos de seu comportamento e a forma como expunha as coisas. “Elas não se enquadram na figura de um candidato a presidente”. Pujol completou: "Bolsonaro tem uma personalidade muito pitoresca. Se ele perdesse um pouco dessa identidade, talvez não tivesse tantos eleitores."
A fala de Pujol despertou reações entre os oficiais engajados na campanha de Bolsonaro. Heleno pôs panos quentes usando o argumento de que era necessário garantir a unidade dos militares. O episódio, no entanto, ficou arquivado. Escolhido comandante por ser o oficial mais antigo – e o critério de antiguidade foi respeitado com as demais Forças – Pujol se esqueceu do que dissera naquela entrevista. Os generais pensavam então que tinham um governo para chamar de seu e obtiveram vantagens orçamentárias e salariais, além de milhares de cargos na Esplanada.
Bolsonaro, no entanto, nunca dissimulou o que sentia. Deixava claro o desconforto com Pujol toda a vez que este era elogiado pela imprensa em contraste com a reprovação que recebia. Lembrava-se de ter sido chamado de “pitoresco”. E se preocupava com cada notícia sobre os humores dos generais, escalando o general Luiz Eduardo Ramos para auscultar os colegas. Foi na passagem para a reserva do general Antonio Miotto que dois fatos curiosos aconteceram: o primeiro foi o ministro Ramos aparecer fardado na cerimônia e o segundo foi o cumprimento com o cotovelo que Pujol estendeu à Bolsonaro, que ficou com a mão no ar.
O vídeo com a imagem do general preocupado com a covid-19 diante do presidente da gripezinha foi compartilhado por muitos militares, inclusive generais da ativa – um deles chegou a postá-lo no Twitter após retirar a identificação de sua conta. Bolsonaro ficou irritado. Depois, em novembro, quando Pujol se manifestou contra a política nos quartéis, Bolsonaro fez questão de lembrar que o general só comandava o Exército por causa da tinta de sua caneta.
Enquanto arrumava mais uma pessoa para brigar, Bolsonaro assistia ao fracasso de Eduardo Pazuello na Saúde, o que levou o Exército a tentar se dissociar da gestão que levou cloroquina em vez de oxigênio à Manaus e atrasou a vacinação no País. A Força Terrestre exibia seu plano para se manter aberta por meio do uso de máscaras e distanciamento social, além do álcool em gel, tudo o que Bolsonaro e seus ministros se recusavam a fazer.
A estratégia de tratar Bolsonaro como pitoresco não bastava para salvar reputações. Exemplo disso era o ministro da Defesa. Mesmo que Azevedo e Silva tenha em nota defendido a preservação das Forças Armadas como instituição de Estado, seu papel na crise foi questionado até por colegas, como o general Francisco Mamede de Brito Filho. "Participou do famigerado tuíte do general Villas Bôas. Foi assessor de Toffoli em circunstância questionável. Permitiu militares da ativa em cargos civis." E concluiu: "Fica-se a imaginar o que ele teria preservado. É preciso vir a público com a verdade."
A verdade é que Bolsonaro foi o escolhido pelos generais como candidato em 2018. Quase todos o conheciam, pois haviam sido contemporâneos de academia ou mesmo colegas de turma, como Pujol, Paulo Humberto Oliveira, Mauro Cesar Cid e Carlos Alberto Barcellos. Sabiam de seu passado no Exército e de seu comportamento no Congresso. Apesar disso, havia euforia com o Cavalão. Basta consultar – se alguém as guardou – as mensagens daquela época no grupo de WhatsApp Aman 77. Raros se opunham à ideia de tê-lo como presidente e quem dizia isso publicamente era atacado pelos colegas.
O general Otávio do Rêgo Barros tornou-se o porta-voz do novo governo. Fora o responsável pela comunicação do comandante Villas Bôas no momento do polêmico tuíte às vésperas do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um ano depois de deixar o governo e após o presidente patrocinar a defenestração do ministro da Defesa e da cúpula militar do País, Rêgo Barros escreveu: “O mandatário não é mais um militar. Ele detém, tão somente, uma carta patente que indica ter obtido, em um determinado momento da vida, os requisitos para exercer as funções intermediárias na hierarquia da oficialidade das Forças Armadas.”
O general continuou ainda, em artigo, publicado no dia 31 de março, a descrição que fez de seu antigo chefe: "O amadurecimento intelectual – característica marcante na formação dos atuais chefes - não esteve presente em sua trajetória". Disse ainda que os atributos aprendidos na caserna por Bolsonaro foram "substituídos por conceitos não aplicados dentro de uma instituição como é o Exército Brasileiro". "Seu aparente desejo de transformar essa centenária instituição, detentora dos mais altos índices de confiabilidade, em uma estrutura de apoio político, afronta tudo o que defendem as Forças Armadas em sua atitude profissional."
Um leitor de Weber afirmaria que generais como Santos Cruz, Rêgo Barros, Paulo Chagas e tantos outros que estiveram com Bolsonaro estão dizendo que o presidente dispõe ao mesmo tempo de elementos da dominação tradicional e da dominação carismática, mas ele se apresenta distante da dominação legal-burocrática sine ira et studio. De fato, já se notou que Bolsonaro é avesso à impessoalidade das leis e da administração. Devia ele saber que, mesmo na ditadura militar, quem governou o País foi o Exército e não um líder. Não houve no Brasil um Augusto Pinochet, mas presidentes com mandato.
Nossos generais pensavam na ditadura romana, como um regime de crise e não em uma tirania. É no exemplo de Lúcio Quíncio Cincinato que se miravam. Cincinato, não é demais lembrar, foi buscado pelo Senado para exercer o poder em Roma quando um exército inimigo ameaçava a República. O poder não estava em uma pessoa, mas no papel, na lei, na tradição. Para Bolsonaro ter o seu Exército, seria necessário subverter a lógica de poder da própria corporação, o que limita esse tipo de projeto golpista.
Desde os anos 1930 os militares gostam de pensar que fazem a política do Exército e não política no Exército. Quando pensa em fazer do quartel uma propriedade privada, Bolsonaro se bate contra um dos marcos referenciais nos quais a cadeia de comando trabalha há décadas. O poder pessoal de um Mito é muito diferente do poder exercido segundo o pensamento conservador que prevalece no Exército. Afrontar essa estrutura é que levou Santos Cruz a chamar a ação de Bolsonaro de "tiro no pé". E fez Rêgo Barros concluir: "Buscar adentrar as cantinas dos quartéis com a política partidária é caminho impensado para as Forças Armadas. Elas já estão vacinadas contra esse vírus."
Pior ainda. A identificação com o Centrão, o enterro da Lava Jato e as manobras para salvar o filho Flávio da Justiça e dos questionamentos sobre os R$ 6 milhões pagos em uma mansão em Brasília fizeram-no ouvir do general Paulo Chagas: "Bolsonaro exonerou os três comandantes das Forças Armadas porque eles não apoiaram a sua intenção autoritária de usar a força das Forças para, ao lado do centrão/ladrão, impor-se ao Congresso." Com a política de volta entre os militares, a questão seria saber quem a pode fazer e em nome de quem. Por isso tudo, ao término da crise, o Alto Comando do Exército cantava vitória e publicava a foto de Villas Bôas e Pujol com o novo comandante, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Para os generais, a corporação saiu do imbróglio em que se meteu com Bolsonaro como "grande vencedora" do episódio que levou à demissão de Leal Pujol. Primeiro porque o pitoresco Bolsonaro escolheu o sucessor de Pujol dentro da lista de antiguidade que trazia os generais José Luiz Freitas, Marcos Antonio Amaro dos Santos e Paulo Sérgio. Depois, porque todo o ônus da troca recaiu sobre Bolsonaro, expondo seu desejo de nomear três Pazuellos para cada uma das Forças. Prevaleceu a ideia de continuidade, de que seja quem for o comandante, Bolsonaro não poderá contar com o Exército para se tornar ditador. E, se tentar, é mais fácil ele acabar deposto do que um cabo e um soldado arriscarem o pescoço por um mito. Os generais podem agora sonhar em 2022 com a eleição de um governo do qual participem sem o inconveniente de lidar com o pitoresco capitão.
José Luis Oreiro: 'Sem medidas efetivas para controle da Covid-19, pandemia custará ainda mais caro ao Brasil'
Para o economista, “enquanto o vírus estiver circulando e as pessoas tiverem medo de morrer”, o setor de serviços não vai se recuperar e a indústria não conseguirá retomar sua capacidade de investimento e modernização
Patricia Fachin, IHU Online
O professor e economista José Luis Oreiro não tem meias palavras: “precisamos ter clareza de que o que afeta negativamente a economia não são as medidas de isolamento social, mas o vírus SARS-CoV-2 que causa a Covid-19”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos - IHU, ele ainda detalha que “a negligência no combate à pandemia vai custar muito caro ao Brasil em 2021, tanto em termos de vidas humanas como em termos de atividade econômica perdida”. “Enquanto o vírus estiver circulando e as pessoas tiverem medo de morrer, as atividades ligadas ao setor de serviços serão duramente afetadas”, completa.
Já na indústria, pela natureza do negócio, ele diz que o impacto parece não ser tão grande. No entanto, chama atenção para o fato de que a pandemia pegou a indústria nacional num processo de desindustrialização que já dura pelo menos 20 anos. “Se o Brasil tivesse um percentual maior da sua força de trabalho na indústria de transformação, a queda do PIB teria sido menor. Vemos isso claramente nos países europeus. Países como a Alemanha, onde a indústria responde por um percentual maior do PIB e da força de trabalho empregada, tiveram uma queda menor do nível de atividade”, exemplifica.
E, ainda, há aqueles que são acometidos em cheio com a perda de renda e que encontraram no Auxílio Emergencial de 2020 a última saída para fugir da fome e do desespero. Cenário que, como bem lembra Oreiro, não se repetirá em 2021. “Não só os valores são menores, como ainda houve uma redução significativa do acesso ao benefício. Estima-se que, pelo menos, 20 milhões de pessoas que tiveram acesso ao auxílio no ano passado ficarão sem receber o benefício este ano. Veremos um aumento expressivo da miséria no Brasil por conta da irresponsabilidade do governo e do Congresso Nacional na renovação do Auxílio Emergencial em 2021”, dispara.
Para enfrentar a crise pandêmica, além de agir com a responsabilidade de promoção de um efetivo isolamento social e promover vacinação ampla e irrestrita, o professor defende a extensão do Auxílio Emergencial nos patamares do ano passado enquanto estivermos em pandemia. “Uma vez superada a pandemia, temos que passar à fase de reconstrução da economia do país por intermédio de um vasto programa de investimentos públicos em infraestrutura (mobilidade urbana, geração de energia, logística, estradas e ferrovias) com foco na descarbonização da economia”, indica.
José Luis da Costa Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RJ e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Atualmente é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília - UnB. Entre as inúmeras publicações, destacamos o livro Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana (publicado pela LTC em 2016) e o livro Macrodinâmica Pós-Keynesiana: crescimento e distribuição de renda (Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou contrário ao isolamento social com a justificativa de que o isolamento poderia prejudicar a economia. Qual é a situação econômica do país neste momento em que também estamos imersos em uma crise sanitária e com altos índices de desemprego?
José Luis Oreiro – Antes de mais nada, precisamos ter clareza de que o que afeta negativamente a economia não são as medidas de isolamento social, mas o vírus SARS-CoV-2 que causa a Covid-19. As medidas de distanciamento social têm por objetivo reduzir o número de contágios para impedir o colapso do sistema de saúde. Essas medidas tiveram um relativo sucesso em 2020, mas agora em 2021 foram adotadas de forma tardia pelos governos subnacionais.
A população também relaxou as medidas de proteção, em parte por causa do cansaço com a situação posta pela pandemia, mas em parte por falta de uma campanha nacional de conscientização sobre os riscos da Covid-19. Caberia ao Ministério da Saúde vincular, por intermédio dos meios de comunicação social, informações para a população se prevenir do vírus. Isso não só não foi feito pelo Ministério da Saúde, como o presidente da República adotou comportamentos públicos que incentivaram as pessoas a minimizar o risco do novo coronavírus.
O resultado está aí, 300 mil brasileiros mortos e com o sistema de saúde entrando em colapso em várias cidades brasileiras. A negligência no combate à pandemia vai custar muito caro ao Brasil em 2021, tanto em termos de vidas humanas como em termos de atividade econômica perdida. Quero aqui deixar claro que não existe trade-off entre vidas e economia. Enquanto o vírus estiver circulando e as pessoas tiverem medo de morrer, as atividades ligadas ao setor de serviços serão duramente afetadas, mesmo na ausência de medidas de distanciamento social.
Patamares piores que na grande depressão
Em 2020, o PIB brasileiro teve uma contração de 4,1%, a maior desde a grande depressão de 1929. A taxa de desemprego atingiu 14% da força de trabalho e cerca de 9 milhões de brasileiros tiveram que se retirar da força de trabalho. O que salvou o ano de 2020 de ter sido muito pior foi o Auxílio Emergencial. Isso permitiu que milhões de pessoas tivessem uma condição financeira mínima para sustentarem a si mesmos e suas famílias num contexto em que o setor de serviços (responsável por cerca de 70% do PIB) se contraiu fortemente por conta da pandemia.
O peso da desindustrialização
Veja que a indústria não foi tão afetada pela pandemia como o setor de serviços, devido à natureza das relações de trabalho na indústria, que permitem distanciamento social sem interrupção do trabalho. A pandemia afetou muito a economia brasileira por conta do processo de desindustrialização prematura que ocorre há mais de 20 anos. Se o Brasil tivesse um percentual maior da sua força de trabalho na indústria de transformação, a queda do PIB teria sido menor. Vemos isso claramente nos países europeus. Países como a Alemanha, onde a indústria responde por um percentual maior do PIB e da força de trabalho empregada, tiveram uma queda menor do nível de atividade.
Já países onde o setor de serviços, particularmente o turismo, tem uma participação expressiva no PIB e na força de trabalho ocupada, como a Espanha e a Itália, tiveram quedas assombrosas do nível de atividade econômica.
IHU On-Line – Que balanço faz das políticas econômicas adotadas durante o primeiro ano de pandemia? O que poderia ter sido feito para além do que se fez?
José Luis Oreiro – O Auxílio Emergencial foi, de longe, o maior acerto da política econômica, embora tenha sido iniciativa do Congresso Nacional, não da equipe do Ministério da Economia. Foi o auxílio que impediu que o PIB brasileiro caísse entre 8 e 9% em 2020, como era previsto por organismos internacionais como o FMI, Banco Mundial, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.
O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Pronampe, que tinha por objetivo conceder crédito para essas empresas e assim permitir que elas pudessem sobreviver durante o período da pandemia, foi bem menos eficiente, no sentido de que os desembolsos realizados pelo programa ficaram aquém do esperado. Esse programa foi interrompido em 31/12/2020 e ainda não existe previsão de retorno. Já o BEm (Benefício Emergencial de Preservação de Emprego e Renda), que permitiu às empresas reduzir a jornada de trabalho (e os vencimentos) dos seus funcionários ou suspender temporariamente os contratos de trabalho, com o governo cobrindo uma parte da perda de renda dos funcionários dessas empresas, foi mais bem-sucedido, pois evitou um grande número de demissões e ajudou a manter a renda (ainda que com uma certa redução) dos trabalhadores. O problema é que esse programa também foi extinto em 31/12/2020 e não existe previsão de retorno.
Se o governo tivesse renovado o estado de calamidade pública no dia 31/12/2020 por, pelo menos, mais 120 dias, a Emenda Constitucional do Orçamento de Guerra continuaria válida, permitindo ao governo manter o pagamento do Auxílio Emergencial, bem como o Pronampe e o BEm, pois não seria obrigado a retornar à "disciplina fiscal" imposta pela EC do Teto de Gastos e pela "Regra de Ouro". Estamos quase no final de março e nenhum desses programas foi retomado. Acredito que o efeito sobre o nível de atividade econômica e o emprego será devastador.
IHU On-Line – Como avalia o novo Auxílio Emergencial para trabalhadores informais e beneficiários do Bolsa Família, que será pago a partir de abril, em quatro parcelas, com valores de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375?
José Luis Oreiro – Representa uma redução gigantesca com relação aos valores pagos no ano de 2020, num contexto em que o Brasil entrou com força numa segunda onda de contágios e mortes por Covid-19, na qual o índice de óbitos por dia já se encontra 2,5 vezes maior do que na pior fase da primeira onda.
Não só os valores são menores, como ainda houve uma redução significativa do acesso ao benefício. Estima-se que, pelo menos, 20 milhões de pessoas que tiveram acesso ao auxílio no ano passado ficarão sem receber o benefício este ano. Veremos um aumento expressivo da miséria no Brasil por conta da irresponsabilidade do governo e do Congresso Nacional na renovação do Auxílio Emergencial em 2021.
IHU On-Line – A inflação está subindo, a atividade econômica desacelerando em alguns setores e, do ponto de vista sanitário, o país está em colapso. O aumento da inflação representa algum risco no atual contexto de crise econômica, desemprego e crise sanitária?
José Luis Oreiro – O aumento da inflação ocorrido nos últimos meses é resultado de um choque de oferta, não devido a pressões de demanda, por isso mesmo trata-se de um fenômeno transitório: a partir de junho/julho de 2021 a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA acumulada em 12 meses começará a ceder após alcançar um pico entre 6 e 7%, fechando o ano de 2021 em torno de 4%.
Por que a inflação se acelerou nos últimos 12 meses? Em primeiro lugar, devido ao aumento dos preços dos alimentos causado por uma combinação de fatores: desvalorização acentuada da taxa de câmbio em 2020 (cerca de 40% entre janeiro e dezembro de 2020); aumento dos preços dos alimentos nos mercados internacionais em função da demanda precaucional de alimentos por parte de diversos países dada a incerteza sobre os efeitos da pandemia no abastecimento de alimentos; e a eliminação dos estoques reguladores de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento - Conab levada a cabo nos governos liberais de [Michel] Temer e [Jair] Bolsonaro.
Sem estoque, sem controle
Se o Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, tivesse mantido um estoque grande de alimentos em 2020, então o governo poderia vender esse estoque no segundo semestre do ano passado, o que contribuiria para reduzir a pressão sobre os preços dos alimentos, assim reduzindo a inflação. Mas Paulo Guedes achava que era muito caro manter esses estoques e decidiu vender praticamente tudo em 2019. O resultado é que o Estado Brasileiro ficou sem um importante instrumento para conter pressões inflacionárias vindas do lado da oferta da economia.
IHU On-Line – Em que consiste sua proposta para a retomada do crescimento da economia, baseada no Auxílio Emergencial, no ajuste fiscal e na reindustrialização? Como essa arquitetura pode resolver o problema da renda, do emprego e da retomada da economia?
José Luis Oreiro – O Auxílio Emergencial, como o próprio nome diz, é para atacar uma emergência: trata-se de transferir renda para aquelas pessoas que, devido à pandemia, ficaram sem emprego ou sem condições de exercer alguma atividade remunerada. Esse auxílio deve permanecer até que o país atinja, por intermédio das campanhas de vacinação, a chamada imunidade de rebanho, o que seria, talvez, 70% da população com mais de 14 anos.
Uma vez superada a pandemia, temos que passar à fase de reconstrução da economia do país por intermédio de um vasto programa de investimentos públicos em infraestrutura (mobilidade urbana, geração de energia, logística, estradas e ferrovias) com foco na descarbonização da economia, ou seja, com a redução da emissão de CO2 por unidade de PIB, ou seja, aumentar a eficiência ambiental da economia brasileira. Trata-se de uma verdadeira mudança estrutural verde na economia brasileira, em que será estimulada a adoção de tecnologias não poluentes e/ou que permitam a captura de CO2 da atmosfera.
Isso vai exigir vultosos investimentos tanto do setor público, como do setor privado. Como são investimentos em novas tecnologias, o governo deverá, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, conceder crédito subsidiado para a realização dos mesmos, exigindo contrapartidas concretas e mensuráveis em termos da redução de emissão de CO2. Essa transformação estrutural será um elemento importante para a reindustrialização da economia brasileira.
Carga de impostos
Esse pacote de investimentos terá que ser financiado por intermédio do aumento da carga tributária. É uma falácia dizer que não é possível aumentar a carga de impostos no Brasil. É possível sim, conforme artigo de Alexandre Sampaio Ferraz, publicado recentemente no Nexo Jornal.
A alíquota efetiva do imposto de renda das pessoas físicas começa a cair a partir dos 2% mais ricos, e despenca quando chegamos nos 0,1% mais ricos da população brasileira. Isso é o resultado da combinação entre isenção de imposto de renda para lucros e dividendos distribuídos, crescente pejotização dos profissionais liberais e alíquota mais baixa de imposto de renda para a renda financeira (ganhos de capital sobre ativos e juros das aplicações financeiras). Como a proporção de lucros, dividendos e renda financeira na renda total é muito mais alta no topo da distribuição de renda do que na parcela intermediária (a "classe média"), os brasileiros mais ricos pagam, como proporção da sua renda, muito menos do que os funcionários públicos (que a Faria Lima diz serem a elite do Brasil) ou os pequenos e médios empresários.
Daqui se segue que uma reforma tributária que contemple não apenas a criação do Imposto sobre Bens e Serviços - IBS, como previsto na PEC 45, como também a tributação de lucros e dividendos distribuídos e o aumento do imposto de renda sobre ganhos financeiros irá resultar num aumento expressivo da arrecadação de impostos, permitindo uma consolidação fiscal de médio prazo pelo lado da receita.
IHU On-Line – Os economistas costumam se situar em polos extremos: ou defendem o gasto social sem restrições ou defendem o equilíbrio das contas independentemente da situação social do país. O senhor tem defendido "um limite para o aumento da dívida pública". Em que consiste sua proposta?
José Luis Oreiro – A dívida pública como proporção do PIB não pode aumentar indefinidamente, mesmo sendo denominada na moeda que o país emite; mas não existe um número mágico a partir do qual os mercados deixam de financiar o Tesouro. O importante é desenhar um plano de consolidação fiscal de médio-prazo (5 a 10 anos) que mostre que a relação dívida pública/PIB irá começar a cair dentro desse horizonte de tempo. Para isso a combinação de aumento do investimento público com reforma tributária será absolutamente necessária: o aumento do investimento público irá acelerar o crescimento da economia e a reforma tributária permitirá que uma parcela maior do crescimento do PIB se transforme em aumento da arrecadação de impostos.
Esse é o ajuste fiscal inteligente que o Brasil precisa, não esse terraplanismo econômico do "teto de gastos" adotado em 2016 e que foi totalmente ineficaz no que se refere ao propósito para o qual foi criado, a saber: a redução do endividamento do setor público.
IHU On-Line – Em decorrência da crise pandêmica e também do Auxílio Emergencial concedido no ano passado, voltou à tona a discussão sobre a elaboração de programas de transferência de renda mais amplos e abrangentes. Alguns, inclusive, propõem uma renda mínima universal incondicional. Como o senhor tem refletido sobre essa questão, especialmente na atual conjuntura? Que desenho de programa de transferência de renda é desejável e possível neste momento?
José Luis Oreiro – Sou favorável a um programa emergencial de renda básica enquanto durar a pandemia, aliás, fui signatário do manifesto do Movimento Direitos Já em defesa do pagamento de um valor de R$ 600,00 a título de Auxílio Emergencial até, no mínimo, o final de 2021. Situações excepcionais exigem medidas excepcionais. Mas não gosto de um programa de renda mínima universal incondicional.
A renda mínima deve ser concedida apenas para aquelas pessoas que, por diversas contingências da vida, são incapazes de se inserir de forma produtiva na sociedade. Aqui tem um julgamento de valor meu, o qual reflete minha visão cristã e católica do homem e do mundo: Deus criou o homem para guardar e cuidar do jardim do Éden. É o trabalho que dá ao homem sua dignidade como criatura feita à imagem e semelhança de Deus. O trabalho não é apenas um meio para se ganhar a vida, mas é a forma pela qual o homem coopera com Deus na obra de criação.
Tendo esse princípio em mente, eu prefiro um programa de garantia de Emprego pelo Estado, tal como o defendido pelo senador Bernie Sanders nos Estados Unidos. Todo cidadão, não importa gênero, idade, orientação sexual, religião ou etnia, tem direito a um emprego digno com o qual possa não apenas ganhar seu sustento, mas contribuir para o bem comum.
IHU On-Line – Como avalia a decisão do Comitê de Política Monetária - Copom de elevar a taxa Selic para 2,75%? O que essa medida indica e sinaliza para os próximos meses em relação à política de juros no país?
José Luis Oreiro – Foi uma decisão errada, que mostra a força do rentismo no país. Em linhas gerais, o Banco Central reagiu a um choque temporário de oferta com uma elevação da taxa de juros em 0,75 p.p. e sinalizou que irá continuar o processo de "normalização" da política monetária nos próximos meses, ou seja, irá continuar aumentando a Selic.
Segundo estimativas do próprio Banco Central, um aumento de 1,5 p.p. na Selic irá produzir uma elevação de R$ 47,7 bilhões na dívida bruta do governo geral; um valor equivalente a um mês de Auxílio Emergencial de R$ 600,00 para um público de 67 milhões de pessoas. Em outras palavras, o governo não tem dinheiro para pagar o mesmo valor de Auxílio Emergencial que pagou em 2020, mas tem dinheiro para o PESFL, “Programa Emergencial de Socorro à Faria Lima”. É muita cara de pau.
O governo não tem dinheiro para pagar o mesmo valor de Auxílio Emergencial que pagou em 2020, mas tem dinheiro para o PESFL, "Programa Emergencial de Socorro à Faria Lima" – José Luis Oreiro Tweet
IHU On-Line – Em fevereiro deste ano, o Congresso aprovou a autonomia do Banco Central, que foi sancionada pelo presidente Bolsonaro, com a justificativa de "evitar pressões políticas na condução da política de juros da instituição". Como o senhor avalia essa medida?
José Luis Oreiro – Foi essa medida que deu ao Banco Central os graus de liberdade para tomar a decisão insana de aumentar a taxa de juros no meio da pior crise econômica e sanitária de nosso país. Veja que a autonomia do Banco Central foi aprovada antes da PEC emergencial e até mesmo antes de o Congresso Nacional ter aprovado o orçamento de 2021.
Por que tanta pressa dado que essa discussão já se arrasta há mais de 30 anos? Foi porque a turma do mercado financeiro receava a intervenção do presidente da República no Banco Central do Brasil caso o mesmo fizesse o que acabou fazendo. Agora não só Bolsonaro como o próximo presidente da República estarão de mãos atadas no que se refere à condução da política monetária. Perdeu a Democracia, ganhou a Plutocracia.
IHU On-Line – O senhor costuma criticar o que chama de "porta giratória" do Banco Central, mas também do Ministério da Economia, no sentido de que economistas, depois de trabalharem para essas instituições do Estado, passam a atuar no mercado financeiro. Que problemas percebe nessa relação?
José Luis Oreiro – É um problema de captura do regulador pelo regulado. Por que um economista que não concluiu seu doutorado, que nunca estudou ou trabalhou com finanças é convidado para ser economista chefe e sócio de um dos maiores bancos de investimento do país depois de ter trabalhado no Ministério da Economia? Na minha cabeça só existe uma explicação possível: recompensa pelos bons serviços prestados ao setor financeiro quando de sua atuação no setor público. Assim, simples.
IHU On-Line – Quais são suas projeções para a economia brasileira no decorrer deste ano?
José Luis Oreiro – Eu estaria sendo néscio se cravasse um número para o crescimento do PIB em 2021. A incerteza é muito grande. Ao que tudo indica, a pandemia está fora de controle no Brasil. A base de apoio do governo no Congresso começa a mandar sinais de descontentamento. O Ministério da Economia não tem um plano concreto de medidas de incentivo econômico e, para piorar, o Banco Central vai "normalizar" a política monetária. Eu aposto que o PIB irá se contrair no primeiro e no segundo semestre deste ano. O que vai ocorrer no segundo semestre eu não faço a menor ideia. Incerteza pura. Não dá para fazer previsão.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
José Luis Oreiro – Eu aconselharia o presidente Bolsonaro a adotar um gesto de grandeza e renunciar ao cargo de presidente da República. Seria melhor para todos, inclusive para ele que, aparentemente, se sente sufocado pelo peso da responsabilidade de governar um país onde a maior parte das pessoas não gosta dele e/ou não concorda com as decisões que ele toma.
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Alon Feuerwerker: Ofensiva ou defensiva? E uma lembrança sobre 1964
As movimentações do poder nos últimos dias permitem pelo menos duas leituras. Uma diz que a troca dos comandantes das Forças Armadas faz parte de certo rearranjo numa ofensiva política do presidente da República. Expressão desse raciocínio é a palavra “golpe” ter dado as caras com assiduidade durante algumas horas.
Em especial no intervalo entre a demissão da antiga cúpula militar e o anúncio da nova.
Cada um tem sua própria opinião, mas a minha é que talvez tenha sido o contrário. Talvez o movimento presidencial tenha sido essencialmente defensivo, parte da construção de barreiras protetivas num período em que a ofensiva é dos adversários ferrenhos, circunstância que sempre embute o risco de provocar desequilíbrios em aliados não tão orgânicos assim.
O cenário das últimas semanas combina números trágicos e explosivos da Covid-19, dúvidas disseminadas sobre o ritmo da vacinação, desconforto sobre o valor do novo auxílio emergencial, temores de perda de fôlego da atividade econômica, conflito aberto do presidente com a maioria dos governadores em torno das medidas de isolamento social.
E até dias atrás juntava-se a isso a encrenca do então chanceler com o Senado Federal.
Em certo momento da confusão, o presidente da Câmara, último muro que separa a oposição de entrar no terreno do impeachment, ligou o sinal amarelo. Quem avisa, aliado é. A partir dali, ficar parado não era mais opção para Jair Bolsonaro. Ele entrava na situação corriqueira dos presidentes brasileiros: ter de oferecer os anéis antes de perder os dedos.
Mas só recuar provocaria efeitos colaterais indesejados. Preservaria forças e recursos do poder. Mas também transmitiria sinal de fraqueza. Que sempre tem uma resultante perigosa: acender ainda mais apetites. Na última linha, a política não se define pelo sentimento de gratidão, define-se pela correlação de forças. Quem quer sobreviver precisa ter força, ou ao menos dar a impressão.
É fácil constatar. Se Bolsonaro tivesse apenas trocado o chanceler e aberto espaço no núcleo do Planalto para uma aliada do presidente da Câmara, o noticiário giraria em torno do recuo do presidente sob pressão. Como ele, ao mesmo tempo, deu certo sinal de “manda quem pode”, trazendo as Forças Armadas para dançar, o jogo simbólico ficou algo equilibrado.
Sim, apenas equilibrado, porque restou claro que os novos comandantes foram indicados em consenso com o escalão mais alto de cada força. Assim, ao final, todo mundo mostrou um pouco de dentes: a Câmara dos Deputados, o Senado, o Presidente da República e a turma das quatro estrelas na Marinha, no Exército e na Aeronáutica.
E segue o jogo. E qual é esse jogo? Há a necessidade de combater a pandemia e retomar a economia, claro, mas a bússola política está apontada mesmo é para 2022. Aliás, esse talvez seja o principal saldo semiótico das últimas semanas. Tem projeto? Então foco. Prepara-te para outubro do ano que vem. As outras opções são bem menos prováveis.
Pois, a rigor, ninguém relevante está, tirando a retórica, interessado numa ruptura. Entre os vários motivos: ao contrário de Fernando Collor e Dilma Rousseff, o vice agora não é uma ponte potencial dos políticos para a ocupação do governo. E outro detalhe: numa ruptura digna do nome, não tem seguro que proteja 100% de ser tragado pelo tsunami.
Sobre tsunamis, esta semana registrou-se mais um aniversário de 31 de março de 1964. Como habitual, reacendeu-se a discussão sobre o que teria acontecido se Jango não tivesse sido derrubado. Debate que persistirá para a eternidade. Uma coisa, porém, é certeza. Nem Juscelino Kubitschek, nem Jânio Quadros e muito menos Carlos Lacerda eram comunistas.
Todos apoiaram a deposição de João Goulart. E quem não souber o que aconteceu depois com eles, é só procurar no Google.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Heloisa Starling: 'Altas patentes da ativa estão em silêncio eloquente'
Pesquisadora alerta para o nível de tensão entre governo e Forças Armadas mas vê como bom sinal a falta de manifestações políticas da cúpula militar
Janaína Figueiredo, O Globo
RIO - A inédita troca simultânea dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, semana passada, colocou historiadores brasileiros como Heloisa Starling em estado de alerta. A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais, coautora de "Brasil: uma biografia", se pergunta, por exemplo, se existem fissuras nas Forças Armadas, e se a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de contar com respaldo militar para seu projeto político tem adesão nas baixas patentes. "O silêncio dos quartéis tem sido muito eloquente. Todas as altas patentes na ativa estão em silêncio, o que é muito bom para a democracia", afirmou a historiadora, em entrevista ao GLOBO. Heloisa não vê risco de golpe, mas faz uma ressalva: "o projeto autoritário do governo corroi por dentro a democracia. A novidade é essa".
Qual é a sua avaliação sobre a crise entre o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula militar?
Os sentimentos são vários. O Brasil vive numa montanha-russa, a cada dia temos um solavanco maior, sem respiro. Um dos pensamentos que tive foi me perguntar como é possível que, num momento em que mais de 300 mil brasileiros morreram, se faça uma reforma de ministério. Ao invés de todas as forças do governo federal estarem voltadas para o enfrentamento da pandemia e para dizer à sociedade que a vida de cada brasileiro vale igual, o governo faz uma reforma e arruma uma crise com as Forças Armadas? Isso é muito assustador e dá a dimensão do grau de degradação do país. Muitos nos perguntamos o que realmente está acontecendo.
Que precedentes históricos devem ser levados em conta na hora de analisar o estremecimento da relação entre Bolsonaro e a agora ex-cúpula das Forças Armadas?
Se você olhar, do governo Deodoro da Fonseca até o governo Geisel, você tem umas 15 tentativas de intervenção militar no Brasil, duas deram certo e liquidaram a democracia: o Estado Novo, em 1937, e a ditadura militar, em 1964. Desde a redemocratização, não temos esse quadro de tensão entre Planalto e Forças Armadas. Se o ministro da Defesa precisa dizer que as Forças Armadas são uma instituição do Estado republicano, isso significa que alguém estava forçando para que não fosse. Por outro lado, as Forças Armadas são politicamente heterogêneas. Isso inclui diferença de arma, geração e carreira; também possui interesses próprios e capacidade de promovê-los. Gostaria de entender o que está acontecendo dentro delas. No período Geisel, por exemplo, o projeto de abertura era defendido por um setor, mas houve uma reação muito forte contra essa abertura. Essa reação culmina com uma tentativa de golpe militar em 1977, com Sylvio Frota, através de um pronunciamento que buscou insuflar as tropas contra Geisel. Ele era uma das lideranças mais importantes do setor mais reacionário das Forças Armadas. Às vezes, me parece o mesmo filme. No manifesto, Frota faz a defesa do alinhamento incondicional com os EUA, ataca Geisel pela aproximação com a China e por críticas a Israel. Seriam provas de uma “escalada socialista” no Brasil, como ele diz. Também reclama que Geisel é complacente com as críticas da mídia às Forças Armadas e permite propaganda subversiva. Tem um caldeirão ideológico no pronunciamento dele que vale a pena olhar. Recém promovido a capitão, o general Augusto Heleno era seu ajudante de ordens.
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A senhora se pergunta se o discurso e as pretensões de Bolsonaro de politizar as Forças Armadas têm algum respaldo dentro do mundo militar ativo?
Minha dúvida é: tem fissuras hoje nas Forças Armadas? Se sim, quais são essas fissuras? Tem alguma cunha sendo metida dentro das Foças Armadas, no sentido de buscar adesão nas baixas patentes para um projeto de poder? Isso já aconteceu no passado, tivemos a revolta dos marinheiros, dos sargentos, entre outras. Na ditadura, tivemos fissuras, que vieram dos setores mais ideológicos das Forças Armadas. Não quero saber se tem partidários do presidente Bolsonaro, quero saber se tem fissuras.
Até agora, o que a senhora responderia a essa pergunta?
Se ligarmos para o passado, para entender o que estamos vendo hoje, ele nos dirá que as Forças Armadas não são homogêneas, já se dividiram, existe uma tradição de intervenção política, e já se manifestaram de diferentes maneiras. Posso supor que a força institucional, pelo que tudo indica, está sendo demonstrada. Mas e as patentes inferiores? O presidente tem uma atuação frequente, uma presença que não é comum entre chefes de Estado em formaturas militares. Até agora, o silêncio dos quartéis tem sido muito eloquente. Bolsonaro não tem tropas ao seu redor, tem muito militar da reserva. Todas as altas patentes na ativa estão em silêncio, o que é muito bom para a democracia. O general (Pedro Aurélio) Góis Monteiro, um dos mais importantes da história do Exército brasileiro, responsável pela grande modernização das Forças Armadas nos anos 30, dizia que o Exército é o grande mudo. Temos de lembrar do Góis Monteiro, enquanto estiver mudo, é bom.
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Existe uma ideia de que Bolsonaro constantemente evoca a ditadura. Mas não é a ditadura, ele evoca um momento da ditadura, os anos 70, o período mais violento e repressivo. Se você observar a história dele e dos generais que estão em torno dele, são todos formados nos anos 70, por coronéis instrutores que vieram da repressão à luta armada, principalmente no Araguaia. A nostalgia não é da ditadura, é do porão.
Quais são os riscos que a democracia brasileira corre hoje?
A vertente dessas pessoas que mencionava antes foi derrotada por Geisel nos anos 70, derrotada pela abertura e o início da transição democrática. Eles poderiam, e aqui estou especulando, alimentar um projeto messiânico. Isso significa um projeto de poder, no mínimo, autoritário. Estamos lidando com um pensamento muito autoritário, e não é uma aventura, tem uma história.
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O presidente disse que joga dentro da Constituição, mas que outras autoridades atuam no limite.
O projeto autoritário do governo corrói por dentro a democracia. A novidade é essa. Todas as vezes que a democracia sucumbiu no Brasil foi por força de golpe de Estado. Hoje, temos um processo de corrosão, dentro das instituições, das agências. Cada vez que as instituições reagem a esse projeto, por exemplo o Supremo Tribunal Federaç (STF), elas se enfraquecem. Isso esgota a energia das instituições. Exauridas, elas vão perdendo capacidade de reação. Outro mecanismo de corrosão são gestões muito incompetentes dentro de agências do Estado, como foi a do Ministério da Saúde. Lembro que em janeiro de 2019, Bolsonaro tinha acabado de tomar posse, e fez um discurso num jantar em Washington no qual ele diz que seu governo não vai construir nada, vai desconstruir. Tem método, e está em ação.
Hoje, esse projeto de poder está acuado?
Não vejo esse projeto acuado, ele está em pleno funcionamento. Tenta-se impor, ainda, uma nova língua que parece saída diretamente das páginas do livro “1984”, de George Orwell: a apropriação das palavras e a inversão de seu significado. Ditadura militar significa liberdades democráticas; os inimigos da democracia se dizem vítimas de ditadura; liberdade de expressão virou licença para delinquir. É um processo lento, e não ocorre apenas no Brasil. Acontece na Hungria, na Polônia, Venezuela, os Estados Unidos de Trump, Índia. Tem um padrão, um modo como governantes com vocação autoritária, eleitos democraticamente, agem para corroer por dentro as instituições democráticas. O que me preocupa é que as instituições não se defendem sozinhas. Falta uma reação da sociedade, mesmo na pandemia, a sociedade pode ser criativa, e não se pode falar só na internet, é preciso falar na cena pública. Existem, por exemplo, movimentos para defender um luto para os brasileiros mortos na pandemia. A sociedade também deve dizer que a democracia é um valor e não abriremos mão dele. É preciso pensar formas de expressar o respeito à nossa democracia. Como diz a música de Aldir Blanc, uma estrela é um incêndio na solidão. A democracia não acontece na solidão.
Vinicius Sassine: Braga Netto assume Defesa com Exército ressentido e crítico a gestos de Bolsonaro na pandemia
Cúpula militar volta a se incomodar com o presidente após anúncio de uso das Forças Armadas como reforço à vacinação
O general da reserva Walter Braga Netto toma posse no cargo de ministro da Defesa nesta terça-feira (6), na presença de Jair Bolsonaro e com parte expressiva da cúpula do Exército ainda ressentida com a troca dos principais postos de comando efetuada pelo presidente na semana passada. A ação detonou a maior crise militar já vista desde a redemocratização.
Generais que integram o Alto Comando do Exército (a maior das três Forças Armadas) criticam em conversas reservadas o mais recente discurso de Bolsonaro sobre a pandemia.
No sábado (3), ao lado do novo ministro da Defesa, o presidente afirmou que as Forças vão começar a participar da aplicação de vacinas contra a Covid-19 e que os quartéis têm condições de colaborar nesse sentido.
No mesmo contexto da fala de Bolsonaro, Braga Netto e o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) discutiram no fim de semana a participação dos militares na vacinação. Queiroga afirmou que essa era uma determinação do presidente.
A fala incomodou a cúpula do Exército porque, segundo militares em postos de decisão, a Força já colabora há tempos com a vacinação, em parceria com instituições e governos locais.
Militares também defendem que, após ser demitido por Bolsonaro, o general Edson Leal Pujol não deve sair pela porta dos fundos do comando do Exército.
A recente crise militar começou quando o presidente demitiu o general da reserva Fernando Azevedo e Silva do cargo de ministro da Defesa, no começo da tarde da segunda passada (29). Braga Netto, então, foi deslocado da Casa Civil da Presidência para o ministério.
No dia seguinte, diante de um movimento dos líderes das três Forças para entregar os cargos, Bolsonaro demitiu os comandantes. Na quarta (31), os novos comandantes de Exército, Aeronáutica e Marinha foram escolhidos e anunciados pelo ministro.
Até agora, não há informações sobre quando e como serão feitas as trocas de comandos. “A data e outros detalhes de passagem de comando do Exército serão definidos após a avaliação e adequação das agendas das autoridades envolvidas no evento, sendo oportunamente informada”, disse o Exército, em nota.
A cúpula da Força quer que a troca de comando ocorra de maneira formal e conforme protocolos militares de eventos do tipo, dentro das limitações impostas pela pandemia, e não sem nenhum tipo de cerimônia.
Em 11 de janeiro de 2019, Pujol assumiu o cargo com pompa, no Clube do Exército em Brasília, com o ritual militar adotado tradicionalmente nessas cerimônias. Seu antecessor, o bolsonarista Eduardo Villas Bôas, hoje abrigado em um cargo no Palácio do Planalto, compareceu e levou um discurso de transmissão do posto. Bolsonaro e diversas autoridades estiveram presentes.
Um consenso também se formou entre integrantes do Alto Comando do Exército: o general da ativa Eduardo Pazuello, demitido do cargo de ministro da Saúde, não tem condições de retornar à Força, muito menos de voltar a comandar uma tropa.
Pazuello foi ministro de junho de 2020 a março de 2021. Exerceu o cargo e permaneceu na ativa do Exército, com o aval de Pujol. Foi demitido em meio ao descontrole da pandemia –no momento da demissão, o país se aproximava de 2.000 mortes por dia; agora a quantidade diária está perto de 4.000.
O general e ex-ministro é investigado pela Polícia Federal por supostos crimes ao se omitir diante da anunciada crise de escassez de oxigênio em Manaus, em janeiro. Pazuello era investigado em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal).
Ao perder o foro especial, o caso foi remetido à primeira instância da Justiça Federal em Brasília. Um processo ainda não foi formalizado.
Na avaliação de generais do Alto Comando, o cargo exercido por Pazuello foi essencialmente político. Tanto que o general encampou a política de “tratamento precoce” que é o carro-chefe de Bolsonaro no combate à pandemia. Medicamentos como a cloroquina não têm eficácia comprovada para Covid.
A cloroquina movimentou as estruturas do Exército e da Aeronáutica. Com aval de Pujol e intermediação do então ministro da Defesa, Azevedo e Silva, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército fabricou 3,2 milhões de comprimidos da droga, a um custo de R$ 1,2 milhão. Aviões da FAB transportaram o medicamento a regiões isoladas na Amazônia.
Um ato do último dia 25, assinado por Pujol, “reverteu, a contar de 23 de março de 2021, ao respectivo quadro o general de divisão intendente Eduardo Pazuello”.
O ex-ministro ainda está sem destino definido. Antes de assumir um cargo da linha de frente do governo Bolsonaro, Pazuello comandou tropas da 12ª Região Militar, em Manaus.
Uma semana depois do começo da maior crise militar desde 1977, as relações ainda não estão integralmente pacificadas, ao contrário do que faz crer uma foto divulgada pelo Exército na quinta-feira (1º), dia seguinte ao anúncio do nome do novo comandante da Força, general Paulo Sérgio de Oliveira.
Aparecem na foto Oliveira, Pujol e Villas Bôas. É o registro de uma visita feita pelos dois primeiros ao ex-comandante, que ganhou um cargo de assessor especial no Planalto desde sua saída do comando do Exército.
Para tentar evitar um aprofundamento da crise, Bolsonaro decidiu respeitar critérios de antiguidade na escolha dos novos comandantes.
Oliveira era o terceiro mais antigo na lista de militares com quatro estrelas e na ativa. O novo comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, era o segundo em antiguidade. E o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, o primeiro da Aeronáutica.
A posse de Braga Netto estava prevista para as 9h no Planalto, sem presença da imprensa e com transmissão pelos canais oficiais do governo federal.
Também participam da cerimônia formal, na mesma ocasião, mais seis ministros anunciados por Bolsonaro no último mês: Flávia Arruda (Secretaria de Governo da Presidência), general da reserva Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública), Carlos Alberto França (Itamaraty), André Mendonça (AGU) e Marcelo Queiroga (Saúde).
Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente
Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo
Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.
Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.
Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.
Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.
Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.
Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos
Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.
“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.
Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.
Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.
Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.
A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.
Luiz Carlos Azedo: Como no quartel de Abrantes
A crise militar foi pura perda de tempo, tirou o foco do principal problema do país: a pandemia da covid-19, que ontem registrou novo recorde, 3.869 óbitos em 24 horas
A frase “tudo como dantes no quartel de Abrantes” é uma herança lusitana. Chegou ao Brasil em 1808, a bordo dos navios que trouxeram a família real e sua corte para o Rio de Janeiro. Surgiu durante a invasão de Napoleão Bonaparte à Península Ibérica. Portugal havia se oposto ao Bloqueio Continental, que obrigava o fechamento dos seus portos a qualquer navio inglês. Em 1807, o general Jean Androche Junot, braço-direito de Napoleão, atravessou a fronteira com a Espanha e ocupou Abrantes, a 152 quilômetros de Lisboa, na margem do rio Tejo. Lá, instalou seu quartel-general e, meses depois, se fez nomear duque d’Abrantes.
Com a fuga do príncipe-regente Dom João VI para o Brasil, o general francês praticamente não enfrentou oposição. Isso despertou a ironia popular, registrada por Orlando Neves no Dicionário de Expressões Correntes (Editorial Notícias, Lisboa): “‘Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. Esse é o saldo da crise militar provocada pela demissão do ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos comandantes militares do Exército, Edson Leal Pujol; da Marinha, Ilques Batista; e da Aeronáutica, tenente- brigadeiro Antônio Carlos Bermudez.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro escolheu os novos comandantes militares, apresentados pelo novo ministro da Defesa, general Braga Netto: Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos; e Aeronáutica, tenente- brigadeiro do ar Carlos Baptista Junior. A péssima repercussão da forma como Azevedo e os comandantes militares foram despachados para casa levou a uma solução de compromisso: Bolsonaro aceitou o nome do general Paulo Sérgio, autor da entrevista ao Correio Braziliense, de domingo passado, que tanto o desagradou, mas levou a melhor na Marinha e na Aeronáutica, cujos comandantes serão mais afinados com o Palácio do Planalto do que os antecessores.
O novo ministro da Defesa, general Braga Netto, saiu do episódio desgastado com seus colegas. Foi a primeira vez, desde 1985, que os comandantes das três Forças Armadas deixaram o cargo ao mesmo tempo sem ser em período de troca de governo. A escolha do general Paulo Sérgio foi uma imposição do Alto-Comando do Exército. Com 62 anos, cearense de Iguatu, é general do Exército desde março de 2018. Serviu em unidades de infantaria em João Pessoa (PB), Garanhuns (PE), Belém (PA) e Juiz de Fora (MG). Antes de chefiar o Departamento de Pessoal do Exército, foi comandante militar do Norte, em Belém (PA). Ao contrário de Pujol, Paulo Sérgio mantém ativa presença nas redes sociais.
Perda de tempo
Almir Garnier Santos, 60 anos, é almi- rante de esquadra desde novembro de 2018. Carioca de Cascadura (RJ), é especialista em guerra eletrônica e logística naval. Tem traquejo político, tendo assessorado os ex-ministros da Defesa Celso Amorim, Jaques Wagner, Aldo Rebelo e Raul Jungmann. Carlos de Almeida Baptista Júnior é tenente-brigadeiro desde março de 2018. Carioca, é filho do ex- comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista. Serviu como adido adjunto de Defesa e Aeronáutica nos Estados Unidos e foi comandante da Base Aérea de Fortaleza. Em Brasília, foi assessor de Orçamento da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.
A crise militar foi pura perda de tempo, tirou o foco do governo do principal problema do país: a pandemia da covid- 19, que ontem registrou novo recorde: 3.869 óbitos em 24 horas. É a quinta vez que o país registra mais de 3 mil vítimas por dia. Enquanto isso, Bolsonaro continua combatendo prefeitos e governadores que adotam medidas de distanciamento social mais rígidas. Sabota os esforços do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ).
Em tempo: Junot marchou tranquilamente para Lisboa. Na Praça do Rossio, em janeiro de 1808, hasteou a bandeira francesa, declarou extinta a Casa Real de Bragança e dissolveu o Exército português.
Marcelo Godoy: Bolsonarismo faz Pazuello permanecer ministro e milícia marchar no Rio
Oficiais assistem incomodados à novela do colega; coronéis repudiam uso de boinas e botas da Brigada Paraquedista em manifestação política, o que seria crime militar
Caro leitor,
o 'ex-ministro' Eduardo Pazuello foi receber um lote de 1 milhão de vacinas importadas que chegou ao Brasil no domingo, dia 21. Há sete dias, o Ministério da Saúde tem um ministro demitido à frente da pasta no momento mais dramático da história recente do País. A presença de Pazuello continua a assombrar generais da ativa e da reserva, assim como a maioria da população, que repudia o negacionista e a obediência cega ao capitão do Planalto. O Estadão mostrou as preocupações de governadores e dirigentes da Saúde com a inação do ministro em meio à ameaça da falta de oxigênio e de remédios para UTIs em hospitais de todo o País.
Há três meses, esta coluna revelou que um pequeno grupo de militares da reserva pedia a saída do especialista em logística da pasta, depois do prejuízo ao erário causado pelos testes que foram esquecidos em um depósito até quase vencer a validade de todos. Desde então, o coro só aumentou. E foi com alívio que muitos militares da ativa e da reserva receberam, na semana passada, a notícia de que Bolsonaro, finalmente, resolvera retirar Pazuello, um general da ativa, de seu ministério.
Desde janeiro, o apoio a Pazuello despencava. Naquele mês, um tenente-brigadeiro até recentemente na ativa disse à coluna, diante da crise de oxigênio em Manaus, que tudo seria mais fácil se o governo não tivesse desistido, em 2019, da compra de um Boeing 767, por cerca de US$ 14,47 milhões – fora os gastos com o suporte da aeronave. O avião teria ajudado a salvar vidas, pois podia fazer “viagens com 250 passageiros ou, no caso, tubos de oxigênio para abastecer Manaus”.
Na semana passada, a indústria química cobrou do ministério a falta de planejamento logístico para o País em meio à crise dos remédios do chamado kit intubação. Quer dizer que, passado um ano de pandemia, o governo não tem ainda um plano? O que fizeram os coronéis levados por Pazuello para o ministério, além de lacrar em entrevistas? Um general alertou logo no começo dessa aventura: cada um assume o cargo com seu CPF. O problema é que muitos queriam fazê-lo em nome do Exército, como se o cargo fosse “missão”.
O constrangimento só aumentou. Pazuello não larga o osso – dizem seus colegas – porque pretendem apaziguá-lo com outro cargo, talvez um ministério ou uma secretária com o mesmo status. Como Jason, aquela personagem de filmes de terror que não desencarna, Pazuello foi demitido, mas não deixa de ser ministro. A situação já não espanta os colegas da ativa. Ninguém entende mais nada. Ou pior. Entende. Mas finge não saber o que se passa. Enquanto mais de 2,2 mil pessoas continuam morrendo em média todo dia no País, o governo gasta tempo discutindo a salvação de um único brasileiro: o general Pazuello.
Não deveria ser tratado como letra morta o que escreveu o cientista político Oliveiros S. Ferreira. “Na Força Armada não há essa distinção entre o 'legal' e o 'moral'. A conduta ajusta-se ou não aos padrões militares.” No Planalto, o imbróglio é colocado na conta do civil escolhido para substituir Pazuello: Marcelo Queiroga. O leitor viu aqui que Queiroga é sócio de uma empresa e, por isso, não pode assumir o cargo. Quer dizer que o presidente resolveu nomeá-lo, mas nenhum Heleno nem ninguém do Gabinete de Segurança Institucional verificou se havia algum óbice para que Queiroga assumisse? Alguém pode perguntar: Mas porque seria importante ter um ministro se quem manda na Saúde é o presidente que manda nebulizar cloroquina em pacientes na UTI? E ainda imita pessoas com falta de ar... E assim o pesadelo continua.
Uma das origens dessa baderna no Planalto é a mistura entre a instituição militar e o bolsonarismo, fenômeno patrocinado pelos próceres do movimento liderado por Jair Bolsonaro. Foram eles que nomearam oficiais generais da ativa para cargos civis no governo. Foram eles que entraram em organizações militares e fizeram discursos políticos para cadetes e alunos. Eles deram o exemplo de indisciplina e desprezo pela gravidade da pandemia, comparecendo a lugares sem tomar cuidado algum. E ainda hoje acreditam em tratamento precoce sem comprovação científica. Eles nunca foram visitar os doentes nos hospitais para levar conforto e apoio e constatar o resultado de sua guerra à ciência.
Enquanto hospitais de todo País alertam há dias para o colapso, Bolsonaro desconfia de tudo, como se as pessoas morressem só para impedir sua reeleição. Seus apoiadores chegam a distribuir áudios negando que o senador Major Olímpio foi vítima da covid-19. Ao Estadão, o ex-ministro e general Carlos Alberto Santos Cruz escreveu: “Houve perda de tempo com banalidades e estamos absurdamente atrasados. É inaceitável que a pandemia tenha sido conduzida sem liderança, com falta de considerações técnicas, com constantes tentativas de desmoralização dos procedimentos apropriados, politização completa de todo o processo e até de medicamentos”. Santos Cruz apoiou Bolsonaro em 2018. Outros como ele se afastam do presidente.
E o que faz o bolsonarismo diante desse quadro? Dobra a aposta. Há uma semana grupos de Whatsapp do movimento foram de novo inundados com manifestações golpistas pedindo “intervenção militar”, um movimento planejado, que deseja a decretação de estado de sítio. Um bando em forma de milícia marchou no domingo, no Rio, usando a boina da Brigada Paraquedista – com o símbolo do Exército – e o "bute marrom". Divulgaram vídeos ameaçando “os esquerdas” – todos os brasileiros que se opõem aos arruaceiros. O uso indevido de uniforme, distintivo e insígnia de posto ou graduação é crime tipificado nos artigos 171 e 172 do Código Penal Militar. No primeiro, são punidos os militares transgressores com 6 meses a 1 ano de detenção. No segundo, os civis, cuja pena cai pela metade.
A milícia dos valentões se aglomerou em frente à casa do presidente para lhe render apoio. E assim degradou um dos símbolos da Brigada em uma manifestação político-partidária. Para um coronel engenheiro militar ouvido pela coluna, o Comando do Exército e o Ministério Público Militar devem uma reposta à impostura. Têm de mostrar que os comportamentos em conflito com a lei e com os valores castrenses não ficarão impunes. Mais do que usar o símbolo paraquedista, a milícia queria amedrontar, ameaçar e intranquilizar os brasileiros que discordam do presidente. Sonhava em reduzir as Forças Armadas à mera Guarda Pretoriana de Bolsonaro – o próprio presidente usa o lema da Brigada.
Mas o Exército deve pertencer à Nação e não a Bolsonaro nem a qualquer outro presidente que se ponha fora da Lei e ameace o País pelas armas. Cada vez que renova suas aldrabices, Bolsonaro pretende que o País acredite que os ponteiros do relógio da legalidade se aproximam da hora em que as Forças Armadas terão de enfrentar a prova final. Desconhece o aumento do número de generais que o tratam agora como “o louco da aldeia”, aquele sujeito que grita e gesticula no chafariz, mas ninguém se detém para ouvi-lo. Nem o levam a sério. Outros que há muito o conhecem se resignam. É que as perspectivas de poder de Bolsonaro diminuem a cada dia, a cada morto da pandemia. E ele não percebe que o turfe não é o único lugar em que não se aposta em cavalo perdedor.
*Marcelo Godoy é jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).
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O mau uso que ele faz do apoio militar
Qual o sonho de consumo do brasileiro ameaçado pelo vírus que bate à sua porta? Se for inevitável contraí-lo, quer uma vaga de UTI no melhor hospital que existir, medicamentos em profusão, cilindros de oxigênio à farta e uma equipe de sábios doutores e de experientes enfermeiros que cuidem dele em tempo integral.
A isso a pandemia nos reduziu. A isso que nos reduziu um presidente da República genocida por natureza que parece ter forte compulsão pela morte, sabe-se lá por quê. Freud explica, certamente. Assunto para estimular discussões intermináveis entre psicanalistas das mais diversas escolas.
Seria o caso também de eles se debruçar, junto com sociólogos, antropólogos e historiadores, sobre o comportamento até aqui indiferente ou resignado da maioria dos brasileiros diante do número de mortos pela doença que em breve superará a marca dos 300 mil. Por que procedemos assim? O que nos move?
Bolsonaro, que tantas vezes desafiou a morte como paraquedista do Exército antes de ser afastado de lá, acusado de conduta antiética, é movido pela falta de compaixão e pelo firme propósito de tirar vantagem de tudo, até de um banho nas águas frias do rio Jordão. Ele, acima de tudo! Os filhos, acima de todos!
Só muda quando o desespero toma conta de sua alma. Sempre que se vê acuado, apela às Forças Armadas e finge contar com o seu apoio para governar e, em situação extrema, ir além – se der, via adoção de medidas capazes de instalar no país um regime autoritário. Seu compromisso com a democracia é zero.
Se não a sabota mais do que já faz é porque lhe falta respaldo. Nas eleições de 2018, ele de fato foi o candidato dos militares, preocupados em impedir um eventual retorno da esquerda ao poder. Nas eleições de 2022, tudo indica que continuará sendo. Mas se for derrotado, lhe baterão continência à saída, tchau, e só.
Por formação, militar é de direita, aprecia armas, trata os subordinados aos berros e cobra obediência. Mas muitos nos escalões superiores são estudiosos e bons analistas. Sabem ler o mundo e o país. Sabem que a supressão da democracia faria do Brasil um pária internacional. E isso eles não querem.
Pária já é. A nova cepa brasileira do vírus aterroriza os governos da região. Peru e Colômbia proibiram voos do Brasil. O Uruguai mandou mais doses de vacinas para a fronteira com o Rio Grande do Sul. Quem vai do Brasil para o Chile fica em quarentena. Os argentinos impuseram restrições à entrada de brasileiros.
Insensível ao que se passa ao redor, Bolsonaro usa os militares como espantalho doméstico, e eles se deixam usar, encantados, como estão, com a volta ao poder, desta vez pelo voto. Não ligam quando o presidente fala em seu nome como fez, ontem, outra vez. É coisa de político, desculpam. Bolsonaro proclamou:
“Pode ter certeza, o nosso exército é verde-oliva e vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade. Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir.”
E ao concluir uma das peças mais demagógicas do seu pobre repertório, prometeu: “Enquanto for vivo, enquanto for presidente, porque só Deus me tira daqui, eu estarei com vocês”. Estará para quê? Para associar-se ao vírus e dar passagem à morte? Para destruir a Amazônia? Para pôr a educação ao rés-do-chão?
Engrossa o caldo dos que à esquerda e à direita querem ver Bolsonaro pelas costas, se possível antes do fim do mandato. Já foi melhor negócio para o Centrão apoiá-lo em troca de benefícios. A companhia dele começa a tornar-se tóxica. Um deputado federal pernambucano, bolsonarista convicto, disse a este blog:
– Poderemos ir com ele até a porta do cemitério, mas não entraremos.
As muitas pedras no caminho de Lula até a eleição de 2022
Para 57% dos brasileiros, a condenação dele foi justa
Ora, dirão os petistas de quatro costados: é natural que uma pequena maioria dos brasileiros desaprove a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu as condenações de Lula e o tornou elegível – afinal, nos últimos anos, Lula foi alvo de um massacre midiático.
Houve um massacre. Mas é bom esclarecer que Lula não foi inocentado por Fachin. Depois de 4 anos, o ministro finalmente concluiu que a Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo então juiz Sérgio Moro, não era o juízo natural para julgar Lula. Caberá à Vara Federal de Brasília julgá-lo outra vez.
A reclamação dos petistas advém da descoberta feita pelo Datafolha em pesquisa aplicada na semana passada e só revelada hoje: para 57% dos entrevistados, foi justa a condenação de Lula por Moro, que o sentenciou a 9 anos e 6 meses de cadeia, pena reduzida a 8 anos e 10 meses pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para 38%, a condenação foi injusta, e 5% não souberam responder. Em abril de 2018, o Datafolha quis saber o que os brasileiros pensavam sobre essa mesma questão. Os resultados foram semelhantes: 54% viram justiça, 40%, injustiça, e 6% disseram não saber. Lula quer enfrentar Bolsonaro na eleição do ano que vem.
Não terá vida fácil se a opinião a seu respeito permanecer a mesma. Será alvo de ataques dos adversários, mas poderá se defender usando os mesmos meios dos quais se queixa. Bolsonaro o chamará de ladrão. Lula o chamará de genocida. Um candidato do centro se apresentará como alternativa ao genocida e ao ladrão.
Ainda faltam 19 meses para as próximas eleições. Só torcedor se arrisca a prever o resultado.
Luiz Carlos Azedo: É autoritarismo mesmo
Não se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de governantes em apuros, que começam a recorrer à força do Estado contra a opinião pública
O professor e historiador Alberto Aggio é um estudioso da política latino-americana, seu livro Um lugar no mundo (Fundação Astrojildo Pereira/ Fondazione Instituto Gramsci) dedica especial atenção à discussão do conceito de populismo. É um crítico tanto de sua “banalização”, como um termo que expressa estilos políticos de caráter depreciável, quanto do seu uso como “teoria explicativa” do desastrado percurso histórico latino- americano rumo à modernidade, “na qual a presença do Estado na vida social e econômica se fixa como seu elemento mais negativo e que necessita ser superado ou destruído”. Na sua avaliação, o populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo, buscava a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada pelo Estado, incorporando as massas à cidadania pela via dos direitos sociais. Foi “uma fuga para frente”.
Tratava-se de promover transformações sem rupturas violentas, revolucionárias, como em outros processos de industrialização. Interditou a via clássica de passagem à modernidade, caracterizada pela incorporação dos trabalhadores à democracia liberal. No caso brasileiro, o populismo emergiu após a Revolução de 1930, com Getúlio Vargas, e ganhou feições democráticas em seu segundo governo, na década de 1950. Caracterizou-se como um Estado de bem-estar social incompleto, com programa nacionalista que estatizava alguns setores da economia e legislação trabalhista e corporativista, que organizou e concedeu direitos sociais aos trabalhadores, mas também lhes retirou a autonomia.
O que isso tem a ver com o governo Bolsonaro? Nada! Por isso mesmo, não tem sentido as preocupações com uma possível “guinada populista” do atual governo. O risco é outro: a transformação de um governo bonapartista, com clara hegemonia de um determinado grupo de militares, num governo autoritário que confronta os demais Poderes e, de certa forma, o regime democrático no qual se instalou e funciona. O presidente Jair Bolsonaro não esconde de ninguém que seu espelho é o regime militar instalado após o golpe de 1964, que fará aniversário no último dia deste mês, cujas comemorações estão sendo preparadas por seus aliados, dentro e fora dos quartéis.
Desastre sanitário
No momento mais dramático da pandemia de covid-19, Bolsonaro insiste em suas teses negacionista, apesar de forçado a substituir o general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde, em razão do seu fracasso. Colocou no cargo o médico cardiologista Marcelo Queiroga, que ainda não substituiu os militares neófitos em saúde pública corresponsáveis pelo desastre sanitário que estamos vivendo. Sua mais recente decisão sobre a pandemia foi entrar com uma ação contra governadores e prefeitos que adotaram o “toque de recolher”, que são medidas de restrição de circulação noturna dos habitantes das cidades nas quais a pandemia está fora de controle, preconizadas por sanitaristas, não se compara a um “estado de sítio”. Bolsonaro sabe que está afrontando o pacto federativo, a autonomia de estados e municípios. Sua intenção é responsabilizar o Supremo pela crise econômica provocada pela pandemia. Prefeitos e governadores também não são responsáveis pelo colapso sanitário e a crise econômica, a grande responsabilidade é do presidente da República, pessoal e indivisível.
Há outros fatos ainda mais graves em relação aos impulsos autoritários de Bolsonaro, como as ações da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério da Justiça e da Polícia Federal com intuito de processar, investigar e prender oposicionistas. O uso político e abusivo desses aparatos de coerção do Estado para intimidar àqueles que criticam seu governo e sua atuação, com base numa anacrônica Lei de Segurança Nacional herdada da ditadura, é muito preocupante. Não, não se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de governantes autoritários em apuros, que começam a recorrer à força do Estado para exercer o poder contra a opinião pública, sem considerar os direitos das minorias e a legitimidade do dissenso numa ordem democrática.