Merval Pereira
Merval Pereira: A busca de voto
Bolsonaro é o que tem mais dificuldade para crescer, distante dos indecisos ou que dizem que votarão branco ou nulo
Com o voto útil ficando mais decisivo na reta final da eleição, um estudo interessante do banco Itau sobre os eleitores que estão indecisos ou dispostos a votar nulo ou em branco pode dar uma contribuição para o entendimento do que poderá ser o quadro futuro.
Esses não-votos já estiveram em um índice recorde de 41% no começo de Junho na pesquisa Ibope, e caíram para 26% na última pesquisa de 11 de setembro. Nas eleições de 2014, diz o estudo, seguindo um padrão histórico de 1994 a 2014, chegando dois dias antes da eleição em torno de 12%.
Os analistas do banco fizeram um cruzamento entre o perfil dos eleitores de um candidato e o do eleitorado que está ainda hoje disposto a não dar seu voto para ninguém, na suposição, baseada no histórico, de que esse grupo acabará migrando para um deles.
Interessante é que o PT anunciava o índice recorde de não-votos como sinal de que o eleitorado estava protestando pela ausência de Lula na disputa presidencial, preso em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro.
Agora, vão em busca desse mesmo eleitorado, imaginando que ele é majoritariamente petista. Mas a análise feita pelo banco mostra que, ao contrário, os candidatos que mais combinam com esses eleitores são Marina Silva, da Rede, e Geraldo Alckmin do PSDB, dois dos quatro que disputam a ida ao segundo turno, sendo os outros Ciro Gomes, do PDT e o próprio Haddad do PT.
Esse cruzamento confirma a aposta de Alckmin de que a eleição será decidida na última semana, quem sabe nos dois últimos dias, pelo voto útil.
Também Marina joga suas fichas no convencimento do eleitorado de que não é possível manter a polarização entre PT e PSDB.
Os analistas do banco - e os bancos estão mais nervosos que o habitual com a possibilidade de o segundo turno ser vencido pela esquerda - consideram que os candidatos que tiverem perfis mais próximos desse eleitorado disposto hoje ao não-voto terão mais chances de captar mais apoio desse grupo, na medida em que a campanha avance.
O estudo faz um cruzamento entre esses eleitores de acordo com a renda, a região e o nível de educação. Esses cenários confirmam o que as pesquisas estão indicando: Bolsonaro é o candidato que tem mais dificuldade para crescer, distante dos eleitores indecisos, ou que dizem votarão branco ou nulo.
Apenas 33% dos eleitores do Bolsonaro ganham até dois salários mínimos, e eles são quase 60% desse grupo de defensores do não voto. O mesmo padrão mantém-se entre os eleitores que ganham de dois a cinco salários mínimos ( uma diferença de 13 pontos), e de cinco a dez salários mínimos, com uma diferença de 8 pontos.
Por grau de instrução, Bolsonaro é também o mais distante dos eleitores dispostos a não darem seus votos a nenhum candidato até este momento.
Os demais candidatos têm dificuldades nesse grupo, e a conclusão é de que os 26% que podem passar do não-voto ao voto se dividirão entre esses dois candidatos, Marina Silva e Geraldo Alckmin, o que pode dar uma nova configuração à disputa do segundo turno, na suposição de que uma das vagas já está nas mãos de Jair Bolsonaro.
A dificuldade dele é não poder estar presente nesse final de campanha, e possivelmente na do segundo turno, depois da segunda operação a que foi submetido. Seus críticos dizem que essa poderá ser, ao contrário, uma vantagem, impedindo que se perca pelas palavras.
Mas tudo indica que seus eleitores, mais cristalizados, gostam de sua retórica agressiva e direta. Não poder comparecer aos debates, sobretudo no segundo turno pode ser prejudicial a Bolsonaro se a eleição, como se espera, estiver embolada.
Pelas pesquisas mais recentes, não há mais a certeza de que qualquer um ganha dele no segundo turno. O efeito do atentado sofrido, agravado pela nova cirurgia, parece estar sendo favorável a ele.
Alckmin e Marina esperam que a eleição seja decidida nos últimos dias, como o voto útil de quem não quer ver a presidência sendo disputada pelos representantes dos extremos - Bolsonaro e Haddad -, e até Ciro Gomes, que está em busca dos votos de centro, vai ter dificuldade devido a sua oratória agressiva.
Se houver a disposição do eleitor de buscar uma alternativa a esse polarização extremada, Marina Silva e Geraldo Alckmin têm mais chance.
Se, no entanto, o eleitor estiver em busca de um salvador com uma bala de prata, os dois são os que têm perfil mais distante desse desejo.
Merval Pereira: O voto de qualidade
Disputa pela segunda vaga está mais acirrada. Quatro candidatos têm condições de chegar ao segundo turno
Com a tendência de Bolsonaro garantir um lugar no segundo turno, e possivelmente em primeiro lugar, a campanha eleitoral em seus derradeiros vinte e poucos dias vai tomar um caminho semelhante à de 2014, quando o voto útil levou o candidato tucano Aécio Neves ao segundo turno quando perdia para Marina até dois dias antes.
Desta vez, a disputa pela segunda vaga está mais acirrada. Até agora, quatro candidatos têm condições de chegar ao segundo turno, mas um deles, Geraldo Alckmin, apresenta dificuldades para avançar. Ele, que em 2014 deu ao mineiro Aécio sete milhões de votos na frente em São Paulo, não consegue superar Bolsonaro em seu próprio território político.
Não à toa os dois candidatos que aparentemente disputarão a vaga com Fernando Haddad, do PT, são Ciro Gomes, do PDT, e Marina Silva, da Rede. São os únicos que não têm envolvimento com denúncias de corrupção, especialmente Marina, pois, se Ciro não tem denúncia pessoal contra ele, o trabalhismo a que está filiado é envolto em denúncias de corrupção nos ministérios por que passou.
Eles disputarão os votos de Alckmin e Haddad. Ciro, que se diz mais amplo politicamente que Haddad, e abre sua candidatura à centro direita. E Marina, que já vem refazendo seu caminho desde que saiu do PT, e conseguiu livrar-se da tutela, até psicológica, de Lula.
Os dois são figuras políticas distintas, mas têm pontos em comum. Marina, que foi analfabeta até os 16 anos, é historiadora com especialização em psicopedagogia.
Na atual campanha, Marina “matou o pai” no sentido freudiano, isto é, libertou-se da submissão a Lula, da sua autoridade, e principalmente da dependência que tinha dele. Já havia começado esse processo desde que saiu do governo depois de sete anos como ministra do Meio Ambiente, mas só agora se libertou de seu mentor político, a ponto de poder afirmar com convicção que considera Lula um corrupto, que está preso com justiça.
Na sabatina do GLOBO, ela, além de usar termos regionais como “bicho de ruma”, para definir os políticos que são uma praga para o Estado brasileiro, e “farinha do mesmo saco, angu do mesmo caroço”, para falar dos políticos que negociam seus mandatos em diversas legendas, é capaz de citar Lacan para exemplificar por que age em busca de um presidencialismo de proposição, em contraposição ao presidencialismo de coalizão, figura criada pelo cientista político Sérgio Abranches que vem sendo deturpada pelo “toma lá dá cá” que prevalece na política brasileira.
Marina saiu-se com essa na sabatina: “Como diz Lacan, o sentido só aparece depois”, para dizer que a conduta correta ao formar o governo terá consequências benéficas para a democracia, assim como as alianças espúrias só fazem corrompê-la.
Ciro Gomes, por sua vez, gosta de se apresentar como “um velho professor de Direito” ou “constitucionalista”, e ressalta a temporada que passou estudando em Harvard. Ontem, além de chamar o general Mourão, vice de Bolsonaro, de “burro de carga”, ou os militares que supostamente estariam insuflando uma intervenção militar de “cadelas no cio”, explica que tem uma linguagem para cada público.
Por isso, falou em colocar cada poder “em sua caixinha”, frase que produziu a impressão, que ele diz falsa, de que pretende controlar a Operação Lava-Jato. Segundo ele, estava simplesmente traduzindo para o popular a teoria de equilíbrio dos poderes no Estado, de Montesquieu, e citou em francês o livro “L’esprit des lois” que diz que “o Poder controla o Poder” para que não se abuse do poder.
Os dois estarão disputando os votos com Fernando Haddad, outro intelectual, professor da Universidade de São Paulo, que tem a vantagem de ter Lula como cabo eleitoral, mas a dificuldade de ter uma legenda manchada pela série de denúncias de corrupção.
Ciro começou a bater duro no PT e em Haddad, mas livrando Lula. Sabe que no segundo turno os votos lulistas serão dele se Haddad lá não estiver.
Marina critica a polarização entre PT e PSDB, e se propõe como alternativa, dando “umas férias” aos dois partidos hegemônicos na política brasileira nos últimos 25 anos. E disputa os votos de centro esquerda, que pegam desde tucanos desiludidos a petistas desencantados.
Os dois criticam a falta de experiência de Haddad, que seria um novo poste de Lula assim como Dilma foi. E experiência, ao contrário do que se supunha, é um requisito da maioria do eleitorado.
Merval Pereira: Tendências
Alckmin parece ser o candidato com mais problemas para crescer, pois perde votos para todos os de centro-direita
Embora não seja correto tecnicamente comparar as pesquisas do Datafolha e do Ibope, que usam métodos diferentes, e são divulgadas em dias distintos, é possível fazer-se uma análise das tendências apontadas por elas.
A pesquisa do Ibope divulgada ontem mantém as mesmas posições dos candidatos que ado Data folha, mas tem divergências fundamentais. Bolsonaro conserva a liderança da corrida presidencial, e cresceu fora da margem de erro, embora não de maneira conclusiva, como esperavam seus aliados.
Para o Datafolha, o crescimento de Bolsonaro, após o ataque, foi dentro da margem de erro. Tudo indica que esse crescimento menor se deveu à exploração política do atentado, tanto que ontem o general Mourão, seu vice, deu um apalavra de ordem: “Esse atentado já deu o que tinha que dar. Vamos continuar a campanha”.
No Datafolha, a rejeição a Bolsonaro até aumentou, e no Ibope houve uma redução, embora continue tendo um índice que é praticamente o dobro, ou mais que isso, dos demais candidatos. Na intenção de voto espontânea, Bolsonaro aparece em primeiro lugar, subindo seis pontos em relação à última pesquisa do Ibope.
Lula tem uma queda semelhante nas duas pesquisas, o que mostra uma tendência de o ex-presidente ser esquecido pelos eleitores. Como Haddad não teve um aumento que equivalesse à lembrança de Lula quando liderava as pesquisas também no quesito espontâneo, é sinal de que o eleitor já se adequou à realidade eleitoral.
Tanto que os votos inválidos (nulos e em branco), que pareciam dominara disputa, hoje já decresceram muito, entrando quase que no índice das eleições passadas. A disputa pelo segundo lugar continua empatada, embora em condições diferentes das do Datafolha: a ascensão do candidato do PDT Ciro Gomes registrada na pesquisa Datafolha transforma-se em queda na pesquisa do Ibope, embora mínima.
A candidata Marina Silva está mesmo em queda, mas no Ibope esse decréscimo é bem menor que o revelado pela Datafolha. A subida do agora candidato do PT, Fernando Haddad, foi dentro da margem de erro de dois pontos, e não mais que o dobro constatado pelo Datafolha.
O único que tem a performance semelhante é o candidato tucano Geraldo Alckmin, que ficou estagnado na pesquisa Ibope e subiu um ponto na do Datafolha. No segundo turno, Bolsonaro perde para todo mundo, com exceção de Fernando Haddad na pesquisa do Datafolha, mas na do Ibope tem uma atuação mais consistente, empatando na margem de erro com todos os seus adversários.
Contra Ciro, ele perde numericamente, e contra Haddad, vence. Com relação ao segundo turno, houve uma mudança ao longo da campanha. No início, apenas Marina era capaz de vencer Bolsonaro, agora todos o vencem ou empatam. Ciro Gomes, que pelo Datafolha era o que vencia com mais facilidade Bolsonaro no segundo turno, agora no Ibope está praticamente igual a seus adversários.
O voto útil no primeiro turno cada vez mais se confirma como o ponto relevante desta eleição, e dois candidatos despontam como alternativas à polarização PT x PSD B. Marina Silva, que sempre se apresentou como a saída política para o impas seque a seu ver representa essa polarização, e Ciro Gomes.
Ciro terá que fazer malabarismos para atacar o candidato do PT e continuar a opção dos eleitores desse partido caso Haddad não vá para o segundo turno. Marina nesta campanha está demonstrando claramente que se livrou do peso dos seus anos de militância petista, que a impediam de criticar Lula e Dilma abertamente.
Alckmin parece ser o candidato com mais problemas para crescer, pois perde votos para todos os candidatos de centro-direita, a começar por Bolsonaro. Muitos eleitores do PSDB abandonaram o partido em busca das soluções mais radicais defendidas pela extrema-direita.
Se somarmos os índices dos candidatos Álvaro Dias, Meirelles e Amoêdo, são nove pontos que Alckmin perde para os que defendem programas semelhantes. Além disso, o ex-governador de São Paulo carrega o mesmo peso que o candidato do PT: a má fama de suas legendas.
Coma prisão ontem do ex-governador tucano do Paraná Beto Richa, e as delações de Palocci reveladas, esse desgaste vai ser ainda maior.
Merval Pereira: O prazo fatal
Transferência de votos do ex-presidente Lula para seu suposto substituto Haddad começa a se concretizar
A relutância de Lula em anunciar seu substituto na urna eletrônica revela uma obstinação que chega às raias do absurdo, prejudicando seu partido em benefício próprio. O ex-presidente joga suas fichas todas na possibilidade de o ministro Celso de Mello dilatar o prazo para a mudança de chapa, determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral para encerrar-se hoje.
Como todos os partidos podem fazer esta alteração até o dia 17, Lula e seus advogados têm a esperança de que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue, nesse intervalo, outro recurso, que garante a supremacia do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre a legislação brasileira, reafirmado ontem em nova mensagem a pedido da defesa de Lula.
Essa interpretação não tem sentido nem para a maioria dos ministros do TSE, pois apenas o relator Edson Fachin votou a favor, nem para o comandante do Exército, General Villas Bôas, que deu uma entrevista dizendo que essa é uma tentativa de ingerência nos assuntos internos do país.
Com o resultado da pesquisa do Datafolha divulgado ontem pelo “Jornal Nacional”, houve frustração para a campanha de Jair Bolsonaro, pois ele cresceu apenas dentro da margem de erro depois do atentado que sofreu, e boas notícias para o PT, pois a transferência de votos do ex-presidente Lula para seu suposto substituto Fernando Haddad começa a se concretizar, quase dobrando as intenções de votos nele, mesmo com a demora exagerada do anúncio oficial da substituição, que está custando muito psicologicamente a Lula.
Ele sente que, ao anunciar outro candidato, estará não apenas admitindo que seu prazo expirou, como legitimando a eleição presidencial que o PT acusa de ser uma fraude sem a sua presença. Se o ministro Celso de Mello não prorrogar o prazo, ele terá de enfrentar um dilema que está se tornando crucial para seu destino político: legitimar as eleições e tentar vencê-la, ou levar o PT a abandonar o pleito presidencial, denunciando sua ilegitimidade.
Esta última hipótese, embora remota, é defendida por uma ala mais radical do partido, que considera difícil Haddad vencer Bolsonaro no segundo turno, embora o candidato do PSL tenha o dobro de rejeição que o do PT.
A dificuldade vai ser chegar ao segundo turno, pois Lula tem demonstrado incerteza quanto ao resultado das eleições para o PT sem ele. Ao mesmo tempo, se um político desconhecido como ele conseguir vencer a eleição, o mito que prevalecerá será Lula, e não Bolsonaro.
Entraremos então em um novo governo do PT com um presidente fraco, que deverá sua vitória exclusivamente a Lula, que governará da prisão. E a possibilidade de um indulto ao ex-presidente será o tema prioritário do novo governo.
Ontem o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski deu uma decisão monocrática restabelecendo o benefício para condenados à pena restritiva de direito, que é o caso de Lula. Há no Supremo uma ação de inconstitucionalidade da Procuradoria-Geral da República contra o indulto de Natal do presidente Michel Temer, que deveria ser votada pelo plenário.
Mas Lewandowski tomou uma decisão monocrática que reabre a possibilidade de indulto para Lula, caso o futuro novo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, não coloque o tema em discussão no plenário.
Pela pesquisa Datafolha, há quatro candidatos empatados em segundo lugar, sendo que a única que caiu foi Marina, de 16% para 11%, e os que cresceram fora da margem de erro foram Haddad, de 4% para 9% e Ciro Gomes, de 10% para 13%. Alckmin ficou mais uma vez parado, crescendo apenas 1 ponto percentual, de 9 para 10.
Esse novo cenário, a ser confrontado hoje por uma pesquisa do Ibope, favorece a candidatura de Haddad, que deve ser anunciado o substituto oficial no fim do prazo fatal, desde que o ministro Celso de Mello não o alargue, como pede a defesa de Lula. Se, ao anunciar Haddad na chapa, o PT disser também que, se até o dia 17 houver uma decisão favorável do STF, Lula voltará a ser o candidato do partido, mesmo dentro da prisão, Haddad estará definitivamente enfraquecido.
A briga pelo segundo lugar para ver quem disputará com Bolsonaro pode ser definida pelo voto útil. Ciro e Haddad disputam a hegemonia do campo da esquerda, o que Lula não concebe, enquanto Alckmin e Marina representam o centro político, o primeiro pela direita, Marina pela esquerda.
Merval Pereira: Os vices na berlinda
A eleição presidencial deste ano tem uma característica especial: o protagonismo de alguns candidatos a vice
A eleição presidencial deste ano, que já se diferenciava das anteriores pelo clima de radicalização política, tem uma característica especial: os dois primeiros colocados nas pesquisas estão fora da disputa, um definitivamente, outro temporariamente, dando protagonismo a seus vices. Lula por estar condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, tornando-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Jair Bolsonaro por ter sofrido um atentado a faca que quase o matou, não poderá participar da campanha pelo menos até o fim do primeiro turno.
O cargo de vice-presidente que, por uma dessas idiossincrasias de nossa democracia, tornou-se vital numa campanha eleitoral, agora atrai a atenção de todos, a ponto de pela primeira vez seus concorrentes terem sido objeto de sabatinas na GloboNews. Nada menos que oito presidentes foram substituídos por seus vices desde o início da República, por motivos variados, desde a morte do titular até o afastamento por impeachment. Muitos consideram que alguns candidatos atuais a vice são melhores que os titulares. Mas dois deles se destacam justamente pela situação especial de seus líderes na chapa.
Fernando Haddad permanece no limbo, oficialmente candidato a vice de Lula, mas na prática o provável substituto. Nem mesmo Haddad tem certeza, porém, de que será ungido. Na entrevista na GloboNews, negou enfaticamente que aceite ser vice se outro for indicado candidato a presidente em seu lugar. Depois, em conversa fora do ar, comentou irônico: “Tentei sair da política em 2016 e não consegui (referindo-se à derrota no primeiro turno para João Doria na tentativa de reeleição à prefeitura de São Paulo). Quem sabe consigo agora em 2018?”. Essa é uma frase de quem desconfia de que vai ser substituído, e até pode ter sido um recado para quem, no PT, quer tirá-lo. Amanhã o mistério vai ser desvendado, pois é o último prazo para o PT substituir Lula na chapa. Um ingrediente explosivo de qualquer candidatura do PT é a decisão implícita de anistiar o ex-presidente Lula que, mais uma vez afirmou Haddad, está preso injustamente e sem provas de sua culpa.
O general Mourão chama a atenção por declarações polêmicas como a sobre nossa herança cultural de indolência dos índios e malandragem dos negros. Já tentou amenizar o impacto negativo, inclusive registrando-se no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como indígena. Durante a entrevista na GloboNews, mostrou-se mais preparado que o titular Jair Bolsonaro, mas se prestarmos atenção, defendeu teses polêmicas com sua fala mansa e o espírito de quem deseja a pacificação política. Voltou a admitir intervenção militar mesmo fora da Constituição, falou até em autogolpe. Deixou subentendido que vai aproveitar a fama de durão para negociar com o Congresso a aprovação das reformas, que são necessárias, mas a atitude é perigosa do ponto de vista democrático.
Nas questões de segurança pública, a ideia de as Forças Armadas terem que atuar junto com ações sociais é boa. A proposta de coordenar áreas como a de infraestrutura também. Mas revelou que já havia sido convidado por Bolsonaro há três anos, o que dá a impressão de que tudo que fez nesse período teve uma intenção política, até mesmo o discurso pouco antes de ir para a reserva, que lhe valeu uma advertência do comandante do Exército, general Villas Bôas, que ele chama de VB, seu amigo de infância. Na ocasião, disse o general: “Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução”. Questionado sobre o fato de que a Constituição não prevê a intervenção das Forças Armadas sem que sejam convocadas por um dos Poderes, o general chegou a dizer que “chamam até de autogolpe. Autogolpes existem”.
E acrescentou: “(...) Quando você vê que o país está indo para uma anomia, na anarquia generalizada, que não há mais respeito pela autoridade, grupos armados andando pela rua (…). As Forças Armadas têm responsabilidade de garantir que o país se mantenha em funcionamento. Cruzamos os braços e deixamos que o país afunde?”
*Paulo Henrique Amorim condenado por danos morais (Mais detalhes no blog do Merval https:// blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/)
Merval Pereira: Todos se reposicionarão
É certo que os ataques ao Bolsonaro vítima de um atentado deverão ser amenizados por seus adversários
Ficou famosa a frase de Lula pouco antes de ser preso: “Se me prenderem, viro herói, se me matarem, viro mártir, se me deixarem solto, viro presidente”. Da mesma forma, um dos filhos de Bolsonaro, o candidato a senador pelo Rio Flávio Bolsonaro, disse logo depois do atentado: “Acabaram de eleger meu pai”.
Lula virou herói, mas dificilmente será presidente da República novamente, pelo menos nesta eleição. Não se sabe se Bolsonaro, preso à cama de um hospital nos próximos dez dias pelo menos, e em repouso forçado até o fim do primeiro turno, se elegerá presidente.
Mas o fato é que a campanha presidencial, que se assemelhava à de 1989 com uma forte polarização entre esquerda e direita e vários candidatos em disputa renhida, transformou-se em caso único no país, com os principais candidatos afastados da campanha, um por estar preso por corrupção e lavagem de dinheiro, outro por estar fora de ação devido a um atentado. É completamente diferente também do que aconteceu em 2014, quando o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, morreu em desastre de avião e foi substituído por sua vice, Marina Silva.
A comoção provocada pelas duas tragédias provavelmente afetará o resultado desta campanha de maneira diferente. Marina Silva, que havia feito uma jogada política inesperada e surpreendente desistindo de sua candidatura a presidente e aderindo a Campos como sua vice, teve um impulso nas pesquisas de opinião ao assumir seu lugar na corrida presidencial, mas trazia consigo uma lembrança eleitoral de quem já tivera 20 milhões de votos na eleição anterior, em 2010.
A substituição do candidato do PSB marcou sua eleição, mas os efeitos políticos da tragédia se refletiram mais localmente em Pernambuco. Já o caso de Bolsonaro é diferente. Ele, para uma grande massa de eleitores, representa a rejeição à política tradicional, embora seja um parlamentar antigo e sem grandes feitos ao longo de seus vários mandatos de deputado federal. Como deputado, era um candidato de nicho de militares, e transformou-se, devido à desesperança de muitos, em candidato nacional e símbolo da solução das graves crises do país.
O atentado contra ele é uma mudança política radical nos hábitos brasileiros, um retrocesso aos anos 30, um tempo político de questões resolvidas a bala que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954.
Além do mais, Bolsonaro candidato em recolhimento de repouso terá a possibilidade de usar a internet, que sempre foi a grande força de sua campanha, pois não tem estrutura partidária nem tempo de propaganda eleitoral.
Em 2005, quando o ex-presidente Lula estava no chão devido às primeiras denúncias do mensalão, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso levou o PSDB a não se empenhar pelo pedido de impeachment para “não criar um Getúlio vivo”, referindo-se ao suicídio do ex-presidente, que virou a opinião pública a seu favor.
Naquele momento parecia a todos que Lula não teria condições políticas de se reeleger, assim como hoje; com as denúncias do petrolão, houve quem pensasse que ele não sobreviveria, assim como o PT sofreu uma grande derrota nas eleições municipais de 2016.
Neste momento, a campanha contra Bolsonaro levada a efeito nas redes sociais e nas inserções de televisão pelo candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, já mostrava, pelas pesquisas, que seus efeitos poderiam reforçar a resistência das mulheres à sua candidatura.
A esta altura não é possível afirmar que esta mudança perdurará, mas é certo que os ataques ao Bolsonaro vítima de um atentado deverão ser amenizados por seus adversários. Não apenas a campanha de Bolsonaro terá que ser reposicionada, mas sobretudo a de seus adversários.
As primeiras declarações de Bolsonaro, do leito do hospital, foram de apaziguamento, e é provável que o clima de radicalização seja reduzido, restando saber como os militantes dos lados opostos se comportarão.
Merval Pereira: Uma situação de ruptura
Agora, esfaqueado e em grave situação, Bolsonaro iguala-se a Lula como martirizado na visão de seus eleitores
A radicalização da política brasileira teve seu ápice até agora com o ataque sofrido ontem pelo candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, que lidera a corrida eleitoral quando o quadro real é apresentado ao eleitor, sem a presença de Lula por decisão da Justiça Eleitoral. É uma situação de ruptura que se agrava pela crise econômica e social do pais.
Temos presenciado nos últimos tempos radicalizações diversas de ambos os extremos em luta pelo poder. A caravana de Lula foi atingida por tiros, o acampamento em Curitiba, depois de sua prisão, foi atacado por adversários políticos. No outro extremo, Jair Bolsonaro, que cansou de estimular a população a se armar, e chegou a ensinar uma criança a atirar, acabou atingido por um radicalismo aparentemente de fundo religioso, uma novidade perversa na disputa política brasileira.
A divisão da sociedade por Lula entre “nós”, os que são a favor do povo, e “eles”, os adversários, definidos não por questões ideológicas, mas interesses eleitoreiros, levou o país a uma radicalização que desmente a fama do brasileiro cordial, conceito definido pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda no sentido de passional, mas deturpado popularmente por uma cortesia que cada vez mais é desmentida pela realidade da violência nossa de cada dia em todos os setores da sociedade, sem distinção de ricos e pobres, de quem é a favor ou contra o povo, como se fosse possível existir só pessoas boas de um lado e más do outro.
Desde as manifestações de 2013, o ano que, tal como definiu Zuenir Ventura o de 1968, não terminou, o país vive essa tensão latente que fez desabrochar uma direita extremista para se contrapor a uma esquerda radical. Sem Lula na disputa presidencial por determinação da Justiça, por ter sido condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o seu oposto Bolsonaro, que cultiva a imagem de antiLula, aparece como a solução rápida dos problemas do país.
Assim como a saudade de Lula leva milhões de brasileiros a sonharem com um país que só existiu por breve período e em bases precárias, outros tantos acreditam que somente alguém como Bolsonaro pode dar jeito na situação. Os dois são salvadores da pátria a seu jeito, e agora, esfaqueado e em grave situação, Bolsonaro iguala-se a Lula como martirizado na visão de seus eleitores. Lula preso injustamente para não fazer um governo a favor do povo, e Bolsonaro esfaqueado porque é o homem providencial que resolveria os problemas do país.
Cada qual a seu jeito manipula a opinião pública com estilos populistas de fazer política, e agora se colocam na mesma situação de isolados pelas “forças do mal” e mártires devido à defesa dos pobres e desvalidos, um na cadeia, outro no hospital.
O debate político deixará de girar em torno das últimas tentativas vãs de Lula de concorrer à Presidência da República e passará a se centralizar na situação física de Bolsonaro, que dificilmente terá condições de prosseguir na campanha eleitoral.
O que, se de um lado reduz sua movimentação, amplia a capacidade de proselitismo. A pesquisa do Datafolha que será divulgada na segunda-feira pode já captar os primeiros movimentos em consequência do atentado ao candidato do PSL, no mesmo momento em que o PT terá que decidir quem substituirá Lula na urna eletrônica.
O ex-prefeito Fernando Haddad, o substituto previsível, sofre resistências dentro do próprio PT, e agora deverá ter essa pressão aumentada porque é considerado “ruim de voto”. A comoção provocada pelo atentado a Bolsonaro poderá destampar um sentimento que domina parte importante da população, e pode reforçar no imaginário popular o papel de vingador de Bolsonaro, esvaziando a influência de Lula nas classes menos favorecidas.
A estratégia do PT talvez tenha que mudar, colocando na chapa um político mais popular como Jaques Wagner, ex-governador baiano, em detrimento de Haddad, que Lula considerava ter “cara de tucano”, o que foi apropriado para uma disputa na capital paulista, mas pode ser insuficiente numa disputa nacional com um adversário populista que aglutinou o sentimento anti-PT.
Merval Pereira: Última cartada
A disputa interna no PT está mais acirrada do que se pensa. Por incrível que pareça, há quem defenda o boicote às eleições
A realidade deve se impor nos próximos dias, e a máquina propagandística do PT terá que carregar Haddad ao segundo turno. Por enquanto, essa confusão toda não o tem beneficiado. Ele cresceu dentro da margem de erro na pesquisa do Ibope divulgada ontem, e Ciro é quem mais ganhou o espólio do lulismo órfão de seu líder. Com isso, empatou com Marina, enquanto Alckmin moveu-se pouco, dentro da margem de erro. Marina manteve sua posição, mas foi a única que não cresceu, o que acende uma luz amarela.
O dado importante é que a rejeição a Bolsonaro aumentou muito, desafiando as avaliações técnicas de que um candidato com 40% ou mais de rejeição não se elege. Bolsonaro está bem acima dessa marca, e a rejeição, crescendo. Pode significar que suas chances de vencer no segundo turno estão diminuindo.
A estranha sensação de tentativa de golpe judicial ficou no ar com a sucessão de recursos que a defesa do ex-presidente Lula fez nas últimas 24 horas contra a sua inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baseados na tese de que a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU tem que ser obedecida, dando a ele o direito de concorrer à Presidência da República mesmo preso em Curitiba.
Os advogados de defesa foram ardilosos ao encaminhar o recurso de tal maneira que ele caiu automaticamente com o ministro responsável (prevento) pela Lava-Jato, Edson Fachin. Isso porque ele foi o único voto favorável à tese da defesa, surpreendendo seus colegas de tribunal no TSE.
Como é impensável que o voto e o recurso estivessem previamente combinados entre as partes, a artimanha não terá efeito. O ministro Edson Fachin provavelmente vai continuar defendendo sua posição no relatório que encaminhará o caso à análise do plenário, mas nenhum de seus pares considera possível que venha a tomar uma decisão monocrática, concedendo a liminar a Lula. Embora as pressões estejam grandes.
Se isso acontecesse, o ex-presidente estaria em condições de se candidatar mesmo de dentro da cadeia. Mas há duas pedras no tortuoso caminho escolhido pela defesa do ex-presidente. A tese do ministro Fachin foi derrotada por 6 a 1 na reunião da madrugada de sexta para sábado passados, o que fragiliza uma eventual decisão solitária do perdedor para liberar a campanha de Lula. Além disso, seus dois colegas de STF, ministra Rosa Weber e ministro Luís Roberto Barroso, discordaram de sua posição, o que faz com que o julgamento do plenário comece com 2 a 1 contra Lula.
Há também a decisão do plenário do TSE, na mesma sessão, de que candidato impugnado não está sub judice e, portanto, recursos apresentados depois da negativa do registro da candidatura não significam a liberação do condenado para concorrer enquanto aguarda as decisões do TSE ou do STF, como acontecia anteriormente, dando margem a muita incerteza jurídica.
Na mesma decisão, o TSE determinou que o nome e a foto de Lula não podem aparecer nas urnas eletrônicas na eleição de outubro, e o prazo para apresentar o candidato substituto foi reduzido. Pela legislação eleitoral, os partidos têm até o dia 17 deste mês para mudar a chapa. O PT recebeu dez dias de prazo para indicar seu candidato a presidente.
A disputa interna no PT para definir a estratégia nesses próximos dias, até o dia 11, está mais acirrada do que se pensa. Por incrível que pareça, há quem defenda o boicote às eleições presidenciais. Isso porque o prazo do PT, que podia ir até além do dia 17 com esses recursos infindáveis, até conseguir colocar seu nome na urna eletrônica a partir do dia 20, encurtou-se tremendamente.
O STF já rejeitou habeas corpus e liminares, e é de quase zero a chance de a maioria do plenário mudar de posição. A única chance de Lula deixar de ser ficha-suja, além de uma improvável liminar com base no Comitê dos Direitos Humanos da ONU —que o novo presidente do Superior Tribunal (STJ), João Otávio de Noronha, classificou de “absurdo” e “opinião de pareceristas” —, é que o julgamento do TRF-4 seja anulado, o que também é improvável.
Esses recursos são a última cartada de Lula. Ou melhor dizendo, devem ser a última cartada. Do jeito que as coisas vão, é sempre arriscado acreditar na letra fria da legislação.
Merval Pereira: Esticando a corda
Perder a eleição não seria o pior cenário para o PT, que poderia compensar a perda com forte bancada no Congresso
Não foi surpresa a decisão pessoal do ex-presidente Lula de esticar a corda até onde for possível para manter sua candidatura à Presidência da República no centro do debate político. Lula está convencido de que quanto mais tempo conseguir fazer a disputa jurídica nos tribunais superiores, mais protagonizará a cena eleitoral, tornando secundária a transferência de votos para seu vice, Fernando Haddad.
Há quem veja nessa estratégia, que parece arriscada a muitos, a visão de longo prazo de Lula sobre sua própria liderança na esquerda brasileira. Perder a eleição não seria o pior cenário para o PT, que poderia compensar essa perda com a eleição de fortes bancadas no Congresso e no plano estadual, para comandar a oposição a um possível governo Bolsonaro.
Lula não deve ficar preso o tempo de sua pena, beneficiando-se da complacência de nossa legislação, e, com um pouco de sorte dele, ano que vem o Supremo Tribunal Federal (STF) mudará o entendimento sobre a prisão depois da condenação em segunda instância, e ele poderá comandar seu grupo de fora do poder, esticando o mais possível os recursos ao STJ e ao STF.
Mesmo que venha a ser condenado em outros processos, o que é provável, terá os recursos infindáveis previstos na legislação para prosseguir sua luta política até que uma eventual anistia o libere. Para isso, precisará de uma forte presença no Congresso.
A possibilidade de seu avatar, Fernando Haddad, vir a ser competitivo a ponto de disputar o segundo turno é grande, mas não tão certa quanto os petistas mais militantes imaginam. Se as pesquisas depois das primeiras semanas de campanha eleitoral confirmarem a posição estável de Bolsonaro, mesmo com as críticas ácidas que vem recebendo, uma possibilidade é termos um segundo turno entre Bolsonaro e PT, ou Filipinas contra Venezuela, o que não é uma perspectiva animadora para o futuro do país.
O presidente filipino, Rodrigo Duterte, foi eleito com uma proposta de resolver um dos maiores problemas do país na bala, e tem cumprido a promessa: manda fuzilar os traficantes. Há poucos dias, disse que, enquanto houver mulheres bonitas, haverá estupros, outro dos problemas das Filipinas.
Sua fala implicitamente concorda com a agressão que o candidato brasileiro Jair Bolsonaro fez à deputada Maria do Rosário, a quem disse que não valeria a pena estuprá-la. Por isso, responde a um processo no Supremo Tribunal Federal.
Fernando Haddad seria o representante do PT bolivariano com cara de socialdemocrata, o seu oposto, com toda a tragédia econômica provocada pelos erros, omissões e corrupção dos governos petistas e promessa de crise social que estamos vendo na Venezuela de Chávez e Maduro.
O socialismo do século XXI, louvado em prosa e verso até hoje pelo pensamento predominante no PT, seria uma perspectiva real diante de uma possível vitória de Haddad, que vem se mostrando de uma lealdade canina a Lula que pode ajudá-lo a ser ungido, mas também transformá-lo em um presidente fragilizado por sua própria base parlamentar, com o predomínio do lulismo a guiá-lo para um radicalismo tão perverso quanto o de Bolsonaro.
O PT já está demonstrando o desprezo pelas instituições democráticas, aproveitando-se das brechas legais para denunciar uma perseguição política que não existe. Depois da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de flexibilizar a interpretação da legislação eleitoral, permitindo que o candidato a vice faça propaganda como se fosse o candidato efetivo, o PT foi além, mantendo no ar a propaganda com Lula como candidato a presidente, e decidiu esgotar o tempo legal para contestar na ONU a Justiça brasileira, reforçando a imagem de que Lula é um preso político.
Os ministros substitutos do TSE, que cuidam da propaganda oficial, têm a fama de serem duros ao fazerem cumprir a lei, e ontem mesmo um deles já obrigou o partido a retirar uma propaganda do ar que ainda mostrava Lula como o candidato à Presidência da República.
É possível que nos próximos dias as brechas na legislação sejam tampadas por outras decisões desse tipo, obrigando o partido a oficializar a substituição da candidatura de Lula. Ou, quem sabe, a assumir a atitude suicida de prejudicar a campanha presidencial, para tentar aumentar sua bancada no Congresso, armando-se para o confronto com o futuro presidente, seja ele quem for.
Merval Pereira: Placebos ao povo
Além de postergar ao máximo a passagem do bastão, garantindo para si a exposição pública de ‘preso político’, Lula talvez queira menos que o PT vença a eleição do que ver nascer um novo líder à sua sombra
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de permitir que o candidato a vice Fernando Haddad participe da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, como se candidato a presidente fosse, é mais uma das muitas heterodoxias a que têm se submetido os tribunais superiores da Justiça brasileira no pedregoso caminho provocado pela crise política e econômica que retira do PT a hegemonia política do país.
Os ministros do TSE imaginaram que a campanha de descrédito internacional do nosso sistema judiciário promovida pelo PT fosse amenizada com essa concessão que não está prevista na legislação, assim como a permissão de que a presidente impedida Dilma Rousseff não perdesse seus direitos políticos, podendo hoje candidatar-se ao Senado por Minas Gerais.
Se vai ou não se eleger é questão irrelevante, pois irrelevante será sua eventual participação no Senado, diante da quebra da Constituição que vem sendo provocada pela campanha de agitação e propaganda política do PT, para o que o partido é sem dúvida competente.
O que preocupa é que essa competência seja dirigida a desmoralizar a Justiça brasileira, se estiver em jogo o interesse imediato do líder messiânico, que paira acima dos interesses do país, o que dizer de seu próprio partido.
A substituição de Lula pelo candidato a vice deveria ser uma decisão natural e imediata, mas, em vez disso, procura o líder preso cultivar a imagem de perseguido político, pensando evidentemente num futuro em que a anistia será a primeira prioridade de um eventual petista que porventura chegue ao poder.
Fernando Haddad, tão desconhecido no país que é chamado de “Andrade” nas regiões menos desenvolvidas, justamente onde o populismo de Lula tem mais efeito, se vier a ser eleito presidente do Brasil o será por obra e graça de seu líder e mentor político, e não por seus méritos, que foram rejeitados já no primeiro turno na campanha de reeleição para a prefeitura de São Paulo.
A tal ponto é dependente do ex-presidente que, já teoricamente candidato à Presidência, vai beijar a mão de Lula amanhã, na cela da Polícia Federal, em Curitiba, para receber seu nihil obstat. E, nada surpreendente, poderá sair de lá com a comunicação de que, pela causa, o candidato será outro, e não ele. Além de postergar ao máximo a passagem do bastão, garantindo para si a exposição pública de “preso político”, Lula talvez queira menos que o PT vença a eleição do que ver nascer um novo líder à sua sombra.
Insistir na candidatura do ex-presidente até o último momento continua sendo a estratégia preferida por ele e a maioria do partido, personalizando cada vez mais a representação política, que hoje não é movida por valores ou projetos de Nação, mas por interesses subalternos, políticos e econômicos.
A estratégia montada por Lula serve a seus desígnios, e mostra que o PT como partido já não representa nada, a não ser o desejo de conservar os privilégios de uma elite política que chegou ao poder para mudar “tudo o que está aí” e, ao contrário, aprofundou as práticas mais nefastas de cooptação, promovendo uma despolitização da população que agora cobra seu preço na figura de Jair Bolsonaro.
O candidato da extrema-direita emerge dessas múltiplas crises com um messianismo reverso que explora os potenciais eleitores menos favorecidos com promessas tão impossíveis de cumprir como as que o lulismo ofereceu ao povo, ludibriando-o em sua boa-fé impulsionada pelas necessidades básicas.
Assim como o projeto de populismo de Lula prevaleceu por uma década com pés de barro, que não resistiram à crise criada por ele mesmo, também as propostas simples e fáceis de seu oposto apresentam soluções que podem parecer eficientes — como as UPPs de Sérgio Cabral no Rio, outro populista que está na cadeia — mas na verdade são placebos para medicar doentes graves.
Merval Pereira: Razão contra populismo
O futuro pertence unicamente aos brasileiros e não está nas mãos de um salvador da pátria, reforçam os autores no desfecho do livro
E m todas as entrevistas, sabatinas e debates de que têm participado, os candidatos à Presidência da República mais viáveis até o momento apresentam ao eleitor metas sem levar em consideração a realidade das contas públicas. Sempre que confrontados com a dissonância entre suas propostas e a falta de recursos de que se queixam com razão — o Orçamento do primeiro ano do próximo governo já está feito pelo atual Congresso, com medidas aprovadas que provocam mais gastos públicos —, todos, sem exceção, dizem que com ele no Palácio do Planalto tudo será diferente.
Não será, sabemos todos, mas há soluções não populistas que, em boa hora, aponta o livro “Apelo à razão —A reconciliação com a lógica econômica”, a ser lançado nos próximos dias pela editora Record, dos economistas Fabio Giambiagi e Rodrigo Zeidan.
O objetivo do livro é apresentar um roteiro de propostas concretas para que o Brasil deixe de flertar com o populismo, com o atraso. Embora se saiba de antemão que a maioria orgânica do Congresso, que não será renovado a ponto de esquecer velhas práticas fisiológicas, será um obstáculo a qualquer proposta que mexa com seus interesses imediatos.
O livro apresenta propostas de políticas públicas “capazes de levar o país a sair do século XX e ingressar, finalmente, no século XXI”, nas palavras dos autores. A espinha dorsal da obra é que o país tem cedido a forças retrógradas, com viés anticapitalista e determinação em manter a estrutura governamental inchada e perdulária.
Como se vê, Giambiagi e Zeidan ainda têm utopias políticas a realizar, e mergulharam na história econômica recente para demonstrar que o país se tornou refém da renda média. “Logramos, durante um período de aproximadamente 15 anos, um pequeno salto de desenvolvimento, para depois ficarmos novamente atolados, cedendo às pressões que acarretam resultados negativos para o país”, diz Rodrigo Zeidan.
Fabio Giambiagi, dos mais respeitados especialistas em Previdência, chama a atenção para a realidade demográfica e o envelhecimento acelerado da população, que necessariamente impactará negativamente a produtividade dos trabalhadores e empresas brasileiras.
Os números mais recentes indicam que, em 2060, haverá 63 indivíduos com mais de 60 anos, para cada 100 pessoas na faixa de 15 a 59 anos. O caminho é a elevação da exigência de idade para aposentadoria e o desmonte dos privilégios a determinadas categorias. Mas de difícil aceitação, como vimos nas recentes tentativas de aprovar uma reforma da Previdência.
Rodrigo Zeidan, economista brasileiro que se divide entre a China e a Dinamarca, países onde reside e leciona na New York University of Shanghai e na Copenhagen Business School, não deixa passar a oportunidade de fazer comparações entre estes e outros países e o Brasil nos aspectos político, econômico e social.
No quesito educação, o economista desmistifica o conceito de que há poucos recursos para o setor no Brasil e recomenda estratégias modernizadoras, como a criação de uma carreira competitiva para professores, com mecanismos de identificação e remuneração diferenciada aos bons profissionais.
A abertura comercial do Brasil, um dos países mais fechados do mundo, como demonstra a sua pífia participação no comércio internacional, é, segundo os autores, outro caminho necessário, mas não suficiente. É preciso também melhorar o ambiente de negócios e, sobretudo, a qualidade da mão de obra, por meio do treinamento e educação.
O próximo presidente terá questões prementes a resolver: as reformas da Previdência, tributária e política, a crise da segurança pública, desemprego e caos na saúde, com ressurgimento de doenças e aumento da mortalidade infantil, déficit escolar, produtividade da economia, e formação de mão de obra.
Mas o futuro pertence unicamente aos brasileiros e não está nas mãos de um salvador da pátria, reforçam os autores no desfecho do livro. Não à toa a palavra “razão” ganha destaque na capa do livro. As soluções propostas são duras, mas possíveis, avaliam. Falta combinar com os eleitores.
Merval Pereira: Uma eleição atípica
Bolsonaro e Marina têm reduzido tempo de propaganda, medido em poucos segundos, mas se mostram resilientes
A eleição presidencial mais atípica desde a redemocratização tem características singulares, como já salientou Fernando Gabeira em recente artigo, em que ressaltou a estranheza de um candidato concorrer da prisão, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e outro, referindo-se ao Cabo Daciolo, que subiu a uma montanha para orar, estar “a caminho do hospício”.
Mas há mais: o candidato mais votado quando Lula não aparece na lista, Jair Bolsonaro, já é réu em uma ação no Supremo Tribunal Federal por incitação ao estupro, e pode vir a ser novamente réu em outra ação, por racismo. Comportamento conectado a crimes hediondos, imprescritíveis.
Portanto, os dois candidatos preferidos pelos eleitores, segundo todas as pesquisas eleitorais, não são afetados pela divulgação de suas malfeitorias. Além do mais, a eleição está aberta, com resultado imprevisível.
Cinco candidatos disputam as duas vagas no segundo turno: o preposto de Lula, Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Haddad e Alckmin entram na relação pelo potencial de votos que têm, não pelos votos que no momento as pesquisas eleitorais indicam.
Supõe-se que a transferência de votos de Lula para seu “cavalo”, como se chama no candomblé “aquele que se deixa cavalgar pela divindade, que se apropria do corpo e da mente do iniciado”, é inevitável. Mas é ainda uma questão a ser testada.
Supõe-se também que a larga vantagem do tucano Geraldo Alckmin na propaganda eleitoral oficial no rádio e na televisão, graças ao amplo arco de alianças que montou, o levará ao segundo turno. Mas às vezes muita exposição pode ser pior para um candidato, mostrando mais suas fraquezas que as qualidades.
Bolsonaro e Marina têm reduzido tempo de propaganda, medido em poucos segundos, mas se mostram resilientes nas pesquisas que valem, há mais de um ano em primeiro e segundo lugar na ausência de Lula.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, que pretendeu assumir o papel de candidato das esquerdas na ausência de Lula, viu seu sonho desmilinguir-se por obra e graça do próprio Lula, que blindou o PT do fogo amigo do PSB e do PCdoB e esvaziou Ciro, que chegou a procurar o centrão para ganhar musculatura.
Hoje, Ciro disputa um lugar no segundo turno objetivando mais a classe média e a centro-esquerda, uma posição em que o PSDB, que já foi seu partido, já foi hegemônico. Hoje, o candidato tucano Alckmin é atacado por vários flancos e não consegue deslanchar.
Perde votos para Bolsonaro, para o próprio Ciro, para Marina Silva, para o ex-tucano Álvaro Dias, até mesmo para João Amoêdo, do Partido Novo, se for confirmar sua ascensão nas pesquisas eleitorais.
Cada um desses candidatos dá uma bicada no eleitorado do PSDB, e o voto útil pode decidir quem vai para o segundo turno. Além do mais, as pesquisas mostrarão, depois do início da propaganda eleitoral com maior clareza, quem vence quem na disputa direta do segundo turno, quando os dois mais votados terão que conseguir alianças.
O PT precisará do apoio de Ciro Gomes se este não estiver no segundo turno, e a recíproca, embora verdadeira, pode não ser de interesse político de Lula, que veria um novo líder de esquerda surgir. Outro detalhe fundamental: se vencer a eleição, Ciro Gomes não tentará anistiar Lula, pela mesma razão que Lula não quer vê-lo vencedor.
Se o segundo turno for entre Bolsonaro e algum outro, por enquanto as pesquisas mostram que ele venceria apenas Haddad. Em um duelo entre Bolsonaro e Haddad, mesmo com o previsível apoio ao petista contra a extrema-direita, é quase certo que boa parte do eleitorado tucano não votará no PT. Assim como os petistas não votarão em Alckmin, mesmo que ele dispute com Bolsonaro.
Nos dois casos, o índice de votos nulos e em branco será muito alto, mostram as pesquisas. A eleição mais atípica desde a redemocratização, portanto, em alguns casos poderá ser resolvida pela escolha dos eleitores do candidato “menos pior” já no primeiro turno.