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Ruy Castro: Bolsonaro infecta pelo ouvido

Como será dizer 'bundão' e 'encher tua boca' com porrada em libras?

Jair Bolsonaro não se contenta em ser visto como desumano, mentiroso, sem compostura, incapaz de governar, conivente com a corrupção, destruidor do meio ambiente, defensor da tortura, amigo de milicianos, subornador de militares, golpista, genocida e cínico. Também é uma ameaça pessoal à saúde pública. Por seu passado de atleta —como ele define sua carreira de terrorista no Exército—, gaba-se de ser inexpugnável à Covid, chamando de bundões os 115 mil brasileiros que já morreram e quem não tem um serviço médico como o dele, pago com o nosso dinheiro.

Suspeita-se de que, ao circular infectado e sem máscara pelo país, Bolsonaro contaminou uma multidão. A prova é a de que as pessoas ao seu redor, constrangidas a não usar máscara, vivem pegando a doença —só os funcionários do Planalto a contraem à média de três por dia. O mais novo infectado é o seu filho Flávio “Queiroz” Bolsonaro. Mas isso não é causa de preocupação porque, por ser filho de quem é, ele está proibido de reagir como um bundão.

Para mim, quem mais corre perigo com Bolsonaro é aquele pobre intérprete de libras que se vê ao seu lado —também sem máscara— nas declarações oficiais. Não sei o nome, idade ou histórico de atleta do tal senhor, mas espero que ele sobreviva aos perdigotos de Bolsonaro, ao tentar converter em sinais os coices do chefe contra as instituições e a verdade.

Por seu visual sóbrio, parece um homem de família, de sólida formação moral, talvez evangélico. Como será, para ele, dizer “bundão” em libras? E como será quando tiver de traduzir expressões como “porra”, “bosta”, “merda”, “putaria”, “filho da puta” e “puta que pariu”, como as que Bolsonaro ejaculou 28 vezes na reunião ministerial de 22 de abril? E o recente “encher tua boca com porrada”?

É o que me faz temer pela saúde do intérprete de libras. Afinal, certas infecções penetram também pelo ouvido.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Zeunir Ventura: A pergunta que não cala

Por que mesmo, presidente, Michelle recebeu depósitos de R$ 89 mil de Queiroz?

Nestes últimos dias, incluindo o fim de semana, Bolsonaro voltou a soltar a língua, principalmente contra a imprensa. A um repórter que fez o que ganha para fazer, pergunta, ele respondeu com um “seu safado” e a confissão de que estava com vontade de encher-lhe “a boca na porrada”. A questão tabu, que causou tanta irritação, devia esconder algo de grave: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu depósitos de R$ 89 mil de Queiroz?” (Fabrício Queiroz, como se sabe, é aquele policial ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, que é investigado pela prática de “rachadinha”, o esquema que consiste em repassar parte do salário ao parlamentar.)

Assim que souberam da reação agressiva do presidente, entidades, associações de classe, personalidades, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e a imprensa internacional criticaram o gesto, além de mais de um milhão de internautas, que compartilharam a pergunta sobre Michelle, ou melhor, Micheque, nas redes sociais.

Noutra ocasião, falando de como se livrou da Covid-19, ele tripudiou dos meus colegas: “Quando pega num bundão de vocês, a chance de sobreviver é muito menor. Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade”. (Alguém precisa lhe dizer que repórter não usa mais caneta, só celular.)

Mas não é só como atleta que o capitão é fogo. “Na política, sou imbrochável (ele acha que é pra sempre). Aliás, não é só na política não, porque eu tenho uma filha de 9 anos de idade que foi feita sem aditivo.” (Pelo jeito, fazer filho sem aditivo é proeza rara.)

Pena que não houve tempo de contar o episódio de 1995, quando dois jovens de classe média o assaltaram, levando a motocicleta e a pistola Glock calibre 380 que carregava debaixo da jaqueta. “Mesmo armado, me senti indefeso”, ele admitiu. Naquela famosa reunião do dia 22 de abril, quando disse que queria armar todo mundo, achei que alguém iria lembrar o roubo: “O que adianta, se eles levam a arma?”.

Ah, sim, ia me esquecendo: Por que mesmo, presidente, Michelle recebeu depósitos de R$ 89 mil de Queiroz?