Merval Pereira

Merval Pereira: Baixa condição de governabilidade

Quem teria melhores condições de governar na atual crise política e econômica seria um candidato de centro

Dois cientistas políticos da Escola Brasileira Administração Pública e de Empresas (EBAPE), da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV), Octavio Amorim Neto e Carlos Pereira, fizeram estudos separadamente sobre temas semelhantes que poderiam ser resumidos na pergunta: qual a capacidade de os candidatos à presidência da República construir coalizões políticas estáveis?

Os dois chegaram à mesma conclusão: o petista Fernando Haddad é o que terá maiores dificuldades, enquanto Bolsonaro tem condições médias. Quem teria melhores condições de governar o país na situação atual, de crise política e econômica, seria um candidato de centro, que refletiria melhor a tendência majoritária do Congresso a ser eleito, de centro-direita.

Mas, como essa hipótese parece remota, me fixei nas análises que fizeram dos principais concorrentes, Bolsonaro e Haddad. Octavio Amorim Neto, cujo trabalho foi publicado no Observatório Político do Boletim Macroeconômico da EBAPE, analisou seis dimensões entre muitas possíveis: (1) a probabilidade de ter maioria legislativa estável; (2) o tamanho da coalizão social; (3) política econômica; (4) capacidade de atrair bons quadros técnicos; (5) relações com as Forças Armadas; e (6) capacidade de distensionar o ambiente político.

Com relação a Haddad, Octavio Amolrim Neto tem uma série de interrogações. Diz que se ele seguir a cartilha de Lula, avalia Octavio Amorim Neto, tentará fazer acordos com o centro e a direita varejistas. As feridas deixadas pelo embate eleitoral deverão dificultar uma composição parlamentar com a centro-direita, o que significa que a probabilidade de ter uma maioria estável é de nível médio para baixo.

Para o cientista político, a coalizão social de Haddad deverá ser ampla, incluindo setores do sindicalismo, do empresariado e dos movimentos sociais. A política econômica, ainda que tenha boas doses do pragmatismo, deverá ser heterodoxa por pressão da esquerda do PT e dos principais assessores econômicos do partido.

A capacidade de Haddad de atrair bons quadros técnicos seria alta, porém a radicalização de posições do partido vai espantar muita gente que poderia colaborar. As relações do PT com as Forças Armadas são complicadas desde o final do processo de destituição de Dilma Rousseff em 2016, lembra Octavio Amorim Neto.

“Haddad é um político moderado, e teria capacidade alta de distensionamento, mas o radicalismo de setores poderosos do PT, e o antipetismo que grassa hoje na sociedade dificultarão a tarefa de arejamento do ambiente político”, diz ele.

Jair Bolsonaro, em função da mínima aliança partidária, do extremismo ideológico e do caráter antipolítica da sua campanha, tem baixa probabilidade de lograr uma maioria parlamentar estável, diz Octavio Amorim Neto. Porém, como uma centro-direita mais ideológica deverá controlar o Congresso, ele considera que esse fato poderá facilitar as relações Executivo-Legislativo sob a presidência de Bolsonaro.

A coalizão social do candidato, porém, deverá ser estreita, dada sua forte militância contra minorias e organizações em prol dos direitos humanos. Pelo perfil do seu principal assessor econômico, Paulo Guedes, a política econômica será ortodoxa, mas Octavio Amorim Neto diz que há legítimas dúvidas sobre a credibilidade dessa propalada orientação, “uma vez que não há nada de liberal nos votos dados por Bolsonaro ao longo da sua carreira parlamentar”.

A capacidade de Bolsonaro de atrair bons quadros técnicos é baixa, segundo sua avaliação, embora quadros do mercado, das consultorias e de universidades privadas comecem a se dispor a colaborar com um seu eventual governo. As relações de Bolsonaro com as Forças Armadas são boas, ele conta com a simpatia explícita de uma boa fatia do oficialato. Destaque-se que o candidato tem prometido nomear vários militares como ministros.

Essa situação não é necessariamente boa nem para a democracia, nem para as Forças Armadas, adverte Octavio Amorim Neto. Por último, a capacidade de Bolsonaro de distensionar o ambiente político é baixa em virtude da sua personalidade belicosa e do caráter antipolítica de sua carreira e campanha. “Uma eventual presidência do ex-capitão do Exército é uma grande incógnita”. (Amanhã, a visão de Carlos Pereira)


Merval Pereira: O perigo das palavras

Mourão não sabe esconder o que pensa, e o que pensa muito frequentemente é, no mínimo, polêmico, quando não inaceitável

A mais nova polêmica provocada pelo vice de Bolsonaro, general Mourão, mostra como são pedregosos os caminhos da política, especialmente em tempos de campanha presidencial. As barbaridades que o candidato do PS L diz tocam num nervo sensível da população, como o combate à violência com violência, ou a defesa de uma intervenção militar, e até a tortura como meio de obter confissões supostamente para salvar vidas.

Essa é uma pegadinha frequente: o que você faria se um filho fosse sequestrado e um preso soubesse onde está o cativeiro? Uma situação hipotética que leva a uma resposta emocional que na datem a ver como que está em discussão d efundo, que é a prevalência dos direitos humanos como valor democrático.

Grande parte dos que votam nele aprova essas atitudes, por simplificação ou ingenuidade, quando não por ideologia mesmo. Mas acabar com o 13º salário, não há quem defenda sem pagar um preço político alto.

O general, definitivamente, não sabe esconder o que pensa, e o que pensa muito frequentemente é, no mínimo, polêmico, quando não inaceitável, como foi o caso do autogolpe. Não foi ele quem lançou acartado autogolpe, mas o admitiu em meio a uma discussão sobre intervenção militar, abrindo caminho para dúvidas sobres eu compromisso coma democracia. A alegação de que, se defendesse uma intervenção milita restaria conspirando, e não se candidatando em eleições democráticas, temo mesmo peso de líderes do PT que afirmam sempre que a atuação do partido tem sido dentro do campo democrático.

A questão é não d eixar dúvidas sobre isso, com palavras malditas ou atitudes que visam a cerceara democracia. Há também a manipulação política das palavras, como aconteceu com sua referência aos lares em que mães ou avós criam filhos sem pais. Na boca do general, soou como desprezo aos problemas dos mais necessitados, como quando o então governador Sérgio Cabral disse que as favelas eram uma fábrica de criminosos. O médico Drauzio Varela, em entrevista à BBC, tratou do mesmo tema, mas em tom de preocupação, fazendo uma análise sociológica da situação, como se pedisse ajuda para as famílias carentes.

Ninguém poderia supor, pela sua atuação e suas atitudes, que Drauzio estivesse criticando essas famílias, mas é possível entender as palavras do general como uma crítica a elas. Até mesmo o número excessivo de filhos, abordado por Drauzio, soa na boca do general como se culpasse as mães, enquanto o médico culpa a situação social do país. Pode ser que o general tenha as mesmas preocupações do médico, mas coloca as coisas de maneira simplista, que acaba chocando as pessoas. A mesma coisa aconteceu com o 13º salário. Pode ser que estivesse reverberando reclamações de empresários, mas não podia nunca ter defendido atese como uma anomalia do sistema brasileiro, ainda mais quando o país passa por uma crise econômica sem precedentes, e o desemprego bate recordes.

Há precedentes históricos que o general, ou candidatos apolíticos de maneira geral, deveriam conhecer. Desde o famoso caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tachou de “vagabundos” quem se aposentava cedo e acabou marcado por classificar todos os aposentados como vagabundos.

Em 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato a presidente pela UDN com vasta vantagem sobre o candidato getulista, o general Eurico Dutra, fez um duro discurso contra Getúlio. Disse que não precisava dos votos “desta malta de desocupados que apoia o ditador”. Segundo relato da historiadora Alzira Alves de Abreu, do CPDOC da Fundação Getulio Vargas, o getulista Hugo Borghi descobriu no dicionário que “malta”, além de significar “bando ou súcia”, o que já era ofensivo, também denominava trabalhadores que levavam suas marmitas nas linhas férreas, o que atingia mais diretamente os eleitores pobres. Daí a dizer que o brigadeiro estava menosprezando os pobres foi um passo, e o general Dutra venceu uma eleição perdida.

Daí vem a frase segundo a qual, num país tão desigual quanto o Brasil, Getúlio sempre derrotará o brigadeiro. Desta vez, há um Getúlio vivo, atrás das grades, mas outro líder populista na cama de um hospital.

Os dois comandam as campanhas de seus seguidores com mão de ferro. Lula dá as orientações, e o PT soltou uma nota criticando duramente o general. Bolsonaro tem uma grande rede de seguidores na internet ejá revidou, desmentindo o general, mas lembrando que quando o PT estava no governo, Jaques Wagner, como ministro do Trabalho, também defendeu o fim do 13º salário.


Merval Pereira: Evitando o caos

Barroso disse que não constatou indício de que o cadastramento biométrico tenha prejudicado candidato ou partido específico

O que se viu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) foi mais uma manobra de partidos políticos, desta vez PT e PCdoB da coligação de Fernando Haddad, e o PSB, tentando transmitir a impressão de que o pleito de 7 de outubro pode estar viciado devido à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cancelar 3,4 milhões de títulos de eleitores que não fizeram o cadastramento biométrico obrigatório.

Os advogados do PT e do PCdoB alegaram que a falta desses eleitores nas urnas pode comprometer a eleição, pois pode ser uma diferença que influencie no resultado final. Atitude semelhante tomou o candidato Jair Bolsonaro, alegando irresponsavelmente que a urna eletrônica não é confiável, atribuindo a possibilidade de fraude ao PT.

A irresponsabilidade petista só foi diferente porque utilizou os meios legais para tentar recuperar esses eleitores que, supostamente, seriam petistas, pois os locais do recadastramento são no interior do país. Mas a ideia de que há uma orquestração para prejudicar o candidato petista ficou no ar.

De fato, a última eleição presidencial foi decidida por uma diferença de votos válidos de 3,28%, e a reclamação indica que o PT está aguardando uma decisão no photochart. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, que teve apoio da maioria, disse que não constatou indício de que o cadastramento biométrico tenha prejudicado candidato ou partido específico. “O direcionamento da revisão [eleitoral] para prejudicar eleitores específicos é hipótese remota”, disse ele, para encerrar afirmando que a ação cautelar deveria ser indeferida “sob o risco de se inviabilizar as eleições e lançar o país num caos”.

Esse caos foi explicitado no voto do ministro Edson Fachin, que disse que, para aceitar a ação, teria que ser adiada a eleição. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, também se pronunciou contra lembrando que “não há voto livre e igualitário sem alistamento confiável de eleitores aptos a votar. A Constituição concede direitos políticos a quem tenha cidadania, o que exige o alistamento eleitoral”.

Para ela, “o alistamento eleitoral completo” garante a segurança das eleições. Já a advogada-geral da União, Grace Mendonça, rebateu o argumento da defesa de que os mais pobres, que têm dificuldades para fazer o cadastramento, é que foram sancionados, lembrando que a mesma dificuldade eles encontrariam ao votar na urna eletrônica, o que não pode justificar a presença de eleitores não identificados.

Advogados dos partidos que entraram com a ação alegam que o cancelamento “pode fazer a diferença, sim, nas eleições”. A advogada Maria Claudia Bucchianeri, que defendeu Lula no TSE, tentou culpar o Estado, que teria falhado em chegar ao eleitor. “O eleitor não recebeu o chamamento do Estado, em particular na região mais pobre do Brasil. Alguma coisa aconteceu, e o Estado não logrou êxito.”

Eugênio Aragão, ex-ministro petista, fala em nome do partido. “As pessoas que estão sujeitas ao cancelamento do título são as mais pobres, as mais fracas, as que não têm recursos para chegar à zona eleitoral e fazer o cadastramento.” O ministro Gilmar Mendes foi direto, como sempre: “Ou as regras são seguidas ou o processo de concretização democrática, que culmina com as eleições, torna-se inviável.” Para ele, a ação “soa, para usar uma expressão mais suave, pelo menos extravagante”.

Os ministros que votaram a favor, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, usaram argumentos distintos. Marco Aurélio Mello utilizou-se de alegações humanitárias, ironizando o fato de que “manter a regra do jogo, vejam só, é colocar na ‘clandestinidade’ esses eleitores, como se não fossem cidadãos brasileiros”.

Lewandowski criticou os “tecnoburocratas do TSE” e assumiu a tese da defesa, de que esses milhões de títulos podem ser decisivos para as eleições. Jogando lenha na fogueira, disse que a situação é grave porque o sistema eleitoral vem sendo questionado por “setores antidemocráticos”, referindo-se às denúncias de Bolsonaro.

Como se, com o seu voto, não estivesse também colocando em risco a segurança jurídica do pleito.


Merval Pereira: Polarização de extremos

Por que seria democrata quem defende ditaduras, algumas sangrentas, como Nicarágua, Cuba e Venezuela?

Parece consolidada a polarização entre Bolsonaro e o PT e, com a diferença sendo tirada rapidamente por Haddad, cresce a possibilidade de eleitores do campo do centro-direita migrarem já no primeiro turno para Bolsonaro, preocupados com a possibilidade de o “poste” de Lula chegar em vantagem ao segundo turno.

Pelo Ibope, Bolsonaro perderia para Haddad numa segunda etapa da eleição, e esse dado também pode fazer eleitores que ainda estão com Amoedo, Meirelles, Álvaro Dias e até mesmo Alckmin usarem o voto útil ainda no primeiro turno.

O candidato do PT reduziu o ritmo de crescimento, mas Bolsonaro ficou estagnado. As próximas pesquisas indicarão se Bolsonaro chegou a seu limite e se Haddad ainda pode crescer. A distância para Ciro Gomes, o mais próximo adversário de Haddad, ficou muito grande para transformá-lo em objeto do voto útil do centro, e Geraldo Alckmin continua sua saga em busca de ânimo, mas ficou quase estagnado.

Virou moda em certos setores considerar uma heresia colocar no mesmo campo os extremismos de direita e de esquerda, mais exatamente comparar Bolsonaro ao PT. Seriam posições políticas distintas, alegam, pois Bolsonaro defende o golpe de 1964, já elogiou torturadores e admite, pessoalmente, ou através de seus principais aliados como o vice General Mourão, a intervenção militar. Além do mais, ameaçou fuzilar adversários, entre eles Fernando Henrique Cardoso, e, recentemente, “os petralhas”.

Não há dúvida de que Bolsonaro não cabe no figurino de democrata, mas é preciso ter muita boa-vontade para querer dizer que há diferenças de fundo entre os dois, pois o PT seria do “campo democrático”. Não. Uns defendem a ditadura de direita, outros defendem as ditaduras de esquerda. Por que seriam democratas os que defendem regimes ditatoriais, alguns sangrentos, como os de Cuba, Venezuela e Nicarágua? E o que dizer das tentativas de usar a democracia para impor um regime autoritário, como fez o PT no governo?

A utilização de estatais para desviar dinheiro e comprar apoio no Congresso – e encher o bolso de vários de seus dirigentes – foi o mais duro golpe já desfechado, em caráter institucional, contra a democracia brasileira.

Foram várias também as propostas com o objetivo do “controle social da mídia”, todas derrotadas graças à reação da sociedade e do Congresso, mas a intenção era só uma: censurar a imprensa que não segue sua cartilha, como fazem as ditaduras. E o tema continua na pauta petista, basta ler o programa.

Aliás, Bolsonaro alega que não houve ditadura militar, pois o Congresso funcionava na maior parte do período, o Judiciário também. A mesma coisa que alegavam Chavez, e agora Maduro, na Venezuela.

São várias as lamentações públicas de líderes petistas de que o maior erro quando estavam no poder foi não terem tentado cassar a autonomia constitucional do Ministério Público e a funcional da Polícia Federal.

Quando se queixam dos votos dos ministros do STF escolhidos por Lula e Dilma, alguns até ex-filiados ao PT, deixam claro que os nomearam esperando um tratamento companheiro. Jacques Wagner, que poderia ter sido o “poste” de Lula se não preferisse se garantir na eleição fácil ao Senado pela Bahia, aparece em um vídeo lamentando que tenham chegado ao poder não por uma revolução, mas pelo voto, pois têm que seguir as regras “deles”, isto é, dos democratas.

Já escrevi aqui que o PT “paz e amor” de 2002 foi uma opção circunstancial para chegar ao poder. Os prefeitos do PT já usavam os mesmos métodos para distorcer a democracia. Como Antonio Palocci, quando prefeito em Ribeirão Preto, que falsificava licitações para facilitar as propinas. Ou Celso Daniel, em Santo André, ou Toninho do PT em Campinas, que acabaram assassinados por disputas políticas envolvendo corrupção.

Tanto Bolsonaro quanto o PT usam a palavra golpe para fazer política. Bolsonaro diz que as eleições podem ser fraudadas na urna eletrônica. Já o PT diz que eleição sem Lula é golpe, e voltará a fazê-lo se perder a eleição. No momento, deixa o tema de lado porque acredita que o “poste” Haddad pode chegar ao segundo turno e derrotar Bolsonaro. Assim como não aceita as decisões da Justiça na condenação de Lula, tentando desqualifica-las inclusive internacionalmente, o PT retomará a tese do golpe se perder a eleição.'


Merval Pereira: Novas maneiras de votar

Nos Estados Unidos, experimentos procuram dar ao eleitor a condição de exprimir a intensidade da sua preferência

Experimentos nos Estados Unidos procuram encontrar uma maneira de fazer com que o voto de cada cidadão represente realmente sua escolha, procurando mitigar a influência do dinheiro ou de promessas populistas na definição de seu representante.

O voto quadrático (quadratic vote) procura dar ao eleitor a condição de exprimir a intensidade da sua preferência, que o levou a votar neste e não naquele candidato ou proposta.

Baseado em princípios do mercado, cada eleitor recebe um determinado número de “créditos” que deve utilizar para influenciar a aprovação ou desaprovação de determinada decisão. Se quiser aumentar seu poder de influência, o eleitor pode “comprar” votos adicionais.

O “preço” de cada voto adicional será determinado por regras definidas pela autoridade eleitoral, e aumenta à medida que o eleitor “compre” mais votos. O eleitor pode carregar todo o seu crédito em um candidato ou assunto, mas terá reduzida sua influência por critérios matemáticos que utilizam a raiz quadrada, daí o nome de “voto quadrático”. A ideia é reduzir a possibilidade de que uma minoria se imponha artificialmente.

Um eleitor que seja militante a favor do casamento gay, por exemplo, poderia gastar todo seu estoque de votos a favor, e até mesmo “comprar” mais votos de eleitores que não se importem muito com a questão. O mesmo podendo fazer os que são militantemente contra. Mas cada voto a mais “custa” mais caro

Com esse sistema, os autores de um livro da Princeton University Press denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, o economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e o jurista da Universidade de Chicago Eric Posner pretendem usar o voto para exprimir o real desejo do eleitor. Vão ter que mudar o nome e simplificar o sistema.

Outro tipo de voto que está sendo testado em diversas regiões dos Estados Unidos é o voto ranqueado, (ranked choice voting), quando os eleitores escolhem quantos candidatos quiserem, dando-lhes uma ordem de preferência.

Candidatos que conseguem ter uma maior pontuação de primeiras escolhas, mas também aparecem como a segunda escolha dos eleitores, ou terceira, têm melhor atuação, maior chance de se eleger. Se um candidato receber a maioria de votos de primeira escolha, está eleito.

Caso contrário, o candidato com o menor número de primeiras escolhas é descartado, e seus votos redistribuídos. Esse processo continua até que algum candidato tenha a maioria. Em alguns casos o resultado final só sai dias depois da eleição, como aconteceu em São Francisco na escolha do prefeito.

O voto ranqueado pode ser usado tanto para escolher um politico para um cargo majoritário, funcionando como uma seleção da maioria, ou para a escolha de deputados ou vereadores, quando refletirá com mais precisão a representatividade dos escolhidos.

No Maine, depois de uma luta dos eleitores com políticos, o voto ranqueado foi aprovado recentemente. Um referendo em 2016 aprovara esse sistema de votação, mas uma minoria de Republicanos conseguiu barrar a implementação. Os cidadãos recolheram então assinaturas suficientes para aprovar um “veto popular”, que manteve o ranqueamento na eleição deste ano e colocou em plebiscito a continuação do sistema, que foi aprovado novamente.

Os defensores do voto ranqueado acham que ele muda as campanhas e a própria eleição em várias medidas, como incentivar a alternância de poder. Um balanço de eleições sob esse sistema mostra que a alternância aumentou em cerca de 10%.Os eleitores também têm menos estímulos para não votar, pois podem dar sua primeira escolha para seu candidato, mesmo que ele tenha poucas chance de ganhar, mas colocar os demais votos estrategicamente para barrar um candidato ou fazer com que sua segunda escolha saia beneficiada.

Outra vantagem seria desencorajar a campanha negativa, pois os candidatos pretendem ter o segundo ou terceiro votos do eleitor, a exemplo do que fazem os políticos brasileiros para conseguir apoio para o segundo turno.

O voto ranqueado, segundo seus adeptos, promove o apoio da maioria, dá ao eleitor uma maior variedade de opções. Várias cidades dos Estados Unidos, como Minneapolis, São Francisco, Santa Fé já estão adotando o ranqueamento, que permite que os eleitores, em vez de votar contra alguém, possam votar naqueles que realmente refletem seu desejo, acabando com o voto útil, quando se escolhe o “mal menor”, como estamos caminhando nesta eleição.


Merval Pereira: Voto, modos de usar

Com uma eleição polarizada como nunca se aproximando, este é um bom momento para se discutir as maneiras de votar, ainda mais que o voto útil transformou-se em instrumento de cidadania para evitar “o mal maior”.

Há em discussão nos Estados Unidos maneiras de melhorar a eficácia do voto representativo, e algumas delas já estão sendo utilizadas.
Paradoxalmente, também na China discute-se o que seria a democracia guiada pela meritocracia.

Essas buscas concentram-se no questionamento de um dos pilares da democracia representativa, a ideia de “uma pessoa, um voto”. Em livro da Princeton University Press denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, o economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e o jurista da Universidade de Chicago Eric Posner tratam da desigualdade, que seria um calcanhar de Aquiles do capitalismo, influenciando o funcionamento da própria democracia.

Os autores consideram que o sistema de “uma pessoa, um voto” leva a decisões deficientes e à tirania da maioria. A China, por sua vez, tem apresentado em diversos fóruns internacionais, através de acadêmicos chineses e estrangeiros, uma visão crítica da democracia ocidental e ideias bastante criticáveis sobre o que seria a democracia ao estilo chinês.

Daniel A. Bell, um canadense professor de Teoria Política da Universidade Tsinghua, defende em fóruns internacionais - já comentei na coluna sua apresentação em uma reunião em Davos - que a China caminhará para a meritocracia, não para democracia, pois a ideia de “um homem um voto” não leva a escolhas mais corretas e está muito sujeita a pressões financeiras.

Bell considera que a China, ao buscar essa força moral de sua liderança, pode caminhar para a implantação de um sistema político que não será a democracia como nós a conhecemos no Ocidente, mas uma meritocracia que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não apenas os que têm influência para atrair votos.

Até mesmo as promessas de campanha, que nunca são cumpridas, ou gestos claramente populistas como anunciar aumento de impostos dos mais ricos para compensar os sofrimentos dos mais pobres na crise econômica, como se viu na França ou nos Estados Unidos, e também no Brasil, seriam formas de luta política que desvirtuam o voto final.

Um Parlamento composto por pessoas escolhidas pelo mérito representaria melhor o conjunto da população do que um formado pelos que se elegeram pela força do dinheiro, ou por um dom natural de oratória, ou por ser famoso em seu ofício.

Há quem, na China, defenda que essa meritocracia já vem sendo adotada pelo sistema de “seleção natural” de dirigentes dentro do Partido Comunista. O afunilamento na escolha levaria os melhores a galgarem degraus na hierarquia.

Semelhante ao que sugeriu o vice de Bolsonaro, General Mourão, de organizar uma comissão de notáveis para fazer uma Constituição, que depois seria referendada pelo povo. A questão, tanto lá como aqui, é saber quem escolheria esses homens providenciais, e através de que critérios.

Nos Estados Unidos, dois tipos de votação estão em discussão, uma delas já em pratica, para dar mais peso ao desejo de cada eleitor, o sistema de ranqueamento do voto (Ranking Choice Voting), em que o eleitor dá uma classificação para cada uma de suas escolhas, e o balanço final determina quais os escolhidos para o Congresso, para prefeito como ocorreu recentemente no Maine, ou, quem sabe, para a presidência da República.

Substitui com vantagens o voto útil como o conhecemos, pois permite que o eleitor vote em vários candidatos dando um peso especifico a cada um deles, e o melhor ranqueado leva, em vez o vencedor leva tudo, como fazemos no voto majoritário.

Um bom exemplo é a eleição para senador este ano. São duas vagas e cada eleitor tem que votar duas vezes. Uma maneira ilógica, e que confunde o eleitor, de escolher os dois mais votados. Com o ranqueamento, os mais votados são escolhidos naturalmente, num sistema de eliminação gradual.

Os autores do livro referido no inicio da coluna, Posner e Weil, propõem o que chamam de “votação quadrática”, uma ideia boa num nome ruim, que precisará ser alterado. Eles bolaram um sistema que é calculado na base da raiz quadrada, claramente difícil de explicar em qualquer democracia do mundo. Mas a tese é boa, o sistema avalia a intensidade da preferência de cada eleitor, e os desejados mais fortemente pela maioria saem vitoriosos, sejam políticos ou propostas.(Amanhã, as novas maneiras de votar)


Merval Pereira: De volta ao jogo

Disputa está tão radicalizada que centro pode ser representado por Ciro, irascível e de ideias econômicas ultrapassadas

O resultado da pesquisa do Datafolha parece ter reaberto a possibilidade de surgir uma terceira via pelo centro contra os extremos. Ciro Gomes busca esse caminho de volta às suas origens, depois de ter flertado com a esquerda nos últimos anos. Apresenta-se como centro político, nem esquerda nem direita, e parece estar mais conectado ao espírito dos tempos atuais, que favorece os candidatos mais assertivos, sem importar muito se suas promessas e ideias são factíveis. A disputa está tão radicalizada que o centro pode ser representado por Ciro, um político irascível e com ideias econômicas ultrapassadas, como proibir a fusão da Embraer com a Boeing.

Em carta publicada no Facebook, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faz um apelo em favor da união de candidaturas de centro para eleger o que chamou de candidatos “mais capazes”. A possibilidade de o eleitorado estar, afinal, buscando a via do meio faz com que candidatos mais genuinamente desse campo, como o tucano Geraldo Alckmin e Marina Silva, da Rede, animem-se. Seria um sinal de que os extremos em provável disputa num segundo turno preocupam o eleitorado.

O candidato tucano ficou estagnado, o que pode ser uma ótima notícia a esta altura do campeonato. Numa visão otimista, ele estaria empatado com Ciro Gomes na disputa do terceiro lugar, isto se diminuirmos dois pontos de Ciro e dermos mais dois para o tucano, num exercício de boa vontade na margem de erro.

É claro que Ciro também faz a leitura da margem de erro a seu favor. Se aumentarmos dois pontos para ele e diminuirmos dois de Haddad, o pedetista estaria empatado com o petista, numericamente à frente.

Mesmo Marina, que continua em tendência de queda, considera que a pregação de temperança na disputa política pode ir ao encontro do desejo mais recôndito do eleitor, que estaria envolvido por radicalizações políticas, mas despertou a tempo. Esse é o espírito de um filmete que está sendo divulgado por sua campanha na internet.

O petista Haddad, à medida que o eleitorado o vai identificando como o candidato de Lula, aumenta também sua rejeição. Já mais de 70% dizem conhecê-lo bem, e mais de 60% o identificam como o candidato de Lula. Na pesquisa do Datafolha seu crescimento foi menor que o verificado pelo Ibope, mas as pesquisas foram feitas com métodos diferentes e, sobretudo, em dias diferentes, e só uma próxima poderá afunilar os resultados em uma mesma direção, ou não.

Todos os candidatos de centro negam se a unir-se em torno de um só nome, apesar de diversos apelos, e da reafirmação do autointitulado centro democrático da necessidade de união para derrotar os extremos.

A Região Nordeste, onde Lula, e agora Haddad, lidera com folga, é o novo campo de batalha para Bolsonaro, que tentará anular a força do petista na região. Mas Ciro também tem uma visão positiva do eleitorado nordestino, acreditando que conterá a subida de Haddad.

Na análise de sua assessoria, o slogan “Haddad é Lula e Lula é Haddad” funciona apenas na propaganda eleitoral, não é assim na vida real. Há um levantamento que indica que o desempenho de Lula no Nordeste, no passado, não foi diretamente relacionado com a votação de Ciro Gomes nos estados da região.

A votação de Ciro Gomes, comparando o pleito de 1998 (quando foi eleito Fernando Henrique) com o de 2002 (eleito Lula), cresceu em quatro estados. Na Bahia, o maior eleitorado da região, a votação de Ciro cresceu cerca de 40%. No Ceará, a votação cresceu cerca de 10%. Em um deles, Pernambuco, a votação foi em percentual praticamente semelhante. O petista cresceu de 1998 para 2002, tirando a maioria de seus votos de outros candidatos, entre eles do PSDB.

Esta realidade se repete agora. Ciro não perde votos na região para Haddad. Com base nestas informações, a avaliação é que a votação de Ciro vai crescer na região, e que Haddad, para crescer, terá de repetir Lula e tirar votos de outros candidatos. Só que o candidato petista não é Lula nem carregará todos os votos de seu líder.

Pelo Datafolha, Haddad já conseguiu a transferência de cerca de 40% das intenções de voto em Lula, mas faltam pouco mais de 15 dias e sua subida, ao contrário do que aponta o Ibope, não está no ritmo necessário. Para chegar ao segundo turno, porém, Ciro terá que convencer o eleitorado de centro de que não é um mero apêndice de Lula. Por isso, tem exacerbado suas críticas a Haddad e ao PT. Mas procura poupar Lula.


Merval Pereira: Um país congelado

Eleição estranha, com dois candidatos de campos antidemocráticos, e liderando com mais rejeição que intenção de voto

O país ficou congelado no tempo, como os personagens da novela “O tempo não para”, e, a exemplo deles, os políticos mantêm-se com os mesmos hábitos. Há 30 anos vivíamos em uma encruzilhada: Collor ou Lula? Essa é mais uma coincidência desta eleição com a de 1989, a primeira direta depois da redemocratização. Essa história já conhecemos, e termina mal.

O Lula de 2018 está mais próximo do de 1989 do que daquele de 2002, que foi eleito presidente numa guinada de centro. Hoje, da cadeia, ele comanda a campanha de seu “poste”, que não se vexa em assumir abertamente esse papel. Haddad, diante da possibilidade real de chegar ao segundo turno, ensaia transformar-se em candidato “paz e amor”, que combina bem com seu jeito “tucano” de fazer política, mas não corresponde à realidade.

O PT de Lula só quer saber de pacificação circunstancialmente, por pragmatismo eleitoral. Eleito, Haddad fará um governo na linha petista ditada por Lula, radical e antidemocrática. O PT de 2002 na verdade nunca existiu, era só uma fachada para o grupo político chegar ao poder e atravessar os primeiros anos sem turbulência.

Já atuava fora da lei nos governos municipais que ganhara anteriormente à chegada ao Palácio do Planalto. E levou para Brasília os métodos viciados da baixa política sindical, comprando votos no Congresso, distorcendo a democracia. Quando se sentiu forte, voltou à sua origem, e gerou, na sequência de Lula e devido a políticas populistas que se iniciaram quando Palocci saiu do Ministério da Fazenda, a maior recessão, que o país continua a viver.

Para eleger Dilma, acelerou os gastos conseguindo um crescimento de 7,5%, mas abrindo as portas do inferno por onde passaria sua sucessora. Assim como Lula em seu primeiro mandato e Dilma já no segundo, procuraram nos adversários boias de salvação, também Haddad na versão light deixa vazar que seu futuro ministro da Fazenda seria um economista que agradaria ao mercado e garantiria o equilíbrio das contas públicas como prioritário.

O nome de Marcos Lisboa, com quem Haddad trabalha no Insper, é soprado à boca pequena. Mas Lisboa deve estar lembrado do que passou nas mãos dos petistas quando trabalhou como secretário de política econômica do então ministro Palocci. Todos os que não eram petistas “de raiz” foram boicotados, assim como Joaquim Levy o foi pela própria presidente que o convocou. Por isso, certamente, classificou de “divertidas” essas especulações.

Eleição estranha, com dois candidatos de campos antidemocráticos, e liderando com os índices de rejeição maiores do que as intenções de voto. Depois do mensalão e do petrolão, e da tentativa permanente de desacreditar, aqui e no exterior, nosso sistema judicial, fica muito difícil imaginar que o PT possa ser considerado um participante do campo democrático legítimo; da mesma forma como também é difícil avaliar assim Bolsonaro, por seus atos e pelo que sugerem seus principais assessores.

Ele mesmo já disse inúmeras vezes que as minorias têm que se submeter às maiorias, uma visão simplista de questões complexas numa sociedade de democracia de massas. Mas que revela alguma coisa. Curiosamente, esse pensamento é semelhante ao do ex-presidente Geisel, o único presidente do regime militar que Bolsonaro critica.

Quando, em 1977, perdeu a maioria de dois terços no Congresso e ao mesmo tempo o MDB se recusou a aprovar uma reforma do Judiciário, Geisel criticou o que chamou de “ditadura da minoria”. Depois, fechou o Congresso por duas semanas, e editou o Pacote de Abril. Impôs a reforma do Judiciário que o Congresso rejeitara e um conjunto de medidas para garantir a vantagem da Arena no Congresso e nas eleições para governadores, que continuaram indiretas.

A proeminência que seu vice, o general Mourão, ex-presidente do Clube Militar, ganhou depois que Bolsonaro foi afastado da campanha devido ao atentado sofrido tem revelado a dissidência interna de sua equipe mais próxima. Questões como intervenção militar vêm ganhando espaço no debate político, indicando que, assim como Haddad será tutelado da cadeia por Lula, também Bolsonaro tem em torno de si o pensamento militar com uma visão intervencionista que, se combina com o pensamento do próprio candidato, não combina com a normalidade democrática.


Merval Pereira: Duelo previsível

Apoio de Ciro ao PT para o segundo turno revela sentimento de impotência diante do crescimento de Haddad

A eleição deste ano vai ser definida entre os dois candidatos que têm a maior rejeição entre todos. O crescimento expressivo do candidato do PT, Fernando Haddad, que mais que dobrou sua votação entre as duas recentes pesquisas do Ibope, e a manutenção da tendência de alta de Jair Bolsonaro, mesmo que dentro da margem de erro, levam a crer que os dois disputarão o segundo turno, que, aliás, será acirradíssimo, com Bolsonaro e Haddad empatados.

Ciro Gomes descolou-se do grupo que ainda sonhava estar no segundo turno, mas também viu aumentar sua distância para Haddad. Ele ficou estagnado, Alckmin e Marina continuam em queda. Essa tendência, revelada tanto pelo Datafolha quanto pelo Ibope, faz com que o voto útil tenha direção certa, seja para Haddad ou para Bolsonaro.

A rejeição a ele continua acima de 40%, embora em pequena queda. Já Haddad soma a sua rejeição à de Lula, que é um grande cabo eleitoral, mas também um peso. A disputa entre os dois pode ser antecipada para 7 de outubro.

Bolsonaro, com seu antipetismo exacerbado, quer ganhar no primeiro turno para encurtar o tempo de campanha, da qual ele participa à meia bomba. Sem poder ir aos debates, pelo menos no primeiro turno, Bolsonaro virou alvo de críticas generalizadas, e seu vice, general Mourão, é a bola da vez. Cada declaração polêmica que dá volta feito um bumerangue contra sua chapa.

Já Haddad pretende transformar a disputa entre civilização, que ele representaria, e a barbárie, que seu adversário encarnaria. O petista está lançando propostas de aliança no segundo turno com Ciro e Alckmin: quem chegasse ao segundo turno teria o apoio dos outros. Mas o que pretende mesmo é pegar os eleitores tanto de Ciro e Marina quanto do PSDB, para impedir a vitória de Bolsonaro no primeiro turno e, quem sabe, ser ele a vencer sem precisar de um segundo turno.

Essa tentativa de fazer aliança através das cúpulas partidárias não parece se adequar ao espírito do momento, que depende muito mais do sentimento dos eleitores do que de uma iniciativa dos partidos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, embora insista em afirmar que está com Alckmin até o segundo turno, é favorável ao apoio do PT caso isso não aconteça, como se os eleitores do PSDB fossem na maioria de esquerda. O melhor exemplo dessa separação entre os partidos e o eleitorado é a campanha do tucano Geraldo Alckmin. Conseguiu um acordo amplo com o centrão e ganhou o maior tempo de televisão. Mas os eleitores não estão interessados nesses esquemas da velha política, e abandonam Alckmin.

Mesmo as críticas à adesão ao centrão, que pode ter decepcionado uma ala mais progressista do PSDB, não justificariam por si só a baixa intenção de votos. Mesmo porque vários desses caciques estão liderando as pesquisas em seus estados. Se se empenhassem pela candidatura de Alckmin, certamente ele estaria em melhor situação.

Mas políticos como os do centrão sentem o cheiro da derrota de longe, e já se bandearam para outros lados que, como sempre acontece nesse tipo de político, pode ser à esquerda ou à direita, já estão negociando com o PT, para refazer a aliança que nos levou a essa situação de crise econômica, ou com Bolsonaro.

O apoio de Ciro ao PT já anunciado para o segundo turno revela um sentimento de impotência diante do crescimento de Haddad, e confunde os eleitores de centro que pretende atrair. O índice de votos nulos e em branco continua sendo mais alto que nas eleições anteriores, o que indicaria que ainda há quem possa mudar de ideia.

A maior prova de que o país está dividido é o resultado da pesquisa no segundo turno. Todos empatam com todos, mas o eleitorado está em evolução. No segundo turno, se houver, Bolsonaro, que perdia de todo mundo nas primeiras pesquisas, hoje já empata com todos e ganha de Marina, que era a única que o derrotava no início da campanha.


Merval Pereira: Os fantasmas da eleição

Se Bolsonaro não tiver condições, assumiria o general Mourão, que fala de autogolpe como se falasse que vai ali na esquina

Esta é uma eleição fantasmagórica, e não apenas porque o principal líder de esquerda está na cadeia, impedido de disputar a eleição por ter sido condenado por corrupção, e Bolsonaro, que se tornou o líder de uma direita que parecia não existir no Brasil, estar no hospital, após ter sido esfaqueado.

Os fantasmas dos dois dominam as campanhas dos que, até o momento, podem ir para o segundo turno. E os fantasmas da história recente do país, a escolha dos vices, assustam os eleitores. Imaginemos que Bolsonaro, eleito, não esteja em condições de assumir a Presidência em janeiro. Assumiria o também polêmico general Mourão, que fala de autogolpe como se falasse que vai ali na esquina e já volta.

Seria uma repetição como farsa da tragédia de Tancredo. E o que dizer de Haddad, que tem como vice Manuela D’Ávila, política inexperiente do radical PCdoB? Outros fantasmas assombram, como a possibilidade de um autogolpe, seja por parte de Bolsonaro, que já tem militares da reserva defendendo abertamente a intervenção “em caso de caos”, seja por parte do PT.

Os dirigentes petistas já anunciam que a prioridade é inocentar Lula, mas não através de recursos ao Judiciário, mas pela iniciativa do novo presidente de indultá-lo, o que seria um golpe contra o estado de direito. Não à toa os dois falam em golpe. Primeiro foi o PT, que dizia que eleição sem Lula é golpe. Agora é Bolsonaro, que põe em dúvida a lisura do pleito, sugerindo que as urnas eletrônicas não são confiáveis.

Com as pesquisas mostrando que o segundo turno hoje provavelmente seria entre Bolsonaro e o “laranja” de Lula, já começa uma reorganização dos eleitores em direção ao voto útil. Bolsonaro está sentindo o cheiro de uma vitória já no primeiro turno e, do leito do hospital, assesta suas baterias contra o PT, assumindo o papel de anti-Lula que tirou do PSDB.

É possível que o voto útil da centro-direita vá em direção a Bolsonaro, pelo receio da volta do PT, embora as pesquisas mostrem que Bolsonaro tem condições de vencer no segundo turno. Mas, como dizem que segundo turno é uma nova eleição, nunca se sabe, melhor tentar resolver logo, podem estar pensando.

Foi o que aconteceu na eleição para a prefeitura de São Paulo em 2016. O tucano João Doria ganhou no primeiro turno quando a presença de Haddad no segundo pareceu uma ameaça. Mas há ainda outras direções para o voto útil, como as dos candidatos de centro, Alckmin e Marina, e, sobretudo Ciro, que é quem vence Bolsonaro no segundo turno.

Esse voto útil pode ter uma consequência estranha, se não houver chance, o que é mais provável, de Bolsonaro ganhar no primeiro turno. Os votos de direita que forem para Ciro, se ele for o que tem mais condições de impedir que o PT cresça, podem migrar novamente para Bolsonaro no segundo turno.

Os candidatos que disputam com o PT um lugar no segundo turno não podem é deixar que Haddad se distancie muito, como mostram as pesquisas CNT/MDA e a do BTG divulgadas ontem. Hoje o Ibope vai tirar a prova dos nove. Há o risco de eleitores de Ciro no Nordeste e na esquerda irem para Haddad no primeiro turno, se parecer que o voto útil da direita vai tirar o PT da disputa.

As campanhas dos adversários que ainda nutrem esperanças de bloquear a chegada do PT estão acelerando. Ciro Gomes já está divulgando mensagens contra esquerda e direita, colocando-se como a saída de centro mais viável. Mas a campanha de Marina manda sinais de que continua no jogo, avaliando que eleitores de centro-direita não votam em Ciro, e que a esquerda não vai de Alckmin de jeito nenhum. Marina vai aparecer como a transição, recebendo votos dos dois lados, acreditam seus assessores.

Mas, paradoxalmente, os assessores de Alckmin veem na subida acelerada de Haddad um estímulo aos eleitores do voto útil de centro. Os 10% que hoje estão com Amoêdo, Meirelles e Alvaro Dias, nessa análise tucana, migrariam para o candidato do PSDB, além de indecisos e os hoje dispostos a votar nulo ou em branco, tudo para barrar a ida do PT ao segundo turno.


Merval Pereira: Manual da pequena política

Candidatos devem dizer o que um determinado grupo quer ouvir, ensina o manual ‘Como ganhar uma eleição’

Comparar as campanhas eleitorais na Antiga Roma com a atuação política atual serve de escusa para os que fazem a “pequena política”, que alegam que esse toma lá dá cá existe desde sempre, mas também de ensinamento histórico para que prevaleça a “grande política” que predominava, principalmente, em Roma no século I d.C. No início deste ano eleitoral, escrevi sobre o livro “A campanha eleitoral na Roma Antiga”, do historiador alemão Karl-Wilhelm Weeber. Nele havia referência a um pequeno manual da campanha eleitoral, atribuído a Quinto Túlio Cícero, para orientar seu irmão mais velho, o grande orador Marco Túlio, que foi eleito cônsul em 63 a.C.

Em boa hora a editora Bazar do Tempo está lançando a tradução em português do manual, com o título “Como ganhar uma eleição: Um manual da Antiguidade Clássica para os dias de hoje”. Nesse texto, Quinto Cícero enumera uma série de estratégias para uma campanha bem-sucedida. Algumas dessas, destacadas na apresentação por Philip Freeman, PhD por Harvard em Antiguidade Clássica, subsistem até hoje:

Prometa tudo a todos. Exceto nos casos mais extremos, os candidatos devem dizer o que um determinado grupo quer ouvir. Diga aos conservadores que você tem repetidamente apoiado valores tradicionais. Diga aos progressistas que você sempre esteve do lado deles. Depois da eleição, você pode explicar a todo mundo que adoraria ajudá-los, mas, infelizmente, circunstâncias fora do seu controle o impediram.

Cobre todos os favores. É hora de delicadamente (ou não tão delicadamente) lembrar a quem ajudou que eles são seus devedores. Se alguém não dever nenhuma obrigação a você, deixe que saibam que o apoio deles agora porá você em débito para com eles no futuro. E depois de eleito você estará em condições de ajudá-los quando eles precisarem.

Não saia da cidade. Na época de Marco Cícero, isto significava permanecer perto de Roma. Para os políticos modernos, isto significa estar no lugar certo, fazendo campanha corpo a corpo com os eleitores-chave. Não existe dia livre para um candidato sério. Você pode tirar férias depois que vencer. Puxe o saco dos eleitores abertamente. Marco Cícero era sempre educado, mas podia ser formal e distante. Quinto alerta que ele precisa ser mais receptivo com os eleitores. Olhe nos olhos deles, bata nas costas deles, e diga que eles são importantes. Faça os eleitores acreditarem que você se importa realmente com eles.

Dê esperança às pessoas. Até os eleitores mais cínicos querem acreditar em alguém. Dê às pessoas a sensação de que você pode tornar o mundo delas melhor, e elas se tornarão seus seguidores mais devotados — pelo menos até depois da eleição, quando você irá inevitavelmente desapontá-las. Mas nessa altura isso não fará mais diferença porque você já terá vencido.

O filósofo da política Newton Bignotto, especialista em Maquiavel, destaca em seu posfácio para o livro que esse contexto daquela Roma é mais próximo de nós do que pensamos: “Existia naquele tempo uma figura comum na cidade, que lembra nossos ‘operadores políticos’, os chamados repartidores (divisores). A função deles era dividir no interior das ‘tribos’ o dinheiro legal ou, muitas vezes, ilegal que lhes era destinado por meio de ‘doações’. Alguém se lembrou do caixa 2 das campanhas, ou das ‘contribuições não contabilizadas?’”

O problema era tão grave que várias leis foram aprovadas para tentar frear a influência do dinheiro nas eleições, como a Lex Flavia, que regulava o funcionamento dos banquetes e festas. Quinto sabia que seu irmão precisava escapar dessas armadilhas, usando de todo seu poder de convencimento: um pretendente ao consulado que ignorasse essa realidade e se portasse de forma ingênua seria irremediavelmente derrotado. Indispensável, embora discutível do ponto de vista ético, diz Quinto Cícero, era a fusão, em um só indivíduo, do homem bom (bonus vir) e o hábil contentor (bonus petitor). Ele definia assim, com brutal franqueza: “A primeira é a característica de um homem honesto; a segunda, de um bom candidato”.


Merval Pereira: Haddad e Ciro se distanciam

É previsível que as bases amplas de apoio do tucano e a de Marina se dispersarão em busca de porto mais seguro

Com o crescimento da candidatura de Fernando Haddad do PT, e a manutenção de Ciro Gomes nos mesmos patamares, parece ter encurtado o campo para os demais candidatos que disputam o segundo turno. O candidato do PSDB Geraldo Alckmin mais uma vez ficou parado, não dando ânimo a quem ainda aguarda uma tendência de alta. Marina Silva confirmou a queda registrada em outras pesquisas, e, segundo o Datafolha, está com a metade das intenções de votos com que começou a campanha eleitoral.

A persistir essa situação, é previsível que a base ampla de apoio do tucano, e a de Marina se dispersarão em busca de porto mais seguro, a maioria dos eleitores indo para Bolsonaro, que continua crescendo, consolidando sua posição no segundo turno. Mas certamente Ciro ganhará com votos úteis de tucanos de esquerda ou que não querem ver o PT de volta, e de eleitores de esquerda de Marina.

Caso Alckmin cresça nas próximas pesquisas, aí será a vez de Bolsonaro desinflar, tornando mais parelha a disputa das duas vagas no segundo turno. Mas para crescer, Alckmin precisa que eleitores de Álvaro Dias, Amoedo e Meirelles decidam fazer voto útil. Os três somam 9 pontos “roubados” do PSDB, além dos eleitores tradicionais do PSDB no sul e no centro-oeste, principalmente ligados ao agronegócio, que migraram para Bolsonaro. Porque nenhum dos três parece disposto a renunciar para ajudar o PSDB.

Em busca do voto útil, tanto Ciro quanto Alckmin transferiram para o candidato petista Haddad a carga de suas baterias. Se esse resultado persistir, o voto útil dos eleitores moderados pode ir para Ciro, que se apresenta como um candidato mais amplo que o petista, e mais competitivo. Alckmin, por sua vez, passou a criticar com mais firmeza Marina, colocando-a no campo da esquerda, dentro que chamou de “vários tons de vermelho”.

Na eleição de 2014, o candidato tucano Aécio Neves avançou sobre o eleitorado de Marina defendendo a tese de que não era possível a esquerda disputar sozinha o segundo turno. Alckmin visa o mesmo objetivo, mas desta vez fica difícil apelar para o antipetismo quando Bolsonaro roubou-lhe essa bandeira e já está praticamente garantido no segundo turno.

É previsível, a continuar este quadro, que o candidato do PSDB vá perdendo apoios pelo meio do caminho dentro do centrão, partidos que teriam mais afinidades com Bolsonaro. Mas Ciro Gomes, que chegou a negociar com o centrão, pode voltar a ser a alternativa desse grupo ao petismo.

Ciro costuma dizer que Bolsonaro é “um cabra marcado para perder” no segundo turno, utilizando-se de um filme chamado “Cabra marcado para morrer”. Mas as pesquisas não mostram isso. O candidato do PSL perde sem margem de dúvidas para Ciro Gomes, mas já está empatado tecnicamente com os demais candidatos.

Para quem perdia de todo mundo no começo da campanha, é um grande avanço já ser competitivo contra a maioria de seus adversários. O líder trabalhista Leonel Brizola morreu certo de que houve um complô contra ele para colocar Lula no segundo turno, que seria um adversário mais fácil de ser batido por Collor. Bolsonaro, que lidera a pesquisa eleitoral desde sempre quando Lula não aparece, está se tornando competitivo no segundo turno, e mais uma vez um pedetista considera-se a melhor opção para vencer a direita.

Ciro se apresenta como aquele que pode garantir a derrota da extrema direita no segundo turno. Alckmin diz que o melhor adversário para o PT seria Bolsonaro, mas as pesquisas mostram que Haddad tem mais dificuldades do que outros para enfrentar no momento o líder das pesquisas.

O apoio de Lula, se é certamente um ativo eleitoral decisivo, também explicita a polarização do país o país, com 32% de eleitores afirmando que votariam “com certeza” no candidato de Lula, e 49% que não votariam de jeito nenhum. Mas há 16% que “levariam em conta” a recomendação de Lula, e os petistas os consideram já eleitores certos.

O empate técnico permanece da disputa do segundo turno continua, mas com dois grupos já se distinguindo um do outro. Ciro e Haddad estão no limite do empate técnico com Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilou de 10% para 9%. No mesmo patamar do tucano está Marina Silva (Rede), que caiu 11% para 8%.

Mas é preciso muito malabarismo estatístico para não enxergar que Alckmin e Marina estão estagnados, quando não caindo, enquanto Ciro e Haddad estão em ascensão, principalmente o petista.