Merval Pereira
Merval Pereira: A boca do jacaré
No jargão dos institutos de pesquisa, quando os gráficos mostram um desenho que distancia dois competidores de maneira clara, diz-se que “abriu a boca do jacaré”. E quando ela abre, é difícil de ser fechada. O fato é que uma vitória de Haddad seria mudar em 15 dias tudo o que o eleitorado brasileiro fez no último domingo, quando varreu figuras tradicionais da política brasileira, apartidariamente, mas atingindo, inclusive, políticos do PT ou seus aliados mais explícitos, com uma ou outra exceção devido a peculiaridades da política local.
A situação é tão grave que o PT aceitou uma derrota simbólica de relevância, permitindo que Haddad apagasse de sua propaganda o rosto de Lula e, mais que isso, trocasse a cor vermelha da propaganda, pelo verde e amarelo típico da campanha de Bolsonaro.
É interessante notar que desde 2013, quando das manifestações populares difusas contra “tudo o que está aí”, e depois nas passeatas a favor do impeachment de Dilma, os manifestantes que usavam o verde e amarelo, geralmente com a camisa da seleção brasileira de futebol, eram ridiculamente acusados pelos petistas de serem “coxinhas” coniventes com a corrupção da CBF.
Agora, os cartazes do petismo que quer se esconder mostram moças e rapazes com a camisa da seleção, com a mão no peito em sinal de respeito, e olhando para o horizonte, dignos do realismo socialista do tempo de Stalin na União Soviética. E o desaparecimento da figura de Lula dos cartazes lembra muito o hábito stanilista de apagar das fotos os que caiam em desgraça no regime comunista, muito antes de aparecer o photoshop.
É claro que o PT não chegou a esse ponto, e Lula continua sendo “o grande líder”. Mas como a rejeição a ele e ao PT é grande, a ponto de o diretor do Ibope Carlos Augusto Montenegro avaliar que se o ex-presidente fosse candidato hoje poderia perder a eleição, estrategicamente escondem-no, com o consentimento do próprio.
Haddad, aliás, escreveu um livro, justamente no ano da queda do Muro de Berlim, cujo objetivo é demonstrar que a revolução comunista de 1917 não conseguiu implantar o verdadeiro socialismo. Quando era ministro da Educação, para reagir às críticas ao livro “Por uma Vida Melhor”, que admitia erros de português como sendo uma forma espontânea de se expressar, Haddad saiu-se com essa bizarrice: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam os seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los”.
O eleitor, na prática, fez o mesmo que Lula nas eleições de 2010 e 2012, que escalou seus adversários preferenciais para derrotar, em diversos partidos: Tasso Jereissati, do PSDB; Arthur Virgílio, do PSDB; Marco Maciel,do DEM; Heloisa Helena, hoje na Rede.
Lula fez campanha pessoalmente contra Arthur Virgilio, e disse que o povo havia dado uma lição a ele com a vitória de Vanessa Graziotin para o Senado. Hoje, Virgilio é prefeito de Manaus e Graziotin não foi reeleita. Sobre a derrota de Tasso Jereissati naquela altura, disse que o povo “fez um favor danado”. Tasso hoje é senador.
De volta a 1989
A proposta de Katia Abreu, vice de Ciro Gomes, para que Haddad renuncie para permitir que Ciro dispute com Bolsonaro, o único que poderia vencê-lo segundo sua opinião, lembra um episódio da eleição presidencial de 1989, que tantas semelhanças tem com a de hoje.
Derrotado por Lula por exatos 0,67% de votos , Brizola pediu que Lula renunciasse para que Mario Covas, do PSDB, que ficou em quarto lugar, pudesse enfrentar Collor, pois teria mais condições para isso que Lula. Como agora, não deu certo.
Merval Pereira: Padrão mantido
Voto de Bolsonaro está bastante distribuído pelo país, ele vence com folga no principal colégio eleitoral, o Sudeste
A primeira pesquisa do segundo turno do Datafolha mostra que a tarefa do petista Fernando Haddad de superar Bolsonaro continua sendo uma missão quase impossível. Somente se o inesperado fizer uma surpresa, como na música de Johnny Alf, será possível reverter essa tendência.
Ambos cresceram em proporções iguais, Bolsonaro 12 pontos percentuais e Haddad 13 pontos, mostrando que o eleitorado que saiu do primeiro turno tendo escolhido outros candidatos dividiu igualmente os votos entre os dois.
O resultado confirma o padrão das eleições anteriores, com quem saiu na frente mantendo a dianteira com uma votação próxima de 60%. Lula, em 2002 e 2006, venceu com 61,27% e 60,83 % dos votos, respectivamente. A votação de Dilma foi de 56,05%, próximo disso, portanto, em 2010. A derrocada petista começou em 2014, quando Dilma teve 51% dos votos e ganhou a eleição por pouco mais de três pontos percentuais.
Bolsonaro tem 58% dos votos válidos, enquanto o petista Fernando Haddad conseguiu 42%. Bolsonaro vence com facilidade em todas as regiões do país, com exceção do Nordeste, onde o petista tem 52% contra 32% de Bolsonaro. Mas esse resultado está longe da performance de Lula, que tinha quase 60% dos votos naquela região.
Também informa que a transferência de votos de Lula e Ciro não se deu, pelo menos ainda, em sua plenitude. A soma, no Nordeste, dos votos de Haddad e Ciro daria ao petista 68%, 16 pontos abaixo do que ele conseguiu nesta primeira pesquisa. Nos números oficiais, Bolsonaro teve26%; Haddad, 51%; Ciro, 17%. Nessa primeira pesquisa Datafolha, quem subiu na região foi Bolsonaro, e Haddad ficou parado nos 52%. Restariam cerca de 11% de supostos eleitores de Ciro que ainda estão indecisos, e, com o “apoio crítico” dado ao candidato do PT, não é provável que essa transferência se dê integralmente.
O Nordeste é onde Haddad pode crescer, dada a força de Lula na região, mas, segundo os dados oficiais, sua vitória ali no primeiro turno, com cerca de 15 milhões de votos, foi neutralizada pela votação que Bolsonaro conseguiu na Região Sudeste.
O Datafolha mostra que o voto de Bolsonaro está bastante distribuído pelo país, ele vence com folga no principal colégio eleitoral, o Sudeste: 55% a 32% dos votos totais, embora seu melhor desempenho seja no Sul, com 60% a 26%, seguido pelo Centro-Oeste (59% a 27%). No Norte, Bolsonaro vence por 51% a 40%.
Embora tenha proporcionalmente menos votos entre as mulheres do que entre os homens, 42% dos votos totais contra 57%, Bolsonaro continua tendo mais votos entre as mulheres do que Haddad. O eleitorado de Bolsonaro é baseado nos mais ricos (62% nos segmentos entre 5 e 10 salários mínimos e acima de 10) e escolarizados (58% de quem tem ensino superior). Haddad tem mais apoio no nicho dos que têm só o ensino fundamental e entre os mais pobres, com renda familiar média mensal até dois salários mínimos.
Não foi à toa, portanto, que Bolsonaro antecipou ontem sua decisão de pagar o 13º salário aos que recebem o Bolsa Família, um eleitorado cativo do PT. Essa medida, aliás, já tem projeto no Senado, de autoria do senador petista derrotado Lindbergh Farias, de quem Bolsonaro acaba de roubar a bandeira, transformando sua realização em ponto de programa eleitoral. Uma das fake news mais recorrentes, tanto nessa campanha quanto nas anteriores, é a denúncia, nunca confirmada, de que o adversário do PT vai acabar com o Bolsa Família.
A primeira pesquisa após o segundo turno confirma a manutenção da onda antipetista que favoreceu Bolsonaro no primeiro turno, provocando a maior reforma no Congresso dos últimos tempos, e reviravoltas em vários estados. O antipetismo é tão forte no país que leva o eleitor a votar contra o candidato do PT no segundo turno, mesmo que não goste muito do adversário. Quando o PT não está em jogo, fica mais viável ganhar a eleição na disputa política e de ideias. Ao contrário, mostram as pesquisas, o bolsonarismo ajuda a quem se liga ao candidato do PSL.
Merval Pereira: Revendo rumos
Candidatos entenderam que, mesmo em situações de conflito intenso, a sociedade busca caminhos democráticos
A recomposição dos projetos dos candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, provocada por uma entrevista ao “Jornal Nacional” de segunda-feira, além da boa notícia de que os dois abandonaram publicamente projetos de cunho autoritário, reafirma o peso da opinião pública numa sociedade democrática.
A procura pelos dois candidatos de um eleitor que, no primeiro turno, recusou os extremos que representam, tem mais que o objetivo de obter novos votos. Mostra que entenderam que, mesmo em situações de conflito exacerbado, a sociedade busca caminhos democráticos para resolver suas questões.
Resta saber se os dois candidatos seguirão nesse caminho, não deixando dúvidas sobre seus compromissos com a democracia e a Constituição de 1988. O candidato petista havia anunciado, feito o acordo eleitoral com o PCdoB, que o PT incluiu em seu programa de governo a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva.
Quando aconteceram as manifestações de rua de 2013, acuada pelo vigor dos protestos, a então presidente Dilma foi à televisão anunciar, entre outras medidas que nunca saíram do discurso, como um pacto nacional pela responsabilidade fiscal, a convocação de um plebiscito para a realização de uma reforma política através de uma Constituinte exclusiva.
Não colocou em prática, por impossibilidade legal no caso da Constituinte, nenhum dos pactos e acabou impedida de continuar na Presidência justamente pela irresponsabilidade fiscal que patrocinou. A convocação de uma Constituinte foi o primeiro passo do então recém-eleito Hugo Chávez, na Venezuela, para avançar sobre os demais poderes, ampliando a força do Executivo.
A “Constituição da República Bolivariana da Venezuela”, promulgada em 1999, primeiro dos 14 anos de governo de Chávez, é considerada o ponto de partida do chavismo.
Também o entorno do presidenciável Jair Bolsonaro andou fazendo propostas que não se coadunam com um ambiente democrático. O vice, general Mourão, sugeriu que uma nova Constituição poderia ser feita por um grupo de notáveis, sem precisar do voto popular, bastando ser referendada numa eleição posterior.
Não existe tal possibilidade, e o mais parecido com isso foi a Comissão Arinos, formada por notáveis que propuseram ao Congresso um novo texto, como base para a nova Constituição a ser promulgada em 1988. Mesmo composta de “notáveis” e tendo suas vantagens, as propostas da comissão foram solenemente ignoradas pelo presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães.
Também a referência à possibilidade de um autogolpe foi rejeitada por Bolsonaro, assim como Haddad rejeitou a afirmação do ex-ministro José Dirceu de que, vencida a eleição, o PT “tomaria o poder”. Mourão e Dirceu falavam da mesma coisa, de extremos opostos.
Os dois candidatos se curvaram à ordem constitucional e prometeram, diante da audiência do “Jornal Nacional”, obedecer à Constituição, que não permite que se use a democracia para atentar contra ela. A questão é saber o alcance e a seriedade desses compromissos.
O ex-presidente Lula fez a Carta aos Brasileiros em 2002 para garantir que manteria a política econômica então em vigor, e respeitaria o equilíbrio fiscal. Cumpriu a promessa durante seu primeiro mandato, mas, quando se sentiu forte, deu início à guinada em direção à “nova matriz econômica” de Guido Mantega, que, aprofundada por Dilma, deu nessa enorme recessão de que ainda não nos livramos, com um déficit fiscal gigantesco.
O programa do PT é a continuidade da política econômica que nos levou aonde estamos, e mais a reafirmação de controles sociais de diversos setores, até mesmo do Judiciário, passando pelos meios de comunicação, que sempre tentaram e não conseguiram, pela reação contrária da opinião pública.
Será preciso que Haddad, se não pode fazer a autocrítica necessária ao PT, abra mão desse dirigismo do Estado para que seu compromisso com a democracia possa ser levado a sério.
Também Jair Bolsonaro tem que desestimular seus seguidores — se não tem controle sobre eles como diz —a usarem a violência para atingir seus objetivos de maior segurança pública e preservação dos valores conservadores. Esses objetivos não podem prescindir da proteção aos direitos humanos, e a maioria não pode submeter as minorias a suas convicções.
Merval Pereira: Narrativa renovada
Eleitorado tirou caciques da vida pública, velhas lideranças e seus filhos não foram reeleitos, a despeito do poder econômico
Entre mortos e feridos, poucos se salvaram, mas entre estes o PT, paradoxalmente, é um dos que resistiram à onda bolsonarista, apesar de derrotas emblemáticas em todo o país e de ter sido confinado ao Nordeste, e mesmo assim não nas capitais e grandes cidades. Além de ter elegido a maior bancada da nova Câmara, reelegeu no primeiro turno os governadores da Bahia, do Ceará e do Piauí. E governadores aliados no Norte e Nordeste como Renan Filho, do MDB de Alagoas; Flávio Dino, do PCdoB no Maranhão; João Azevedo, do PSB na Paraíba; e Paulo Câmara, do PSB em Pernambuco. E está no segundo turno da eleição presidencial pelo quinta vez seguida, embora pela primeira vez em posição de desvantagem.
A bancada petista no Senado caiu de nove para seis, mas, exceto o MDB, com 12 senadores (tinha 18 antes), nenhum outro partido terá mais representantes. O PT já tem papel de destaque caso Bolsonaro confirme sua vitória no segundo turno: liderará a oposição.
Seu oposto tradicional, o PSDB, sai das urnas ferido de morte. Por sua tibieza, foi engolido pela onda conservadora que varreu o país, fez apenas a nona bancada da Câmara, quando era a terceira, mas pode ter um fôlego se eleger os governadores de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas.
Os que se surpreenderam com o resultado das urnas não levaram em conta que o sucesso de Bolsonaro é produto de três coisas: deu voz a uma onda conservadora nos costumes; fala claramente em combate mais feroz a bandidos, fortalecendo a atuação das polícias e mexendo na legislação; e, finalmente, o desmonte dos partidos tradicionais.
A onda de antipetismo que se formou no país tem papel complementar às duas primeiras, pois o PT está sendo associado pela maioria dos brasileiros com o que seria um abandono dos valores tradicionais e a leniência com os bandidos em nome dos direitos humanos.
Aconteceu a renovação na política que era desejada pela sociedade civil desde 2013, quando espontaneamente cidadãos saíram às ruas para cobrar, basicamente, melhores serviços do Estado. A democracia foi apropriada pelas pessoas em suas redes sociais. Um candidato tosco, por vezes com posições repulsivas, sem sair do hospital e de casa, ganha 50 milhões de votos sem dinheiro nem tempo de TV.
Os partidos, “donos” dos espaços político-partidários, tentaram impedir essa renovação, financiando preferencialmente os candidatos à reeleição com o Fundo Partidário, usado para o fortalecimento das cúpulas partidárias. O resultado é que na Câmara Federal teremos 47% só de deputados estreantes, uma revolução que os eleitores forçaram o establishment a aceitar. Menos da metade dos deputados conseguiu se reeleger. O que não quer dizer que o nível da Câmara melhorará. Pela amostra que já temos, com até ator pornô sendo eleito, não é garantida a qualidade da representação.
Jair Bolsonaro influenciou as eleições em todos os estados, e o eleitorado tirou vários caciques da vida pública, velhas lideranças e seus filhos não foram reeleitos, a despeito do poder político e econômico. Uma consequência desse desmanche dos partidos tradicionais é o fracionamento maior da Câmara, que terá 30 partidos representados, em vez dos já exagerados 25 que lá atuam.
As maiores bancadas serão do PT, com 56 deputados, e PSL, que, de insignificantes oito deputados, tendo elegido apenas um em 2014, passa a ter 52, e provavelmente aumentará ainda mais com as adesões que os partidos que estão no governo recebem.
O PMDB foi o que mais perdeu cadeiras: caiu de 66 eleitos em 2014 para 34 em 2018. Esta eleição foi uma prova de vitalidade democrática do país, apesar da onda de fake news. Por fim, há o surgimento de uma consciência liberal e antipetista que surpreendeu.
O plebiscito foi não só em relação ao impeachment de Dilma, mas também em relação à prisão de Lula e à atuação da Lava-jato. Dos inúmeros significados desta eleição, um deles, por seu simbolismo, chama especial atenção: a ex-presidente Dilma teve a sua candidatura ao Senado recusada pelos eleitores mineiros, que lhe tiraram os poderes políticos que foram mantidos por uma interpretação fajuta da Constituição avalizada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. E a advogada Janaína Paschoal, coautora do pedido de impeachment, foi a deputada mais votada da história.
De forma clara e plebiscitária, a tese do golpe foi rechaçada. O povo chancelou o impeachment de Dilma e enterrou a narrativa do golpe.
Merval Pereira: Quadro é favorável a Bolsonaro
Candidato do PSL sai do primeiro turno em ascensão e leva vantagem para as negociações políticas e futuras adesões
A vitória de Jair Bolsonaro com quase o dobro de votos de Fernando Haddad sinaliza que o candidato do PSL entrará no segundo turno em posição de vantagem, embora todos considerem essa uma nova eleição. Mas quando um candidato sai do primeiro turno em ascensão, o clima que se cria em torno dele é favorável a novas adesões, e as negociações beneficiam o vencedor.
Por isso, nunca um candidato que entrou no segundo turno na dianteira da disputa presidencial deixou de se eleger. Foi assim com o ex-presidente Lula, que não ganhou eleições no primeiro turno – em 2006 chegou a ter 49% —, mas sempre saiu vencedor com cerca de 60% dos votos no segundo turno, contra candidatos do PSDB.
Desta vez, o candidato petista Fernando Haddad terá que reverter bem mais votos do que os adversários do PT nas vezes anteriores, uma tarefa mais difícil do que a do tucano Aécio Neves em 2014, por exemplo, que terminou o primeiro turno com 33,55%, contra 41,59% de Dilma, e conseguiu no segundo turno 48,36%, contra 51,64%, perdendo por pouco. Haddad, hoje, termina com menos votos do que Aécio teve no primeiro turno em 2014, e Bolsonaro quase venceu agora.
A união dos opostos será feita neste segundo turno à força, pois no primeiro as legendas de esquerda e de centro se dispersaram entre várias candidaturas. A questão é saber quão unidos estarão neste segundo turno, e quem terá mais condições de atrair votos do centro político.
Haddad, pelas pesquisas, é capaz de levar a maioria dos votos de Ciro, Marina e Alckmin, mas não o bastante para se contrapor a Bolsonaro, que atrairá, até mesmo por falta de opções, o eleitorado de centro-direita espalhado entre candidaturas nanicas de Alvaro Dias, Meirelles, Amoedo, além da parte minoritária de Alckmin e Ciro.
A impossibilidade de escolha, no entanto, pode gerar um índice maior de votos brancos, nulos e da abstenção neste segundo turno, o que facilitará a vida dos candidatos, especialmente do que está na frente, pois precisarão de menos votos válidos para se eleger.
Merval Pereira: A favor da democracia
Pesquisa aponta que 69% dos entrevistados aprovam a democracia. Já partidos políticos perderam a influência pelo descrédito de suas ações
Na eleição mais radicalizada dos anos recentes, pontuada por declarações de ambos os líderes das pesquisas que remetem a ameaças à democracia, esse regime político, que, na frase famosa de Churchill, é o pior deles com exceção de todos os outros, aparece fortalecido pelos brasileiros em pesquisa Datafolha.
Em votação recorde, a maior desde 1989 quando se disputava a primeira eleição direta depois do regime militar, a democracia recebeu nada menos que 69% de aprovação, índice crescente na preferência dos eleitores, ao mesmo tempo em que os partidos políticos, canais da sociedade com o poder político, perderam momentaneamente a influência pelo descrédito de suas atitudes.
Segundo Max Weber, citado no Dicionário de Política de Norberto Bobbio e outros, o partido político é “uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele objetivo, como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja pessoal, destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente”.
No Brasil de 35 partidos, a maioria se enquadra na associação que “objetiva obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes”, mas alguns trabalham sobre “ideais”. A eleição de hoje é uma boa oportunidade para que se recomece a atividade política conspurcada pela corrupção generalizada, e o papel do vencedor será fundamental para essa retomada desejada pelos eleitores, que prezam a democracia e a consideram o melhor caminho para resolver seus problemas.
Ao contrário do que muitos apregoavam, apenas 12% consideraram que a ditadura é um regime melhor, e outros 13% mostraram-se indiferentes. É, pois, sob o signo da democracia que os eleitores vão às urnas hoje, e é preciso que os candidatos tenham isso em mente quando assumirem seus cargos, pois hoje ainda podemos ter a definição da escolha de vários governadores no primeiro turno e, quem sabe, até mesmo o do presidente da República.
Na última eleição presidencial que tivemos, a vencedora, Dilma Rousseff não se referiu a seu adversário derrotado no discurso da vitória. Nesta eleição, mais do que atitudes protocolares, normais em sociedades civilizadas, exige-se dos candidatos compromissos com a democracia e o reconhecimento da derrota dentro da legalidade do Estado de Direito.
Se, como é mais provável, a eleição para presidente não terminar hoje, os dois candidatos que restaram terão 20 dias para fazer uma campanha eleitoral de confrontação de idéias e propostas, tempo suficiente para recuperarem-se de eventuais arroubos retóricos e posicionarem-se como democratas, esquecendo projetos extemporâneos como a convocação de uma nova Constituinte ou a não aceitação de princípios democráticos implícitos em comentários que trivializam a possibilidade de um golpe.
Ao eleitor cabe pesar nas urnas a conseqüência de seu voto para o seu futuro e o do país, sem colocar interesses pessoais acima daqueles. A democracia é o regime em que o povo está representado pelos eleitos pelo voto direto, e a escolha dos membros do Congresso, por exemplo, é fundamental para que o futuro presidente possa governar.
Ao presidente eleito caberá necessariamente negociar com o Congresso e com os governos estaduais e municipais, principalmente num período em que reformas fundamentais precisam de apoio da população e dos políticos para serem aprovadas a tempo de permitir a recuperação econômica e social do país.
O presidente responde
Recebi do presidente Michel Temer uma mensagem sobre referência feita na coluna de ontem ao diálogo, que classifiquei de “nada republicano”, entre ele e o empresário Joesley Batista. Ele garante que é indevida a interpretação dada ao diálogo. Se apega a uma troca de palavras no documento do Ministério Público para reafirmar sua tese, mas, no entanto, ouvindo a íntegra do áudio fica evidente, para mim, o caráter nada republicano da conversa.
Merval Pereira: Efeitos, não causas
Se tivesse escolhido Doria, PSDB talvez não desse a chance de Bolsonaro se apropriar do antipetismo que domina o país
Mais uma das esquisitices desta eleição é a evidência de que os dois candidatos que lideram as pesquisas eleitorais ou não representam a maioria dos seus apoiadores, como é o caso de Bolsonaro, ou são meros prepostos do verdadeiro líder, o caso de Fernando Haddad.
Nenhum deles estaria com um pé no Palácio do Planalto por méritos próprios, mas são consequência de uma situação política que não controlam.
Bolsonaro foi beneficiado pelo desmonte dos partidos políticos tradicionais, que deveriam ter canalizado o desencanto do brasileiro para apresentar soluções menos traumáticas.
Especialmente o PSDB, que perdeu a conexão com a sociedade ao se converter a um pragmatismo que o colocou no mesmo rol dos partidos fisiológicos.
Todo o mundo político sabia que o fisiologismo do MDB colocava em risco seus parceiros e, no limite, a democracia, mas o PT não se furtou a chamá-lo duas vezes para vice de Dilma, assim como o PSDB formou a base de apoio do novo governo.
Ao apoiar o impeachment da ex-presidente Dilma e, em consequência, a assunção de Temer ao poder, o PSDB estava atuando dentro da democracia, da mesma maneira que fez no governo Itamar. Mas quando Temer perdeu sua legitimidade, em consequência da revelação da conversa nada republicana com o empresário Joesley Batista, os tucanos deveriam ter debandado, colocando-se como oposição a um governo fisiológico, refém de um passado comprovadamente corrupto, que não se emendou.
Da mesma maneira que o PT, os tucanos passaram a mão na cabeça de seus membros envolvidos em escândalos de corrupção, e carregaram o peso das negociações secretas de seu ex-presidente Aécio Neves com o mesmo Joesley, ou com o presidente Temer nas noites do Palácio da Alvorada, ou ainda da condenação de outro ex-presidente do PSDB, o ex-deputado Eduardo Azeredo.
Se não tivesse se descredenciado como representante de uma parte ponderável da sociedade brasileira, inclusive com votações demagógicas, como quando apoiou o fim do fator previdenciário, o PSDB poderia ser o receptáculo dos votos de quem buscava soluções para nossas mazelas.
Sem uma alternativa viável, com projeto menos radicalizado que o de Bolsonaro, esse eleitor ficou sem opção par atentar impedir a voltado PT ao governo, ainda mais agora que o ex-ministro José Dirceu explicitou o plano de “tomar o poder ”, não apenas ganhar a eleição. Até mesmo a definição de Alckmin como candidato à Presidência da República demonstra uma miopia em relação ao momento político que vivemos.
Se tivesse escolhido o ex-prefeito João Doria, não por seus méritos ou defeitos, mas por seu perfil antilulista, mais coadunado coma exigência de uma batalha política radicalizada, talvez não tivesse dado a chance de Bolsonaro se apropriar do antipetismo que domina a sociedade brasileira.
Provavelmente, Bolsonaro ficaria confinado a ser um candidato nanico, representante do baixo clero, se grande parte do eleitorado que hoje vota nele tivesse outra opção, mais civilizada.
Da mesma maneira, o PT errou ao escolher seu candidato de acordo com os caprichos e vontades de seu grande líder, o ex-presidente Lula, imaginando que ele, mesmo estando na cadeia, e com vários processos em andamento, comandaria as massas.
Comandou o partido, mantendo sua candidatura até a undécima hora, e designou Fernando Haddad para representá-lo nas urnas, imaginando que o simples fato de saberem que Haddad é Lula levaria a uma vitória retumbante.
Uma parte dos votos que supostamente Lula teria —chegou ater 39% nas pesquisas—foi para Haddad, mas, diante da rejeição maciça que o lulismo provoca, hoje não dá nem mesmo para afirmar que Lula, acossado por tantas denúncias, ganharia fácil a eleição.
É claro que não se deve subestimar o carisma do ex-presidente, e sua capacidade de comunicação, mas a rejeição a Haddad se deve a Lula. Provavelmente, o erro de Lula foi não ter apoiado Ciro Gomes como candidato, numa coalizão do PT como PDT. Ao não abrir mão de liderar a esquerda brasileira, sem dar espaço dentro do PT, nem em outras agremiações, para novas caras, Lula manteve sua liderança incontestada, sua hegemonia pessoal. Mas pode ter sido o responsável pela derrota da esquerda que se avizinha.
Se, numa reviravolta, conseguir eleger seu preposto, se consagra.
Se tivesse escolhido Doria, o PSDB talvez não desse a chance de Bolsonaro se apropriar do antipetismo que domina o país.
Merval Pereira: Começar de novo
O PT de antes de chegar ao poder tinha um sustentáculo na classe média e nos eleitores de nível universitário
A eleição de domingo embute uma definição do destino dos dois partidos que dominaram a política nacional nos últimos 25 anos. PT e PSDB chegam ao fim da disputa em situações assimétricas, mas podem terminar em condições semelhantes.
Com a possibilidade real de chegar ao segundo turno da eleição presidencial pela quinta vez, tendo vencido as quatro anteriores, o PT demonstra uma resiliência formidável, principalmente se levarmos em conta o que foi revelado sobre o esquema de corrupção que o partido comandou na última década, mas certamente não apenas nesse período.
Paradoxalmente, o partido deve a Lula suas virtudes e defeitos. Certamente, não teria chegado ao final da campanha com possibilidade de vencê-la se não existisse Lula, que, mesmo preso, foi o centro dos debates por muito tempo. Mas o antilulismo, ou antipetismo, no momento fala mais alto no país, e dá ao PT um nível de rejeição que limita o crescimento de Haddad.
Foi também Lula quem inventou a polarização do “nós contra eles”, que cevou a candidatura Bolsonaro, mas, durante muitos anos deu ao PT a primazia de ser identificado como o único partido preocupado com os mais pobres. A realidade revelada, porém, tirou do PT e de Lula essa primazia, limitando o poder político do ex-presidente a uma parcela minoritária do eleitorado.
O tamanho continuou semelhante, mas os eleitores, não. O PT de antes de chegar ao poder tinha um sustentáculo na classe média e nos eleitores de nível universitário. Já há algum tempo perdera esse público para o PSDB, e foi buscar no Nordeste e entre os mais desfavorecidos o seu ponto de apoio.
As previsões dão ao PT a maior bancada na futura Câmara, mas empatada com outros partidos como o PP, o PSDB e o MDB. E o partido poderá eleger vários senadores e governadores, mantendo a hegemonia no Nordeste. Se Haddad vencer, poderá refazer suas alianças políticas e prosseguir na tentativa de “tomar o poder”, como disse Dirceu.
Mas, perdendo, vai ter que se reinventar, começando por fazer a autocrítica necessária. Se perder no primeiro turno, então, ficará marcado por derrotas sumárias, como as de 1994 e 1998, ou como a de Fernando Haddad em 2016 em São Paulo, que perdeu no primeiro turno para João Doria.
Haddad, então, amargará uma segunda derrota seguida no primeiro turno, o que indicaria que tem um futuro mais promissor como professor do que como político. O mais provável, porém, é que o PT insista na radicalização, apostando no fracasso de um eventual governo Bolsonaro.
Também o PSDB terá que se reinventar, em condições mais penosas do que o PT, pois seu candidato chega ao final com uma votação pífia, a pior atingida pelo partido nas últimas seis eleições, incluindo o próprio Alckmin em 2006 que, por ironia, teve então a melhor votação tucana no primeiro turno.
A previsão de fazer uma boa bancada na Câmara e no Senado e, sobretudo, a possibilidade de eleger governadores em vários estados, inclusive nos três dos mais importantes do país —São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul —mantém as condições para que repense sua atuação nos últimos anos. O senador Tasso Jereissati, seu ex-presidente, já deu início à autocrítica, mas não há garantias de que o partido seguirá essa linha.
O ministro Aloysio Nunes Ferreira, que se manteve aferrado à pasta das Relações Exteriores do governo Temer, ajudando a moldar a má imagem do PSDB, já disse que não é hora de autocrítica, “e muito menos em público”, acrescentou. O que indica que o aggiornamento do PSDB terá mais resistências do que seria recomendável.
O PSDB tem uma tarefa hercúlea pela frente, recuperar seu eleitorado que aderiu em massa ao bolsonarismo, mais por antipetismo e falta de opção viável do que propriamente por concordância com as polêmicas que a candidatura do capitão promove.
Se o PSDB não disputar com o PT a tarefa de se opor a um governo que, tudo indica, será tão anacrônico e sectário quanto o eventual do PT, se transformará em um MDBdoB, voltando às suas origens ancestrais.
Nascido de uma dissidência do PMDB fisiológico, o PSDB prometia, assim como o PT depois, mostrar que uma nova maneira de fazer política era possível. Os dois não cumpriram, em diapasões distintos, e precisam se reiventar.
Merval Pereira: Tiros a esmo
A cada pesquisa que indica dianteira de Bolsonaro, PT se desentende e dá margem a que adversários cresçam
Há muitas explicações para a subida de Bolsonaro nas pesquisas de opinião, reafirmada ontem pelo Ibope, e são tão variadas que o PT não sabe para onde atirar. O fogo amigo certamente é um deles. O ex-ministro José Dirceu assustou muita gente anunciando que o PT não apenas ganharia a eleição, mas tomaria o poder.
Outro ex-ministro poderoso, Antonio Palocci teve sua delação premiada divulgada, incriminando diretamente os ex-presidentes Lula e Dilma nas falcatruas em que o partido se meteu nos quase 13 anos em que esteve no poder.
A confirmação de que Lula era quem organizava a quadrilha, com a participação direta de Dilma, que seria beneficiada pelo financiamento ilegal das campanhas de 2010 e 2014, reforça a imagem de um partido mergulhado na corrupção e aumenta a rejeição de seu principal líder, encarcerado em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro.
A passeata #Elenão acabou se transformando em uma manifestação política de esquerdistas, e não uma crítica suprapartidária ao candidato Bolsonaro. Tanto que a aprovação dele cresceu entre as mulheres e, nas redes sociais, ele está explorando situações que aconteceram nas passeatas, como protestos de topless, para criticar as “mulheres esquerdistas” e exaltar as “de direita”, que seriam mais educadas e respeitadoras.
Como o candidato oficial do PT, Fernando Haddad, não existe por si só, e ele mesmo faz questão de demonstrar que quem manda é Lula, ao consultá-lo pessoalmente toda semana, não tem culpa nem pela subida vertiginosa nas pesquisas nem pelo aumento da rejeição, que o está fazendo empacar neste momento por volta dos 20%.
Tanto os votos quanto a rejeição em alta são transferências de Lula, que dá com uma mão e toma com a outra, levando o candidato do PT a estacionar na média histórica que o partido sempre teve quando perdeu as quatro eleições presidenciais.
O marco de 25%a30%, insuficiente para vencer, só foi ampliado quando Lula caminhou para o centro, abandonando os radicalismos das propostas partidárias.
Essas disputas internas no PT sempre existiram, mas eram abafadas pela popularidade de Lula, que controla o partido e dita as linhas mestras das campanhas. Hoje, mais uma vez as diversas correntes estão em confronto, umas querendo que Haddad radicalize as críticas a Bolsonaro, outras considerando que só com a carta do “paz e amor” ele será capaz de ampliar seu eleitorado, sem o que não vence a eleição presidencial.
À medida que vai sendo revelada a fragilidade da estratégia traçada pelo ex-presidente, e a transferência de votos esbarra na transferência da rejeição, alguns líderes sentem-se em condição de confrontar as orientações de Lula ou, dizendo obedecê-las, criam situações de constrangimento para o candidato Fernando Haddad.
A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, diz que fazer acordos para o segundo turno e amenizar o tom na campanha seria trair o ex-presidente. A cada pesquisa que indica a dianteira de Bolsonaro, o PT se desentende internamente e dá margem a que os adversários cresçam.
Fatos e versões
Escrevi outro dia que a delação premiada de Palocci foi divulgada “alegadamente para atender a um pedido da defesa de Lula”. O advogado Cristiano Zanin enviou uma mensagem pedindo retificação, pois, segundo ele, “a delação de Palocci foi anexada ao processo e teve o sigilo levantado por iniciativa exclusiva do juiz Sergio Moro, e não para atender a qualquer pedido da defesa do ex-presidente Lula”.
Escrevi “alegadamente” porque o juiz Sergio Moro aproveitou um pedido da defesa de Lula para sobrestar a tramitação de tal delação premiada durante a campanha eleitoral, e abriu o sigilo, alegando que a defesa deveria tomar conhecimento das acusações. O juiz Moro não atendeu ao pedido, mas disse em sua decisão que considera “necessário, portanto, instruir esta ação penal com elementos da colaboração, especificamente com cópia do acordo, da decisão de homologação e do depoimento pertinente a estes autos”.
“Dos depoimentos prestados por Antonio Palocci Filho no acordo, o termo de colaboração nº 1 diz respeito ao conteúdo do presente feito. Examinando o seu conteúdo, não vislumbro riscos às investigações em outorgar-lhe publicidade. Havendo ademais ação penal em andamento, a publicidade se impõe pelo menos no que se refere a depoimento que diz respeito ao presente caso.”
Merval Pereira: Excesso de provas
Delação de Antonio Palocci pode ser comprovada em grande parte pelas provas que já estão em poder do Judiciário
A delação do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal, finalmente homologada pelo TRF-4 e liberada para divulgação pelo juiz Sergio Moro, alegadamente para atender à defesa do ex-presidente Lula, caiu como uma bomba na campanha presidencial a seis dias do primeiro turno da eleição, e tem uma característica única: pode ser comprovada em grande parte pelas provas que já estão em poder do Judiciário, mais precisamente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Também podem ser cruzadas com outras delações, de dirigentes da Odebrecht e de outras empreiteiras. As delações cruzadas tornam-se matéria de comprovação das denúncias. O ex-ministro do PT disse que as campanhas de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 custaram respectivamente R$ 600 milhões e R$ 800 milhões, a maior parte em dinheiro sujo, quantia muitas vezes maior do que a declarada ao TSE.
As investigações sobre a campanha de 2014 foram amplas, e o relator do TSE, ministro Herman Benjamin, pediu a anulação da eleição por abuso de poder econômico e político. Os depoimentos dos executivos da empreiteira Odebrecht e dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana foram utilizados como “provas alargadas” pelo relator Herman Benjamin, que mandou acrescentar aos autos esses depoimentos, frutos de delações premiadas na Operação Lava-Jato.
Segundo o relator e o vice-procurador eleitoral, Nicolao Dino, houve abuso de poder econômico e fraudes na contratação das gráficas fantasmas por parte da chapa Dilma-Temer. Numa das delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht, foi revelado que a chapa presidencial do PT-PMDB recebeu R$ 30 milhões de caixa 2 na campanha de 2014.
Os documentos em posse do relator do processo de cassação da chapa, ministro Herman Benjamin, eram fortes o suficiente para que pedisse, como fez, a cassação. A revelação de financiamento direto na campanha e outras, que indicam que a própria ex-presidente participou pessoalmente das negociações desse tipo de verbas não contabilizadas, foram confirmadas por Palocci.
Segundo ele, no início de 2010 houve uma reunião entre ele próprio, Lula, Dilma Rousseff e José Sérgio Gabrielli, então presidente da Petrobras, na biblioteca do Palácio do Alvorada, quando Lula mandou que Gabrielli encomendasse a construção de 40 sondas para “garantir o futuro político do país e do PT com a eleição de Dilma Rousseff, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava”.
Palocci acrescentou que seria “muito mais fácil discutir com a OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa contribuições para campanhas eleitorais do que tentar tratar do mesmo assunto com empresas estrangeiras”. Em sua delação, Antonio Palocci coloca em xeque a capacidade de fiscalização do TSE, que “não tem como saber se a doação é ilícita, uma vez que não fiscaliza a origem do dinheiro”.
Palocci afirma que “a maior parte das doações registradas no TSE é de origem ilícita”. Segundo o ex-ministro de Lula e Dilma, houve pagamento de propina para a inclusão de “emendas exóticas” em 90% das medidas provisórias editadas nos quatro governos do PT.
Antonio Palocci disse para a Polícia Federal que o PT teve contas secretas no exterior, abertas pelo próprio partido ou por empresários, o que coincide com a delação de Joesley Batista, que disse que abriu uma conta em seu nome no exterior que era usada por Palocci e Lula. As provas eram tantas que o relator do processo no TSE, ministro Herman Benjamin, ironizou a decisão de não cassar a chapa Dilma-Temer afirmando que fora tomada por “excesso de provas”. Agora, essas provas em excesso poderão ter alguma utilidade.
Merval Pereira: Tentativa frustrada
A decisão de Toffoli é manter a pauta já anunciada, até o fim do ano judiciário, em dezembro, a despeito de Lula
No caso da proibição de Lula dar entrevistas antes da eleição, mais uma vez aconteceu uma tentativa do PT de utilizar a Justiça para validar uma jogada política. Como da vez anterior, em que um juiz de plantão foi utilizado para tentar libertar Lula, também desta vez o pedido para autorização do Supremo Tribunal Federal, depois que a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, proibiu entrevistas, foi encaminhado diretamente ao ministro Ricardo Lewandowski sob a alegação de que fora o relator da Lei de Imprensa, anos atrás.
Lewandowski, por isso, tratou o caso como uma defesa da liberdade de expressão, quando na verdade se trata do direito de um presidiário se comunicar com o mundo exterior, o que, pela Lei de Execuções Penais, no artigo 41, cabe ao juiz (no caso, à juíza) decidir. Como da outra vez, a Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso, foi avisada de que a decisão do ministro Fux deveria ser acatada.
Essa proibição, porém, fora referendada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como o ministro Luiz Fux estava no exercício da presidência a pedido de Toffoli, que estaria incomunicável naquele fim de semana, a decisão não foi uma usurpação da presidência do STF como alegou a defesa de Lula.
O Partido Novo, como parte interessada no processo, pois considera que uma entrevista de Lula na reta final da eleição pode influenciar no resultado no domingo, tem toda a legitimidade para fazer tal pedido de suspensão da autorização, também ao contrário do que alegam os advogados do ex-presidente.
A decisão do presidente Dias Toffoli é manter a pauta já anunciada, até o fim do ano judiciário, em dezembro. Ontem pela manhã, o presidente do STF encontrou-se com o ministro Lewandowski em São Paulo, pois ambos tinham palestras por lá, e os relatos são de que houve uma conversa “tensa”. A decisão de Tofolli de jogar para o plenário a questão, a ser julgada no próximo ano, tem o apoio da maioria e é contrária a Lewandowski, que tentou uma solução monocrática. Por isso a conversa “tensa”.
Tudo indica que a reafirmação de sua decisão ontem foi mais uma maneira de Ricardo Lewandowski deixar clara sua inconformidade com a situação, e não uma tentativa de reverter uma situação que ele sabia ser incontornável.
Mas o ministro Fux teve o cuidado de não proibir a entrevista, que poderá ser feita em outra ocasião, fora do período eleitoral. A decisão final, porém, estava nas mãos do presidente Dias Toffoli, que no final da noite esclareceu o caso, mandando cumprir a decisão do ministro Luiz Fux tomada em nome da presidência do STF, e não em caráter pessoal. O respeito às decisões da presidência é dos poucos marcos que ainda se sustentam no Supremo.
Merval Pereira: O perigo da minoria
Haddad é o candidato com maiores custos de governabilidade, mesmo num cenário de baixa distância ideológica
O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio fez um estudo sobre as condições de governabilidade dos principais candidatos a presidente, publicado no site jurídico Jota. “Presidentes minoritários não apenas enfrentam mais dificuldade para aprovar a sua agenda no Legislativo, mas também gastam mais recursos políticos e financeiros para governar”.
Também são objeto de maior escrutínio político do Legislativo, adverte, tornando seus governos mais vulneráveis a crises políticas, que podem inclusive abreviar seus mandatos presidenciais. “Coligações eleitorais maiores tendem a gerar maior conforto para o presidenciável construir coalizões de governo, pois necessitará atrair um número menor de partidos para alcançar maiorias legislativas”.
Percebe-se, portanto, diz ele, que o esforço de montar coalizões majoritárias de governos como o de Haddad e de Bolsonaro será muito maior do que no de Geraldo Alckmin, por exemplo. “É importante destacar, entretanto, que o Legislativo no Brasil delegou para o Executivo muitos poderes constitucionais (medidas provisórias, vetos total e parcial etc.), procedimentais (urgência) e orçamentários”.
Além de capacitarem o presidente a determinar a agenda, analisa Carlos Pereira, esses poderes incentivam a maioria dos outros partidos a gravitarem em torno do governo, como parceiros de coalizão, para terem acesso a recursos políticos e financeiros sob controle do presidente.
“Coalizões que espelham a preferência mediana do Legislativo tendem a gerar menores problemas de coordenação para o presidente e, consequentemente maior sucesso legislativo a um menor custo de governabilidade”, diz ele. Na sua análise, o próximo Congresso deve se manter de centro-direita, e os candidatos de partidos localizados próximos a esse espectro ideológico terão mais facilidade de montar coalizões.
Como, segundo Carlos Pereira, os partidos políticos tenderão a diminuir suas bancadas, um maior número de legendas se transformará em partidos médios. O que vai exigir “maiores habilidades governativas do futuro presidente e grande capacidade de gestão de sua respectiva coalizão, pois o ambiente legislativo será ideologicamente mais diverso e com partidos com maior capacidade de veto e de interferência no processo decisório”.
As principais variáveis de gerência de coalizão são, segundo a análise de Carlos Pereira: distância ideológica da coalizão de governo para o plenário da Câmara dos Deputados; percentagem do número de cadeiras ocupadas do partido do presidente; concentração de poder medido pela quantidade de ministérios ocupados pelo partido do presidente e o tamanho da coalizão.
O índice de custo de gerência da coalizão (ICG) utilizado por ele na pesquisa sumariza as seguintes variáveis: o tamanho do governo medido pelo número de ministérios, emendas (valor em R$) executadas de autoria dos parlamentares pertencentes aos partidos da coalizão e gastos totais dos ministérios alocados a partidos aliados.
Por esses critérios, Fernando Haddad é o candidato que apresenta maiores custos de governabilidade, mesmo no cenário mais benevolente de baixa distância ideológica entre a coalizão e o plenário da Câmara; com o PT ocupando cerca de 15% de cadeiras no parlamento; concentrando menos ministérios e compartilhando poder com os parceiros de coalizão; e com um tamanho expressivo de partidos na coalizão.
Entretanto, “cenários menos benevolentes de uma alocação monopolista de ministérios para o PT e com a diminuição de parceiros na coalizão teriam o potencial de alçar um governo Haddad aos padrões de custo de governabilidade e conflito executivo-legislativo superiores aos encontrados durante governo Dilma Rousseff, que terminaram levando ao seu impeachment”.
Caso Bolsonaro alcance a presidência, as simulações indicam que ele enfrentaria um custo de governabilidade intermediário entre Fernando Haddad e um candidato de centro. Em um cenário menos benevolente, a gestão de coalizão de Bolsonaro na presidência geraria custos de governabilidade muito altos, semelhante a um governo do PT.
“Entretanto, se Bolsonaro escolher gerir sua coalizão mirando a mediana do plenário do Congresso, não monopolizar poder e recursos no seu próprio partido e atrair um maior número de parceiros para a sua coalizão, é esperado que ele enfrente custos relativamente baixos de governabilidade, similares aos encontrados em governos de um candidato de centro”.