Merval Pereira
Merval Pereira: Bolsonaro em julgamento
Ministros terão que decidir se, ao medir o peso dos quilombolas em arrobas, candidato queria compará-los a animais
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) pode tornar hoje o candidato à presidência da República do PSL, Jair Bolsonaro réu pela segunda vez. Ele já o é por incentivo ao estupro, devido ao episódio envolvendo a deputada Maria do Rosário. Desta vez, será julgado, antes do início da propaganda eleitoral de rádio e televisão a próprio pedido, por declarações consideradas racistas sobre os quilombolas.
A maioria da Primeira Turma já firmou posição de que a imunidade parlamentar não significa impunidade, como disse a ministra Rosa Weber. E que o parlamentar só tem direito à proteção da lei caso suas palavras tenham sido proferidas durante o mandato e em função dele.
Hoje, os ministros terão que decidir se, quando Bolsonaro mediu o peso dos quilombolas em arroubas em uma palestra, queria compará-los a animais, como está sendo acusado pela Procuradoria-Geral da República, ou se foi apenas um vício de linguagem, uma piada de caserna, sem insinuações racistas.
Os comentários de Bolsonaro ganharam ressonância maior devido a declarações de seu candidato a vice, General Mourão, para quem o Brasil "herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos". Mesmo tendo se declarado indígena no registro no TSE, o General provocou polêmica.
O historiador Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras, o maior especialista brasileiro em África, tem outra visão: “Foi o africano que ensinou o europeu no Brasil a batear o ouro dos rios, a cavar poços, a fundir o ferro. Foi o africano que desenvolveu a pecuária de grande extensão, onde o gado é solto no pasto, sem currais. Os africanos trouxeram uma nova maneira de vestir e de se comportar, de sentar, caminhar, construíram a casa de pau a pique, diferente da casa de taipa de Portugal. Os africanos trouxeram novos instrumentos musicais, comidas, vegetais”, cita o historiador.
Costa e Silva lembra que o português falado no Brasil foi influenciado e enriquecido com palavras de línguas faladas, principalmente, em Angola. “Quando eu xingo, eu estou falando em kikongo, quando eu cochilo, estou falando em kimbundu”.
“Uma troca permanente de culturas, costumes, que nos deu o maxixe e levou de volta a mandioca, o milho”, ressalta. O acarajé é encontrado na Nigéria, Togo, Gana e Benin, onde viveu Alberto da Costa e Silva como embaixador do Brasil. “Foi uma troca de modos de viver, de valores, de gostos de um lado para o outro”.
O também historiador e sociólogo Jorge Caldeira avalia que a visão de uma suposta indolência indígena mudou radicalmente a partir da década de 1970, quando antropólogos, através de novas métricas, constataram um trabalho de alta produtividade. “Hoje não há quem deixe de avaliar como muito relevante o trabalho indígena na formação da riqueza nacional”, afirma Caldeira, que tratou do assunto em um texto intitulado “Teoria do Valor Tupinambá”.
O tema da malandragem, como ressalta o antropólogo Roberto DaMatta, tem a ver com um Estado centralizador e injusto. Quando se tem uma relação com o Estado que não é de confiança, diz ele, “você cria o jeitinho e a malandragem”, como tratou no livro de 1979 “Carnaval, Malandros e Heróis”.
Jorge Caldeira reforça a tese dizendo que era uma “necessidade imperiosa” adaptar os comportamentos para a sobrevivência numa realidade econômica e cultural muito distante daquela que criara os preceitos legais e morais, sobretudo em Portugal.
Para Roberto DaMatta, a suposta “indolência vem de nós, que criamos um Estado para nós”. O antropólogo avalia que devemos ao negro “tudo o que foi construído no Brasil, até hoje. “Os negros carregaram nas costas nosso sistema de água, nosso sistema sanitário. O escravo foi um dos elementos da nossa civilização”. Já os índios, cuja tribo Gaviões Roberto DaMatta estudou in loco, “foram catequizados e massacrados”, afirma.
Um julgamento negativo para Bolsonaro, que está em primeiro lugar nas pesquisas quando Lula não aparece, reacenderá a polêmica jurídica sobre se um réu pode ser candidato à presidência da República, tema posto desde que o mesmo Supremo retirou da linha sucessória por esse motivo o senador Renan Calheiros, então presidente do Senado.
Esclarecimento
O trabalho do cientista político Jairo Nicolau sobre a transferência de votos no nordeste foi originalmente publicado no blog Observatório das Eleições da Unicamp.
Merval Pereira: Visão de um intelectual público
Malan durante anos alertou sobre a excessiva complacência com que as autoridades lidavam com o equilíbrio fiscal
Com a fina ironia que lhe é peculiar, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan cunhou a frase “no Brasil, até o passado é incerto”, uma decorrência do que um de seus autores preferidos, Millor Fernandes, disse de nosso país: “a cada 15 a 20 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 a 20 anos”. A frase é também atribuída ao jornalista Ivan Lessa, assim como a de Malan o é a outros. É assim com frases marcantes.
Talvez por isso tenha reunido artigos dos últimos 15 anos, para que não sejam esquecidos. E para que o passado seja menos incerto. Intelectual público exemplar, e reconhecido internacionalmente, Malan está lançando pela editora Intrínseca uma coletânea de artigos escritos entre 2003 e 2018, publicados no Estado de São Paulo.
Sua intenção sempre foi analisar a economia em suas relações com a política, e lendo-se o conjunto de artigos, têm-se uma visão completa do que pensa e como age. Com uma cultura multifacetada, encontra no sociólogo alemão Max Weber uma referência para os que, como ele, querem ser servidores públicos conjugando a “ética da convicção”, dos princípios morais aceitos em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que prevalece na atividade política.
Ele, ao longo desses anos, abordou não apenas as questões econômicas, mas elas dentro de um cenário “de uma sociedade ainda injusta, com carências e mazelas sociais que são ética e politicamente incompatíveis com o grau de civilização que acreditamos termos alcançado”.
Desde o primeiro governo Lula, de cuja transição exemplarmente democrática se orgulha de ter participado, vinha advertindo sobre o perigo de que o período comandado por Antonio Palocci fosse apenas uma transição para a implantação do verdadeiro programa econômico do PT, o que se mostrou verdadeiro a partir de meados de 2006, com a saída de Palocci e a chegada de Guido Mantega e sua “nova matriz econômica”.
Malan durante anos alertou sobre a excessiva complacência com que as autoridades lidavam com o equilíbrio fiscal, do qual foi um guardião nos governos de Fernando Henrique Cardoso, em busca de resultados eleitorais imediatos e guiados pela certeza ingênua de que “gasto é vida”, como dizia Dilma.
Foram constantes advertências de que a crise financeira mundial de 2009 não era uma “simples marolinha”, como a definiu o então presidente Lula. No décimo aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal, já antevendo o que viria pela frente, Malan alertava que era necessário resistir às pressões para que ela fosse revogada informalmente, o que acabou acontecendo com os resultados que conhecemos.
Em artigos anteriores, o ex-ministro relembrara a posição do PT contra a lei, baseado na tese de que o equilíbrio social deveria ter prevalência, uma visão equivocada de que os gastos do governo são o motor do desenvolvimento.
Em diversos momentos de seus artigos Malan lamenta a retórica petista, alimentada pelo próprio presidente Lula, um Luis XV ao contrário, de que, antes dele, fora o dilúvio. A tal herança maldita, usada como mote de campanha política permanente, dividiu o país e impediu a continuidade e aperfeiçoamento de políticas que deveriam ser de Estado, e não de partidos.
A visão republicana de Pedro Malan da necessidade de termos “uma certa idéia de Brasil”, como definiu De Gaulle sobre si e a França, pode ser comprovada nos elogios que faz a certas posições atuais do ex-ministro da ditadura militar Delfim Netto, de quem foi ferrenho opositor mesmo antes de iniciar sua vida pública. E da admissão de que os governos petistas avançaram no campo social.
Na apresentação do livro, Malan lista os pontos que gostaria de ver no Brasil de nossos filhos e netos: Uma sociedade que compatibilize, o mais possível, as liberdades individuais; igualdade perante a lei e menor desigualdade na distribuição da renda; setor público mais eficiente, e avanços tecnológicos que propiciem o que Schumpeter considerava o elemento essencial do capitalismo: a “destruição criativa”, que, segundo Pedro Malan, “mostrou-se imbatível na produção de riqueza e na disseminação de acesso a produtos de consumo de massas”.
Merval Pereira: Obstáculos no Nordeste
A dúvida, ressalta Jairo Nicolau, é até que ponto Ciro Gomes, que fez sua carreira no Ceará, poderá ser barreira ao PT
A partir das eleições de 2006, o Nordeste passou a ser um reduto eleitoral petista. Foram seis turnos de vitórias avassaladoras. Em trabalho recente, o cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jairo Nicolau analisa fatores que podem afetar a intensidade da transferência de votos no principal reduto petista, sem a presença de Lula nas campanhas e, sobretudo, na urna eletrônica.
Em 2006, Lula obteve 60% dos votos dos eleitores nordestinos no primeiro turno, o maior percentual alcançado na história das eleições presidenciais por um candidato em uma determinada região, ressalta Nicolau. Ainda que Dilma Rousseff tenha obtido em 2010 e 2014 um percentual levemente menor do que Lula, a ideia de reduto se manteve.
No primeiro turno das eleições de 2014, 27% dos eleitores que compareceram para votar moravam no Nordeste. Desse modo, um candidato que receba 50% dos votos na região já garante cerca de 13,5% em âmbito nacional. Lula tem até 80% em certos estados nordestinos.
Jairo Nicolau diz que ninguém pode ter dúvida de que Fernando Haddad crescerá no Nordeste à medida que se torne conhecido dos eleitores da região. Existe uma versão corrente que sugere que essa transferência de votos de Lula será simples e automática, mas Nicolau lembra que, embora isso possa acontecer, há alguns obstáculos. O reduto petista no Nordeste foi consolidado quando o partido estava à frente da Presidência. As eleições de 2006, 2010 e 2014 tiveram um caráter plebiscitário, a favor ou contra as políticas públicas do governo petista, fator que não estará presente este ano. Jairo Nicolau lembra que temas centrais da campanha ainda não estão postos. “Será a divisão entre os que apoiam e rejeitam Bolsonaro? Ou a crise econômica e as melhores propostas para superá-la? Ou até, quem sabe, uma mera ênfase nos atributos dos candidatos, sem grandes discussões sobre o país”, questiona o cientista político.
Para o PT, diz Nicolau, interessa recolocar o tema plebiscitário em outras bases, em torno de uma nova agenda: os que defendem a “volta do PT” versus os que são “contra a volta do PT”. A polarização pode ter um papel fundamental para impulsionar a transferência de votos no Nordeste.
Nas três últimas eleições, o PT praticamente não teve adversários no Nordeste. A dúvida, ressalta Jairo Nicolau, é até que ponto a candidatura de Ciro Gomes, político que fez sua carreira no Ceará, poderá ser uma barreira para o crescimento do PT. Nas duas eleições em que concorreu, Ciro teve o seu melhor desempenho no Nordeste — 12% dos votos dos que compareceram em 1998, e 15% em 2012 —, embora em patamares inferiores à votação do PT e do PSDB.
Jairo Nicolau acha que ainda é cedo para falar sobre o desempenho de Marina e Bolsonaro no Nordeste, já que a expectativa é que o crescimento do candidato petista “avance” sobre os votos que hoje esses candidatos obtêm na região. No primeiro turno de 2014 havia uma expectativa de que os votos nulos e em branco poderiam crescer. Como tradicionalmente os votos inválidos são mais altos nas cidades mais pobres e com menor escolaridade, esse crescimento poderia afetar a candidatura de Dilma Rousseff. Mas isso não aconteceu. O percentual de votos nulos e em branco foi praticamente o mesmo das eleições anteriores. A expectativa do cientista político Jairo Nicolau é que os votos nulos por protesto cresçam nas eleições de 2018, repetindo padrão já observado nas eleições municipais de 2016.
Mas, segundo ele, o que deve preocupar os dirigentes petistas é outro tipo de voto inválido, fruto da desinformação e do erro. Com uma campanha curta, sem dispor do mesmo tempo de televisão das eleições anteriores, sem a presença física de Lula nas atividades de rua e com muito menos dinheiro para gastar na campanha, o desafio do PT é fazer o nome do candidato Haddad chegar aos eleitores de baixa escolaridade, baixa renda e moradores das pequenas cidades do Nordeste. Para Jairo Nicolau, sem uma informação precisa sobre a existência de um “candidato do Lula”, o voto nulo e em branco tenderá a crescer na região.
Merval Pereira: Dificuldades na travessia
Principal risco da saída ‘não populista’ é a dificuldade de se realizar, com êxito, uma travessia de ajustes sólidos
A consultoria Macroplan, especializada em estratégia e cenários futuros, traçou cinco cenários para o governo do Brasil 2019-2022 a partir de duas indagações básicas: o que vai prevalecer, “a sedução do populismo” ou “a saída não populista”? Ambas têm variantes bem distintas, diz o presidente da consultoria, economista Claudio Porto, mas hoje “probabilidade idêntica de ocorrer: 50% x 50%”.
Na coluna de ontem analisamos parte do cenário “sedução do populismo”, que se desdobra em três variantes segundo o estudo da Macroplan: (1) populismo “à direita”, com probabilidade de 26%; (2) populismo “à esquerda”, com 24%; e (3) populismo “de ocasião” — que o economista Claudio Porto, diretor da consultoria, chama de “oportunista e metamórfico, ora pendendo para a direita, ora para a esquerda”, cuja probabilidade não foi mensurada na pesquisa.
Em qualquer de suas variantes, o principal risco que este cenário base antecipa é a imprevisibilidade e a instabilidade política e econômica, avalia a Macroplan. Em “sedução do populismo”, o crescimento econômico não se sustenta — a Macroplan estima crescimento em torno de 2% ao ano. Há também um risco inflacionário associado aos cenários do populismo “de esquerda” ou “de ocasião”, analisa Claudio Porto, dizendo que basta lembrar que no governo Dilma, em 2015, a inflação anual chegou perto dos 11%.
No plano político, a governabilidade tende a ser mantida com dificuldades e o ambiente de negócios, problemático. A insegurança jurídica tem viés de alta. Já o cenário “não populista” emerge com a rejeição popular a lideranças radicais e soluções mágicas.
Nesse caso, segundo a Macroplan, o sistema político funciona, mesmo que precariamente. E as lideranças desta coalizão infundem certo grau de “confiança realista” na população, cultivando expectativas moderadas quanto à superação das dificuldades herdadas.
A cooperação e a negociação constituem a principal ferramenta política, com espaço para a promessa de soluções plausíveis e racionais, inclusive algumas reformas e o respeito formal às instituições. Neste cenário há uma propensão a minimizar o custo político, econômico e social de medidas e reformas econômicas — salvo em conjunturas de agudização de crises —, como ocorreu com a forte desvalorização do real, em 1999, que obrigou o Banco Central a abandonar o regime de bandas cambiais e passar a atuar no regime de câmbio flutuante.
A saída “não populista” tem, hoje, uma probabilidade também de 50% e compreende duas variantes: ( 1) a “conservação do status quo”, com 27% de chances, e ( 2) o “reformismo modernizante”, com 23% de possibilidade de concretização, segundo a pesquisa da Macroplan. O principal risco da saída “não populista”, em qualquer de suas variantes, é a dificuldade de se realizar, com êxito, uma travessia de ajustes sólidos nos dois primeiros anos de governo, em meio a fortes resistências, ressalta a Macroplan. A governabilidade poderá ser ameaçada por confrontações e conflitos frequentes com as corporações e/ou com o enfrentamento das demandas fisiológicas. O cenário de “conservação do status quo”, se vier a prevalecer, nos levará apenas a mudanças incrementais, à consolidação do imediatismo como padrão do governo, ao baixo crescimento econômico (em média 2,5% ao ano) e inflação em torno dos 5% anuais. Um prolongamento do cenário atual, um pouco melhorado.
Dadas as condições atuais do Brasil, o cenário “reformismo modernizante”, na opinião do economista Claudio Porto, é o único que nos oferece uma chance de ingressar numa rota de crescimento econômico sustentável. Pressupõe um Estado compacto, regulador, provedor de segurança jurídica e proteção social, um forte ajuste fiscal estrutural, abertura progressiva da economia e forte estímulo à concorrência.
Para este cenário a Macroplan estima um crescimento médio de 3,1% ao ano, no período de 2019- 22, e viés de alta: pode chegar a 4,1% ao ano nos oito anos seguintes. Já a inflação está estimada em 3,9% ao ano (2019- 22), caindo para 3,3%, entre 2023 e 2030.
Merval Pereira: Futuro incerto
Um panorama inquietante. Assim podem ser resumidos os cenários pós-eleição traçados pela consultoria Macroplan, especializada em planejamento, gestão e cenários prospectivos. A análise da consultoria vem há bastante tempo batendo na mesma tecla:a crise brasileira, e a campanha presidencial em particular está confirmando, sofre com a escassez de líderes com visão de longo prazo e capacidade de infundir confiança por meio do exemplo, problema que ainda vai perdurar por um longo período e promete ser um desafio para os eleitores nos próximos pleitos.
A perda de legitimidade de políticos - independentemente de vinculações partidárias - tornou-se endêmica. Nomes antes promissores foram varridos do tabuleiro político, e não há no horizonte novos líderes despontando.
O economista Claudio Porto, presidente da consultoria, traçou cinco cenários para o governo do Brasil 2019-2022 a partir de duas indagações básicas: o que vai prevalecer, “a sedução do populismo” ou “a saída não-populista”? Ambos têm variantes bem distintas, diz o diretor da consultoria, mas, hoje, “probabilidade idêntica de ocorrer: 50% x 50%”.
Durante as pesquisas e entrevistas para a composição dos cenários mais prováveis, a Macroplan buscou respostas para questões como “Que coalizão de forças governará o Brasil?”; o futuro próximo será “tão vertiginoso em surpresas e descontinuidades como o dos últimos cinco anos ou haverá maior previsibilidade?”.
Por ora, avalia Claudio Porto, a conjuntura atual nos revela um paradoxo: de um lado, uma elevada incerteza quanto aos resultados mais prováveis das eleições, em virtude da acentuada pulverização das forças políticas, num contexto de elevada descrença e mau humor do eleitorado. De outro, muita clareza quanto aos cenários mais plausíveis pós-eleições.
Porto ressalta que qualquer que seja o cenário, o governo eleito terá que conviver com cinco condicionantes:
1. Uma herança maldita: o país terá uma renda per capita 9% abaixo da de 2014 e desemprego entre 13 e 14 milhões de pessoas. Além disso, o Estado brasileiro está quebrado. Hoje vive no que classifica de ‘cheque especial’, necessitando de um ajuste na ordem de 5 a 6% do PIB (R$ 330 a 400 bilhões), segundo estimativa do economista Armínio Fraga.
2. Um contexto externo que não será tão favorável quanto o dos últimos anos, por conta da guerra comercial empreendida por Trump.
3. Uma tensão permanente entre população impaciente com a política versus as práticas da maioria fisiológica no Congresso Nacional.
4. O acirramento dos conflitos em torno do orçamento público:fortes demandas da sociedade por mais e melhores serviços públicos, o menor custo x pressões e conflitos corporativos (servidores públicos, grupos empresariais, grupos políticos) por recursos e privilégios, num quadro de forte escassez.
5. O prosseguimento das operações de combate à corrupção, embora com menor intensidade e impacto.
Com este pano de fundo, o cenário "sedução do populismo",na visão da Macroplan, tem como traço característico a emergência de um líder carismático que encarna o sentimento popular, apresenta-se como o ‘salvador da pátria’ e faz uma comunicação direta com a população.
“Nomeia inimigos, geralmente genéricos (as elites, os esquerdistas, os rentistas, a grande mídia, os banqueiros ou os malandros). Promete soluções fáceis e rápidas, porém impraticáveis. Induz o confronto, a divisão e o ressentimento e revela forte propensão para o intervencionismo estatal, o autoritarismo, a indisciplina fiscal e o assistencialismo”.
A Macroplan não explicita, mas é fácil entender que se refere às candidaturas que estão na frente pelas pesquisas eleitorais. À esquerda, o ex-presidente Lula e o PT, à direita o candidato Jair Bolsonaro. Nem todos os predicados citados colam nos dois candidatos, mas certamente os dois têm a maioria deles. E, correndo por fora, quando se trata de populismo, Ciro Gomes promete pagar a dívida no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) de dezenas de milhões de brasileiros. (Amanhã – A saída não-populista)
PS: o senador Agripino Maia nega que vá apoiar Ciro Gomes, como a campanha do candidato do PDT afirma.
Merval Pereira: Em busca do equilíbrio
O grande trunfo que Marina vai apresentar nesta campanha é o fato de ter passado incólume pela Operação Lava-Jato
Apesar de acusada desde o fim de 2014 de ter “sumido” da vida pública, a candidata da Rede, Marina Silva, tem uma resiliência incomum, vista como uma política não tradicional, embora tenha sido parlamentar durante muitos mandatos, desde vereadora no Acre até senadora e ministra no governo Lula.
Marina, com um desempenho estável nas pesquisas, de acordo com os dois maiores institutos, o Datafolha e o Ibope, está em segundo lugar quando o ex-presidente Lula não aparece, situação em que também vence todos os demais concorrentes no segundo turno. Eé a segunda opção da maioria dos entrevistados em pesquisa recente.
Marina aparece também como a maior herdeira dos votos de Lula. É nesse vasto mar de indecisos que ela pretende buscar a força necessária para chegar ao segundo turno, embora nesta eleição tenha condições piores do que em 2010 e 2014, quando teve uma média de 20 milhões de votos em cada uma.
A maioria do eleitorado brasileiro é de mulheres, revelou o último Censo, o mesmo acontecendo entre os indecisos. Marina é a única mulher entre os outros 12 candidatos homens que estarão na disputa, e vai poder falar desta posição privilegiada, embora tenha pouco mais de 20 segundos de tempo de propaganda eleitoral gratuita e um fundo partidário ínfimo diante do de seus adversários, principalmente do tucano Geraldo Alckmin, que terá praticamente a metade do tempo da propaganda e um fundo de R$ 800 milhões.
Marina, embora comece a campanha no páreo para chegar ao segundo turno, tem dois fortes candidatos que disputam quem vai enfrentar Bolsonaro se o candidato do PSL mantiver a resiliência que o mantém há mais de ano na frente das pesquisas quando Lula não aparece.
À esquerda, Ciro Gomes, do PDT, e à direita, o tucano Geraldo Alckimin, além da incógnita do petista Fernando Haddad, que não se sabe nem mesmo se será o “poste” da vez de Lula. Marina, apesar da falta de estrutura, tentará se afastar de seus concorrentes fazendo campanha com “indignação e sensatez”.
Marina acha que tomou o lugar do PSDB quando este esmoreceu na ação que pedia a cassação da chapa Dilma Temer no Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, o partido que lidera, a Rede, se dividiu na votação em plenário, e votou contra na comissão, contrariando sua orientação.
Essa dubiedade parece a alguns truque político, a outros, demonstração de falta de comando do próprio partido. Ao se manifestar pessoalmente na defesa das decisões do juiz Sergio Moro, principalmente nos casos relativos ao ex-presidente Lula, tornou realidade o desligamento do PT, situação com que lidava com dificuldades nas campanhas anteriores.
Pensa assim ter aberto espaço ao eleitor de centro-esquerda, ou os mais desiludidos com Lula e o PT. Ao mesmo tempo, se cercando de economistas como André Lara Resende e Eduardo Giannetti, ganhou, se não a confiança, a neutralidade do mercado, colocando-se como opção mais equilibrada caso Alckmin não deslanche.
O grande trunfo que vai apresentar nesta campanha é o fato de ter passado incólume pela Lava-Jato. Por não estar na Lava-Jato, ficou à vontade na liderança política da defesa contundente das ações de Ministério Público, Polícia Federal e decisões do STF na condenação dos denunciados.
Para levar suas posições ao eleitorado, Marina espera que uma presença forte nas redes sociais substitua as campanhas tradicionais, reagrupando a rede de voluntários, conversando ela mesma diretamente com os internautas, participando dos debates e entrevistas.
Marina tem um eleitor bem diferente de eleições anteriores, onde se destacava um forte núcleo de jovens empreendedores, digitais e da esfera da sustentabilidade, inclusive um empresariado compromissado com o futuro do planeta. Hoje, seu eleitorado está centrado na classe CDE, de ensino fundamental, sendo as mulheres uma parcela grande. E um forte contingente de evangélicos, que ela disputará com Bolsonaro e Cabo Daciolo.
Resta saber se a candidata da Rede convencerá o eleitorado de que tem energia suficiente para superar a falta de estrutura, e capacidade de enfrentar um Congresso hostil.
Merval Pereira: Atrás do voto útil
Ciro Gomes terá que desfazer a imagem de descontrolado, e não se comprometer tanto com a esquerda
Depois do episódio do centrão, que, na visão do PDT, se ofereceu para apoiar seu candidato apenas para valorizar o apoio que afinal deu ao PSDB, e do PSB, que recuou do apoio previsto por pressão do PT, a campanha à Presidência da República de Ciro Gomes luta para desfazer a impressão de que sua candidatura, disputando o segundo lugar com Marina Silva, da Rede, quando Lula não aparece nas pesquisas eleitorais, perdeu a viabilidade.
Ele foi sondado para ser o vice de Lula, num momento anterior, quando parecia possível uma aliança PT-PDT, mas não achou que a sondagem fosse para valer. É da natureza do PT ter candidato próprio, afirma Ciro, e não havia nenhuma garantia de que a direção nacional do partido não acabaria alterando a chapa para deixá-lo sem condições de disputar.
Também a tentativa de se unir ao PCdoB através de Manuela D’Ávila foi apenas isso. “O PCdoB apoia o PT desde 1994”, lembra um assessor, justificando o lançamento de Manuela como vice do vice do PT.
Além de alianças regionais as mais variadas, sintetizando o estado da arte de nosso sistema partidário falido, a campanha buscará viabilizar Ciro Gomes como o candidato do voto útil, transitando tanto na esquerda quanto à direita do espectro político. Para tal, ele terá que fazer uma campanha que não afugente o eleitor de Lula, mesmo se sentindo apunhalado pelas costas, e não o afaste do eleitorado de centro-direita, sua origem política.
Por essa conta, os eleitores declarados de Lula quando o ex-presidente for considerado inelegível podem não votar em Fernando Haddad, sendo Ciro a alternativa mais viável à esquerda. As pesquisas eleitorais mostram, porém, que a maior parte dos votos a Lula, quando não vai para o candidato do PT, vai para Marina Silva, da Rede, e até uma parcela para Jair Bolsonaro. Por outro lado, se no decorrer da campanha os eleitores perceberem que o candidato tucano, Geraldo Alckmin, não vai conseguir desconstruir Bolsonaro, os estrategistas da campanha de Ciro planejam ganhar eventuais votos dos que quererão ter um candidato competitivo no segundo turno contra a extrema-direita.
Nesse caso, porém, é possível também que eleitores de Alckmin simplesmente se movam para Bolsonaro, justamente para impedir que candidatos considerados de esquerda como Ciro cheguem ao segundo turno.
Para se apresentar ao eleitorado de centro-direita como alternativa, o candidato Ciro Gomes terá que desfazer a imagem de descontrolado, e não se comprometer tanto com a esquerda.
A campanha do candidato do PDT terá oito candidatos a governador, dois deles, no Amazonas e no Amapá, disputando a reeleição: Amazonino Mendes e Waldez Góes, respectivamente. No Mato Grosso do Sul, Odilon de Oliveira, e no Rio Grande do Norte, Carlos Eduardo Alves, os candidatos do PDT estão nos primeiros lugares nas pesquisas.
Além disso, no Rio Grande do Norte, Ciro tem o apoio de José Agripino Maia e de Garibaldi Alves, ambos do DEM. No Ceará, o petista Camilo Santana promete dividir o palanque entre o PT e Ciro. O PSB, apesar de não ter aderido formalmente a nenhuma candidatura, terá pelo menos três candidatos a governador apoiando Ciro Gomes: em Brasília, Rodrigo Rollemberg; no Espírito Santo, Renato Casagrande; e Antonio Carlos Valadares, no Sergipe.
Também Flavio Dino, no Maranhão, do PCdoB, vai dividir o palanque entre Ciro e o PT. E três candidatos a governador do DEM farão campanha para Ciro: Ronaldo Caiado, de Goiás, Mauro Mendes, do Mato Grosso, e Márcio Miranda, do Pará.
Com relação ao pouco tempo de propaganda gratuita —Ciro terá apenas 40 segundos —, quem está fazendo a campanha do pedetista conseguiu eleger Alexandre Kalil em Belo Horizonte, que tinha apenas 23 segundos, embora sejam eleições completamente diferentes, sendo a presidencial num universo eleitoral infinitamente maior.
É nesse equilíbrio precário entre centro-direita e esquerda que Ciro parte para uma campanha que parecia beneficiá-lo com a ausência de Lula e, ao contrário, acabou por prejudicá-lo na composição dentro da esquerda.
Merval Pereira: A polêmica do imposto
O Supremo entendeu que a Constituição não impõe o pagamento de um tributo por todos os membros de uma categoria
É de difícil execução a estratégia de permitir que as assembleias gerais dos sindicatos possam aprovar a volta da contribuição obrigatória, extensível a todos os membros da categoria profissional ou econômica, sugerida pelo candidato à Presidência da República do PSDB, Geraldo Alckmin, por pressão do presidente do Solidariedade, Paulinho da Força.
O Supremo Tribunal Federal já examinou a questão e rejeitou essa possibilidade. O STF inicialmente editou a Súmula 666, depois convertida na Súmula Vinculante 40, definindo que “a contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”.
Isso significa que as assembleias gerais dos sindicatos só podem impor o pagamento de contribuição aos membros sindicalizados da categoria, e jamais àqueles não sindicalizados. Portanto, a proposta de restauração da contribuição sindical obrigatória por meio da atribuição de poder às assembleias gerais dos sindicatos não faz sentido, pois tal possibilidade já foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.
A questão do imposto sindical obrigatório continua sendo um dos pontos da reforma trabalhista mais polêmicos, e não fica restrita aos sindicatos e às centrais sindicais, mas atinge todos os trabalhadores. Afinal, trata-se de exigir que trabalhadores não sindicalizados contribuam para sustentar sindicatos que não os representam.
O candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, teve que responder a essa questão na sabatina da GloboNews, e sugeriu que a lei poderia estabelecer que certo número de participantes de uma assembleia, proporção que varia de 20% a 80%, aprove a contribuição sindical obrigatória, a despeito da sua extinção por lei na reforma trabalhista.
Essa manobra, como vimos, não tem futuro no Congresso. Cada sindicato terá de obter fontes de recursos de acordo com o seu prestígio com a categoria que representa, o que certamente dependerá da qualidade da sua atuação.
Com o fim da contribuição obrigatória, também terão fim os sindicatos de fachada, cuja existência não se justifica. Para se ter uma ideia, no Brasil existem mais de 17 mil sindicatos, enquanto na Argentina eles são 91, no Reino Unido, 168 e nos Estados Unidos, 190. Além disso, os sindicatos aproveitaram os governos petistas para se fortalecerem politicamente, e não é à toa que partidos políticos nasceram de sindicatos, como o PT da CUT e o Solidariedade da Força Sindical.
Também as centrais sindicais foram oficializadas no governo Lula, recebendo uma subvenção governamental. O fim da contribuição obrigatória no Brasil aconteceu em paralelo a uma decisão no mesmo sentido da Corte Suprema dos Estados Unidos.
O Supremo entendeu que a Constituição brasileira não impõe o pagamento de um tributo por todos os membros de uma categoria profissional ou econômica em favor dos sindicatos que os representam. Ao contrário, entendeu o STF que o legislador ordinário poderia tornar facultativo o desconto da contribuição, a depender da prévia e expressa autorização do trabalhador. Para alterar esse entendimento, e mesmo assim sujeito a contestações no STF, seria preciso que o Congresso aprovasse expressamente a obrigatoriedade.
O conceito por trás da decisão é que, se a Constituição assegura a qualquer cidadão a liberdade de associar-se ou não, a lei não pode obrigar um trabalhador não sindicalizado a pagar a contribuição ao sindicato. Na mesma semana, numa demonstração que esta é uma questão contemporânea que mobiliza os sindicatos, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucional a cobrança compulsória da contribuição sindical aos membros não sindicalizados de uma determinada categoria profissional.
Embora o caso concreto se referisse a sindicatos de servidores públicos, a decisão, que se tornou um precedente para toda a estrutura sindical americana, se baseou na Primeira Emenda, que assegura a liberdade de expressão a todo cidadão, garantia incompatível com a contribuição compulsória a um determinado sindicato.
Merval Pereira: Para todos os gostos
Quem ganhou com a escolha da vice foi o tucano Geraldo Alckmin, que tirou da manga a senadora Ana Amélia
A definição dos vices ganhou dimensão maior nesta corrida presidencial devido à indefinição do PT, que pretendia manter em segredo seu plano B o mais possível, a fim de não oficializar o impedimento do ex-presidente Lula antes de a Justiça Eleitoral se pronunciar.
Houve até uma mudança de última hora, com o candidato Jair Bolsonaro trocando um príncipe por um general. A chapa do líder das pesquisas quando Lula não aparece ficou, assim, muito mais pesada, sem agregar apoios mais amplos.
Ao contrário, pela amostra dada ontem, na sua primeira fala oficial como candidato a vice, o general Mourão, que já chamara de “boçais” certos eleitores de Bolsonaro, aprofundou o menosprezo do candidato a negros e índios.
Disse ele na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias que o Brasil herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos africanos. Tentou amenizar dizendo- se “indígena” por parte do pai, um amazonense. E pediu licença a um político negro que estava presente para afirmar que a “malandragem é oriunda do africano”.
Para o general Mourão, que já defendeu uma intervenção militar no país, é por causa desse “cadinho cultural” que os brasileiros gostam de “mártires, líderes populistas e dos macunaímas”. Pelo jeito, o general pretende rivalizar com o candidato em declarações polêmicas.
Quem ganhou com a escolha da vice foi o tucano Geraldo Alckmin, que tirou da manga a senadora Ana Amélia, do Rio Grande do Sul, na tentativa de esvaziar a força de Alvaro Dias no Sul e no Sudeste, e de Bolsonaro nas áreas do agronegócio. Dias, aliás, tem como vice Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do IBGE sem grandes lastros políticos. Ganhou alguns segundos a mais na propaganda oficial.
Alckmin já anunciara ser a favor de armar o homem das áreas rurais, ideia de que Bolsonaro foi pioneiro. Agora, com uma mulher na vice, e ainda por cima ligada ao agronegócio, tenta recuperar o espaço em uma área cativa do PSDB.
A senadora Ana Amélia, além do trabalho sério que realiza no Senado, se notabilizara como antilulista convicta, outra bandeira que Alckmin quer tirar de Bolsonaro. Quando houve denúncias de que o acampamento dos militantes petistas havia sido atacado em Curitiba, a senadora não fez por menos.
Declarou, primeiro no plenário do Senado, e depois em uma reunião partidária no interior do seu estado, que os ataques eram bem-vindos: “Quero parabenizar Bagé, Santa Maria, Passo Fundo, São Borja. Botaram a correr aquele povo que foi lá levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, mostra onde estão os gaúchos”.
Aliás, o agronegócio deu mais um vice já oficializado, a senadora Kátia Abreu, que, além de ser mulher, entrará na chapa de Ciro Gomes com a missão específica de garantir aos agricultores que o candidato será sensível aos seus anseios.
A chapa de Marina ganhou em coerência com a indicação de Eduardo Jorge, do Partido Verde, mas é mais do mesmo, fala para convertidos. O MDB, completamente desgastado pelo governo Temer, terá Henrique Meirelles como candidato, com um vice do Rio Grande do Sul, o ex-governador Germano Rigotto. Uma chapa puro-sangue que não parece ter muito futuro.
A maior polêmica ficou por conta da escolha do PT, um vice de um candidato inviável juridicamente, embora forte politicamente. Registrar Lula serve apenas para cumprir formalidades políticas, pois agora todos sabem que o plano B é Haddad. A manobra é tão complicada que o vice do PT já tem uma vice, a deputada Manuela D’Ávila, do PCdoB.
Quando eleito pela primeira vez, em 2002, Lula ampliou seu eleitorado incluindo na chapa o empresário José Alencar. A chapa Haddad- Manuela é mais fraca politicamente até que a de Dilma- Temer, que tinha Lula em seu auge e com capacidade presencial para fazer campanha.
Sempre que Lula disputou eleição com vices do mesmo grupo político, perdeu. Foi assim em 1989 com José Paulo Bisol, do PSB; em 1994 com o petista Mercadante; em 1998 com o pedetista Leonel Brizola. A ver se na cadeia e com uma chapa de nicho esquerdista, Lula conseguirá transferir seu prestígio em votos para Haddad.
Merval Pereira: Egolatria
Arriscar ter a chapa impugnada pelo TSE apenas para ganhar mais 10 dias sem definir o substituto de Lula é exemplar da egolatria que marca sua liderança
‘Vim para confundir, não para explicar”, brincava o velho guerreiro Chacrinha, que parece ter inspirado a estratégia do PT nessa disputa presidencial.
Arriscar ter a chapa impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apenas para ganhar mais 10 dias sem definir o substituto de Lula é exemplar da egolatria que marca sua liderança, e o máximo da idolatria por parte dos petistas, todos caminhando para um suicídio coletivo, que pode até significar a não participação do PT na disputa presidencial.
Talvez seja mesmo isso que Lula quer, tentar fixar para a história que a eleição deste ano não foi legítima porque não o deixaram participar. Sem ele, não existe o PT, parece querer dizer para seu público interno.
Essa estratégia, aliás, já foi cogitada pela direção nacional do PT, que passaria a ter um mote nas campanhas para as outras escolhas —governador, senadores, deputado estadual e deputado federal. Trata-se, no entanto, de uma jogada de alto risco, pois o que interessa ao partido é fazer uma boa bancada na Câmara e no Senado. Sem disputar a Presidência, perderá o ponto de referência nacional.
Os partidos que não disputam normalmente a Presidência da República, como, entre tantos, o DEM e o MDB, perdem substância política e se sustentam com as bancadas nacionais. Mas sempre estão coligados, coisa que o PT não pretende fazer para a Presidência.
O candidato a senador pelo PT da Bahia, Jaques Wagner, que era cotado para ser o substituto de Lula, defende a tese de que o PT deveria apoiar um candidato de outro partido, referindo-se indiretamente a Ciro Gomes do PDT. E aceitaria até ser o vice dele.
Ao contrário, o PT ofereceu a vice na chapa de Lula a Ciro. Ofereceu também a Manuela D’Ávila, do PCdoB, mas foram impugnados no único tribunal que vale no PT, a opinião de Lula. A relutância de Lula em indicar ontem, na convenção, um candidato a vice para assumir seu lugar na urna eletrônica deve-se a que se transferiria para o escolhido a expectativa de poder que move as energias políticas, e isso Lula quer adiar até quando puder, ou impossibilitar, pela impugnação da chapa petista, que se concretize o aparecimento de um líder político que passe a ser o centro das negociações.
O ex-presidente deve ter em mente a escolha de Dilma Rousseff em 2010, que não largou o osso em 2014 para que ele voltasse, como era o plano original. A figura do presidente da República é tão forte no Brasil que Dilma recusou-se a deixar de disputar a reeleição e o todo-poderoso Lula não teve instrumentos para impedi-la.
O chefe do Gabinete Civil de Geisel, o bruxo Golbery do Couto e Silva, dizia a respeito de Figueiredo, a quem ajudou ser escolhido presidente e depois forçou sua demissão do Gabinete Civil que continuava a ocupar: “quando o sujeito sobe aquela rampa (do Palácio do Planalto) com aquele toque de corneta e vê aqueles soldados todos batendo continência para ele, chega lá em cima convencido de que está ali por méritos próprios”.
Os especialistas em legislação eleitoral lembram que, até 2016, a escolha do vice podia ser feita depois da convenção, até a data do registro, desde que a convenção assim deliberasse. Mas as regras da eleição de 2018 do TSE estabeleceram um prazo de 24 horas a partir do fim do período de convenções, que aconteceu ontem, para o registro da ata na Justiça Eleitoral.
Portanto, pela legislação atual, o PT teria que amanhã, até o fim do dia, indicar a chapa completa à Presidência da República. Como, no entanto, existem juristas que entendem que não há problema em definir o vice até 15 de agosto, desde que a ata deixe claro que a convenção assim decidiu, Lula, num primeiro momento, resolveu ir para o tudo ou nada.
Pode ser que hoje, durante o dia, seja convencido de que não vale a pena arriscar tanto, e indique seu vice, que, no entanto, pode não ser o substituto definitivo. Até 20 dias antes da eleição o partido pode mudar a chapa. Portanto, Lula tem condições de não colocar na roda o futuro candidato do PT a presidente, mas mesmo assim prefere não arriscar sua hegemonia dentro do partido.
Merval Pereira: Sem soluções fáceis
Estamos diante de um novo quadro de desânimo, e novamente o eleitorado parece buscar o salvador da pátria
As pesquisas eleitorais mostram há mais de ano Lula e Bolsonaro nos primeiros lugares. Toda vez que o brasileiro votou em busca de um salvador da pátria, o resultado não foi bom.
Desde a redemocratização tivemos outros dois episódios assim: em 1989, quando venceu Collor, e em 2002, quando Lula foi eleito.
Assim como desta vez, o eleitorado naquelas ocasiões estava desanimado com as experiências anteriores, buscando soluções que pareciam fáceis, mas eram simplesmente ilusórias.
Em 1989, primeira eleição direta depois da redemocratização, o país vinha da frustração da morte de Tancredo, outro que parecia o salvador da pátria, mas não te vetem pode ser testado como tal, e buscou os extremos para encontrara saída.
Foram para o segundo turno Collor, um populista de direita, contra Lula, um populista de esquerda, depois de uma campanha de muitas agressões mútuas e baixarias incríveis.
Ficou em terceiro o trabalhista Leonel Brizola, outro político de esquerda que morreu convencido de que foi roubado para que Lula fosse ao segundo turno, pois, conforme sua análise, era um candidato mais fácil de ser derrotado por Collor. Lula superou Brizola por 0,1% dos votos.
Lula já fez sua autocrítica, reconhecendo que seria uma tragédia se tivesse sido eleito naquela ocasião. Disse ele em 2010, num comício: “Hoje eu agradeço a Deus por não ter ganhado em 1989, porque eu era muito novo, muito mais radical do que eu era em 2002 e, portanto, eu poderia ter feito bobagem. Não bobagem porque eu quisesse fazer, mas pela impetuosidade, pela pressa de fazer as coisas”.
Collor não fez sua autocrítica, apenas lamentou que não soubesse interagir com o Congresso naquela ocasião como sabe agora, o que pode significar que teria antecipado já naquela época a metodologia que levou ao mensalão e ao petrolão.
Em 2002, depois de ter elegido Fernando Henrique Cardoso duas vezes no primeiro turno graças ao Plano Real, o eleitorado buscou Lula, o seu contrário.
A disputa entre PT e PSDB que há 30 anos domina apolítica brasileira começou em 1994, o fim da era dos tucanos deu início à dos petistas.
Lula, mais moderado depois de duas derrotas consecutivas, preparou-se para ampliar seu eleitorado, abrindo o discurso para a classe média e o mercado financeiro coma Carta ao Povo Brasileiro, onde garantia, entre outras coisas, que não quebraria contratos e manteria os fundamentos da política econômica de seu antecessor. Desiludido comas experiências anteriores, o eleitorado busco uno PT apolítica nova e a decência na disputa eleitoral que ele encarnava, sem que se desconfiasse de que o embrião da corrupção sistêmica do petismo já fora revelado nos governos municipais.
A revelação do mensalão, em 2005, e agora do petrolão, fez o PT e seu líder Lula voltarem a ser o partido radical que era em 1989. No governo Dilma, as ideias econômicas heterodoxas do PT, que acusara o Plano Real de ser um estelionato eleitoral, foram postas em prática através do que chamaram de “nova matriz econômica”, que provocou a maior recessão que o país já viveu, e uma legião de desempregados.
Agora, estamos diante de um novo quadro de desânimo nacional, descrença na classe política, e novamente o eleitorado parece buscar o salvador da pátria, o que, em vez de acabar coma inflação com um tiro só, promete resolver os problemas brasileiros à bala, ou aquele que reencarna o pai dos pobres.
O Lula radical de 1989 voltou em 2018 e, mesmo condenado e preso por comandar o maior esquema de corrupção já descoberto no país, é o favorito nas pesquisas, prometendo o retorno ao tempo em que, com o mundo prosperando como nunca antes se vira, conseguiu tirar milhões da pobreza.
Só que a mudança era apenas superficial, não das estruturas da economia brasileira, e, na crise ocasionada por governo que o representava, devolveu a maioria à pobreza. Voltara os bons tempos é um sonho que embala ainda 30% dos eleitores, que não desconfiam que esse é um sonho impossível.
Na outra extremidade do espectro político, surge Bolsonaro, que, assim como Lula em 1989, parece ser o novo na política. Só que mais destemperado e tão despreparado quanto. Se não houver uma mudança do eleitorado, caminhamos para uma falsa solução populista, mais uma vez.
Merval Pereira: O ‘salve’ de Lula
Da cadeia, Lula costurou o isolamento de Ciro e a estratégia para forçar o PSB a ficar neutro na campanha presidencial
Desde que a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT e um dos nomes cogitados para substituir Lula na disputa presidencial, teve a brilhante ideia de comparar o ex-presidente ao traficante Fernandinho Beira-Mar, pedindo isonomia para que Lula o imitasse dando entrevistas de dentro da cadeia, essa relação entrou no debate político.
Na quarta-feira, na “Central das Eleições” da GloboNews, o pré-candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, deixou implícito um paralelo quando acusou Lula de ter operado “freneticamente” de dentro da prisão para isolá-lo politicamente, impedindo que o PSB o apoiasse.
Disse também que Lula trabalhou junto a Valdemar Costa Neto, condenado pela participação no mensalão e investigado na Operação Lava-Jato, levando a que o líder do PR evitasse que o centrão o apoiasse.
O ex-presidente Lula está teoricamente incomunicável na sede da Polícia Federal em Curitiba, mas têm sido liberadas as visitas de políticos e advogados, alguns dublês de políticos e advogados, que levam para fora da cadeia recados de Lula.
Ele está proibido pela juíza Carolina Moura Lebbos, titular da 12ª Vara Federal de Curitiba, de gravar vídeos, conceder entrevistas e fazer, por meio de videoconferência, atos de pré-campanha, além de participar “presencialmente” da convenção do PT.
Filmagens na sede da Polícia Federal (PF) em Curitiba também estão vedadas. Para a juíza, “a situação fica bastante clara ao se notar, por exemplo, a evidente inviabilidade, por questões de segurança pública e de administração penitenciária, de universalização aos demais detentos da possibilidade de comunicação com o mundo exterior mediante acesso de veículos de comunicação para reiteradas sabatinas ou entrevistas”.
O PT insiste em levar para a propaganda eleitoral a imagem e as palavras de Lula, e a Justiça Eleitoral já avisou que isso não será possível, pois Lula, como diz o ministro do STF e atual presidente do TSE, Luiz Fux, tem uma “inelegibilidade chapada”.
Bandidos como Fernandinho Beira-Mar ou Marcinho VP, também citado pela defesa de Lula, se comunicam de dentro da cadeia através de celulares que entram clandestinamente. Lula não poderia usar o celular escondido, pois está sozinho em uma cela na PF de Curitiba, e seria impossível burlar a vigilância dos policiais federais.
Atribui-se, aliás, a Lula um comportamento na cadeia muito diferente do de presos como o ex-governador Sérgio Cabral, que seria arrogante e pretensioso mesmo na condição em que se encontra. Já Lula é afável e conversador, e teria sido numa dessas conversas que o ex-presidente revelou que acha que não há ninguém no PT com condições de substituí-lo e ganhar as eleições.
Mas Lula tem mais liberdade que os bandidos para mandar seus “salves”, que são os recados enviados para fora da cadeia pelas lideranças das facções criminosas através de visitantes ou mesmo dos diversos advogados que os visitam.
Foi através desses “salves” que Lula costurou o isolamento de Ciro Gomes e a estratégia para forçar o PSB a ficar neutro na campanha presidencial. Cevou a candidatura a governador da neta de Arraes pelo PT em Pernambuco, para ameaçar a liderança do PSB no seu estado natal, onde tem apoio maciço do eleitorado. O acordo prevê que o PT apoiará a reeleição do governador Paulo Câmara e, em compensação, em Minas o PT seria apoiado pelo PSB.
Marília Arraes levou uma rasteira em Pernambuco e Marcio Lacerda, candidato do PSB em Minas, teve que abandonar a disputa em favor da reeleição de Fernando Pimentel. Lula comanda seu grupo político, que foi classificado de “organização criminosa” nas sentenças que o condenaram, com mão de ferro, para não dar margem a que surjam líderes que lhe façam sombra.
Da cadeia, Lula condena à morte política os que não são submissos à sua ordem, o mesmo comportamento que tinha quando estava solto e comandava o PT. O mesmo Ciro avaliou que, embora considere injusta a prisão de Lula, não é possível considerá-lo um “preso político”. Pela sua atuação “frenética”, não passa de um político preso tentando manter-se no controle da esquerda.