metropóles
Ricardo Noblat: Depoimento de Wajngarten à CPI irrita Ramos e assusta Pazuello
É tal a irritação do general Luiz Eduardo Ramos, chefe da Casa Civil, com o publicitário Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo, que a ele só se refere como “idiota, imbecil”. Mesmo assim, quando de bom humor. De mal então…
Ramos não perdoa o ex-secretário por ter concedido uma barulhenta entrevista à VEJA onde criticou o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e quis parecer mais importante do que foi no combate à pandemia da Covid-19.
O comando da CPI que investiga os erros do governo está convencido de que Wajngarten quis faturar alguns milhões de reais como lobista da vacina da Pfizer. É justamente por isso que o convocou para depor nesta quarta-feira.
Poderá pedir a quebra dos seus sigilos bancário e telefônico para comprovar as denúncias que recebeu. De sua parte, Pazuello está certo de que o depoimento do ex-secretário servirá para complicar ainda mais sua situação, deixando o governo de fora.
Lula volta a São Paulo preocupado com a fraqueza de Bolsonaro
O ex-presidente aproveitou a visita a Brasília para dizer aos companheiros que é preferível Bolsonaro na situação em que está a ele no chão
Lula aproveitou a visita de três dias que fez a Brasília para manifestar a interlocutores sua preocupação com o mau estado da saúde política do presidente Jair Bolsonaro. Voltou a São Paulo com a certeza de que ela inspira cuidados, inclusive da parte da oposição ao governo. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
A oposição, PT na cabeça, deve continuar batendo em Bolsonaro, mas não a ponto de inviabilizá-lo como adversário a ser batido nas eleições do ano que vem. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19, sabe disso e compartilha a opinião de Lula. Devagar com o andor para que o santo não caia.
Tem lembrado Lula que Bolsonaro radicaliza o discurso sempre que se vê ameaçado, e assim procede desde o início do governo. É para manter refém os bolsonaristas de raiz. Acontece que isso não o salvou de perder o apoio de devotos que lhe pareciam os mais confiáveis. E é aí que o bicho pode pegar a oposição.
A ela não deve interessar que Bolsonaro se enfraqueça e corra o risco de ficar de fora do segundo turno da eleição, dando passagem desde já a um nome, ou a mais de um, do que se convencionou chamar de terceira via, um candidato capaz de apresentar-se como alternativa a Bolsonaro e a Lula. Isso seria o pior dos mundos.
Lula está convencido de que tem lugar assegurado no segundo turno. Concordam com ele Bolsonaro, seus ministros, e líderes de partidos fechados com o governo até aqui. Mas Lula quer Bolsonaro no ringue para com ele trocar socos. Nada, pois, de apeá-lo do poder. Melhor mantê-lo de pé, sangrando
A opção pelo “deixa ele sangrar” foi escolha da oposição ao governo de Lula no segundo semestre de 2015 quando estourou o escândalo do mensalão do PT – a compra de votos de deputados para que aprovassem projetos despachados ao Congresso pelo Palácio do Planalto. O tiro saiu pela culatra, matando a oposição.
Era o PSDB quem a comandava. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro da Saúde José Serra e outras estrelas do partido concluíram que um Lula vulnerável, a ter que se explicar, seria melhor do que um Lula vítima de um processo de impeachment, ovelha golpeada pelas elites perversas.
Houve um momento em que Lula quase se rendeu. Num sábado de porre na Granja do Torto, uma das residências oficiais do presidente, Lula admitiu renunciar. Foi demovido da ideia pelos companheiros – um deles José Dirceu, chefe da Casa Civil, que estava em São Paulo e teve que voar às pressas a Brasília.
A economia ia bem, obrigado. Lula aproveitou a trégua que a oposição lhe deu para recuperar-se. No primeiro turno da eleição de 2016, derrotou Geraldo Alckmin (PSDB) por uma margem pequena de votos. No segundo turno, Alckmin cometeu o prodígio de ter menos votos do que no primeiro. Nunca se viu nada igual.
A economia, hoje, voa baixo como as galinhas. O desemprego está em alta. As reformas do Estado empacaram. A pandemia com quase meio milhão de mortos tão cedo sairá da memória dos brasileiros. Lula conta com tudo isso para vencer, mas também com Bolsonaro. Estará errado no seu cálculo? A ver.
Fonte:
Metrópoles
Ricardo Noblat: Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, pinta o pai outra vez para a guerra
Basta de intermediário! Por que não o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o Zero Dois do presidente Jair Bolsonaro, para Secretário de Comunicação Social do governo do pai?
Licenciar-se do mandato não lhe faria tão mal assim. Ele é vereador desde que se elegeu pela primeira vez, com 17 anos, e Bolsonaro o levou pela mão para que tomasse posse.
É difícil que outro filho de Bolsonaro demonstre tanto amor por ele quanto Carlos. Só Carlos concordou em disputar um mandato de vereador para derrotar a própria mãe, também candidata.
Às vezes, temperamental como é, Carlos some do radar do pai e se nega a atender seus telefonemas. É quando Bolsonaro fica mais desesperado e se rende a todas as suas vontades.
Mas logo os dois fazem as pazes, e Carlos volta a grudar no pai, principalmente quando ele precisa de ajuda. Como agora, alvo de uma CPI e com a popularidade em queda.
Carlos é o responsável pela mudança de tom do discurso de Bolsonaro de poucos dias para cá. Convenceu-o a radicalizar outra vez para manter unida sua tropa de apoio.
Por isso, Bolsonaro voltou a bater na China, indiretamente no Supremo Tribunal Federal, e ameaçar com uma crise institucional. Conversa mole para enganar bolsonaristas, mas funciona.
Bom filho, bom pai, que, ontem, o citou em público:
“Na minha eleição, meu marqueteiro não ganhou milhões de dólares fora do Brasil. Ele é um simples vereador, o Carlos Bolsonaro. Há ainda o Tércio Arnaud e o Mateus Sales. São pessoas perseguidas, como se tivessem inventado um gabinete do ódio.”
O gabinete do ódio eles inventaram, sim. Serve para defender Bolsonaro, infernizar a vida dos seus adversários e distribuir notícias falsas nas redes sociais.
A expressão “gabinete do ódio” não é da autoria deles, mas do jornal O Estado de São Paulo, que a usou pela primeira vez. Sempre que Carlos é convocado pelo pai, é hora de relâmpagos e trovoadas.
Fonte:
Blog do Noblat/Metrópoles
Ricardo Noblat: PSD de Kassab terá candidato a presidente na eleição de 2022
Poucos metros separam os hotéis onde estão hospedados em Brasília o ex-presidente Lula e o ex-prefeito de São Paulo e presidente do Partido Social Democrático (PSD) Gilberto Kassab.
Nos corredores do Senado, enquanto o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta depunha na CPI da Covid-19, espalhou-se a notícia de que Lula e Kassab tomariam café juntos.
Fake news. Até o início da noite, Lula não havia convidado Kassab para uma conversa ao pé do ouvido. Os dois ficarão em Brasília até amanhã. Mas se convidar, Kassab irá.
“Sou uma pessoa educada e não recusaria o convite de um ex-presidente da República”, disse Kassab a este blog. O que não quer dizer que Kassab admite apoiar Lula na eleição do ano que vem.
“O PSD terá candidato a presidente, mas não será do PT”, garante Kassab, e para por aí. Não disse se será um candidato próprio ou de outro partido. Mas não será nem Lula nem Bolsonaro.
Fundado em 2011, o PSD apresentou-se à época como um partido que não seria de direita, nem de esquerda, nem de centro. Dez anos depois, o PSD pode ser de direita, de esquerda ou de centro.
Tudo depende do momento e das alianças possíveis a serem feitas nos Estados e Municípios. Kassab prefere chamar isso de “pragmatismo responsável em favor do país”. Vá lá que seja…
O prefeito do Rio Eduardo Paes já foi do PV, PFL, PTB, PFL de novo, PSDB, PMDB e DEM. Filiou-se, ontem, ao PSD de Kassab, que poderá ser o destino de Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Parte do PSD carioca corteja o governador Cláudio Castro, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Mas Castro ficará onde está ou irá para onde o presidente Jair Bolsonaro mandar.
Fonte:
Metrópoles
Valdir Oliveira: A traição na política é uma roupa que não nos serve mais
Traição e fisiologismo sempre foram parte do jogo político. A ilusão dessa mudança não pode prosperar se a sociedade não mudar
Ninguém cantou a liberdade e a vontade de mudar como Belchior. Seu trabalho é permeado de questionamentos sobre o hoje e inspirado na construção do novo amanhã. Sua premonição o fez dizer que “você não sente e nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”. O poeta insiste ainda, em outra canção, “mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Ele acredita no novo, mesmo sabendo que todos nos prendemos ao passado.
O mundo político brasileiro tem vivido em ebulição nos últimos dias. A eleição para as presidências da Câmara e do Senado Federal e as movimentações para a eleição de 2022 mostraram que, apesar da anunciada nova política, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes, como diz o ditado popular.
A traição foi o prato principal dos eventos recentes e norteou as alianças e os resultados obtidos no cenário político nacional.
A frustração provocada pela traição, geralmente vem da decepção pelo abandono de uma pessoa especial, aquela que é parte da realização do sonho. Belchior, na música Divina Comédia Urbana, fala da expectativa gerada por essa pessoa, alguém que chega “como um sol no quintal” no momento angustiante da decisão, como “um goleiro na hora do gol”. E quando essa pessoa não corresponde às expectativas, a decepção transforma a derrota em abatimento e acaba por personalizar a mágoa pela promessa e expectativa não cumprida.
A traição, infelizmente, faz parte da disputa política, seja no campo do débito ou do crédito, e é sempre comemorada pelos que ganham e lamentada pelos que perdem, como se o julgamento fosse pelo resultado, e não pelo princípio.
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O ano de 2018 foi marcado por uma mudança no cenário político brasileiro que resultou no triunfo da chamada nova política. O anúncio era o fim do fisiologismo em acordos de governabilidade entre o Executivo e o Legislativo. Doce ilusão. Nosso modelo de governo não permite que o Executivo governe sem o Legislativo. A Constituição de 1988 obrigou esses dois poderes a uma relação simbiótica, na qual um não vive sem o outro. E essa simbiose coloca na pauta de negociações políticas o poder e as seduções que envolvem as imperfeições humanas.
O fisiologismo na política não é exclusividade de políticos no exercício de seus mandatos. O eleitor, na maioria dos casos, vê no processo eleitoral a chance de conseguir a solução para sua necessidade pontual. É nessa hora que o convencimento se transforma em negociata e o produto a ser negociado é a solução para o desejo individual do eleitor, seja ele um emprego, um remédio ou qualquer outra coisa que atenda ao seu anseio.
Se o político conquista o voto nessa negociação, como esperar que ele faça diferente quando tiver no exercício do seu mandato? Mas a sociedade continua a condenar o fisiologismo de seus representantes, apesar de utilizar dessa mesma arma quando tem oportunidade.
Em 1976, Belchior lançava a música Velha Roupa Colorida, imortalizada na voz de Elis Regina. A vontade de mudar era o grito de Belchior. Afinal, como dizia na canção, “o passado nunca mais”! A palavra de ordem desse hino da mudança era rejuvenescer, afinal “o passado era uma roupa que não nos serve mais!”. A mudança era tão imperativa na canção quanto no anseio popular que resultou na eleição de 2018. Se a canção trazia a necessidade de uma nova roupa para um novo momento, o povo pedia uma nova política para um novo Brasil, porque a dita velha política, do fisiologismo, da traição, da falta de transparência era uma roupa velha que não nos servia mais.
Em Como Nossos Pais, Belchior diz que “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo diferente, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Apesar de toda a mobilização popular, da resistência explícita à chamada velha forma de fazer política, descobrimos que ainda somos os mesmos e vivemos como o passado que tanto rejeitamos. Não adianta esperar por uma nova forma de fazer política, se não mudarmos a nossa própria forma de votar, de escolher nossos representantes.
Como diz Belchior em Coração Selvagem, “não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja”. E é por aí que vamos evoluir, pelo desejo da alma, que será a mais pura vontade de mudar para um mundo melhor. Precisamos votar com a alma, sem permitir que a cabeça racionalize para o fisiologismo e as fragilidades humanas. Nem sempre “viver é melhor que sonhar”, como diz o poeta. Se acreditamos, precisamos deixar o sonho comandar para sermos felizes.
Se aquele rapaz latino-americano estivesse vivo hoje, certamente olharia para o eleitor e diria: “Se você vier me perguntar por onde eu andei, no tempo que você sonhava, de olhos abertos lhe direi, amigo eu me desesperava”. Traição e fisiologismo sempre foram parte do jogo político, muito usado tanto pelo eleitor quanto pelo político com mandato. A ilusão dessa mudança, propagada em 2018, não pode prosperar se a sociedade não mudar.
Assim como dito em Alucinação, mais uma pérola de Belchior, “eu não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia, nem no algo mais…, amar e mudar as coisas me interessam mais”. Esse precisa ser o lema dos insatisfeitos, mudar as coisas me interessam mais, porque o passado é uma roupa que não nos serve mais!
* Valdir Oliveira é diretor-superintendente do Sebrae-DF
Metropóles || Itamaraty e SNI inocentam seis desaparecidos políticos
Segunda reportagem da série Nada Consta revela documentos que negam perante a ONU qualquer antecedente criminal de vítimas da ditadura
REPRODUÇÃO/ARQUIVO NACIONAL
Classificado como “confidencial”, “secreto” e “urgentíssimo” o documento do Itamaraty foi produzido em resposta a um questionamento do Grupo de Trabalho sobre Desaparecidos Forçados ou Involuntários, ligado à Comissão dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O organismo internacional pediu informações sobre os sete militantes no dia 29 de maio de 1981.
No dia 16 de setembro do mesmo ano, a Secretaria de Estado do Ministério das Relações Exteriores (Sere) enviou o despacho com instruções sobre o assunto para a Delegação do Brasil junto aos organismos internacionais em Genebra (Delbrasgen), com sede em Genebra, na Suíça. Na ocasião, o chanceler era Saraiva Guerreiro, experiente diplomata de carreira.
“Não se constaram antecedentes criminais sobre os senhores Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Ana Rosa Kucinski, Wilson Silva e Joel Vasconcelos Santos, não havendo portanto registros policiais ou judiciais a respeito”, diz o documento.
Durante o governo João Figueiredo, entre 1979 e 1985, a abertura política iniciada pelo presidente anterior, Ernesto Geisel, facilitou o fluxo de informações dentro e fora do país. As denúncias contra prisões, torturas e mortes de adversários do regime autoritário circulavam no exterior e mobilizavam brasileiros e estrangeiros desde os primeiros anos da ditadura.
As famílias procuravam os parentes sem saber se estavam vivos ou mortos. As pressões aumentavam à medida que ficava evidente que surgiam evidências de eliminação dos militantes. Nesse contexto, o grupo de trabalho fez as indagações respondidas pelo MRE (ver galeria abaixo).
Exclusivo: Itamaraty e SNI inocentam seis desaparecidos políticos


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Resumo das informações sobre desaparecimentos forçados ou involuntáriosReprodução/Arquivo Nacional

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Lista com sete nomes de desaparecidos políticos sobre os quais o grupo de trabalho ligado à ONU pedia explicações ao governo brasileiroReprodução/Arquivo Nacional

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Resumo das informações sobre desaparecimentos forçados ou involuntáriosReprodução/Arquivo Nacional

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Resumo das informações sobre desaparecimentos forçados ou involuntáriosReprodução/Arquivo Nacional

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Resumo das informações sobre desaparecimentos forçados ou involuntáriosReprodução/Arquivo Nacional

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Lista com sete nomes de desaparecidos políticos sobre os quais o grupo de trabalho ligado à ONU pedia explicações ao governo brasileiroReprodução/Arquivo Nacional
Com data do dia 28 de setembro de 1981, um documento “confidencial” escrito pela Agência Central do SNI registra o envolvimento desses setores do governo na preparação da resposta ao organismo ligado à ONU. Identificado como Informação 020/23/AC/81, o relato reproduz o texto do Itamaraty que inocenta seis dos sete desaparecidos.
REPRODUÇÃO/ARQUIVO NACIONAL
Os documentos agora revelados acrescentam novos elementos sobre a inocência do desaparecido político, preso pelos agentes da repressão em fevereiro de 1974, e nunca mais visto pela família. Ele era pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Mostram os dados mantidos sobre ele e outros cinco militantes pela área de segurança do governo.
Sobre Edgar Aquino Duarte, o governo brasileiro forneceu as seguintes informações para o grupo de trabalho da ONU: “Julgado à revelia pela 1ª Circunscrição Militar por infração do artigo 144 (crime de revelação de informações, notícias ou documentos de interesse para a segurança interna do país), o senhor Duarte foi absolvido nesse julgamento, em 8 de fevereiro de 1966”.
O despacho do Itamaraty e o relato do SNI referem-se a Ísis Dias de Oliveira da seguinte forma: “Julgada à revelia em três oportunidades em 1973 pela 1ª Circunscrição Militar, tendo sido absolvida das acusações que lhe haviam sido formuladas com base no Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1968, em seus artigos 28 (atos de terrorismo), 42 (participação em organização de tipo militar com finalidade combativa) e 45 (propaganda subversiva)”.
REPRODUÇÃO/ARQUIVO NACIONAL
Único condenado citado nos documentos, Mário Alves de Souza Vieira foi julgado por associação ilícita para atos para a segurança nacional, participação de partido ilegal, associação sob orientação ou com o auxílio de governo estrangeiro com exercício de atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional e divulgação de informações comprometedoras para o país. As sentenças foram extintas por prescrição ou pela Lei da Anistia, de 1979.
Dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), organização que atuava na luta armada contra o governo militar, Mário Alves Vieira tinha 47 anos quando desapareceu, no dia 17 de janeiro de 1970, depois de preso pelo Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), um dos braços do aparelho repressivo.
Fernando Santa Cruz e o casal Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva fazem parte da lista de doze desaparecidos que, segundo o ex-delegado Cláudio Guerra, foram mortos incinerados no forno de uma usina no interior do Rio de Janeiro. Santa Cruz tinha 26 anos e, os outros dois, 32 anos. Os três sumiram em 1974. (ver galeria abaixo com as fotos das seis vítimas inocentadas pelos documentos)
Exclusivo: Itamaraty e SNI inocentam seis desaparecidos políticos


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Wilson Silva, desaparecido político
Reprodução

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Ana Rosa Kucinski Silva, desaparecida política
Reprodução

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Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político
Reprodução

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Edgard Aquino Duarte, desaparecido político
Reprodução

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Ísis Dias de Oliveira, desaparecida política
Reprodução

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Joel Vasconcelos Santos, desaparecido político
Reprodução

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Wilson Silva, desaparecido político
Reprodução

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Ana Rosa Kucinski Silva, desaparecida política
Reprodução
Santa Cruz atuava na organização clandestina Ação Popular (AP) e não atuou na luta armada. Kucinski e Silva pertenciam à Ação Libertadora Nacional (ALN), um dos grupos mais violentos no combate à ditadura. Porém, segundo os documentos, nada fizeram de comprovado que justificasse a condenação.
Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Joel Vasconcelos Santos presidiu a União dos Estudantes Secundaristas (Ubes/RJ). Foi preso em uma esquina no Rio de Janeiro no dia 15 de março de 1971. Ele tinha 21 anos, estava com um amigo, Antônio Carlos de Oliveira da Silva, e carregava panfletos com propaganda contra o governo militar.
Exclusivo: Itamaraty e SNI inocentam seis desaparecidos políticos


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Reprodução/Arquivo Nacional

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Depoimento de Antônio Carlos de Oliveira da Silva, testemunha da prisão e das torturas sofridas por Joel Vasconcelos SantosReprodução/Arquivo Nacional

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Reprodução/Arquivo Nacional

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Depoimento de Antônio Carlos de Oliveira da Silva, testemunha da prisão e das torturas sofridas por Joel Vasconcelos Santos
Reprodução/Arquivo Nacional
Silva sobreviveu a torturas e, cinco anos depois de solto, deu um depoimento (ver galeria acima) sobre o sofrimento dos dois nas dependências do aparelho repressivo. “O Joel, coitado, nunca conseguiu sair de lá”, afirmou o amigo do desaparecido. Nesta época, o PCdoB preparava a implantação da Guerrilha do Araguaia, no Pará. Embora o partido fosse favorável à luta armada, não praticava ações urbanas. O relato do amigo do estudante comunista foi arquivado pela Câmara dos Deputados.
Aos 31 anos, Isis Dias de Oliveira também integrava a ALN quando foi presa em janeiro de 1972. Desde então, está desaparecida.
Ex-militar da Marinha, Edgar Aquino Duarte teve longa atuação contra a ditadura desde o golpe de 1964. Esteve preso em diferentes órgãos da repressão e exilado no México e em Cuba. Foi visto pela última vez em junho de 1973 no Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) de São Paulo. Não há registro de que fizesse parte de alguma organização clandestina.
Série sobre desaparecidos sem crimes
Esta é a segunda reportagem produzida pelo Metrópoles sobre desaparecidos políticos da ditadura sem condenações ou, mesmo, sem antecedentes criminais. A primeira, como dito acima, abordou o caso de Fernando Santa Cruz. Contra ele, pesavam acusações de participar de passeatas e comícios.
Amparada em registros oficiais do governo militar, a série Nada Consta tem o objetivo de mostrar que adversários políticos foram perseguidos, presos e nunca mais vistos pelas famílias, embora não fossem acusados de ações violentas. Muitas vezes tratadas como “terroristas”, essas vítimas desapareceram pela vontade dos órgãos da repressão.
No total, a polícia política do governo militar matou 434 adversários – dos quais, 210 permanecem desaparecidos. Os documentos integram o acervo da ditadura preservado no Fundo SNI do Arquivo Nacional.
Eumano Silva: por falar em ditadura, presidente, onde estão os desaparecidos?
Ao usar informações mentirosas para atacar Miriam Leitão, Bolsonaro chama a atenção para as vítimas da repressão nunca entregues às famílias
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) mexeu em um tema delicado ao expressar o que pensa sobre a jornalista Miriam Leitão na sexta-feira (19/07/2019). Apesar da redemocratização do país, parte da memória dolorosa dos vinte e um anos de ditadura permanece nas sombras como um tabu.
A passagem dos militares pelo poder federal deixou um rastro de 434 adversários mortos. Desse total, 210 continuam desaparecidos. Não se sabe onde os agentes da repressão os descartaram sem consternação. Se foram enterrados ou – como se suspeita em relação a muitos – jogados em alto mar.
Um agente da repressão, o ex-delegado Cláudio Guerra, confessou ter incinerado 12 corpos no forno de uma usina. Por fatos assim, a referência feita pelo presidente à ditadura revira um passado que, para os militares, deveria ser esquecido.
Se um dia o presidente da República quiser fazer um gesto de grandeza em relação ao passado, usará o poder de chefe do Executivo e comandante-em-chefe das Forças Armadas para fazer um gesto em favor das famílias dos desaparecidos políticos. A indicação de uma única cova com restos mortais dessas pessoas confortaria parentes ainda vivos.
Passadas mais de quatro décadas do sumiço das últimas vítimas, pais e mães também morreram. Ao mesmo tempo que alimentavam a vã esperança de enterrar seus filhos, definharam de tristeza e revolta.
Pelo comportamento agressivo de Bolsonaro em relação ao assunto, não se deve esperar qualquer iniciativa nesse sentido. Sobre esse passado execrável na história das Forças Armadas, o capitão costuma se manifestar com a expressão “quem procura osso é cachorro”. Portanto, falo apenas em tese.
Não há qualquer explicação militar, política, moral ou religiosa que justifique a punição eterna – além da própria morte – imposta aos parentes. Eles têm o direito de saber o que se fez com seus entes queridos, quaisquer que tenham sido suas escolhas na luta contra o regime autoritário.
Não interessa se a vítima praticou atos violentos, como os militantes das organizações que partiram para a luta armada, ou se confrontavam o regime de exceção de mãos limpas, caso dos integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), contrários às ações violentas.
O ritual de sepultamento e culto aos mortos, mesmo em tempo de guerra, pertence à categoria de preceitos universais da dignidade humana. Está relacionado às tradições culturais e às crenças espirituais. Não importa se os desaparecidos políticos ou seus familiares professam – ou professavam – alguma religião ou se são ateus.
Por isso, no Brasil, existe até um dia para homenagear os que já não estão entre nós, o Dia de Finados. Mães, pais, irmãos e filhos de desaparecidos estão tolhidos de homenagear seus parentes nos túmulos, ano a ano, no Dia de Finados.
Importante tentar entender o que leva um grupo de brasileiros, financiados pelos cofres públicos, a quebrar as regras civilizatórias para punir os inimigos. Não se fala aqui apenas de pessoas mortas em combate. Fala-se, principalmente, de mulheres e homens executados depois presos. Desarmados e indefesos, tiveram as vidas interrompidas sob a tutela do Estado.
Algumas pistas ajudam a compreender a perversidade de se privar mães, pais, irmãos e filhos de homenagear os entes queridos. Uma delas se deve ao fato de que uma parcela dos desaparecidos foi eliminada depois de severas torturas. Basta olhar as fotos disponíveis de mortos pela repressão daquele período – deformadas por sevícias – para se decifrar parte desse enigma.
As imagens mostram corpos desfigurados pela barbaridade insana dos torturadores. Quem praticou esse tipo de atrocidade com um semelhante tem motivos para manter o passado encoberto. Essa, porém, é apenas uma das explicações.
Um número não sabido das vítimas tombou em combate, a exemplo do que ocorreu com alguns na Guerrilha do Araguaia. Mesmo na selva do Pará, porém, a maioria morreu depois de presa.
São desonestas e injustas todas as tentativas de equiparar as ações armadas da esquerda radical com a dimensão e os métodos de atuação dos representantes da ditadura. Não se comparam os métodos nem o poder de força. Tampouco os números, embora esse seja um quesito menos relevante, pelo valor incomensurável de cada vida.
De qualquer forma, registre-se que, mesmo nas contas mais infladas pelos defensores do governo militar, as vítimas da esquerda somam cerca de um quarto dos mortos pela repressão. Dos casos conhecidos, todos foram enterrados pelas famílias.
No controle do Estado
No controle do aparato do Estado, pago com o dinheiro dos contribuintes, a linha dura do regime fardado estraçalhou os inimigos. Assim como é verdade que algumas das organizações lutavam para implantar a ditadura do proletariado, também é fato que muitos jovens partiram para a radicalização depois de perseguidos pelos governos decorrentes do golpe de 1964.
A principal diferença entre os dois lados, no entanto, está na punição dos envolvidos no confronto entre governo militar e oposição. Pelo lado da oposição, além das mortes – pena capital –, os arquivos militares registram a prisão ou detenção de dezenas de milhares de oposicionistas.
Entre os crimes que cometeram, os mais violentos foram assaltos a bancos com mortes e execuções de alguns traidores ou de pessoas identificadas, às vezes por engano, como integrantes do aparato sanguinário do governo fardado.
Os autores dessas ações, quando identificados e presos, na grande maioria das vezes passaram a integrar a lista de mortos e desaparecidos. Pagaram com a vida. Outros milhares, julgados pelas instâncias militares, cumpriram penas de alguns anos na cadeia.
Sem punição para torturadores
Pelo outro lado, nenhum agente da repressão foi punido, por exemplo, pelos crimes de sequestro, tortura, estupro, morte e desaparecimento de brasileiros envolvidos do combate à ditadura. Nenhum. Esse único fato torna incomparáveis as ações dos dois lados desse confronto.
Sem exceção, os responsáveis pelos crimes contra a oposição permaneceram livres, impunes, vivos e remunerados pelo Estado. Esse é o resultado da Lei da Anistia aceita pelos generais em 1979, que vetou qualquer tipo de penalização dos dois lados a partir daquele momento. Como ninguém do lado do governo até então pagara por infringir leis humanitárias, todos permanecem até hoje imunes a qualquer pena.
Esse passado vergonhoso para as Forças Armadas explica em parte o comportamento arredio, por parte dos militares, a qualquer gesto que possa diminuir o sofrimento, especialmente dos familiares dos 210 desaparecidos. Some-se a esse aspecto o temor que o governo ditatorial tinha de que os mortos fossem transformados em mártires da oposição. Essa circunstância, em parte, explica a falta de condolências.
Cabe ressaltar que, depois da redemocratização, os militares recolheram-se aos quartéis numa espécie de silêncio obsequioso, mas sem condolências, em relação ao que fizeram. Participaram da reorganização institucional dentro do Estado de Direito e contribuíram para os governos civis. A eleição de Bolsonaro marca uma mudança nesse comportamento – pelo menos na boca do comandante-em-chefe.
Guardiões do passado
Por tudo o que escondem, os guardiões do passado desonroso têm mais a lucrar do que a perder com o manto de segredos que martiriza as famílias dos desaparecidos. Nesse contexto, as infelizes e mentirosas referências a Miriam Leitão revolvem fatos que, para os militares, seria melhor que continuassem no esquecimento.
Recorde-se que, aos 19 anos e ainda estudante, Miriam foi presa e torturada grávida. Processada, denunciou os maus-tratos, fato registrado e não desmentido pela Justiça militar. Nos meses seguintes, foi julgada e inocentada em todas as instâncias da ditadura dos crimes de que era acusada.
Portanto, se é para mexer no assunto, o presidente deveria se preocupar em pelo menos aliviar um pouco a angústia sem remédios dos parentes das vítimas. Fora isso, qualquer ato que busque usar fatos do passado contra ex-militantes de esquerda tem todas as características de perseguição política. Isso é típico das ditaduras.
Eumano Silva: Se não segurarem Bolsonaro, militares se queimam outra vez
Com a imagem restaurada na democracia, generais têm o desafio de mudar a atuação do presidente para não desgastar de novo as Forças Armadas
Os militares brasileiros têm pela frente a dura missão de enquadrar o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Se não o fizerem, correm o risco de perder a credibilidade conquistada depois da redemocratização.
As Forças Armadas passaram os últimos 34 anos empenhadas em construir uma imagem de profissionalismo e eficiência após o desgaste sofrido durante a ditadura. Nesse propósito, foram bem-sucedidas.
Deve-se fazer justiça em relação ao comportamento dos militares desde o retorno aos quartéis, em março de 1985. Institucionalmente, foram fiéis aos governos civis, como determina a Constituição. No resgate da imagem, também pesaram as exitosas missões internacionais, com destaque para as do Haiti e do Congo.
Com exceção do boicote à Comissão da Verdade e das impropriedades verbais, pontuais, cometidas nos últimos anos por alguns generais – como o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, por exemplo –, o comportamento do oficialato atendeu à expectativa da sociedade democrática. Mas o caminho da metamorfose de promotores de uma ditadura para defensores das garantias constitucionais foi longo e penoso.
A decadência do regime militar se deu tanto na política quanto na economia. Para se ter uma ideia do nível do depauperamento do governo dos generais, o último candidato dos quartéis a presidente, derrotado por Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, foi o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, um notório corrupto.
Depois de 20 anos de ditadura, as Forças Armadas entregaram aos civis o país quebrado, com dívida externa fora de controle e inflação anual superior a 200%. Entre 1981 e 1983, a recessão encolheu a economia brasileira em 6,3%. Apenas parte dessa queda foi amenizada pelos 5,4% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 1984.
Os militares deixaram o poder empurrados pelas manifestações das Diretas Já. Carregavam nos currículos um histórico de prisões, tortura e morte de adversários políticos.
Mortos e desaparecidos
Para se manter no poder, mataram mais de 400 pessoas, das quais mais de 200 encontram-se desaparecidas até hoje. As denúncias desses crimes, além da economia falida, também afetavam a posição do Brasil no cenário internacional.
Desmoralizados e devolvidos aos quartéis, os militares reciclaram os conceitos sobre o papel da caserna em um país republicano. Embora nunca tenham admitido que deram um golpe em 1964 – nem feito autocrítica pelas atrocidades cometidas enquanto estiveram no poder –, eles entraram no jogo democrático.
Mas, dentro das Forças Armadas, a ascensão ao governo dos partidos alinhados com a esquerda sempre enfrentou reservas. O descontentamento com a chegada do PT e do PCdoB ao poder revelou-se mais acentuado à medida que as denúncias de corrupção afloraram nos mandatos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
De volta à Esplanada
Nesse cenário, os militares se animaram a retornar à Esplanada dos Ministérios. Desta vez, sem o envolvimento institucional das Forças Armadas, mas com a presença ostensiva de oficiais da reserva sob o comando do capitão reformado Jair Bolsonaro.
Para voltar ao poder, os generais fecharam os olhos para o passado de indisciplina do presidente. Bolsonaro deixou o Exército no final da década de 1980, depois de submetido a processo interno por deslealdade aos superiores e por ameaça de explosão de bombas em instalações militares no Rio de Janeiro.
Somente o sentimento antiesquerdista e a possibilidade de fazer um discurso contra a corrupção explicam o engajamento dos generais na candidatura de Bolsonaro a presidente. Ninguém melhor do que eles para conhecer o temperamento irascível do capitão.
Agora, até pela responsabilidade intrínseca de suas patentes, cabe aos generais cuidar para que o governo Bolsonaro não degringole logo no primeiro ano. Isso significa enquadrar o chefe dentro do comportamento que se espera de um presidente da República.
Harmonia dos Poderes
Do titular do Planalto, exige-se equilíbrio para tratar dos assuntos de Estado. Sem essa qualidade, põe em risco as relações com os diferentes setores da sociedade e a harmonia entre os Poderes.
Fogem do figurino de presidente, por exemplo, as postagens de vídeos pornográficos e o menosprezo pelo Congresso demonstrado sobretudo nos últimos dias. A intromissão desenfreada dos filhos de Bolsonaro nos assuntos de governo também atropela o padrão de procedimentos nas Forças Armadas. Durante a ditadura, não se viu parentes com tanta influência na administração federal.
Nessa linha, Bolsonaro voltou a contribuir com a instabilidade política ao determinar, nessa segunda-feira (25/3), que os quartéis comemorem o golpe de 1964 no dia 31 de março, data da tomada do poder pelas tropas militares, com apoio de setores da sociedade civil, sobretudo empresarial. Nas palavras do presidente, e de seu porta-voz, general Otávio Rêgo Barros, nem golpe foi.
Os efeitos negativos do estilo afrontoso, principalmente da família presidencial, aparecem na falta de diálogo com o Congresso – fundamental para a aprovação dos projetos importantes para o país – e nas incertezas da política externa. Esse comportamento dos Bolsonaro levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a ameaçar deixar a articulação política para a aprovação da reforma da Previdência.
Diante dessa situação, sem quebrar a hierarquia, os generais têm a tarefa de “colocar ordem na tropa”. Sob pena de se queimarem outra vez.
Metrópoles: A tragédia de Mariana (MG) vista pela janela do trem EFVM
Metrópoles percorreu os 905 km da Estrada de Ferro Vitória a Minas para mostrar como a exploração mineral mudou a paisagem e rotina dos moradores da região
Por Eumano Silva, Portal Metrópoles
Todos os dias, à tarde, os irmãos Guilherme, 11 anos, e Vinícius, 7, sobem a passarela acima dos trilhos para ver o trem passar. Os dois garotos moram em uma casa verde construída ao lado da linha férrea, em Governador Valadares (MG), e se divertem com a gigantesca máquina em movimento sob seus pés. Acompanhados do pai, o motorista Ivair Silva dos Santos, 45, eles observam com atenção o trânsito de vagões carregados de minério de ferro ou de passageiros.
Estudiosos, falantes e cheios de planos, os dois meninos convivem bem com a proximidade da linha férrea. “A vida aqui é um pouco perturbada por causa do barulho, mas gosto de ver os trens para entender como funcionam”, conta o mais velho. “Tenho até vontade de ser maquinista”, diz o caçula, em alusão ao profissional responsável por conduzir os enormes aparatos mecânicos.
Igo Estrela/Metrópoles

Guilherme e Vinícius, acompanhados do pai, Ivair Silva dos Santos, observam com atenção o trânsito de vagões da EFVM
Como acontece com boa parte dos habitantes da região, a família Santos aprecia os trajetos de trem. De vez em quando, pais e filhos percorrem o trecho até Vitória. “Não gosto muito da comida, mas a viagem é confortável e a gente pode ver a paisagem”, enfatiza Guilherme. “Vale a pena fazer esse passeio por causa da satisfação de olhar pela janela e por também poder andar nos vagões”, acrescenta Ivair.
A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) está presente no cotidiano da população de Governador Valadares e de dezenas de cidades desenvolvidas ao longo dos trilhos. Construída a partir de 1902 por iniciativa de empresários mineiros e capixabas, teve o primeiro trecho inaugurado dois anos depois. Desde então, os comboios carregam pessoas, bagagens e minérios em um percurso sinuoso – traçado, sobretudo, em função das margens do Rio Doce.
Estrada de Ferro Vitória a Minas
1904
Inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro Vitória a Minas, construída por empresários de Minas Gerais e do Espírito Santo. Traslado entre os dois estados, principalmente de madeira extraída das matas
1906
Inauguração da Estação Colatina
1915-1918
Interrupção da obra em decorrência da Primeira Guerra Mundial
Década de 1920
Inauguração da estação de Ipatinga (MG)
1940
Na Estação Desembargador Drummond, no município de Nova Era (MG), primeiro trem carregado de minério de ferro de Itabira (MG). Exportação de 5.750 toneladas do porto de Vitória para os Estados Unidos
1942
Nacionalização da EFVM pelo governo Getúlio Vargas. Fundação da estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
1944
Inauguração da Aços Especiais de Itabira (Acesita). Aço produzido na fábrica segue, pela ferrovia, para os portos de Vitória
1950
Troca das locomotivas a vapor pelas movidas a diesel. EFVM compra cinquenta dessas máquinas
1954
Vagões de aço substituem os de madeira
1958
Criação da Usiminas, em Ipatinga (MG)
1968
Inauguração de um estaleiro de soldas em Governador Valadares (MG), para auxiliar na montagem de trilhos
Década de 1970
Duplicação de toda a ferrovia da EFVM e instalação do Controle de Tráfego Centralizado, para supervisionar todas as operações da via férrea
1984
EFVM atinge a marca de 1 bilhão de toneladas transportadas desde a inauguração
1997
Privatização da Companhia Vale do Rio Doce
2007
CVRD passa a se chamar Vale
2014
Aquisição de novos trens, da Romênia, mais seguros e confortáveis
No final de 2018, a EFVM é a única linha ferroviária de passageiros que opera diariamente no Brasil. Todas as manhãs, às 7h, um trem sai de Cariacica, na grande Vitória, com destino a Belo Horizonte. Meia hora depois, um comboio semelhante deixa a capital mineira rumo ao Espírito Santo.
Pelas janelas dos vagões, os viajantes vivem um pouco do ambiente que, no passado, inspirou poetas e compositores. Em 1960, Manuel Bandeira escreveu o poema Trem de Ferro, eternizado na música de Tom Jobim: “Foge, bicho/Foge, povo/Passa ponte/Passa poste/Passa pato/Passa boi/Passa boiada/Passa galho/De ingazeira/Debruçada/Que vontade/De cantar!”.
Igo Estrela/Metrópoles

A Estrada de Ferro Vitória a Minas faz parte do cotidiano da população mineira
Em outro clássico do século passado, o poeta Ferreira Gullar fez a letra de Trenzinho do Caipira, composição do maestro Heitor Villa-Lobos. “Lá vai o trem com o menino/Lá vai a vida a rodar/Lá vai ciranda e destino/Cidade e noite a girar/Lá vai o trem sem destino/Pro dia novo encontrar/Correndo vai pela terra.”
Cerca de um milhão de pessoas embarcam e desembarcam todos os anos nas 30 estações distribuídas pelos 905 quilômetros da EFVM. Os trens transportam mais de 100 milhões de toneladas de 40 tipos de produtos, com destaque para o minério de ferro extraído e exportado pela Vale S.A., antiga Vale do Rio Doce, ex-estatal, privatizada em 1997.
Mapa

No mesmo ano, a empresa tornou-se concessionária da Estrada de Ferro Vitória a Minas, contrato válido por três décadas. Na perspectiva da população local, a Vale e os trens proporcionam momentos de alegria para crianças e têm significativa importância no transporte das famílias.
Os vagões carregados de pedra também simbolizam adversidades traumáticas para os moradores das cidades e fazendas ribeirinhas. O rompimento da barragem do Fundão, no município de Mariana (MG), em novembro de 2015, provocou a inundação do Rio Doce com lama de rejeitos de mineração.
A Vale é sócia da Samarco, empresa responsável pela represa rompida. As pedras retiradas das minas produtoras de despejos iguais aos que entupiram mais de 600 km do Rio Doce e chegaram ao Oceano Atlântico são escoadas pela ferrovia como commodities.
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O avanço da atividade mineradora foi ancorado no transporte sobre os trilhos da EFVM
Maior desastre ambiental do país, a tragédia destruiu povoados, matou 19 pessoas e arrastou os detritos das escavações realizadas nas montanhas mineiras até o Oceano Atlântico, mais de 600 km abaixo da obra rompida. Para arrancar milhões de toneladas de pedras transportadas pelo trem Vitória-Minas, as mineradoras têm construído gigantescas represas, como a do Fundão, para despejar rejeitos.
Tragédia de Mariana
1973
Criação da empresa Samarco, sociedade entre a brasileira Samitri, pertencente à Belgo-Mineira, e a norte-americana Marcona Mining Company
1984
Grupo australiano The Broken Hill Proprietary Company Limited (BHP) adquire controle da Marcona
2000
Privatizada, a Companhia Vale do Rio Doce compra a Samitri
2008
Início das obras da barragem do Fundão
5 de novembro de 2015
Estouro da barragem provoca avalanche de lama e rejeitos e invade os primeiros povoados
Novembro de 2015
Nos dias seguintes, indígenas da reserva Krenak, cortada pelos trilhos, fecham a ferrovia no município de Resplendor (MG) e fazem manifestação contra o impacto da sujeira no Rio Doce
21 de novembro de 2015
Pelo leito do Rio Doce, lama da Samarco chega ao Oceano Atlântico
Março de 2016
No município de Belo Oriente (MG), moradores bloqueiam a linha férrea para cobrar ações da Samarco
Maio de 2016
Em Baixo Guandu (ES), habitantes interditam a linha férrea para exigir pagamentos e auxílios da Samarco
Lançado em outubro deste ano, o livro Tragédia em Mariana: a história do maior desastre ambiental do Brasil Escrito, de autoria da jornalista Cristina Serra, faz uma reconstituição minuciosa e primorosa da catástrofe. A obra conta o drama das comunidades assoladas pelos destroços e revela as falhas de engenharia e gerenciamento que levaram ao rompimento da barragem.
A jornalista fez um resumo dos danos causados na zona rural. “Das 195 fazendas atingidas, 25 foram totalmente destruídas. A lama arrastou tratores, ordenhadeiras, motores, bombas, tanques de leite e balanças, num total de 293 máquinas e equipamentos. Mais de 160 mil metros de cerca e 1.596 animais, a maioria gado, foram levados na enxurrada”, relata Cristina.

Antes de trafegar com os vagões abarrotados de minério de ferro, a EFVM firmou-se, na primeira metade do século 20, no escoamento de madeira extraída das matas de Minas Gerais e do Espírito Santo. Em 1943, depois de estatizada, a ferrovia ganhou um ramal até Itabira.
A expansão da mineração na região central de Minas Gerais e no vale do Rio Doce a partir da década de 1960 preservou a importância econômica da ferrovia. Os professores Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Cristiana Losekann, da Universidade Federal do Espírito Santo, produziram o livro Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição, lançado em 2016.
Na obra, os dois acadêmicos apresentam um histórico detalhado do avanço da atividade mineradora, ancorada no transporte sobre os trilhos da EFVM, e das consequências do rompimento da barragem do Fundão.

“Na trajetória da exploração mineral, a Segunda Guerra Mundial promoveu novas funções econômicas para a bacia do Doce, especialmente com a intervenção do governo brasileiro ao assumir a EFVM por meio da Companhia Vale do Rio Doce, criada com o fito de explorar o minério de ferro de Itabira”, diz trecho da publicação.
Essa nova frente de exploração das riquezas naturais patrocinou a instalação, em 1943, de um ramal ferroviário até Itabira (MG). O governo Getúlio Vargas tinha interesse em extrair o minério de ferro até a cidade imortalizada nos versos de Carlos Drummond de Andrade no poema Confidência do Itabirano: “Itabira é apenas uma fotografia na parede/Mas como dói”.
Três anos depois da tragédia, o verde da vegetação ocupa as áreas cobertas de lama em 2015. Parte da reconstituição se deve aos trabalhos da Fundação Renova, instituição criada pela Samarco para executar medidas que atenuassem os danos acarretados pelo barro e reduzissem os prejuízos causados à imagem da empresa.

Google Earth 2016

Google Earth 2017

Google Earth 2018

Google Earth 2014

Google Earth 2015
Desde o fatídico episódio, a comunidade de Governador Valadares não confia no líquido das torneiras – seja para beber ou cozinhar. Muitas famílias compram água mineral. Outras recorrem a poços artesianos ou a nascentes da região. “Busco em uma mina a uns seis quilômetros de distância. Às vezes, tenho até vontade de mudar daqui por causa dessa situação”, conta o motorista Ivair.
Em Colatina (ES), a sujeira produzida pela mineradora Samarco complicou a vida do agricultor Gilberto Pereira Freitas, 41, e de sua companheira, Rosa Cordeiro, 48. O incômodo perdura três anos depois do rompimento da barragem do Fundão.
Sem confiança para utilizar a água disponibilizada pela prefeitura, duas vezes por semana o casal recorre a uma mina na periferia da cidade a fim de pegar cerca de 60 litros do líquido. “Usamos para beber e fazer comida”, explica Gilberto, enquanto enche os garrafões.
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Em Colatina (ES), a sujeira produzida pela mineradora Samarco complicou o acesso à água
Os danos provocados pela tragédia estimularam protestos da população atingida. Em três momentos, a regularidade do trem restou prejudicada. Ainda em novembro de 2015, no município de Resplendor (MG), os indígenas da reserva Krenak, que é cortada pelos trilhos, fecharam a ferrovia para se manifestarem contra o impacto da sujeira no Rio Doce. A vida e as tradições desse povo giram em torno do rio.
Nos municípios de Belo Oriente (MG), em março de 2016, e de Baixo Guandu (ES), em maio do mesmo ano, moradores bloquearam a linha férrea com o objetivo de cobrar da Samarco o pagamento de auxílio para vítimas da catástrofe e o restabelecimento da distribuição de água.
Das 195 fazendas atingidas, 25 foram totalmente destruídas
Pelo leito do Rio Doce, lama de rejeitos de mineração da Samarco chega ao Oceano Atlântico
Esse foi o maior desastre ambiental do país
O estouro da barragem do Fundão ocorreu em 5 de novembro de 2015
O rompimento aconteceu no município de Mariana (MG) e provocou a inundação do Rio Doce
A avalanche de lama tóxica invadiu povoados, como Bento Rodrigues (MG), e matou 19 pessoas
Já no final de 2018, as marcas de lama remanescentes nas margens do Rio Doce são quase invisíveis aos olhos dos viajantes de trem. A água barrenta do tempo de chuvas camufla a sujeira e os minérios deixados pela avalanche de rejeitos.
A presença da atividade econômica que motivou o estrago ambiental fica evidente na geografia vista da janela do vagão. Montanhas recortadas por máquinas escavadoras e leitos de rio tomados por resíduos das jazidas denunciam a agressividade da extração mineral em grande escala.
O desastre de Mariana matou quase toda a população de peixes do Rio Doce e afetou a vida dos ribeirinhos. Dentro do vagão, o pedreiro Roberto Carlos Siqueira, 51, se recorda de quando pescava para reforçar a renda da família. Depois da lama do Fundão, os cardumes praticamente desapareceram.
“Ninguém mais compra os peixes do Rio Doce, as pessoas pensam que estão contaminados”, reclama Roberto Carlos, que morou em uma ilha fluvial entre 1990 e 1994. Outra tragédia, desta vez pessoal, complicou ainda mais a sobrevivência do pescador. Ele também trabalhava como vaqueiro e pedreiro, isso até cair de um andaime e quebrar uma perna e os dois braços – após o acidente, foi obrigado a usar muletas.
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Roberto Carlos Siqueira perdeu renda, pois parou de pescar após os cardumes praticamente desapareceram do rio
Roberto Carlos mora em uma fazenda da família. Com frequência, pega o trem para ver um filho que reside em Ipatinga (MG), no Vale do Aço. As amplas acomodações facilitam os deslocamentos. “Enquanto Deus me der vida e saúde, vou usar essa ferrovia”, diz o ex-pescador. “A viagem é mais segura e mais barata do que se fosse de ônibus”, conclui.
O bilhete de Belo Horizonte a Cariacica, maior percurso, custa R$ 73,00 na classe econômica. Na Executiva, mais espaçosa, é cobrado o valor de R$ 105,00. De ônibus convencional, paga-se pelo menos R$ 119,00 – na categoria mais confortável, a mesma viagem sai por cerca de R$ 150,00.
Outra entusiasta das viagens de trem sofreu as consequências da enchente de sedimentos. Funcionária pública e moradora de Governador Valadares, Edna Aparecida de Souza, 56, precisou comprar galões de água para beber, fazer comida e lavar roupa. “Só resolvemos a situação depois que meu irmão mandou furar um poço artesiano”, diz.
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Edna Aparecida de Souza é passageira assídua do transporte ferroviário
Há mais de 30 anos, Edna usa os serviços da estrada de ferro. Na maioria das vezes, para fazer percursos curtos. Mas, recentemente, esticou a jornada até Belo Horizonte. “Gostei demais da cidade, vou pegar o trem para ir lá outras vezes”, comenta.
Raísa Zan tem 27 anos e, desde os dois, conhece os vagões da Estrada de Ferro Vitória a Minas. Ela nasceu e vive em Resplendor (MG). Regularmente, visita a avó em Ipatinga. As duas cidades ficam na beira da ferrovia. “Este trem marcou todas as gerações daqui, desde meus avós. Faz parte da nossa cultura”, ressalta a jovem, enquanto olha para a geografia do vale do Rio Doce.
Formada em Relações Internacionais, Raísa morou, nos últimos anos, na Colômbia e nos Estados Unidos, onde se acostumou com o transporte ferroviário. “Eu ia muito de Peabody, no estado de Massachussets, para Boston”, relata.
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“Este trem marcou todas as gerações daqui, desde meus avós. Faz parte da nossa cultura”, salienta Raísa Zan
Na memória de Raísa, porém, permanecem nítidas as lembranças dos passeios de infância sobre os trilhos mineiros. “Para falar a verdade, tenho saudade do tempo em que não tinha ar-condicionado. As janelas eram abertas e os moradores de Tumiritinga vendiam cocada e pé-de-moleque para os passageiros”, recorda-se, ao fazer alusão a mais um município de Minas Gerais cortado pela linha de ferro.
Dos tempos de criança, ela também se lembra do pó de minérios que entrava pelas laterais dos vagões. “Chegávamos em casa com o corpo coberto por uma camada brilhante, isso era uma grande brincadeira para a meninada”, menciona.
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A mudança que permitiu a refrigeração da viagem ocorreu em 2014, quando a Vale comprou 56 novos vagões para substituir os antigos. Fabricados na Romênia, os carros importados têm padrão semelhante ao dos trens que circulam na Europa. Os vidros fechados acabaram com o comércio informal de comida.
Hoje, os passageiros têm um vagão-restaurante e outro com lanchonete para comprar alimentos e bebidas sem álcool. O almoço simples – arroz, feijão, farofa e carne – é servido ao preço de R$ 16,00. Um carrinho com biscoitos, sucos e café circula pelos vagões.
Para Tania Marcia da Silva Dornelas, 56, os deslocamentos de trem sempre fizeram parte da programação da família. Depois de se casar, mudou-se para Pompéu (MG), cidade beneficiada por uma ferrovia conectada à Vitória-Minas. Como os pais dela tinham fazenda em Resplendor, as idas ao local eram frequentes.
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De acordo com Tania Marcia da Silva Dornelas, viajar sobre os trilhos era sinônimo de diversão para a garotada
Muitas vezes, Tania levou turmas de sobrinhos para passear de trem. Chegou a viajar com 16 crianças. “As viagens eram as melhores para a meninada, pois podiam brincar. Os pais também ficavam tranquilos, por causa da segurança”, diz a passageira. Mais de uma vez, ela convidou vizinhos de Pompéu para conhecer as belezas naturais da propriedade rural.
No mesmo vagão, viaja Madalena Zeferino de Oliveira, 60, moradora de Juatuba (MG). A aposentada usa a ferrovia desde os 13 anos e guarda na memória as mudanças no trem e na paisagem. No dia da entrevista concedida ao Metrópoles, ela estava acompanhava os pais, que moram em Conselheiro Pena, outra cidade do vale do Rio Doce.
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“A vantagem das janelas fechadas é que não entra mais poeira dentro dos vagões”, conta Madalena Zeferino de Oliveira
Apesar do tom nostálgico usado para falar do passado, Madalena aprecia as novidades. “A vantagem das janelas fechadas é que não entra mais poeira dentro dos vagões. Às vezes, a gente ficava sujo com o carvão dos vagões de carga. Agora, é tudo mais limpinho”, pontua.
Manifestações saudosistas são comuns entre usuários e profissionais das ferrovias. O mecânico aposentado José Idemar Nunes, 68, vive desde a infância em uma casa colada à linha de trem, do outro lado da passarela usada pelos garotos Guilherme e Vinícius. “Sou do tempo da maria fumaça”, diz, referindo-se às locomotivas movidas a lenha, usadas até meados da década de 1950.
Ativas desde o início da ferrovia, essas máquinas foram substituídas por outras mais modernas, a diesel ou elétricas. “Com tanto tempo aqui, para mim, o barulho do trem é como canção de ninar”, acrescenta.
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José Idemar Nunes vive desde a infância em uma casa colada à linha de trem
Com boa parte do tempo ocupada nos cuidados com a mulher, que se encontra doente, Idemar cruza quase todos os dias a ferrovia pela passarela para, do outro lado, tomar uma dose de cachaça em uma mercearia. Dos tempos de criança, ele guarda as lembranças do futebol jogado com os amigos perto da ferrovia.
Hoje, muros paralelos aos trilhos impedem esse tipo de diversão arriscada. A meninada tinha outro hábito, ainda mais perigoso. “A gente costumava jogar pedras no trem, só de brincadeira”, revela.
A melancolia aparece com mais força nas palavras de João Batista Lima Freitas, 66, ex-maquinista das locomotivas da Vale. Depois de trabalhar por 23 anos na empresa, ele se aposentou da profissão que escolheu muito cedo. “Desde menino, eu sonhava em conduzir esses trens”, confidencia.
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“Desde menino, eu sonhava em conduzir esses trens”, confidencia João Batista Lima Freitas ex-maquinista das locomotivas da Vale
Em entrevista concedida ao Metrópoles na praça em frente à estação de Governador Valadares, João Batista deu algumas explicações básicas sobre a máquina de ferro. Contou, por exemplo, que os trilhos da estrada Vitória-Minas são de bitola estreita, adequada para uma linha que serpenteia no caminho traçado pelo Rio Doce.
“Bitola” é o padrão adotado por uma ferrovia para definir a largura entre os trilhos. No caso da EFVM, a distância é de um metro. Com essa característica, as curvas não podem ser tão fechadas e a velocidade máxima é inferior à das linhas de bitola mais larga. A Estrada de Ferro Carajás, entre o Pará e o Maranhão, por exemplo, usa outro padrão, com 1,6 metro de largura.
As memórias do ex-maquinista preservam um episódio angustiante vivido em Aymorés (MG). Certa noite, João Batista conduzia o trem a uma velocidade de 47 km/h na travessia da cidade quando um homem pulou na frente da locomotiva. Sem tempo para frear, atropelou o cidadão, jogado a muitos metros de distância.
Sem saber o que tinha acontecido, seguiu viagem e, somente no dia seguinte, soube detalhes da ocorrência. Antes de se jogar nos trilhos, o homem tentou suicídio ao pular de um caminhão em movimento, mas, ao cair em cima de umas plantas, sobreviveu.
Em mais uma tentativa de tirar a vida, o sujeito saltou dentro de um rio. Embora não soubesse nadar, fracassou novamente em seu intuito, pois foi parar em um banco de areia.
Para surpresa do maquinista, o homem também havia falhado na noite anterior. Por mais incrível que pareça, depois do impacto do trem, ele se levantou e, em seguida, saiu do local caminhando. A descoberta foi um alívio para João Batista.
Casos alegres e tristes compõem o vasto repertório vivido por viajantes frequentes ou esporádicos, de todas as idades, levados pelos trilhos da EFVM nas montanhas de Minas e do Espírito Santo. O movimento cadenciado dos vagões embala os sonhos de crianças, a exemplo de Guilherme, o menino que quer conduzir locomotivas, e também de pessoas já adultas, como João Batista, o ex-maquinista que sente saudade do tempo em que comandava comboios de até três quilômetros de comprimento.
De suas poltronas, os passageiros contemplam cenários cinematográficos. Montanhas verdes, rios, cachoeiras, fazendas e faixas de reservas florestais. Os viajantes veem também matas devastadas devido à retirada de madeira e aos morros esburacados pelas máquinas da mineração, imagens que testemunham a ocupação, desde o início do século passado, do corredor de exploração econômica aberto em torno da EFVM.
Tragado pela enchente de lama da Samarco, o Rio Doce segue seu curso e arrasta, há três anos, os despojos da terra escavada durante a mineração descontrolada. Nas suas margens, o povo padece em razão da falta de água limpa. Pela janela do trem, passa um pouco da história do Brasil.
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Os trilhos foram traçados, em grande parte, em função das margens do Rio Doce

A EFVM é a única linha ferroviária de passageiros que opera diariamente no Brasil

Pela janela dos vagões, os viajantes vivem um pouco do ambiente que, no passado, inspirou poetas e compositores

Dezenas de cidades foram desenvolvidas ao longo dos trilhos da EFVM

A ferrovia começou a ser construída a partir de 1902 e teve o primeiro trecho inaugurado dois anos depois

Desde então, os comboios carregam pessoas, bagagens e minérios em um percurso sinuoso
DIRETORA-EXECUTIVA
Lilian Tahan
EDITORA-EXECUTIVA
Priscilla Borges
EDITORA-CHEFE
Maria Eugênia Moreira
COORDENAÇÃO
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REPORTAGEM
Eumano Silva
REVISÃO
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EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA
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FOTOGRAFIA
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EDIÇÃO DE ARTE
Gui Prímola
DESIGN
Cícero Lopes
IMAGENS
Tauã Medeiros
Igo Estrela
EDIÇÃO DE VÍDEO
Tauã Medeiros
TECNOLOGIA
Allan RabeloVinícius Paixão
Metropóles: “Sinto ‘frustralívio", desabafa Cristovam após resultado das eleições
O senador tem planos para quando o mandato acabar: dar aulas, palestras e escrever mais
Aos 74 anos, Cristovam teve 317.778 votos, 12,6% do total, e ficou em terceiro lugar. Uma hora após o fim da apuração das urnas, o senador desabafou ao Metrópoles: “Sinto ‘frustralívio’”, disse.
Entretanto, demonstrou preocupação com o cenário político nacional. Para Cristovam, contribuíram para o resultado seu posicionamento favorável ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), partido do qual fez parte, às reformas trabalhistas e da Previdência e à PEC do Teto de Gastos.
Apesar do desempenho aquém do esperado, ele afirma que faria tudo igual. “Eu estava certo e não me arrependo”, sustenta. O senador tem planos para quando o mandato acabar: não pensa em se candidatar tão cedo, quer dar aulas, palestras e escrever mais. Cristovam é autor de mais de 30 livros de economia, história, sociologia e educação.
O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) governou o Distrito Federal de 1995 a 1998 e perdeu as eleições seguintes para o ex-governador Joaquim Roriz, morto em 27 de setembro. Em 2002, foi eleito ao Senado, mas afastou-se temporariamente do mandato para comandar o Ministério da Educação no governo do então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2006, disputou a Presidência da República pelo PDT e recebeu mais de 2,5 milhões de votos, conquistando 2,64% do eleitorado brasileiro.
Confira a entrevista de Cristovam ao Metrópoles:
Como o senhor está se sentindo?
Estou sentindo “frustralívio”. Uma frustração de não poder continuar lutando pelo que eu venho lutando. São 109 projetos de lei que tenho no Senado, entre esses alguns marcantes, como o que federaliza a educação de base no Brasil e o que aperfeiçoa a Lei Maria da Penha, tirando os bens do agressor. Sinto também frustração de não ter sido reconhecido pelas 21 leis sancionadas de minha autoria. Ninguém sabe, mas esse número é um recorde.
Também uma preocupação de não estar presente no momento que eu acho que o Brasil vai precisar muito. Eu estou preocupado com a experiência do próximo Senado, no momento, em que teremos como presidente Bolsonaro ou Haddad em um país polarizado. Eu me destacava como senador da educação e do diálogo. Agora, não vou estar presente. Vou assistir a tudo pela TV. Isso me incomoda.
Ao mesmo tempo, tenho satisfação. Eu não me omiti. Apesar de dois mandatos, apesar de não ser jovem, fui para a rua e disse: “Gente, eu estou aqui, pronto para continuar”. Não fui eu que decidi me aposentar e ir para casa. Não fui eu. Foi a população.
Por quê?
Porque as posições que venho tomando sempre são posições que olham o futuro do Brasil inteiro. O eleitor tem toda a razão de querer satisfazer o seu interesse pessoal e imediato. Quando votei pela reforma trabalhista, votei pelo Brasil. O Brasil precisa disso.
Quando defendi a reforma previdenciária, defendi a posição certa. A gente precisa acabar com os privilégios da Previdência. Precisamos dar sustentabilidade à Previdência, o que exige mudar a idade mínima da aposentadoria. Mas o eleitor não quer saber disso. O eleitor que saber de manter as maiores vantagens possíveis.
A PEC que limita os gastos do governo é fundamental para o Brasil funcionar bem. Eu votei certo. Mas o eleitor não gosta dessa ideia. O eleitor tem a impressão de que os recursos do governo são ilimitados. Não consegui reverter a fake news, a narrativa falsa de que a PEC 95 limita gastos da educação. Da educação, não limita. Tanto que aumentou nesses três anos. Agora, desde que tire de algum lugar.
Os meus votos, continuo achando que foram certos, mas se chocaram com os interesses e razões do eleitor. Tem mais um detalhe: uma parte do eleitorado acha que eu ainda sou do PT e não votou por isso. Eu errei em não explicitar mais o PPS na campanha.
Eu votei certo pelo impeachment [da ex-presidente Dilma Rousseff]. Eu disse muitas vezes que a presidente estava cometendo crime de responsabilidade e isso levaria ao desemprego e à inflação. Como iria votar contrário ao que eu dizia? Mas uma parte do eleitorado não gostou desse meu voto.
Tem político que ajusta o voto aos interesses que parecem ser certos para o país e ao futuro. Outros se ajustam ao número de votos que vão receber. Eu não faço isso. Então, sobre o impeachment, a PEC, a reforma trabalhista, e a discussão da Previdência, eu quero deixar claro: estava certo e não me arrependo.
Quais são os seus planos após o término do mandato?
Nunca deixei de ser professor. Vou continuar sendo professor e escrevendo. A minha saída do Senado não me deixa saudade do ponto de vista pessoal. Nem me deixa saudade a agenda. Acho destruidora para mim. Eu sou de cinco comissões e vou nas cinco. Tenho uma agenda muito tensa.
Mas, quando deixar o Senado, vou publicar mais agora. Ter uma agenda mais leve. Vou viajar com mais tranquilidade, aceitar convites. Vou ganhar dinheiro um pouquinho. Enquanto senador, não aceitei qualquer remuneração que não a do Senado e da aposentadoria. Agora, vou poder cobrar por palestra e consultoria. Vou ganhar um pouco de dinheiro para minha neta.
O senhor vai deixar a vida pública?
Não estou pensando em me candidatar agora. Nem de longe. Mas deixar a vida pública e a política, não. Vou continuar lutando pela educação. Não consigo deixar de lutar para que este país tenha educação de maior qualidade.
O senhor aceitaria um convite para assumir, por exemplo, um ministério?
Isso eu não aceito, não. Além do que, não serei convidado.
Como continuar na vida política e pública sem concorrer a um novo mandato?
Primeiro, sou escritor e professor. Além disso, tem muitas organizações não governamentais às quais eu sou ligado e que fazem grande trabalho para a educação. Tem muita forma de fazer política fora do mandato.
Com o senhor enxerga o atual cenário da disputa pela Presidência da República, com Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)?
Estou muito assustado. Outro ponto que me tirou o voto foi eu não ter manifestado apoio a Bolsonaro. O Rosso declarou o voto.
Por que o senhor não fez isso?
Porque eu não vou ajudar a abrir a porta do autoritarismo e da intolerância, por mais medo que eu tenha de um governo Haddad.
O senhor vai continuar morando no Brasil após concluir o mandato?
Sim. Aliás, no mesmo apartamento que moro há 38 anos. Em novembro, eu vou à China. De repente, pode ter um convite para ficar meses dando aula.
O seu candidato ao GDF, Rogério Rosso (PSD), ficou em terceiro lugar. Ibaneis Rocha (MDB) e Rodrigo Rollemberg (PSB) estão no segundo turno. Quem o senhor vai apoiar?
Não sei ainda. Vou ter que conversar com o Rosso e com o meu partido.
Eumano Silva: Pesquisa Datafolha expõe os riscos da estratégia de Lula
Crescimento de Bolsonaro na reta final do primeiro turno desafia campanha de Haddad, vinculada à imagem do ex-presidente petista
A pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha nessa terça-feira (2/10) expõe o risco da estratégia traçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a eleição presidencial de 2018. O crescimento de Jair Bolsonaro (PSL) na reta final da campanha de primeiro turno revela o grau de dificuldade encontrado pelo PT para levar o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ao Palácio do Planalto.
Assim como uma eventual vitória do petista será creditada à popularidade de Lula, uma hipotética derrota também terá a marca do ex-presidente. Na prática, a eleição presidencial se transformou em uma disputa entre o lulismo e o antipetismo. Os últimos números do Datafolha evidenciam os perigos do caminho tomado pela campanha do PT.
Em quatro dias, Bolsonaro subiu de 28% para 32% nas intenções de voto. No mesmo período, Haddad oscilou para baixo, de 22% para 21%. Nas simulações para o segundo turno, dentro da margem de erro, houve inversão de posições. O candidato do PSL cresceu de 39% para 44%, enquanto o petista recuou de 45% para 42%.
A reversão de expectativas para o PT fica mais evidente quando se leva em conta os resultados do Datafolha do dia 22 de agosto. Nessa pesquisa, Lula liderava a corrida presidencial com 39%. Bolsonaro tinha 19%. No segundo turno, o petista vencia Bolsonaro por 52% a 32%.
Estratégia estagnada
Condenado em janeiro de 2018 por corrução e lavagem de dinheiro no âmbito da Lava Jato, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula se encontra desde então inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa. Mesmo assim, ele manteve a candidatura ao Planalto até meados de setembro, limite do prazo para a definição dos concorrentes.
Inflado pelo desempenho nas pesquisas depois de sua prisão em abril, o ex-presidente pôs em prática o plano de transferir seu potencial eleitoral para Haddad. Nas primeiras semanas, a estratégia se mostrou eficaz. Em pouco mais de um mês, o ex-prefeito se tornou conhecido como o candidato de Lula e ultrapassou o patamar de 20% dos votos.
Nos últimos dias, porém, Haddad estagnou nessa faixa e Bolsonaro continuou crescendo na preferência dos eleitores até chegar aos 32%. Outro dado preocupante para o ex-prefeito é o aumento da rejeição ao seu nome. Em quatro dias, o percentual de eleitores que se recusa a votar nele saltou de 32% para 41%.
Crescimento, apesar de ex e #EleNão
Chama atenção o fato de que a consolidação do candidato do PSL na ponta da disputa presidencial ocorra em um período de exposição negativa de seu nome. A edição da semana passada da revista Veja divulgou os detalhes da separação de Bolsonaro de sua ex-mulher Ana Cristina Valle em 2008.
No processo, ela acusa o ex-marido de ocultar patrimônio, furtar o conteúdo de um cofre e de ter comportamento violento. Outro fato contra Bolsonaro foram os protestos com o mote “ele não” que levaram multidões de mulheres a ocuparem as ruas e praças em todo o país no sábado (29/9).
A negativa de Ana Lúcia em relação às acusações da época da separação e as manifestações em favor do candidato do PSL no domingo (30) reduziram o impacto desses fatos. Em vez de se desgastar com os eleitores, o ex-capitão conquistou mais alguns pontos nas pesquisas. Os adversários permaneceram sem alterações significativas na preferência dos brasileiros.
Líder máximo do PT desde a criação do partido, Lula usou o prestígio interno para atrelar a campanha presidencial à sua imagem, mesmo preso em Curitiba (PR). As próximas semanas vão mostrar se o ex-presidente comandará a quinta vitória consecutiva nas disputas pelo Planalto ou se amargará um fracasso retumbante.