Militares
Tanques na Esplanada: Forte representação política e histórica
No dia em que a Câmara votará em plenário a PEC do voto impresso, um comboio de blindados militares passará pelo Congresso e seguirá para a Praça dos Três Poderes. Iniciativa inédita é vista no Legislativo como uma tentativa de intimidação
Sarah Teófilo e Renato Souza / Correio Braziliense
No dia em que a Câmara votará a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso — amplamente defendido pelo governo —, um comboio de blindados militares passará pelo Congresso a caminho do Palácio do Planalto. As tropas integram a Operação Formosa, realizada todos os anos pela Marinha, mas que nunca incluiu a Praça dos Três Poderes no trajeto até a cidade goiana.
Outro fato inédito é a participação do Exército e da Aeronáutica, além de a coordenação ficar sob a responsabilidade do Ministério da Defesa. A decisão é vista como uma tentativa de intimidação do Parlamento e provocou críticas de congressistas e ações na Justiça.
No anúncio sobre a passagem pela Esplanada dos Ministérios, a Marinha justificou que a intenção é entregar convite ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Braga Netto, para participarem da cerimônia de abertura do evento no Entorno do DF, marcada para o próximo dia 16.
DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
No Judiciário e no Congresso, a ação é vista como uma tentativa de pressionar os deputados, tendo em vista o cenário de forte rejeição à PEC. Prevendo derrota na Câmara, o governo estaria fazendo uma demonstração de suposta lealdade política das Forças Armadas à escalada autoritária de Bolsonaro.
Com 2.500 militares envolvidos na Operação Formosa, os blindados partiram do Rio de Janeiro, e a expectativa é de que o comboio chegue ao centro de Brasília por volta das 8h. A ação causou surpresa até mesmo a integrantes do alto escalão do Exército, que dizem não terem sido informados com antecedência do evento. Fontes militares consultadas pelo Correio, sob a condição de anonimato, afirmam que a ordem para seguir até o Planalto, passando em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso, partiu do Ministério da Defesa.
Ameaça
A presença de blindados no centro do poder é mais um capítulo em torno de polêmicas provocadas pelo alinhamento de militares com o governo. As imagens da Esplanada com tanques devem ter forte representação política e histórica. A cena é incomum e preocupa o Legislativo.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) chamou o desfile de intimidação e disse que se trata de ação inconstitucional. “Tanques na rua, exatamente no dia da votação da PEC do voto impresso, passou do simbolismo à intimidação real, clara, indevida, inconstitucional. Se acontecer, só cabe à Câmara dos Deputados rejeitar a PEC, em resposta clara e objetiva de que vivemos numa democracia e que assim permaneceremos”, declarou.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) vê ensaio de golpe. “Colocar tanques na rua não é demonstração de força e, sim, de covardia. Os tanques não são seus, pertencem à nação. Quer tentar golpe, senhor Jair Bolsonaro? É o crime que falta para lhe colocarmos na cadeia”, frisou.
Por sua vez, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou os gastos de verba pública envolvidos no desfile, que foi avisado com um dia de antecedência. “Pedi à Justiça que impeça o gasto de recursos públicos em uma exibição vazia de poderio militar. As Forças Armadas, instituições de Estado, não precisam disso. Os brasileiros, sofrendo com as consequências da pandemia, também não. O Brasil não é um brinquedo na mão de lunáticos”, destacou pelas redes sociais.
BOLSONARO - OPERAÇÃO FORMOSA 2021
Vieira protocolou a ação popular na Justiça Federal da 1ª Região. A deputada Tabata Amaral (sem partido-SP) também é signatária do processo. “Está claro que Bolsonaro quer intimidar o Congresso na sessão que vai decidir sobre o voto impresso. É inadmissível esse comportamento do presidente”, escreveu a parlamentar nas redes sociais.
Opinião semelhante foi expressada pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). “Há homens fracos e frouxos que usam da força para mostrar poder. Bolsonaro é desses. Em baixa nas pesquisas, traz veículos de artilharia e combate, usados em treinamentos militares, para a Esplanada.
Mais uma vez, usa as instituições militares para impulsionar seu projeto anarquista de poder”, escreveu nas redes sociais. “É um necessário exercício da Marinha, mas que Bolsonaro transforma num espetáculo político, quando o traz pra Esplanada, com a clara intenção de aumentar especulações. Bolsonaro vive de especulações e sobrevive de tensões políticas.”
Após a repercussão, a Marinha emitiu nota negando pressão pelo voto impresso. “Cabe destacar que essa entrega simbólica foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República”, diz um trecho do comunicado.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4942746--imagens-de-tanques-na-esplanada-devem-ter-forte-representacao-politica-e-historica.html
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Desfile militar dura 10 minutos e termina sem discurso de Bolsonaro
Desfile dos veículos na Esplanada dos Militares provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional entre os Poderes
Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo
O desfile desta terça-feira (10) em frente ao Palácio do Planalto reuniu pela manhã dezenas de veículos militares, entre blindados, tanques, caminhões e jipes.
A parada militar, realizada no dia da votação do voto impresso na Câmara dos Deputados e criticada como mais uma tentativa de politização das Forças Armadas, começou por volta de 8h30.
Nesse horário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já estava na rampa do Palácio do Planalto, acompanhado dos comandantes das três forças. Também estavam diversos ministros, entre eles Walter Braga Netto (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Anderson Torres (Justiça).
No início do desfile, que durou aproximadamente 10 minutos, um militar em traje de combate desceu de um dos veículos, subiu a rampa e entregou a Bolsonaro um convite para comparecer a exercício militar da Marinha programado para agosto.
Durante a passagem dos veículos, um grupo de apoiadores de Bolsonaro se reuniu na Praça dos Três Poderes e entoou gritos em defesa da intervenção militar. Eles gritaram "Eu Autorizo" e "142", em referência a dispositivo constitucional que bolsonaristas dizem justificar uma eventual intervenção fardada.
Um dia antes, em meio à polêmica causada pelo desfile de blindados, Bolsonaro postou em suas redes sociais um convite para que autoridades de Brasília, como os presidentes das Casas Legislativas e do Judiciário, recebam também os veículos militares.
O desfile dos veículos provocou reação por ocorrer em um momento de tensão institucional, além de ser a data prevista para que a Câmara dos Deputados vote a PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso. O presidente já assume a possibilidade de derrota.
Mesmo aliados do presidente reagiram ao evento militar. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que se trata de uma "coincidência trágica" que o desfile dos blindados aconteça no mesmo dia previsto para a votação da PEC.
Após a passagem por Brasília, os veículos militares seguem para Formosa (GO), onde será realizado um grande exercício militar, com a presença de membros não apenas da Marinha como também do Exército e da Aeronáutica.
Embora seja um exercício de adestramento tradicional da Marinha, essa seria a primeira vez que os blindados entrariam em Brasília. Além disso, eles passaram pela Praça dos Três Poderes, em um momento de grande tensão entre os poderes, em particular entre o Executivo e o Judiciário.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/desfile-militar-em-dia-do-voto-impresso-dura-10-minutos-e-tem-bolsonaro-no-alto-da-rampa-do-planalto.shtml
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Militares bolsonaristas aceitam sugestões sobre novo golpe
Como justificar uma intervenção militar no ano que vem caso o atual presidente da República não se reeleja?
Ricardo Noblat / Blog do Noblat / Metrópoles
O golpe militar que pôs fim em 1945 à ditadura comandada por Getúlio Vargas teve como justificativa restaurar o regime democrático interrompido com a chamada Revolução de 1930 – por sinal, apoiada por eles, que apoiaram também o golpe do Estado Novo de Vargas em 1937.
O suicídio de Getúlio em 1954, que retornara ao poder como presidente democraticamente eleito, adiou a ameaça de um novo golpe militar que só foi aplicado em 1964 sob o pretexto de livrar o país do comunismo e de defender a democracia. Pelos 21 anos seguintes, o país viveu sob uma ditadura militar.
Agora, militares da ativa e da reserva que apoiam Bolsonaro dão tratos à bola à procura de um discurso que sirva de desculpa ao golpe que gostariam de dar caso o atual presidente acabe derrotado nas eleições do ano que vem. A defesa da democracia é um mote gasto. E se Bolsonaro perder, mas não para Lula?
O comunismo? Por mais que Bolsonaro e seus comparsas digam que o comunismo segue vivo, ninguém parece temer seus efeitos, pelo contrário. O agronegócio depende da China, o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. Não vai querer romper relações com ela. Comunista já não come criancinhas, come graus.
Sugestões que possam resolver o dilema enfrentado por militares golpistas deverão ser remetidas para os seguintes endereços:
Ministério da Defesa, aos cuidados do general Braga Neto; Térreo QGEx Bloco B, Brasília – DF, 71200-055;
Clube Militar, aos cuidados do general Eduardo José Barbosa; Av. Rio Branco, 251 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20040-009
Fonte: Metrópoles / Blog do Noblat
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/militares-bolsonaristas-aceitam-sugestoes-sobre-novo-golpe
O Brasil está em guerra pela democracia. E o Congresso, cadê?
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional; e o Congresso, onde está?
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Primeiro, o Congresso triplicou o fundo eleitoral para escandalosos R$ 5,7 bilhões em plena pandemia de covid-19 e de desemprego. Depois, tratou de reduzir os mecanismos de controle sobre essa dinheirama, propondo um código que tira a Justiça Eleitoral da frente e praticamente deixa a “fiscalização” do fundo e das campanhas por conta dos... partidos.
O País está no pior dos mundos, com mais de 560 mil mortos pela covid-19 e enfrentando uma crise institucional de um presidente da República que ameaça rasgar a Constituição contra o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e os próprios ministros, que resistem bravamente em nome da democracia. E o Congresso, onde está?
STF, TSE, milhares de empresários, intelectuais e líderes religiosos, sociedades de ciência e direitos humanos, entidades profissionais e religiosas, subprocuradores da República e grupos de parlamentares cerram fileiras contra os ataques de Bolsonaro à Constituição e às eleições. A resistência, porém, não encontra o devido eco na “casa do povo”, onde a maioria está mais preocupada com a própria reeleição e com o próprio bolso do que com a democracia.
O Congresso está nas nuvens, cuidando dos próprios interesses, ampliando seus privilégios. Na Câmara, com apoio explícito do presidente Arthur Lira (PP-AL). No Senado, com a atitude excessivamente, digamos, elegante do presidente Rodrigo Pacheco (quase exDEM-MG). É preciso mais. É preciso gritar e articular uma defesa enérgica das instituições, da democracia.
E é urgente, depois que o líder do Centrão Ciro Nogueira abocanhou a “alma do governo” e tem de pagar com a alma do Congresso. Nogueira é unha e carne com Arthur Lira, fiel guardião do cofre onde estão em torno de 130 pedidos de impeachment, e acaba de ignorar a derrota do voto impresso na Comissão Especial. Vai tentar ressuscitar a proposta – atual obsessão de Bolsonaro – no plenário. O regimento permite, mas nunca se viu.
Há, porém, focos de resistência democrática também no Parlamento, ativos e ruidosos. No Senado, a CPI da Covid confirma o quanto o governo, sob o descaso ou a inspiração de Bolsonaro, virou uma casa da mãe Joana aberta a picaretas e picaretagens na pandemia. Na Câmara, a união de 11 partidos pela urna eletrônica e de parlamentares de diferentes orientações ideológicas pró Supremo, democracia e eleições.
Num único dia, Bolsonaro sofreu tripla derrota: o presidente do Supremo, Luiz Fux, rompeu o diálogo com ele; o PIB e a inteligência brasileira finalmente deram as caras pela democracia e as eleições; e, por 23 votos a 11, a Comissão Especial da Câmara rejeitou a volta do famigerado voto impresso. Com 11 partidos contrários, a proposta deve sofrer nova derrota em plenário. Se passar, vai enfrentar uma muralha no Senado, como o presidente Pacheco anuncia.
Nada disso, porém, consegue disfarçar o esforço parlamentar para criar o “distritão” e um Código Eleitoral obscurantista. Pelo “distritão”, só terão chance de vitória para a Câmara as celebridades, os pastores de almas, os muito ricos, os que já têm mandato e... as milícias. E a proposta de Código Eleitoral reduz as cotas da diversidade e o poder de fiscalização e punição da Justiça Eleitoral, com as raposas tomando conta do galinheiro.
Logo, a poderosa resistência que ganha corpo no Brasil deve não apenas mirar nas ameaças contumazes do presidente da República à democracia, mas também nas “boiadas” no Congresso contra a moralidade pública, a lisura das campanhas eleitorais, o meio ambiente. Bolsonaro não dá bola para nada, mas deputados e senadores são suscetíveis à opinião pública e aos setores responsáveis da sociedade. O grito deve ser: sim à democracia, não às “boiadas”!
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Urna eletrônica: 'Fraude é denunciar fraude inexistente', afirma analista
Para o argentino Daniel Zovatto, pressão por voto impresso é descabida e é ‘inoportuno e perigoso’ mudar regras a um ano das eleições
Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
O argentino Daniel Zovatto nunca foi candidato a nada, mas de eleições ele entende, e muito. Diretor para a América Latina do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (Idea Internacional), ele conhece a fundo as instituições e autoridades que organizam votações em toda a região. Também monitora, com muita preocupação, o estado de saúde da democracia em todo o mundo.
Para Zovatto, a pressão pela implantação do voto impresso no Brasil é descabida. Ele considera que é “inconveniente, inoportuno e perigoso” mudar as regras das eleições quando falta pouco mais de um ano para os brasileiros irem às urnas.
Na entrevista abaixo, na qual manifesta opiniões pessoais, e não da instituição que representa, o doutor em Direito Internacional analisa, entre outros pontos, a estratégia dos políticos que buscam deslegitimar eleições em caso de risco de derrota.
Como analisa o conflito em relação ao sistema de votação no Brasil?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traçou uma linha vermelha oportuna e necessária ao abrir uma investigação sobre o presidente Jair Bolsonaro e ao emitir uma nota assinada por todos os ex-presidentes do TSE em defesa da urna eletrônica, que tem sido atacada quase diariamente pelo chefe do Executivo. Bolsonaro, por sua vez, reagiu dizendo que não aceitará intimidação e que continuará a exercer seu direito à liberdade de expressão, a criticar, a escutar e a atender, acima de tudo, à vontade do povo. E, fiel à sua palavra, ele continuou com seus ataques e denúncias. Como resposta, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, cancelou uma reunião de chefes de Poderes. Diante do atual clima de tensão, seria desejável abrir um espaço para o diálogo respeitoso entre o Executivo, o STF e o TSE, visando desescalar o conflito, mas sem abandonar a abordagem básica em defesa da independência do TSE, da credibilidade da urna eletrônica e da defesa do sistema democrático.
O que está por trás da pressão pela adoção do voto impresso?
Na minha opinião, houve uma ameaça muito forte à democracia brasileira quando a realização das próximas eleições foi condicionada à adoção do voto impresso. Diante desta grave ameaça, o TSE agiu corretamente, mostrando que tem poder suficiente para defender o processo eleitoral. Isto representa uma mudança muito importante. Se até a semana passada Bolsonaro agia como se não tivesse nada a perder, após a ofensiva do TSE o presidente é alvo de um risco triplo: pode perder a cadeira presidencial se o TSE encontrar irregularidades na campanha de 2018; pode sofrer impeachment; e pode ser impedido de ser candidato nas eleições de 2022.
Considera que o TSE deu uma resposta institucional, em nome de todo o Judiciário?
O TSE tem uma composição única na América Latina, pois seu presidente e parte de seus ministros também são do Supremo Tribunal Federal, e por concentrar tanto funções administrativas quanto judiciais. Estas características fazem do TSE uma instituição muito poderosa. Existem outros órgãos eleitorais sendo atacados na América Latina pelo Executivo – o INE no México –, por deputados do partido no poder – o TSE na Bolívia – ou pela oposição que perdeu as eleições – a JNE no Peru –, mas nenhum dos três tem a capacidade de reagir como o TSE brasileiro. Conheço o TSE desde 1990. Desde então, tenho colaborado com vários programas de cooperação técnica e com a maioria de seus presidentes. Tenho grande respeito e admiração por esta instituição, suas autoridades e equipes por seu profissionalismo, independência e transparência; respeito e admiração que é compartilhado por todos os órgãos eleitorais da América Latina. Também tenho grande confiança e admiração pela urna eletrônica brasileira. Tive a honra de acompanhar sua implementação e melhoria graduais desde 1996 até hoje. É um instrumento seguro, transparente e auditável. Nesses 25 anos de existência, nenhuma fraude foi provada. Por todas estas razões, não vejo razão para justificar sua reforma, e muito menos neste momento em que as eleições de outubro de 2022 estão a apenas 14 meses de distância. Fazer a reforma proposta é inconveniente, inoportuno e perigoso.
Quando reformar os processos eleitorais a fim de aperfeiçoá-los?
O sistema presidencial é baseado na divisão de Poderes, que exige respeito pela independência de cada Poder, um sistema de freios e contrapesos, diálogo para resolver de forma respeitosa e responsável as tensões que surgem. Na concepção, implementação e melhoria do sistema eleitoral, em sentido amplo, é aconselhável que cada poder faça a contribuição estabelecida na Constituição e que exista um diálogo frutífero entre eles, baseado no reconhecimento da independência dos Poderes, no respeito recíproco e na responsabilidade que vem com o exercício do cargo.
Como autoridades responsáveis pela organização de eleições devem responder a ataques à urna eletrônica?
Primeiro: expor todos os falsos argumentos que denunciam supostas fraudes. Demonstrar, com provas claras, que a verdadeira fraude é a denúncia de uma fraude inexistente. Realizar investigações e auditorias que demonstrem a robustez do sistema eleitoral, a solidez da urna eletrônica e a independência e profissionalismo das autoridades eleitorais. E, como o TSE vem fazendo, exercer ao máximo as competências e poderes que lhe são conferidos pela Constituição e pelas leis. A recente nota do TSE assinada por todos os antigos e pelo atual presidente do TSE desde a Constituição de 1988 e os discursos dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux são uma contribuição muito valiosa neste sentido. Segundo: buscar, no país, o apoio do maior número possível de partidos políticos, acadêmicos, especialistas eleitorais, ex-membros do TSE, associações profissionais, ONGs e jornalistas e, internacionalmente, convidar instituições e órgãos eleitorais de renome internacional para que visitem o Brasil, realizem investigações e, se as conclusões forem positivas, contribuam para proteger o TSE, a urna eletrônica e a condução do processo eleitoral. Terceiro: convidar missões de observação eleitoral de prestígio (ONU, OEA, UE, entre outras) a ir ao Brasil para acompanhar o processo ao longo de suas diferentes etapas e fazer observações e recomendações.
De um ponto de vista técnico, é possível melhorar a segurança do voto eletrônico. Como esta discussão deve ser conduzida?
Cada país é soberano ao decidir os mecanismos de votação que deseja utilizar. Globalmente, existem vários mecanismos. Os mais comuns são a cédula única em papel, em várias formas, e o voto eletrônico, em suas várias formas, incluindo o voto pela internet. Há também várias formas de votar: votar somente no dia da eleição; votar pessoalmente; votar antecipadamente pelo correio; levar a urna de votação para a casa do eleitor etc. Alguns países até combinam vários mecanismos e várias formas de votação.
Mas o mais importante é que os mecanismos de votação que cada país escolher devem gerar certeza, segurança, transparência, serem auditáveis e, sobretudo, gozar de muita credibilidade e legitimidade entre os cidadãos. Se o mecanismo de votação em vigor em um país goza de altos níveis de confiança, legitimidade e credibilidade, é aconselhável mantê-lo, sem prejuízo de fazer ajustes periódicos para melhorar seu desempenho e eficácia. Por outro lado, quando o mecanismo sofre de debilidades que poderiam comprometer a confiança e credibilidade do público, é aconselhável realizar um processo de reflexão e revisão, baseado em evidências concretas e demonstráveis, com o objetivo de identificar as possíveis causas do problema e as opções mais adequadas para solucioná-lo.
Como consequência, qualquer proposta de reforma eleitoral, especialmente no caso do mecanismo de votação, deve ser bem fundamentada, e as opções propostas para substituir o mecanismo atual devem demonstrar solidez técnica e viabilidade política. Outros fatores que devem ser cuidadosamente analisados são: demonstrar que o saldo líquido da reforma – benefícios menos efeitos negativos – é positivo; determinar seu custo econômico; basear-se num consenso político o mais amplo possível; e determinar, com o parecer técnico do corpo eleitoral, se há tempo suficiente para sua implementação sem assumir riscos sérios para a conclusão bem sucedida do processo eleitoral. A experiência comparativa sugere que, a fim de reduzir os riscos, mudanças no mecanismo de votação devem ser implementadas gradualmente, ou seja, em etapas sucessivas, como foi o caso com a implementação da urna eletrônica no Brasil.
BOLSONARO EM SANTA CATARINA
Donald Trump, como presidente, atacou a legitimidade das eleições nos Estados Unidos. Que influência isso tem sobre os países com tradições menos democráticas, especialmente na América Latina?
Muito forte, infelizmente. Acabamos de ver exemplo disso no Peru, na fase pós-eleitoral do segundo turno das eleições, com as múltiplas alegações de fraude, nunca provadas, feitas por Keiko Fujimori e seu partido Fuerza Popular, e os graves ataques realizados contra as autoridades. Também vimos isso nas recentes eleições no México, de junho e o referendo do último domingo, quando o presidente Lopez Obrador e seu partido Morena acusaram repetidamente o INE de ser o órgão eleitoral mais caro do mundo e de ser um obstáculo à democracia. E nesta semana, na Bolívia, um deputado do partido governista MAS apresentou uma queixa criminal contra quatro magistrados do Tribunal Supremo Eleitoral.
Uma tendência semelhante parece estar ocorrendo no Brasil com os ataques e denúncias de Bolsonaro contra a urna eletrônica e o presidente do TSE, a quem ele chamou de "idiota" e "imbecil" em julho. Deve-se lembrar que Bolsonaro, nas eleições de 2018, já havia ameaçado não reconhecer os resultados se ele não ganhasse.
Qual é o objetivo de quem busca o descrédito dos processos eleitorais?
A estratégia é semelhante na maioria dos países onde este fenômeno ocorre. Com bastante antecedência, com mentiras e falsas alegações, procuram gerar confusão, semear dúvidas sobre a credibilidade do processo eleitoral, a independência das autoridades eleitorais e a segurança do sistema de votação, criando uma realidade paralela que procura deslegitimar completamente o processo eleitoral no caso de uma derrota. Se eu perco, dizem eles, é porque houve fraude. Os danos que causam ao processo eleitoral, às autoridades eleitorais, às instituições e à democracia são enormes, e seus efeitos se estendem além do processo eleitoral.
Quando alguém analisa se um país está no caminho de se tornar menos democrático, em que se deve prestar mais atenção?
A experiência comparativa, global e regionalmente, identifica quatro luzes amarelas que indicam que estamos enfrentando um perigoso processo de deterioração democrática. Quando não se aceita as regras democráticas ou se joga permanentemente em seus limites. Quando não se reconhece a oposição como um ator legítimo – a oposição é desconsiderada, desqualificada e difamada. Quando se ataca constantemente a imprensa e se impõem restrições ao exercício da liberdade de expressão. E quando se promove o ódio e a violência, física ou verbal, de maneira expressa ou sutil, polarizando a sociedade o máximo possível. Há outros indicadores que normalmente acompanham estes quatro: 1) ataques frontais à divisão de poderes, especialmente às instituições que restringem propostas autoritárias, seja o Congresso, quando não se tem controle sobre ele, o Judiciário, os órgãos de controle, os tribunais eleitorais etc; 2) redução do espaço de ação da sociedade civil; e 3) aumento dos níveis de polarização ao extremo, com a divisão da sociedade em amigos e inimigos, e uso abusivo das redes sociais para atingir este objetivo.
De acordo com analistas e cientistas políticos, atualmente os autocratas atacam a democracia de forma lenta e gradual, e não tanto de maneira abrupta. Concorda com esse ponto de vista?
Concordo plenamente. Embora os golpes não tenham desaparecido completamente, como mostram Honduras em 2009 e Mianmar em 2021, a experiência comparativa indica que os principais e mais perigosos ataques à democracia hoje são realizados por atores que chegaram ao poder através de eleições e que, uma vez eleitos, enfraquecem gradual e permanentemente a democracia de dentro do poder. A maioria dos ataques à democracia em nosso tempo não ocorre por golpes de Estado, mas por quem está no poder e em câmera lenta, como é demonstrado em nossa região pelos regimes autoritários da Venezuela e da Nicarágua.
Como a democracia deve ser defendida quando seu processo de corrosão é gradual e muitas vezes não perceptível pela maioria da população?
Uma estratégia ampla tem de ser implementada, tanto a nível interno como a nível regional e global. A democracia está sitiada em muitos países. As tendências autoritárias estão ganhando terreno, como evidenciado por muitos relatórios de prestígio, incluindo a Economist Intelligence Unit, o projeto V-DEM, os relatórios da Freedom House e o relatório da International IDEA sobre o estado global da democracia. Precisamos estudar com mais profundidade este novo tipo de autoritarismo que está atualmente em construção, a fim de confrontá-lo de forma mais rápida e eficaz. Precisamos estar conscientes da fragilidade da democracia e dos riscos crescentes que ela enfrenta, bem como dos processos de retrocesso que estão ocorrendo em muitos países ao redor do mundo. Nenhum país é vacinado contra o vírus autoritário. Também é necessário rever e atualizar os mecanismos para a defesa regional da democracia, incluindo os estabelecidos pela Carta Democrática Interamericana, que completa 20 anos em 11 de setembro e se tornou ultrapassada diante do novo tipo de ameaças que a democracia enfrenta hoje. A Idea Internacional tem feito um duplo apelo: por um lado, para defender a democracia durante este período tão turbulento em nossa região, agravado pelo impacto da pandemia, e, por outro lado, para repensá-la a fim de avançar para uma nova geração de democracia, mais resistente e de melhor qualidade, com a capacidade de responder de forma oportuna e eficaz aos novos desafios do século 21.
Qual é o papel da desinformação, e sua ampliação nas redes sociais, na atual crise da democracia?
Novas tecnologias de informação e comunicação estão aqui para ficar e apresentar novos e difíceis desafios para a política, a integridade das eleições e a qualidade da democracia. As redes sociais e sua relação com as eleições, a política e a democracia têm, como o deus Jano, duas faces, Por um lado, essas ferramentas, quando utilizadas adequadamente, têm um efeito positivo no desenvolvimento de processos eleitorais legítimos, melhoram a qualidade da democracia, garantem o pleno exercício da liberdade de expressão, contribuem para um debate público informado e promovem a participação cidadã.
Mas, por outro lado, quando mal utilizadas, elas representam novas e sérias ameaças. As bolhas de filtragem ideológicas e as câmaras de eco geradas pelas redes sociais podem fomentar o ódio, aumentar perigosamente a polarização e facilitar a ação dos movimentos pós-verdade. Também podem contribuir para a viralização de notícias falsas e de campanhas de desinformação, afetando a condução normal das campanhas eleitorais, minando a confiança no processo e nas instituições eleitorais e manipulando o comportamento eleitoral dos cidadãos.
Como as plataformas e redes sociais devem responder aos ataques à democracia, sem restringir a liberdade de expressão?
Após o escândalo da Cambridge Analytica, as plataformas adotaram e continuam a adotar uma série de medidas destinadas a combater notícias falsas e desinformação durante os períodos eleitorais, incluindo códigos de conduta para reforçar a transparência e garantir informações confiáveis. Em um número significativo de países, dentro e fora de nossa região, os Legislativos também adotaram novas e melhores regulamentações sobre esta questão para preencher as lacunas legais existentes em muitos países da região.
Por sua vez, numerosos órgãos eleitorais, incluindo o TSE do Brasil, o INE do México e o TE do Panamá, tomaram uma postura proativa diante deste importante fenômeno e implementaram várias medidas e mecanismos, entre eles: desenvolver suas próprias capacidades institucionais e habilidades em assuntos digitais; promover debates on-line; assinar pactos éticos digitais com uma ampla coalizão de atores, como partidos políticos, organizações da sociedade civil e meios de comunicação tradicionais; chegar a acordos de colaboração – formais ou informais – com plataformas digitais; incentivar o uso responsável de redes; implementar mecanismos de verificação de fatos em colaboração com meios de comunicação tradicionais, universidades, grupos de reflexão e organizações da sociedade civil; implementar campanhas de educação digital para os cidadãos e sobre conteúdos educacionais sobre o processo eleitoral; e fomentar a cooperação horizontal entre os órgãos eleitorais e compartilhar boas práticas e lições aprendidas em relação a este fenômeno, tudo com o objetivo de mitigar os excessos e efeitos negativos das redes sociais durante as campanhas eleitorais e, ao mesmo tempo, maximizar seus efeitos positivos, sempre tomando cuidado para que estas medidas não afetem o pleno gozo da liberdade de expressão. Mas a liberdade de expressão não deve e não pode ser mal utilizada ou manipulada para propagar com impunidade notícias falsas ou campanhas de desinformação destinadas a deslegitimar um processo eleitoral ou atacar as instituições ou a própria democracia.
Qual deveria ser a posição de um presidente democrata em relação à oposição? Em que ponto se passa da crítica aceitável para os ataques que procuram deslegitimar a oposição?
Democracia é sinônimo de pluralismo, diálogo, respeito, tolerância. A oposição deve ser racional e jogar limpo. O Executivo também deve. Ambos devem reconhecer e respeitar um ao outro como jogadores legítimos no jogo democrático. Um presidente democrático deve defender seu programa e suas propostas com firmeza, mas sempre com respeito, reconhecendo a oposição como um jogador-chave no jogo democrático. Deve ser evitado um nível excessivo de polarização que leva a um jogo de soma zero, e a uma desqualificação e difamação da oposição que implica não reconhecê-la como um ator legítimo no jogo democrático. Em alguns casos, tais como Nicarágua e Venezuela, vemos como o Executivo desqualifica ou prende partidos e líderes da oposição. Em outros, como no caso de Bukele em El Salvador, adjetivos difamatórios são usados quando se refere à oposição. Sem uma oposição autêntica, não há democracia
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Já havia sido bastante descrito e dissecado que o (primeiro?) mandato presidencial de Jair Bolsonaro seria uma disputa de bonapartismos. A fraqueza terminal dos governos Dilma Rousseff e, depois, Michel Temer trouxe pelo vácuo a anabolização de múltiplos polos de poder em Brasília. Especialmente no Ministério Público, Polícia Federal e Poder Judiciário. Mas também, por exemplo, no Tribunal de Contas da União. Sem falar do Congresso Nacional.
Daí que, para governar, o presidente eleito em 2018, qualquer que fosse, veria pela frente uma batalha morro acima pela retomada de poder. Inclusive o Moderador, que formalmente foi revogado com a República mas na prática permaneceu em vigor na mão do Executivo até bem pouco tempo atrás. A Constituição de 1988 deu mais músculos ao Legislativo, mas pelo menos até o primeiro mandato de Dilma os presidentes vinham submetendo deputados e senadores.
Bolsonaro estava manobrando com alguma eficiência nesse teatro de operações. Um exemplo? Livrou-se do até então dito superministro Sergio Moro sem maior custo político imediato. E emplacou com alguma facilidade os indicados ao Supremo Tribunal Federal, à Procuradoria Geral da República e ao TCU. E viu a vitória de um aliado para comandar a Câmara dos Deputados. Mas em Brasília não dá para deixar flanco desprotegido. E assim estava o Senado Federal, como se viu na hora complicada.
E vieram a pandemia, e os lapsos de avaliação e condução de Jair Bolsonaro. Algum dia talvez se explique como e por que o presidente conseguiu distanciar sua imagem o máximo possível, e simultaneamente, do isolamento e afastamento sociais, do uso de máscaras e da vacinação. Podia ter escolhido esta última, e teve a deixa quando o STF empoderou governadores e prefeitos. Não fez. E nesse ínterim Luiz Inácio Lula da Silva teve a elegibilidade devolvida pelo STF.
E explodiu o número de mortos pelo novo coronavírus. E instalou-se naquele flanco frágil, o Senado, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
E a maioria da Câmara que bloqueia o impeachment não é de incondicionais, tem um custo orçamentário inédito.
A correlação de forças resultante dos fatores objetivos e subjetivos acabou ilhando o presidente no núcleo mais fiel dos eleitores dele e nos políticos menos condicionais. A ideia de que a popularidade de Bolsonaro está derretendo é falsa, ele mantém cerca 30%, a maior parte disso dispostos a votar nele no primeiro turno e o restante no segundo. O problema (dele) é que os não incondicionais estão se agrupando contra. E isso parece cristalizar-se. E aumenta o custo político de manter uma base.
Mas o jogo não está jogado. O governo aposta na retomada da economia, nos novos benefícios sociais aos mais pobres e na contenção da Covid-19. A dúvida está em quanto a adesão a Bolsonaro será elástica em relação a cada uma dessas variáveis, e ao conjunto delas. Isso só o futuro dirá, mas por agora a eleição está configurada de modo amplamente desfavorável ao presidente.
Mais ou menos como no judô, quando você está imobilizado e precisa dar um jeito de sair da imobilização antes de o tempo regulamentar esgotar-se.
Na análise política, uma pergunta sempre útil é: “Se nada acontecer, acontece o quê?” Claro que é remota a possibilidade de na política brasileira faltando um ano e dois meses para a eleição nada se passar de relevante pró-governo até lá. Mas a raiz de toda a instabilidade política e, no limite, institucional, é o fato de, se nada acontecer de muito diferente, o presidente estar apontado para entrar na temporada eleitoral pressionado pelos números e precisando ele próprio alterar o cenário.
Pois, no momento, a inércia joga do outro lado.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-raiz-da-instabilidade.html
Luiz Carlos Azedo: O partido fardado
O confronto aberto de Bolsonaro com o Supremo e o TSE, a propósito da segurança das urnas eletrônicas, é uma armadilha que precisa ser desarmada
O ex-ministro da Defesa Raul Julgmann, em artigos, entrevistas e lives, vem reiterando a necessidade de o Congresso debater a questão militar no Brasil, para definir claramente a política de Defesa Nacional, o papel das Forças Armadas, suas relações com a sociedade e os limites da participação dos militares da ativa na administração pública. Esse debate está na ordem do dia, protagonizado por estudiosos e militares da reserva, em razão das atitudes e declarações golpistas do presidente Jair Bolsonaro e da presença de grande número de militares no seu governo, muitos dos quais da ativa.
As intervenções militares na vida política republicana foram frequentes: 1889 (Proclamação da República), 1893 (Revolta da Armada), 1922 (os 18 do Forte), 1924 (Revolução em São Paulo e início da Coluna Prestes), 1930 (a Revolução), 1935 (a Intentona), 1937 (o Estado Novo), 1945 (deposição de Vargas), 1954 (suicídio de Getúlio), 1954 (Memorial dos coronéis), 1955 (a “Novembrada”, deposição de Carlos Luz e Café Filho), 1956 (Jacareacanga), 1959 (Aragarças), 1961 (tentativa de impedimento de Goulart), 1963 (revolta dos sargentos), 1964 (deposição de Goulart), 1968 (AI-5).
Essas intervenções nunca tiveram um caráter moderador; a maioria atalhou ou afrontou a democracia, sendo derrotada. As que foram vitoriosas, quase sempre, arrastaram a cúpula militar para aventuras políticas e resultaram em regimes autoritários. Atos institucionais, fechamento do Congresso, cassação de mandatos e decretos-lei não têm esse caráter moderador. Foram obra do chamado “partido fardado”, que agora o presidente Jair Bolsonaro tenta ressuscitar, como um náufrago do passado.
O “partido fardado”, na definição de Oliveiros S. Ferreira, “é mais estado de espírito que organização”. Existiu até o governo do general Emílio Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, “aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem-ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.”
No contexto de sucessivas derrotas eleitorais do regime militar, o que matou o “partido fardado” foi a hierarquia. A lei de Castelo Branco sobre as promoções e o decreto-lei da “expulsória” consagraram o princípio do chefe. A demissão do general Sylvio Frota do Ministério do Exército pelo presidente Ernesto Geisel foi a sua morte. Alguns setores mais radicais ainda tentaram uma reação, no governo Figueiredo, inclusive por meio de atentados terroristas, como a bomba do Rio Centro, no Rio de Janeiro, mas fracassaram. A partir da eleição de Tancredo Neves, em 1985, os governos civis não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem, nem com a preservação dos valores castrenses. Até a formação do atual governo.
Armadilha
Após a vitória eleitoral de 2018, Jair Bolsonaro formou seu Estado-Maior com os generais da reserva e da ativa que o apoiaram. Diante das consequências, alguns se afastaram e têm se manifestado publicamente contra as atitudes do presidente da República. Bolsonaro tenta empregar as Forças Armadas na disputa política, o que é ilegal, não apenas para a sua reeleição, mas para mudar a natureza do regime político consagrado pela Constituição de 1988, o que é uma aventura golpista. Esses objetivos estão cada vez mais claros, em suas atitudes e declarações.
Um pequeno grupo de generais, liderado pelo atual ministro da Defesa, general Braga Netto, compartilha desses propósitos e tensiona a alta hierarquia das Forças Armadas, principalmente do Exército. Entretanto, a recidiva do “partido fardado” esbarra, novamente, na existência de leis e regulamentos, além de uma cadeia de comando constituída por critérios profissionais de antiguidade e de meritocracia. Nem por isso, porém, a questão deve ser subestimada.
Bolsonaro já demitiu um ministro da Defesa e os comandantes das três Forças; Braga Netto endossa o radicalismo do presidente da República e constrange os chefes militares. Nesse aspecto , o confronto aberto de Bolsonaro com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a propósito da segurança das urnas eletrônicas, é uma armadilha, que pode ser desarmada pela Câmara, ao enterrar a polêmica sobre o voto impresso.
Bolsonaro volta a defender voto impresso em nova motociata
Após participar de 'motociata' em Florianópolis um dia após decisão de Lira de levar discussão ao plenário, presidente acena a parlamentares e critica STF
Fábio Bispo, Especial para o Estadão
FLORIANÓPOLIS - O presidente Jair Bolsonaro voltou a defender o voto impresso, conclamou a população a “lutar com todas as armas” pelo voto "auditável" e fez aceno a parlamentares. “Eleição fora disso não é eleição”, disse Bolsonaro em Florianópolis (SC), no início da tarde deste sábado, 7, após participar de "motociata" pelas avenidas da cidade.
O presidente repetiu os ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao discursar para apoiadores na Beira-Mar Continental de Florianópolis: ”Não são meia dúzia dentro de uma sala secreta que vai contar e decidir quem ganhou as eleições; não vai ser um ou dois ministros do Supremo. Quem tem legitimidade além do presidente (da República) é o Congresso Nacional”, declarou.
Na sexta-feira, 6, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu levar para o plenário a discussão sobre o voto impresso, após o projeto ter sido derrotado em comissão especial nesta quinta-feira, 5, por um placar de 23 a 11, em comissão especial da Casa. Lira optou pela estratégia arriscada para agradar ao Palácio do Planalto, mas avisou Bolsonaro que, se o texto for rejeitado, não aceitará ruptura institucional.
No ato com tom de campanha em Santa Catarina, Bolsonaro aproveitou para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera pesquisas de intenção de voto para as eleições do próximo ano, e fez ilações em tom alarmista citando o regime político da Venezuela.
“A gente vê na pequena Pacaraima, cidade de Roraima, onde o Exército brasileiro acolhe centenas de pessoas por dia que fogem do paraíso socialista da Venezuela. Muitas são grávidas com crianças pequenas que chegam lá arrastando seus filhos com uma mala na mão e uma trouxa de roupas na cabeça. Muitas sendo obrigadas a se prostituírem para dar de comer aos seus filhos. Nós sabemos como aquele regime começou, quem apoiou. Não preciso dizer que o é o bandido de nove dedos”, declarou. “Não queremos isso para o Brasil. E mais do que não queremos, lutaremos com todas as armas disponíveis para que isso não aconteça em nossa pátria.”
E a ofensiva contra Lula se estendeu aos ministros: “O ladrão de nove dedos, que seus amigos é que vão contar os votos dentro de uma sala secreta”.
Por diversas vezes, Bolsonaro pregou a união de seus apoiadores para combater as supostas ameaças que tem levantado, sempre sem provas, contra a democracia brasileira. ao insistir em eleições com voto impresso. “Há 50 anos eu jurei dar minha vida pela pátria, mas juntamente com vocês, agora, nós juramos dar a nossa vida pela nossa liberdade.”
E mandou recado aos que defendem a legalidade e segurança do atual sistema eleitoral Brasileiro - sem voto impresso -, a quem nominou de não democratas: “Quem não é democrata não tem espaço no resto do Brasil. Eu tenho limites, alguns poucos acham que são o dono do mundo, vão quebrar a cara. Nós queremos e exigimos nada mais além disso. Não continuem nos provocando, não queiram nos ameaçar”, disse ao final do discurso.
Prisão
A Polícia Militar informou que 24 mil motocicletas participaram do evento em Florianópolis, que teve a participação de diversos grupos de motociclistas da Região Sul do País. No palanque, montado no último trecho da "motociata", Bolsonaro discursou ao lado da vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinerh, do senador Jorginho Melo (PL-SC), da deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC), do deputado federal Daniel Freitas (PSL-SC) e do empresário Luciano Hang, que esteve ao seu lado desde a recepção no aeroporto.
O comboio de motos percorreu mais de 60 quilômetros pelas avenidas de Florianópolis. Apesar de não ser evento oficial da Presidência, a "motociata" mobilizou forte aparato público, com reforço no policiamento, guarda municipal, utilização de helicópteros, ambulâncias, entre outros. Diversas vias da cidade foram bloqueadas para o evento.
Pela manhã, um homem foi detido, segundo a PM, por ter atirado objeto nos apoiadores do presidente. Segundo comandante do 4º Batalhão da PM, Tenente-Coronel Dhiogo Cidral, não houve representação registrada pelas supostas vítimas. O homem foi levado para delegacia, onde foi lavrado um Termo Circunstanciado, e acabou liberado.
Fonte: O Estado de S. Paulo
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
O que ensina a Venezuela
A presença de militares na política tem custos altos e reversão difícil
Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo
Mais de uma vez, ao desfechar ataques desvairados às instituições que garantem a democracia no país, Bolsonaro invocou o "meu Exército", sugerindo que conta com o apoio das Forças Armadas para levar a cabo seus intentos liberticidas.
Até aqui, parece haver antes farolagem do que fundamento nessas falas. Ainda assim, é nítido que desde a ditadura de 1964-1985 os militares brasileiros nunca estiveram tão perto de cruzar a linha que separa seu papel constitucional do engajamento aberto na disputa política.
A história nunca se repete ao pé da letra; e experiências de outros países costumam viajar mal. Ressalvas feitas, há muito que aprender com o artigo do cientista político americano Harold Trinkunas "As Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela: medo e interesse face à mudança política", recém-publicado pelo Woodrow Wilson Center de Washington.
O estudo trata da politização das instituições militares sob Hugo Chávez e Nicolás Maduro e de sua subordinação aos governos populistas da dupla.
De um lado, isso implicou na doutrinação ideológica nas academias militares, em sistemas de promoção e atribuição de missões que favoreceram o oficialato leal ao chavismo; na reestruturação das Forças com a inclusão formal da Milícia Bolivariana diretamente afeta ao presidente; e no fortalecimento de um vasto sistema de contrainteligência militar que vigia os suspeitos de deslealdade ao regime. De outro lado, vieram as recompensas.
Em especial sob Maduro, militares ocuparam o centro do poder. Comandam ministérios, governam estados e controlam setores econômicos estratégicos, como parte da indústria petrolífera, a mineração de ouro e a distribuição de alimentos. Gerem também o multimilionário comércio de armas com a Rússia e a China. E não é propriamente um segredo em Caracas que oficiais de alta patente têm parte com o tráfico internacional de drogas e o contrabando de mercadorias.
Maduro, ele sim, diz a verdade ao proclamar que o politizado Exército do país é seu. E este, cúmplice do desastre nacional que o populismo chavista promoveu, compartilha com o autocrata a responsabilidade pela destruição de uma democracia que já foi forte o suficiente para vencer a guerrilha revolucionária e ficar ao largo da onda de autoritarismo que sufocou a região nos anos 1960-70.
Acima de tudo, os fuzis são hoje o principal obstáculo para a Venezuela voltar por meios pacíficos à normalidade democrática. Por atraente que possa parecer aos brasileiros desiludidos com o sistema, a presença dos militares na política tem custos altos e reversão difícil.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/08/o-que-ensina-a-venezuela.shtml
Coronel Blanco diz à CPI da Covid que visava negociar vacinas para mercado privado
Ex-assessor da Saúde é apontado como intermediador da reunião em que suposto pedido de propina
Andre de Souza e Melissa Duarte / O Globo
BRASÍLIA — Em depoimento à CPI da Covid no Senado, nesta quarta-feira, o coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde, afirmou que visava negociar vacinas para o mercado privado e não para o Ministério da Saúde. Ele é suspeito de ter intermediado um encontro onde houve o susposto pedido de propina para a compra de vacina.
Segundo o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que dizia representar a empresa Davati Medical Supply, Blanco estava no jantar em que o PM alega ter recebido a proposta de propina de Roberto Dias, ex-diretor de Logística da pasta, por uma suposta venda de imunizantes da AstraZeneca ao governo federal. O coronel é apontado como intermediador da reunião, que ocorreu em um shopping de Brasília. O ex-assessos da Saúde abriu uma empresa poucos dias antes da conversa, o que levantou suspeitas no colegiado.
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Blanco disse à CPI que foi procurado em fevereiro, quando já não tinha mais cargo comissionado no Ministério da Saúde por uma pessoa chamada Odilon relatando haver uma empresa, a Latin Air, com doses de vacina do laboratório AstraZeneca para entrega imediata. O representante seria Luiz Paulo Dominguetti. Trata-se do PM que, em junho, deu uma entrevista relatando haver cobrança de propina no Ministério da Saúde para negociar vacinas.
Assista ao vídeo: Luis Miranda diz à PF que Pazuello relatou pressão de Arthur Lira
Blanco mostrou mensagens de Whatsapp trocadas com Dominguetti. Segundo o coronel, eles estavam negociando vacinas para iniciativa privada, e não para o Ministério da Saúde, órgão do qual já estava desligado.
A compra de vacinas pela iniciativa privada chegou a ser defendida pelo governo e parte do Congresso, e foi aprovada, mas com uma série de condicionantes. Na prática, não chegou a haver compra de vacinas por empresas.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), destacou ainda que a ideia começou a ser debatida em 18 de fevereiro, depois do primeiro contato entre Blanco e Dominguetti. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que o coronel Blanco poderia ter informação privilegiada na época, o que ele negou.
O coronel também prestou solidariedade às vítimas da Covid-19 e disse que ele próprio ficou internado por 12 dias em razão da doença.
O coronel confirmou a versão do ex-diretor de Logística do Ministério da saúde Roberto Ferreira Dias de que foi ele, Blanco, quem levou Dominguetti para um jantar num restaurante de Brasília. Roberto disse que estava tomando um chope com um amigo quando eles chegaram lá sem o seu conhecimento.
Ele disse ainda que, enquanto esteve no jantar com Dominguetti e Roberto Dias, não houve pedido de propina. Dominguetti afirmou que houve cobrança, enquanto Roberto nega. Blanco afirmou que tinha conversado antes com Roberto Dias e este lhe contou que estaria no restaurante. O militar negou que tenha informado Roberto previamente que levaria Dominguetti.
Ao Ministério da Saúde, foram oferecidas doses da AstraZeneca que seriam disponibilizadas por outra empresa, a Davati.
Contradição entre depoimentos
O coronel disse que a intenção era, com isso, conseguir que Dominguetti marcasse um encontro com Roberto Dias no Ministério da Saúde. Segundo Dominguetti, o ex-diretor de Logística cobrou propina nesse encontro. Roberto Dias nega.
Em depoimento prestado em 15 de julho na CPI, Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil, disse que tratou de "comissionamento" com o coronel Blanco e outras pessoas. Nesta quarta-feira, o militar negou.
— Eu jamais fiz qualquer pedido de comissionamento ou de vantagem — disse o coronel.
Omar Aziz perguntou então que benefício ele teve com isso.
— Nenhum — respondeu o coronel Blanco.— Zero? — insistiu Omar.— Nenhum — repetiu o depoente.
— Meu Deus! O senhor é muito bondoso. O senhor está fazendo isso sem (receber) nada. O senhor deveria ter feito isso com a Pfizer, a CoronaVac... — ironizou o presidente da CPI.
— A CoronaVac, a Pfizer e a Janssen queriam ter tido toda essa facilidade — afirmou Randolfe Rodrigues em seguida.
Na terça-feira, ao ser perguntado por Randolfe sobre o preço das vacinas oferecidas ao Ministério da Saúde, o reverendo Amilton Gomes de Paula respondeu:
— A Latin Air era US$3,97; depois, veio a Davati, US$3,50, que, depois, passou para US$17,50, e, depois, abaixou para US$11.
Coronéis, atravessadores, reverendo, fiscal: Saiba quem é quem nas denúncias na Saúde que a CPI apura
Há contradição entre os dois depoimentos. Enquanto o reverendo citou a negociação com o Ministério da Saúde, o coronel da reserva disse que trabalhava em prol do mercado privado.
Coronel nega intermediação
Marcelo Blanco disse que, depois de ter saído do Ministério da Saúde, ele manteve contato com algumas pessoas que ficaram na pasta. Mas negou que tenha mantido influência no ministério.
— Dos militares, são aqueles amigos pessoais meus, de anos. E com algumas pessoas, a gente mantém interlocução, porque tem uma relação amistosa. Graças a Deus, tive o privilégio de conhecer muita gente no Ministério da Saúde. E sempre fui muito recebido. Desde que cheguei lá foram elegantes comigo — afirmou o depoente.
O coronel Blanco também negou que o tempo que passou no Ministério da Saúde tenha conferido alguma vantagem para a atuação profissional dele depois de ter saído da pasta.
Coronel Blanco negou que tenha facilitado a intermediação da compra de vacinas da AstraZeneca.
— A pessoa me pediu uma agenda. Eu falei: “Peça direto ao diretor”.
Em seu depoimento, Cristiano Carvalho disse Dominguetti lhe contou que haveria um comissionamento para o "grupo do tenente-coronel Blanco". Nesta quarta-feira, o militar negou a existência do grupo.
O coronel Blanco afirmou que o cargo que ocupava no Ministério da Saúde não impunha nenhum tipo de quarentena ao deixar a pasta.
Líder da Bancada Feminina, Simone Tebet (MDB-MS) pediu acareação para ver “quem mente menos ou quem mente mais”. Também sugeriu o pedido de embargo de declaração ao ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para verificar se o depoente pode ser preso em caso de falso testemunho, já que ele possui um habeas corpus concedido pela Corte.
Em junho de 2021, o Ministério da Saúde publicou portaria em que determinou que o general da reserva Ridauto Fernandes deveria ser substituto do então diretor Roberto Dias em caso de afastamento. Até aquele momento, quem ocuparia o cargo seria o coronel Blanco, exonerado cinco meses antes, em 18 de janeiro.
Negociação de vacinas: Precisa Medicamentos afirma que intermediária de venda da Covaxin foi escolha do laboratório indiano
— Isso é materialmente impossível, é claramente um erro — afirmou coronel Blanco.
Ele nega que tenha substituído Dias no período. Coronel Blanco foi nomeado em 4 de maio de 2020 e designado como substituto em outubro do mesmo ano.
Deputados tumultuam depoimento
Logo em seguida, as perguntas de Renan foram interrompidas por Randolfe, que questionou um deputado governista presente na sessão por fazer insultos à CPI. Além disso, pediu que Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR) fosse retirado da sessão, por tumultuar o depoimento.
— Deputado, algum problema? Vossa Excelência aqui gravou um vídeo, se referindo a essa CPI.
— Qual é o problema? — rebateu, no fundo da sala.
— O problema é que Vossa Execlência praticou ainda há pouco um ato de desacato a essa comissão — respondeu o vice-presidente da comissão.PUBLICIDADEhttps://cee70a9ef8e0ae98884aeb2a29c0d6b6.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Randolfe pediu que o parlamentar se identificasse e indagou sua autoridade para estar presente ali.
— O senhor não pode desrespeitar essa Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode atuar dessa forma e eu pedirei para os seguranças daqui do Senado tomarem as devidas providências sobre Vossa Excelência. (..) Eu quero pedir para a Polícia Legislativa autuar esse parlamentar.
— Continua o modus operandi do governo — comentou Renan.
A comissão vai notificar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e cogita acionar o Conselho de Ética.
O ex-assessor da Saúde chegou ao Senado por volta das 9h, mas a sessão começou com 1h20 de atraso. Após o início da sessão, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) mencionou o poder de a comissão analisar o abuso do direito de não autoincriminação, como ocorreu no caso da diretora da Precisa, Emanuela Medrades.
Logo no início do depoimento, o ex-assessor disse ter uma "trajetória ilibada" e currículo para assumir o cargo na Saúde. O coronel diz ter sido procurado por Dominguetti, e mostrou uma troca de mensagens feita em fevereiro. Segundo o GLOBO apurou, o principal argumento de Blanco à CPI será de que ele foi enganado pelo PM. O policial se anunciava como um representante comercial que poderia vender ao Brasil 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca, mas não tinha nem sequer autorização do laboratório.
CPI da Covid: Comissão ouve ex-assessor da Saúde que intermediou encontro em que houve suposto pedido de propina por vacina
O militar admite que, após ser procurado por Dominguetti, em fevereiro, viu a oportunidade de negociar os imunizantes para a iniciativa privada. Na época, ele já tinha deixado o cargo de assessor na Saúde. Blanco abriu uma consultoria três dias antes do jantar com o policial e, cerca de um mês depois, incluiu atividades ligadas à área da saúde no escopo das atividades da empresa.
Blanco tem um Habeas Corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe permite ficar em silêncio durante seu depoimento à comissão. A decisão foi dada em meados de julho pelo presidente da Corte, o ministro Luiz Fux, para que o depoente fique isento de responder perguntas que possam lhe incriminar. No entanto, ao GLOBO, o tenente-coronel disse que responderá aos senadores.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/ao-vivo-coronel-blanco-diz-cpi-da-covid-que-visava-negociar-vacinas-para-mercado-privado-nao-com-ministerio-da-saude-25139940
A reforma vale-tudo de Lira
Vera Magalhães / O Globo
Política quase nunca é feita de boas intenções. Ela é praticada em bases bem mais pragmáticas que isso. A falta de apoio do Congresso à obsessão de Jair Bolsonaro pelo voto impresso, portanto, não se deve a nenhuma consciência por parte dos parlamentares de que é preciso zelar pela democracia, mas ao fato de eles considerarem essa cruzada uma bobagem e saberem que a urna eletrônica é segura — afinal, foram eleitos por ela.
Assim sendo, melhor gastar tempo, energia e conchavos com as próprias prioridades, em vez de se engajar na de Bolsonaro.
Eis que no minuto 1 da volta do recesso se materializa na Câmara, pronto para ser enfiado goela abaixo da sociedade, um calhamaço de mais de 900 artigos revogando toda a legislação eleitoral e, sob o pretexto de unificar tudo num Código Eleitoral, aproveitando para passar um tratoraço na fiscalização do uso de dinheiro público para campanhas e para o custeio dos partidos e para censurar as pesquisas, entre outras atrocidades.
O projeto patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e assinado por uma correligionária, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), é mais um exemplo de um expediente que vai se tornando corriqueiro na Câmara sob o comando do deputado alagoano: os projetos surgem do nada e são rapidamente votados, para que não dê tempo de a imprensa denunciar todos os seus aspectos e de a sociedade se articular.
É, também, uma mostra de por que Lira se mantém impávido segurando qualquer pedido de impeachment de Bolsonaro, não importa o que ele faça: ele já comanda uma fatia expressiva do Orçamento, colocou dois aliados no Planalto e vai aprovando medidas (fundão eleitoral, mudança na lei de improbidade administrativa e, agora, o Código Eleitoral do vale-tudo) de sua agenda pessoal sem ser importunado pelo Executivo. Manda na pauta da Câmara, a despeito do gasto sem precedentes feito pelo governo Bolsonaro (e o fim da mamata?) com agrados ao Centrão.
A reforma na legislação eleitoral proposta pela porta-voz de Lira usa do mesmo negacionismo propalado por Bolsonaro em relação às urnas eletrônicas para censurar a divulgação de pesquisas às vésperas do pleito. Quer que institutos divulguem uma tabela de acertos (!) em levantamentos anteriores, ignorando a obviedade estatística de que pesquisas são fluidas, mostram tendências e que, principalmente no Brasil, algumas eleições apresentam curvas que se modificam às vésperas das eleições.
Em relação aos gastos dos cada vez mais fornidos fundos públicos, o partidário e o eleitoral, a regra na reforma de Lira é o libera geral: até transporte de eleitor passará a ser passível apenas de multa.
Mecanismos para garantir equidade na distribuição desses mesmos recursos, como a determinação de que mulheres e negros sejam contemplados de forma proporcional, vão para as cucuias.
A Justiça Eleitoral perderá mecanismos para aprovar resoluções que disciplinem as eleições e terá menos tempo para analisar prestações de contas de campanha. E ainda cabe muita bizarrice em 372 páginas feitas sob medida para perpetuar os mesmos, graças a muito dinheiro público, e para impedir renovação de fato na política.
A presença de Arthur Lira no comando da Câmara é um desses legados deletérios do bolsonarismo para as instituições. Sob seu comando, ainda que haja soluços pragmáticos, como a reação às ameaças de Braga Netto ou o enterro da PEC do voto impresso, eles sempre se darão sob a lógica de que há outra agenda, igualmente contrária ao interesse público e ao aprimoramento do processo democrático, à espreita.
Pobre do país que tem de se fiar num Congresso comandado por interesses desse tipo para (quem sabe) frear os pendores golpistas de um presidente da República disposto a tudo para se manter no poder.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/reforma-vale-tudo-de-lira.html
Comandante da Aeronáutica procura Gilmar e nega apoio a golpismo
É a primeira sinalização direta dos militares ao Supremo em meio à crise com Bolsonaro
Igor Gielow / Folha de S. Paulo
Na primeira sinalização direta da cúpula militar ao Supremo Tribunal Federal em meio à crise entre Jair Bolsonaro e o Judiciário, o comandante da Aeronáutica convidou o decano da corte para um almoço nesta terça-feira (3).
No cardápio servido no Comando da Aeronáutica, a negação de apoio a qualquer aventura golpista no país e a reafirmação de alguns pontos pelos quais os militares têm sido criticados.
Não foi uma conversa qualquer. O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr. é visto como o mais bolsonarista dos três novos chefes militares que assumiram após a crise militar que derrubou todos os comandantes e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, em abril.
E Gilmar personifica o tribunal mais criticado reservadamente pelos comandantes Brasil afora, que consideram a corte excessivamente poderosa e dada a tolher o trabalho do Executivo.
A conversa foi cordial, segundo conhecidos dos dois comensais. Procurado, Gilmar não quis falar sobre o encontro. A assessoria de Baptista Jr. ainda não respondeu a um pedido de comentário.
O encontro foi combinado por um amigo em comum dos dois do Clube da Aeronáutica, em Brasília, onde Gilmar costuma jogar tênis.
O tom cordato e os temas gerais do almoço traziam subjacentes a tensão aguda entre Judiciário e Executivo.
Bolsonaro está em guerra com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que reagiu abrindo uma investigação sobre suas acusações de que as urnas eletrônicas são objeto de fraude e ameaça de empastelar a eleição do ano que vem se o voto impresso não for aprovado.
O tribunal também enviou cópia da infame live promovida pelo presidente na quinta passada (29) para defender seus pontos sem prova para o Supremo, sugerindo a investigação de Bolsonaro no inquérito das fake news tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Os militares estão no meio da confusão. O ministro Walter Braga Netto (Defesa), ao negar que tivesse feito em privado a mesma ameaça que Bolsonaro fizera publicamente contra as eleições, divulgou nota no dia 22 de julho chamando de legítimo o desejo pelo voto impresso.
Ele não está sozinho. A cúpula militar, no geral, concorda com isso. Mas vários de seus integrantes consideraram o teor da nota dispensável, ainda mais porque ele remetia a uma publicação anterior, tão ou mais explosiva.
Em 8 de julho, Braga Netto divulgou uma nota dura contra o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).
O parlamentar havia citado, ao comentar o fato de que havia vários militares sendo investigados por suspeitas na gestão do Ministério da Saúde pela comissão, o "lado podre das Forças Armadas".
No dia seguinte, Baptista Jr. concedeu uma entrevista ao jornal O Globo reafirmando a nota, subscrita por ele e pelos dois outros chefes de Forças, e aumentando o tom de ameaça. "É um alerta. Exatamente o que está escrito na nota. Nós não enviaremos 50 notas para ele (Aziz). É apenas essa", disse.
O próprio Gilmar reagiu à ofensiva fardada. "Não é função das Forças Armadas fazer ameaças à CPI ou ao Parlamento. Pelo contrário, as Forças Armadas têm o poder e o dever de proteger as instituições", disse então à rádio CBN.
O teor da fala de um oficial da ativa alarmou o mundo político, identificando nela uma perigosa associação entre quem detém monopólio da força e as pregações golpistas quase diárias do presidente Bolsonaro.
Mesmo entre alguns chefes militares a entrevista foi considerada excessiva, mas não por seu teor, com o qual concordam. O uso do "lado podre" remete à "banda podre", termo aplicado às milícias integradas por policiais no Rio e em outros estados.1 6
Aquilo magoou as Forças, Baptista Jr. disse a Gilmar no encontro, segundo conhecidos de ambos. O fato de eventualmente haver fardados envolvidos em falcatruas não conspurcaria as Forças de forma orgânica, sustentou.
Na própria entrevista ao Globo, o brigadeiro havia repetido o que se ouve usualmente na cúpula fardada, que malfeitos são punidos e há severidade. Isso é por vezes contradito na atuação vista como corporativa da Justiça Militar, contudo, o que reflete uma tendência das Forças de resolver problemas intramuros, sem transparência.
O ministro do Supremo fez ponderações acerca da impropriedade do debate sobre o voto impresso como está sendo feito, implicando a urna eletrônica em fraudes inexistentes. Fez a defesa do sistema eleitoral brasileiro.
O almoço certamente não irá apaziguar de todo a relação entre militares e o Judiciário, que era mediada por Azevedo quando era ministro —ele havia servido como assessor da presidência do Supremo sob Dias Toffoli. Mas se insinua como um marco no ambiente cheio de crispação atual.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/comandante-da-aeronautica-procura-gilmar-e-nega-apoio-a-golpismo.shtml