Merval Pereira
Merval Pereira: Questão de interpretação
Intercept escolhe que partes quer divulgar, fora de seu contexto integral e, principalmente, escolhe o que não divulgar
A divulgação de diálogos, escritos e falados, atribuídos aos procuradores da Lava-Jato, entre si e com o então juiz Sergio Moro, não revelou nenhuma ação que distorcesse a investigação, que forjasse provas inexistentes, que indicasse conluio contra qualquer investigado da Operação Lava-Jato, muito menos o ex-presidente Lula, o objetivo evidente da operação de invasão de celulares.
Estamos até o momento no terreno da interpretação das leis. Assim como o site Intercept Brasil, que divulga o material, tem lado evidente, vendo ilegalidade em todas as conversas entre os personagens, há inúmeros juristas e advogados que entendem ao contrário.
A questão está posta em relação ao nosso processo penal, que tem o mesmo juiz que controla a investigação do Ministério Público e da polícia dando a sentença do julgamento. Nos processos criminais do Supremo Tribunal Federal (STF), para figuras que têm foro privilegiado, acontece o mesmo.
O relator do mensalão, ministro hoje aposentado Joaquim Barbosa, foi também quem relatou o julgamento dos réus. No caso das forças-tarefa, a situação é mais limítrofe ainda, pois o juiz controla as investigações, embora seja impedido de participar delas.
Autoriza medidas como quebra de sigilo e interceptações telefônicas, busca e apreensão, ou as proíbe. Colhe depoimentos e determina prisões provisórias. Para dar agilidade ao combate contra os crimes financeiros, a Vara especial de Curitiba existe desde 2003, criada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Somente em 2014 a força-tarefa da Lava-Jato foi criada, por decisão da Procuradoria- Geral da República (PGR). Quem organizou a força-tarefa do Ministério Público foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o juiz Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.
O procurador integrou a força-tarefa que fez, em 2003, a primeira denúncia contra o doleiro Alberto Youssef. Dallagnol e Moro, portanto, se conhecem há quase 20 anos. Nenhuma ação dos procuradores do Ministério Público nem da Polícia Federal pode ser feita sem uma autorização do juiz.
A busca da sinergia entre as diversas corporações que trabalham em conjunto — Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal — é o que dá sentido às forçastarefa. As etapas das operações tinham que ser autorizadas por Moro, como questões logísticas e exigências legais, como formalização de atos.
Para isso, juiz e os investigadores têm que conversar para saber se é a melhor hora para fazer tal ação, se é possível atender aos pedidos dos procuradores e da Polícia Federal, se está bem embasado o pedido de prisão, de quebra de sigilo.
O entendimento sobre essa sinergia, que dá maior eficiência ao combate ao crime, é que está em discussão com a divulgação desses diálogos que, em todo caso, os supostos participantes não reconhecem como autênticos na sua integralidade.
O problema da maneira como o site Intercept decidiu divulgar o material que recebeu do invasor dos celulares é que a falta da integralidade impede que se tenha condição de verificar a autenticidade dos documentos.
Mais ainda, o Intercept escolhe que partes quer divulgar, fora de seu contexto integral e, principalmente, escolhe o que não divulgar. O trabalho de edição é uma função jornalística, mas a recusa do Intercept de dar acesso ao material, mesmo àqueles que participam da divulgação, não tem uma explicação razoável.
O material do WikiLeaks, que divulgou documentos oficiais do governo dos Estados Unidos, foi distribuído a uma cadeia de jornais e revistas, cada uma fazendo sua própria edição, por critérios próprios.
A última leva, por exemplo, com conversas de procuradores entre si e com suas mulheres, sobre a formação de uma empresa para gerenciar palestras, se resume à revelação da intimidade das autoridades, sem nada que justifique a divulgação.
A empresa não foi aberta, e as palestras são autorizadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Se eventualmente alguém vê sinais de ganância nesse desejo, trata-se de uma conclusão moral, não penal.
O erro dos procuradores foi outro, o de propor a criação de um fundo, que eles geririam, com a indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar aos Estados Unidos. O fundo foi vetado. Agora, Dallagnol e os procuradores terão que dar explicações à procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
Merval Pereira: Os escombros da oposição
Ideia de desidratar a reforma da Previdência com destaques foi alardeada por lideranças da oposição
Quando, no início do debate sobre a reforma da Previdência, o deputado Paulinho da Força, líder do Solidariedade, disse que os deputados aprovariam uma reforma que não ajudasse o presidente Bolsonaro a se reeleger, estava fazendo um sincericídio ao mesmo tempo revelador e incoerente.
Revelador da velha política de raiz, que só pensa nos seus interesses pessoais. Incoerente porque, se aprovar a reforma daria a Bolsonaro condições de se reeleger, é que ele a considerava boa para seus representados, os trabalhadores.
Líder sindical que disputa com a CUT o campo do trabalhismo, Paulinho da Força se caracteriza por uma atuação oportunista, e parece ter perdido o freio, não distingue mais o que só deve pensar, e não dizer.
No decorrer do processo de negociação da reforma da Previdência, descobriu-se que o pensamento de Paulinho refletia talvez o pensamento médio do plenário da Câmara, e se não fosse o trabalho de Rodrigo Maia, inclusive junto ao próprio Paulinho, a votação teria sido mais difícil.
Mas outro fator ajudou a desvanecer esse sentimento, o avanço da compreensão da população de que a reforma é urgente, diante do descalabro de nossas contas públicas. O que parecia apenas uma ameaça retórica transformou-se em uma realidade próxima. A continuar assim, não haverá dinheiro para pagar as aposentadorias.
Já desde o final do governo Temer que a campanha oficial para explicar a necessidade da reforma havia acertado o tom. Uma reforma contra os privilégios pareceu aos cidadãos a favor da maioria. O governo Bolsonaro aprofundou essa mensagem, e o sentimento foi mudando, ajudando também a mudar a posição dos deputados.
Uma atitude temerária ao começo, agora já se mostrava aos deputados bandeira quase popular. Mas existe ainda, sob os escombros da oposição, quem pretenda levar junto o conjunto dos deputados.
E o sincericídio de Paulinho da Força ainda tem seus adeptos. Essa união de uma oposição sem proposta construtiva, só disposta a negar a realidade, e os espertalhões de sempre que não querem o sucesso do governo, produziu destaques que, se aprovados, levariam por água abaixo os esforços de redução dos custos do sistema previdenciário deficitário.
A ideia de desidratar a reforma com destaques foi alardeada por lideranças da oposição que, sem possibilidade de ganhos, não se envergonha da política destrutiva. O próprio governo Bolsonaro deu um tiro no seu pé institucional, embora tenha preservado o outro, populista e eleitoreiro.
Ao ceder à pressão da chamada bancada da bala, núcleo duro dos extremistas que o apoiam, e criar uma regra de aposentadoria mais branda para policiais federais, previsivelmente abriu a porteira para outras bancadas: a dos professores, a evangélica, a feminina, e por aí vai.
Bolsonaro, que tentou governar com as bancadas, deixando os partidos de lado, acabou sucumbindo a elas. Concessões que devem desidratar a economia da reforma em cerca de R$ 50 bilhões em dez anos. Outras propostas, mais graves, vindas do PT, poderiam prejudicar ainda mais o resultado final.
Foram três derrotas seguidas por 340 votos, mesmo tratando-se de destaques que mexiam com o sentimentalismo dos deputados, supostamente defendendo interesses dos trabalhadores, das viúvas.
O adiamento da votação do segundo turno para agosto não tem consequências práticas, já que o Senado estará em recesso também. Mas deu a medida da reação ainda existente, embora a maioria de mais de 308 votos tenha sido mantida sem grandes dificuldades em todas as votações.
Mantendo regras atuais, o PT queria fazer da reforma uma reafirmação do sistema que faliu. Sem colocar nada no lugar. Exemplar de uma oposição que continua ligada ao passado, sem poder criar o futuro.
Merval Pereira: O diabo nos destaques
Temas como pensão de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para mulheres, podem desfazer maioria
O diabo está nos detalhes, ou melhor, nos destaques, e são eles que estão sendo negociados cuidadosamente pelas lideranças partidárias e trazem pânico à equipe econômica, cujos membros chegaram às lágrimas com a aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência.
Menos o ministro Paulo Guedes, talvez por prever que os destaques, ou detalhes, podem reduzir a economia do governo. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, encerrou abruptamente a sessão de quarta-feira para não vencer perdendo.
É que a grande maioria favorável à reforma foi se dispersando depois da votação do texto-base, e havia risco de os destaques levarem por água abaixo o esforço despendido para aprová-lo.
A maioria relaxou, e um destaque da oposição quase foi aprovado naquela noite em que se comemorava a vitória. Convocada para a manhã de ontem, a reunião plenária só teve início no fim da tarde, depois que vários destaques foram negociados nos bastidores.
Temas delicados, como a garantia da pensão mínima de um salário mínimo para viúvas, ou a transição reduzida para as mulheres, são capazes de desfazer a maioria, e por isso a cautela de só colocar em votação quando houvesse um consenso da maioria.
Alguns anéis foram perdidos para manterem-se os dedos, a estrutura central da reforma. Depois da manutenção de uma maioria confortável, embora menor do que a da noite anterior, Rodrigo Maia colocou em votação os destaques no ritmo que permita a aprovação no segundo turno ainda esta semana, talvez sábado, ou mesmo domingo. De qualquer maneira, antes do início do recesso parlamentar, no dia 18.
Maia, que tem o controle da situação por compor até mesmo com a oposição, reedita a saga da antiga UDN, que só fazia reunião depois de haver um acordo. As negociações têm que ser feitas com uma máquina calculadora nas mãos, para tentar desidratar o menos possível o resultado da reforma, que já foi distorcida com as concessões a corporações, e ao não incluir estados e municípios.
Parlamentares correm atrás do prejuízo, outros ajudam a aumentá-lo a pretexto de ajudar grupos eleitorais vigorosos, como mulheres, policiais de diversos graus, professores.
O Instituto Fiscal Independente do Senado já identificou uma sangria muito maior do que estava sendo percebida pelo governo. Para seus técnicos, a economia ficará pouco acima de R$ 700 milhões, o que provocou a ira da equipe econômica, que está se debruçando sobre os números para contestar essa versão.
Depois dos destaques, saberemos o que realmente restou, sabendo que se a economia ficar abaixo de R$ 800 milhões, a comemoração de quarta-feira se transformará em frustração.
Será um passo importante na contenção do déficit da Previdência, sem dúvida. Mas obrigará o próximo governo, ou seu sucessor, a fazer uma nova reforma.
Se o conjunto das reformas estruturantes sair do papel, atacando a questão tributária, a reorganização das carreiras de Estado, e uma reforma política que coloque limites à fragmentação partidária que dificulta acordos políticos, será possível melhorar o ambiente de investimento no país.
Há também microrreformas econômicas para destravar a burocracia, permitir o aumento da produtividade. Enfim, um longo trabalho para reorganizar o Estado brasileiro, que nossa leniência com práticas disfuncionais, por corrupção ou burocracia, nos obrigam a retornar ao ponto zero a cada dez, 20 anos.
O Congresso está assumindo um papel fundamental nesse resgate de protagonismo, para tornar o equilíbrio entre os Poderes uma ferramenta mais eficiente da democracia representativa.
A bola em breve estará com o Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre terá um papel tão decisivo quanto foi o de Maia na Câmara.
Resolver a questão dos estados e municípios, por exemplo, através de uma emenda constitucional paralela, é tarefa fundamental para impedir que uma renegociação das suas dívidas, que já foi feita há 20 anos, venha a ser necessária novamente.
Como disse o presidente da Câmara Rodrigo Maia, investidor de longo prazo não investe em país que não tem instituições respeitáveis, e mutuamente respeitadas.
Merval Pereira: Avança a reforma do Estado
Rodrigo Maia foi o grande artífice da união em torno do substitutivo aprovado na Comissão Especial
A relevância da Câmara, como parte de um dos poderes da República, foi o destaque da sessão de ontem, quando a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno por uma votação surpreendente pelo número de votos bem acima do necessário. Ao final, o presidente Rodrigo Maia já puxou para a Câmara duas novas reformas: a tributária e a reorganização do serviço público, mantendo o protagonismo na reforma do Estado brasileiro.
Há muito tempo não se viam deputados federais tendo o entendimento de que participavam de um momento histórico, sem receio de assumir suas posições.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi feliz ao definir as relações equilibradas entre o Legislativo e o Executivo como necessárias para uma democracia forte, chamando a atenção de que investidores, além das questões fiscais controladas, que indicam futuro mais seguro para seus investimentos, também olham para a qualidade da democracia praticada no país.
Raramente se viu no plenário da Câmara uma concordância tamanha. Todos eram favoráveis a uma reforma da Previdência. Um avanço diante da posição de anos atrás, quando muitos insistiam em que não havia déficit no sistema.
O que a oposição alegou é que esta reforma não era a correta para o país. Houve também outra aproximação de posições, no sentido de admitir, com maior ou menor ênfase, que a reforma impõe um sacrifício à população.
O dissenso ficou por contada visão política de cada um, a oposição batendo na tecla de que os menos favorecidos serão atingidos. Os favoráveis à reforma, e não apenas os deputados governistas, defendendo atese de que ela ataca os privilégios do atual sistema previdenciário.
Outra unanimidade ontem na Câmara foi abandeira nacional. Trazida ao plenário pelos favoráveis à reforma, foi também abraçada pela oposição, cada grupo ideológico transformando-a em um símbolo de sua luta.
Nossa bandeira jamais será vermelha, gritaram líderes departidos do centro-direita e liberais. Abandeira nacional não pode ser usada contra os mais pobres, devolveram os líderes da oposição.
A deputada Jandira Feghali, do PCdoB, chegou a dizer que era líder da minoria dentro da Câmara, mas que a oposição representava a maioria do povo brasileiro. Não foi isso o que as urnas mostraram nas últimas eleições, mesmo que o governo não tenha conseguido montar uma base parlamentar.
A maioria do plenário formou-se em torno não do governo, que não tem base majoritária, mas a favor de uma visão liberal da economia. A tendência conservadora da maioria dos eleitos para a Câmara parecia favorecera criação de uma base parlamentar sólida, mas a negociação política foi conduzida de maneira desastrada pelo novo governo.
A definição de um relacionamento não promíscuo com o Congresso foi um ponto positivo do governo Bolsonaro. Até mesmo a liberação das emendas parlamentares e de bancadas às vésperas da votação é do jogo democrático, pois os parlamentares vivem do que podem beneficiar suas bases eleitorais.
Oque não é admissível é compra de votos por baixo do pano, através da corrupção, como vinha acontecendo desde o mensalão, chegando ao petrolão.
Mas Bolsonaro não entendeu que a falta de promiscuidade não significa, por si só, um tratamento republicano. O novo Palácio do Planalto não conseguiu manter um relacionamento profícuo com o Congresso, e gerou uma disputa de poder que foi prejudicial à democracia brasileira.
A reforma só saiu porque a Câmara foi convencida da sua necessidade, mesmo que potencialmente impopular, e decidiu encarar o desafio. À medida que as discussões foram se desenrolando, a opinião pública foi também evoluindo no entendimento dessa necessidade.
A tal ponto que ontem muitos deputados de diversos partidos fizeram questão de aparecer em conjunto na tribuna do plenário. Um ambiente hostil à reforma da Previdência transformou-se em favorável ao longo do debate, e pesquisas de opinião mostram que a maioria já a apoia.
Sem dúvida o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi o grande artífice da união em torno do substitutivo aprovado na Comissão Especial. E pelo ambiente tranquilo em que transcorreu a votação, já que tem uma relação muito boa com os partidos de oposição —chegou a brincar dizendo que o DEM poderia apoiar o deputado Marcelo Freixo para a prefeitura do Rio — e conseguiu manter o plenário em desarmonia controlada.
Merval Pereira: De última hora
Há quem queira aproveitar a iniciativa de Bolsonaro para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF
O presidente Jair Bolsonaro, ao interferir na tramitação da reforma da Previdência para garantir aos policiais federais e à Polícia Rodoviária regra mais branda, fora da emenda principal, ajudou o trabalho da oposição de obstrução da votação.
Além de colocar em risco a própria economia de que seu governo necessita para dar início à Nova Previdência, com um fundo próximo a R$ 1 trilhão para bancar a transição para o regime de capitalização.
Nesse ponto está a fundamental diferença entre o que quer Bolsonaro e o projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes. Este já afirmou diversas vezes que uma reforma incompleta será boa para o governo atual, mas não resolverá o problema estrutural da Previdência.
O presidente parece ter entendido isso, e trabalha com o curto prazo, enquanto Guedes mira o futuro do sistema. A economia abaixo de R$ 900 bilhões vai dar um caixa extra ao governo, que terá mais espaço para investimentos, mas deixará para o futuro governo a necessidade de nova reforma.
Bolsonaro já é candidato declarado à reeleição, pode estar montando uma armadilha para si mesmo. Mas como um populista só pensa na próxima eleição, e não na próxima geração, essa pode ser uma estratégia do presidente, à revelia de Guedes.
Isso porque, a cada emenda apresentada, abre-se espaço para discussões e perde-se tempo para chegar à votação final do mérito. A ideia era aprovar o mérito até a madrugada de hoje, e depois discutir os destaques.
Diante da necessidade de consolidar os votos para aprovar a emenda, na última hora várias propostas surgiram dentro do próprio governo. Há quem queira aproveitar a iniciativa de Bolsonaro para incluir outros agentes de segurança no pacote da PF, como até mesmo os guardas penitenciários e municipais. Esse seria o pior dos mundos, pois reduziria muito a economia da reforma.
Os governadores insistem na inclusão de servidores de estados e municípios, o que não tem o apoio da maioria dos deputados e pode afetar o resultado final. Por isso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quer que a questão seja tratada fora do bojo da reforma, de preferência numa emenda constitucional que começaria a tramitar no Senado.
Outro destaque considerado “perigoso” é a proposta do PL para retirar os professores da reforma. Embora já tenha sido derrotada na Comissão Especial, o plenário ampliado pode ser sensível a uma proposta “a favor dos professores”.
A bancada feminina conseguiu também alterar a proposta, com um prazo de transição caindo de 20 para 15 anos, para ganhar uma aposentadoria equivalente a 60% do salário. A partir daí, a cada ano na ativa ganharão mais 2%.
Um movimento que parece ter sido controlado é o de deputados que queriam votar apenas quando o governo depositasse a verba para as emendas parlamentares liberadas. O argumento de que o governo poderia enganar os deputados, deixando de pagar o que prometeu, parece ter sido superado pelo receio de que a Câmara volte a ficar marcada pela negociação espúria de votos.
Uma das propostas que estavam sendo negociada é a garantia do Senado de que a tramitação da emenda constitucional só começaria depois que o governo liberasse as verbas dos parlamentares.
Até o fim da noite, a disposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, era tentar votar o primeiro turno até a madrugada, mas, dependendo da obstrução da oposição — que pode apresentar até sete emendas —, é possível que a votação do primeiro turno fique para hoje pela manhã.
O receio dos que apoiam a reforma, que já teria os votos necessários para ser aprovada, é que inclusões de vantagens de última hora para certas categorias abram espaço para novos grupos pressionarem os deputados.
Aumentando a desidratação da emenda constitucional. Uma metáfora elegante que a engenhosa arte da política encontrou para se referir ao desmonte da proposta original.
Merval Pereira: Na reta final
Acordo só será possível se corporações aceitarem regras básicas de idade, podendo obter transição mais favorável
A interferência do presidente Jair Bolsonaro a favor de regras mais brandas para a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal pode criar obstáculos de última hora para a aprovação da reforma da Previdência na Câmara.
O presidente Rodrigo Maia está disposto a fazer as duas votações antes do recesso parlamentar, convencido de que já tem pelo menos 330 votos, com uma margem de mais de 20 votos necessários para a aprovação. Vai entregar a reforma para o Senado praticamente pronta. Mas que não se pense que os senadores são peças decorativas nesse processo.
Todos os acordos acertados na Câmara foram feitos após consulta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que, por sua vez, negociou com os senadores cada passo. Isso aconteceu justamente pela pressa que há na aprovação da reforma logo na volta do recesso, em agosto.
Se houver modificação no Senado, a emenda tem que voltar à Câmara para outras duas votações, e depois retornar ao Senado também para outras duas votações.
Há ainda outra combinação entre eles. Se por acaso alguma emenda for aprovada na Câmara sem estar dentro do acordado com o Senado, prejudicando de maneira relevante o resultado final da reforma, a maioria dos senadores pode vetar a alteração.
Por isso os destaques, que são imprevisíveis, estão sendo controlados com lupa pelos líderes, para não atrasar a aprovação da reforma, nem desidratá-la a ponto de torná-la inócua.
Aí é que entra a defesa do presidente Bolsonaro de corporações que ficaram de fora do acordo feito. Aquelas representativas da PF e da PRF rejeitaram um acordo para aposentadoria dos policiais, nas seguintes condições: idade mínima de 53 anos para homens e 52 anos para mulheres, e pedágio de 100%.
A proposta foi submetida a Bolsonaro, que a referendou, mas as duas instituições não a aceitaram, quando foi apresentada pelas lideranças partidárias.
Perderam no voto na Comissão Especial, e estão tentando reverter a situação no voto do plenário. A necessidade de barrar pedidos de destaque favoráveis a outras corporações está fazendo com que a maioria a favor da reforma recuse abrir exceções.
“Se abrir a porteira, passa todo mundo e acaba a reforma”, comenta um dos líderes. O próprio PSL, partido do governo, não quer que seus membros apresentem destaques, mas há uma negociação no Palácio do Planalto para que deputados ligados a Bolsonaro façam esse movimento individual, mesmo contra a orientação da liderança.
Se o número de destaques apresentados na Comissão Especial se repetir no plenário, talvez não haja tempo de aprovar a emenda constitucional nos dois turnos na Câmara antes do recesso.
Querem evitar o perigo de abrir a porteira para outras exceções, reduzindo a economia prevista em dez anos para menos de R$ 900 bilhões, base para o fundo de capitalização que será discutido mais adiante.
O ambiente de disputa entre Legislativo e o Palácio do Planalto continua carregado, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, faz questão de ressaltar sempre que pode que a aprovação da reforma da Previdência se dará devido ao esforço dos deputados e senadores, e não do Executivo.
Chega a dizer que o presidente só passou a ajudar nessa reta final, e mesmo assim, com a interferência a favor da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, pode estar criando problemas para a reforma avançar na Câmara.
Um acordo só será possível se essas corporações aceitarem as regras básicas de idade limite, podendo conseguir uma transição mais favorável. A Comissão Especial já derrubou medidas que privilegiavam várias categorias, e o plenário não parece disposto, orientado pelo presidente da Câmara, a abrir exceções que custem caro ao país.
Merval Pereira: O negro na ABL
A Academia se preocupa com a representatividade, não apenas dos negros, mas também das mulheres e das regiões do país
A propósito da entrega, pela Faculdade Zumbi dos Palmares, da foto de Machado de Assis negro, “o Machado real”, ao presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Marco Lucchesi, que foi tema de reportagem do “The New York Times” e de diversos jornais na América Latina, travou-se, em reunião plenária recente, uma bela discussão sobre a presença do negro na ABL.
Lucchesi ressaltou o “gesto simbólico” de que estava revestido aquele acontecimento, lembrando a distribuição de livros pela ABL nos quilombos, nos presídios, e do trabalho que faz junto aos movimentos negros, pela necessidade de ter um observatório dos negros nas prisões, “porque 70% são jovens, negros e de periferia”.
Uma ação social “que não é de política, não é de partido, mas de compreensão profunda de cidadania brasileira”. A escritora Nélida Piñon destacou que ter Machado de Assis ao lado em termos raciais e étnicos “dá, certamente, um ânimo e um alento a uma juventude negra abandonada, desprovida da educação”.
O historiador José Murilo de Carvalho, falando como diretor do Arquivo Múcio Leão, disse que essa questão em algum momento deve chegar ao Arquivo, que detém muitas fotos de Machado de Assis. A foto entregue à ABL do que seria “o Machado real” será incorporada ao acervo, mas disse que não se pode alterar as fotos que estão no Arquivo, “pois seria falsificar um documento”.
O ex-presidente da ABL Domício Proença Filho lembrou que, ao ser eleito, respondeu a um repórter que na ABL ele não é “um negro escritor e sim um escritor negro”. Para uma repórter mais incisiva, que questionava se ele seria a voz da etnia na Academia, respondeu que não, “por não ser representante e sim representativo”. E desejou que se amplie essa representatividade com alguma urgência. O historiador Alberto da Costa e Silva, Prêmio Camões de Literatura, citou alguns grandes negros do alto mundo da cultura brasileira membros da Academia Brasileira de Letras, como Evaristo de Moraes Filho, Octavio Mangabeira e José do Patrocínio, entre outros. Para Alberto da Costa e Silva, a história subterrânea do mestiço no Brasil precisa ser escrita com seriedade, sem viés político.
O poeta e crítico literário Antonio Carlos Secchin comentou também que não foi em função da cor da pele que o poeta Cruz e Sousa não entrou na ABL, mas pelo jogo do poder político em que o predomínio, na Capital Federal, era o Parnasianismo, enquanto o Simbolismo era apenas um movimento de província, com grandes dificuldades de penetração e de inserção na mídia carioca.
Não foi apenas Cruz e Sousa quem deixou de ser convidado, mas todos os grandes poetas simbolistas da primeira geração, em especial o quase contemporâneo Alphonsus de Guimaraens. Apenas a chamada segunda leva simbolista é que entrou na Casa depois, com Álvaro Moreyra, Félix Pacheco, Rodrigo Octavio Filho e Antônio Austregésilo.
O jornalista e escritor Cícero Sandroni citou o exemplo do seu sogro, o também jornalista e grande presidente da ABL Austregésilo de Athayde, descendente direto de índio. Lembrou que Assis Chateaubriand só o tratava de caboclo, e Darcy Ribeiro o chamava de cacique. Lembrou ainda que entre os fundadores da ABL estava o jornalista José do Patrocínio, e que, em 1919, assumiu outro negro, Dom Silvério Gomes Pimenta, o primeiro religioso a tornar-se acadêmico.
A escritora Ana Maria Machado relatou um episódio ocorrido durante a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, quando um repórter estranhou que não tivéssemos representantes negros entre os brasileiros que lá estavam. Naquele exato momento, passavam Paulo Lins e João Ubaldo Ribeiro, este membro da ABL. Ana Maria perguntou ao repórter: “E eles, o que são? E eu, o que sou?”. Lembrei que a Academia se preocupa com a representatividade, não apenas dos negros, mas das mulheres e das regiões do país. Nélida Piñon sintetizou o debate lembrando que, antes mesmo de se discutir a quantidade de negros que poderão vir a estar na ABL, é preciso indagar quantos negros convivem em sua casa como convidados, “pois esta é a grande pergunta que se faz necessária”.
Merval Pereira: Ruptura, para quê?
Bolsonaro foi eleito por circunstâncias que não lhe dão carta branca para governar só para seguidores originais
Uma ação disruptiva pressupõe substituição de processos ou procedimentos em direção ao futuro. Num momento em que a democracia representativa está em xeque no mundo ocidental, temos um governo de ruptura que sabe o que quer mudar ou destruir, mas não sabe o que colocar no lugar.
Bolsonaro foi eleito por um conjunto de circunstâncias que não lhe dá carta branca para governar apenas para os seus seguidores originais. Não há estelionato eleitoral, é verdade, mas também não é razoável que o presidente eleito possa fazer o que lhe dá na cabeça.
Apesar de continuar insistindo em temas polêmicos, como, desta vez, o trabalho infantil, pelo menos ele já sabe que há limites para suas idiossincrasias. Por isso, advertiu que não pretende apresentar nenhuma mudança na legislação brasileira, que o proíbe. O Congresso, o Judiciário e a opinião pública seriam obstáculos intransponíveis.
O presidente talvez tenha tido o seu primeiro mês de sucessos com a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e aprovação da proposta de emenda constitucional da reforma da Previdência na Comissão Especial. Atos, no entanto, que foram limitados pelo protagonismo da Câmara, no caso da reforma, ou pelas regras internacionais a que o governo tem que se submeter, quando adere ao acordo com os países europeus.
Um governo que pretende se unir cada vez mais ao Ocidente, contra o que considera uma conspiração internacionalista de esquerda, terá que respeitar regras desse mesmo globalismo, seja com relação ao clima, seja à própria democracia.
A simples menção ao trabalho infantil, por exemplo, cria um mal-entendido desnecessário. Mais uma vez, Bolsonaro demonstra que não entende o peso de suas palavras. O aumento de produtividade na agricultura é dos maiores sucessos econômicos mundiais, à base de muito investimento em tecnologia e criatividade. Não pode ser colocado em dúvida devido ao pensamento retrógrado e extemporâneo do presidente da República.
Um governo que quer parear-se às democracias ocidentais não pode normalizar, pela boca de seu presidente, uma ação criminosa que dá vantagem competitiva no comércio internacional, fortemente questionada, à China, capitalismo de Estado que está sendo obrigado a abrir mão dessas más práticas por ter aderido à organizações internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
O que o presidente passou na infância, colhendo milho e carregando cachos de bananas nas costas aos 10 anos, é uma triste realidade ainda hoje no Brasil, e ele, como presidente, deveria dedicar-se a mudar essa situação de carência extrema, e não transformá-la em uma situação normal.
O trabalho enobrece, diz Bolsonaro. Mas o trabalho infantil avilta. A proteção à criança e aos direitos humanos deveria vir em primeiro lugar para o presidente.
A visão do presidente a respeito de certas questões da democracia é simplificadora, quando não perigosa. Ao anunciar que levará o ministro Sergio Moro à final da Copa América amanhã, disse que o povo mostrará quem tem razão, referindo-se à divulgação dos diálogos do hoje ministro da Justiça com os procuradores da Lava-Jato.
Provavelmente, o presidente e seu ministro serão aplaudidos. Bolsonaro transforma o Maracanã num moderno Coliseu, onde o povo decide a sorte do gladiador. A consulta direta ao povo, com que sonha Bolsonaro, é dos aspectos mais distorcidos da democracia. O que parece ser uma atitude democrática transforma-se em manipulação populista. Da mesma forma, plebiscitos podem ser utilizados com objetivos políticos, dependendo de quando forem convocados e organizados.
Não há nada de estranho que a chamada “democracia direta” tenha sido o principal mecanismo político de atuação dos governos bolivarianos da região, que Bolsonaro combate tanto. Os populismos se aproximam.
O fim das intermediações do Congresso, próprias dos sistemas democráticos, é sonho de consumo de presidentes autoritários, de direita ou de esquerda. Este é o tipo de ação basicamente antidemocrática, pois uma coisa é criticar a atuação do Congresso e exigir mudanças na sua ação política para aproximar-se de seus representados, o povo.
Outra muito diferente é querer ultrapassar o Poder Legislativo e outras instituições fazendo uma ligação direta com o eleitorado através de um governo plebiscitário.
Merval Pereira: Obsessão
Bolsonaro insiste em paparicar seu núcleo duro de eleitores, que o elegeram para mandatos sucessivos de deputado
O presidente Jair Bolsonaro tem uma fixação: não depender do Congresso para governar. É o sonho de consumo de todo político populista com pendores autoritários. Várias vezes ele já abordou o assunto, que ontem voltou a ser seu tema, no encerramento do discurso no Comando Militar do Sudeste, na transmissão de posse do general Andrade Ramos, que será o novo ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência.
O presidente repete com constância desagradável que só deve “lealdade absoluta” ao povo, numa visão de democracia muito peculiar, que coloca essa entidade, o povo, acima de todas as instituições.
Ontem, além de agradecer às Forças Armadas, que seriam responsáveis por tudo o que alcançou na vida, Bolsonaro se dirigiu ao “povo brasileiro”: “Devo isso a vocês, povo brasileiro. Que são muito mais importantes que qualquer instituição nacional. Vocês conduzem nosso destino. A vocês, povo brasileiro, e somente a vocês, eu devo lealdade absoluta. Contem comigo, que eu conto com vocês.”
Bolsonaro parece não saber que “o povo brasileiro” tem seus representantes, eleitos pelo voto popular tanto quanto ele, trabalhando no Congresso Nacional, onde ele atuou por 28 anos. E que o presidente da República deveria representar todos os cidadãos, mesmo aqueles que não votaram nele.
Mas ele insiste em paparicar seu núcleo duro de eleitores, que o elegeram para mandatos sucessivos de deputado federal. Mas, se bastava esse eleitorado, basicamente de militares e congêneres, como guardas municipais, policiais militares, para elegê-lo deputado federal, agora teria que ampliar o alcance de seus atos.
Mas não, e o exemplo recentíssimo está na sua intervenção na reforma da Previdência para abrandar as condições de aposentadoria dos policiais militares e federais, entre outros.
Essa fixação em um apoio direto do eleitor não é de hoje. Em março, na cerimônia do 211º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, Bolsonaro disse que a democracia só existe se as Forças Armadas quiserem. Ele fez o comentário quando descrevia sua vitória nas eleições do ano passado: “A missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Força Armada assim o quer”.
Recentemente, em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, durante evento em memória ao marechal Emílio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.
Bolsonaro disse: “(…) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.
De lá para cá, alguma coisa mudou, porque a democracia tem contrapesos que contêm o eventual voluntarismo do incumbente. A aproximação com países com ideologia semelhante à nossa nos afastaria da China, nosso principal parceiro comercial.
O que parecia uma ameaça da nova administração não passou de bravata, que a certa altura o chanceler Ernesto Araújo pensou que era verdade. Mantivemos nossas relações com os chineses, e os interesses nacionais superaram as idiossincrasias oficiais.
A possibilidade de fazer parte da OCDE, que reúne as maiores economias do mundo ocidental, e também o acordo do Mercosul com a União Europeia, obrigarão a que o governo se enquadre em exigências como preservação do meio ambiente e defesa de parâmetros democráticos.
Defender a ditadura militar é um mote caro ao presidente, que considera a instituição militar sua segunda família. Não seria necessário fazê-lo, e é especialmente perigoso quando a liga à ampliação do direito ao porte e à posse de armas.
Também aqui as instituições colocaram um limite às vontades do presidente, e o Congresso barrou os decretos, considerando-os inconstitucionais. Agora, outra instituição da democracia, o Supremo Tribunal Federal, vai cuidar do tema.
Merval Pereira: O Rio em disputa
Sem mudar de posição política, Freixo parece querer ampliar seu eleitorado, atingindo um público que preferiu Crivella
Apesar da trégua entre o governador Wilson Witzel e o prefeito Marcelo Crivella, é difícil que os dois marchem juntos na campanha para a prefeitura em 2020. O desejo do prefeito de se reeleger esbarra na vontade do governador de lançar candidato próprio.
Além do mais, o prefeito, com a administração da cidade sendo criticada pela maioria da população, pode ter um concorrente, que está sendo incentivado justamente porque Crivella parece ter poucas chances de ser reeleger.
Trata-se do deputado federal Otoni de Paula, do PSC, mesmo partido do governador Wilson Witzel, e que já está em campanha. Ele é pastor evangélico e está em seu primeiro mandato federal. Anteriormente, era vereador no Rio.
A grande incógnita é o ex-prefeito Eduardo Paes, derrotado por Witzel para o governo do Rio. Ele aparece bem cotado nas pesquisas, mas, além da derrota em si, tem dificuldades para voltar à política devido à pressão da família e ao emprego de executivo de uma empresa chinesa de carros elétricos, BYD Motors, responsável pela sua atuação na América Latina.
Ele já havia se afastado do cargo para disputar o governo do Rio, e retornou depois da eleição. Não se sabe se teria condições de sair novamente. O problema todo é que enquanto a centro direita tende a se dividir, como aconteceu na última eleição para prefeito, a esquerda do Rio está se unindo em torno do deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, considerado o favorito na disputa.
Ele chegou ao segundo turno na disputa contra Marcelo Crivella para a prefeitura do Rio, e foi o segundo deputado federal mais votado no Rio nas últimas eleições. Sua atividade parlamentar em Brasília difere muito da do deputado estadual, considerado radical por parte considerável do eleitorado do Rio.
Marcelo Freixo recentemente defendeu o presidente Bolsonaro no caso dos 39 quilos de cocaína encontrados em avião da comitiva presidencial, afirmando que seria leviandade ligar o presidente ao fato.
Sem mudar de posição política, Freixo parece querer ampliar seu eleitorado no Rio, atingindo um público que preferiu votar em Crivella a vê-lo prefeito do Rio. Aconteceu com ele o mesmo fenômeno que atingiu o PT na campanha presidencial.
Crivella venceu por 60% a 40%, a mesma porcentagem com que Bolsonaro derrotou Haddad dois anos depois. Uma eventual vitória de Freixo no Rio dará ao PSOL um trampolim nacional que pode transformá-lo no partido que o PT foi no seu início.
O PSOL, embora tenha movimentos recentes de se reaproximar do PT, nasceu de uma dissidência petista diante da revelação do escândalo do mensalão. A próxima eleição para prefeito do Rio será uma grande oportunidade para o PSOL tentar se aproximar de uma classe média revoltada com a gestão de Crivella.
Assim como Lula, depois da terceira derrota seguida para presidente da República, reinventou-se no Lulinha Paz e Amor, também Freixo pode se reinventar para ampliar o eleitorado do PSOL no Rio. O temor de seus adversários, especialmente os do centro dividido, é que o PSOL resolva fazer sua Carta aos Cariocas, aproveitando a necessidade de segurança na cidade.
Freixo tem em seu histórico o combate às milícias, e teria que deixar claro que não se trata de um programa de esquerda, mas de uma necessidade premente. Para isso, precisaria montar um programa de governo que desse aos cidadãos uma expectativa de segurança que não seja, simplesmente, armar a população.
Como tanto o governador Witzel quanto o prefeito Crivella têm gestões públicas medíocres até o momento, Freixo tem chance de se colocar como a alternativa viável de centro esquerda.
A centro direita só tem Eduardo Paes como candidato com potencial de votos, embora continue marcado por seu passado ligado ao PMDB de Sérgio Cabral. Nada foi encontrado contra ele até o momento, mas a disputa eleitoral atrai os holofotes.
Merval Pereira: Não está no mundo
Bolsonaro só tem a ganhar com o apoio à Lava-Jato. Montou-se novamente o clima de combate à corrupção
O argumento para o adiamento do julgamento na Segunda Turma do STF do habeas corpus a favor do ex-presidente Lula, baseado na suspeição do então juiz Sergio Moro, não parece plausível. A alegação de que não haveria tempo para o julgamento, pois o processo de Lula estava em último numa fila de mais dez processos, não corresponde ao cotidiano das turmas do Supremo, que analisam às vezes até 30 processos num dia.
O fato é que ministros estão incomodados com a ilegalidade das novas provas, diálogos publicados pelo site Intercept Brasil entre Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol. A questão é tão difícil que nem mesmo a defesa de Lula apensou os diálogos ao pedido anterior, havendo uma interpretação de que provas ilegais podem ser usadas para beneficiar o réu.
É possível que, quando retomarem o julgamento, no segundo semestre, algum ministro proponha à Segunda Turma levar o caso para o plenário do STF. O ministro Fachin, como relator, pode decidir monocraticamente, mesmo já tendo votado.
Várias vezes o STF, e também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), negaram pedido semelhante, embora por motivos diferentes. Desta vez, a alegação da defesa de Lula é que, ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, Moro havia demonstrado sua parcialidade. Os diálogos não estão nos autos. E o que não está nos autos, não está no mundo, como diz um provérbio jurídico com origem no Direito romano.
Antes das revelações do Intercept Brasil, o ministro Edson Fachin considerou que a defesa deveria ter apresentado o pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressaltando que o Supremo já havia negado o habeas corpus em outras ocasiões.
A ministra Cármen Lúcia, que hoje preside a Segunda Turma, afirmou que o fato de Moro ter aceitado o convite para o novo governo não pode ser considerado, por si só, prova suficiente de sua parcialidade.
O julgamento está cercado de fatores políticos, à revelia dos ministros do STF, que o tornam mais delicado do que normalmente já é, por tratar-se de um ex-presidente da República.
Embora o ministro Sergio Moro tenha sido atingido pelas suspeitas lançadas pelos supostos diálogos, mesmo que não tenham comprovação de veracidade, a Operação Lava-Jato não perdeu o apoio popular, e Moro é o ministro mais popular do governo.
O presidente Bolsonaro desde o início bancou o apoio a seu ministro, visto como um Super-Homem pelas ruas. Esse é um trunfo político que Moro tem, no momento em que a definição do caso parece ser mais política do que jurídica.
Bolsonaro, por sua vez, só tem a ganhar com o apoio à Lava-Jato. Montouse novamente na sociedade o clima de combate à corrupção contra o petismo. Nesse contexto, a libertação do ex-presidente pode ser interpretada pela maioria da população como leniência com a corrupção.
O general Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que indicou dois generais para assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli, voltou ao Twitter para fazer defesa enfática de Sergio Moro assim que os primeiros diálogos foram publicados. Como tinha feito anteriormente, antes do julgamento pelo pleno do STF de um habeas corpus para Lula.
“Momento preocupante o que estamos vivendo, porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a Operação Lava-Jato, que é a esperança para que a dinâmica das relações institucionais em nosso país venha a transcorrer no ambiente marcado pela ética e pelo respeito ao interesse público. Expresso o respeito e a confiança no ministro Sergio Moro.”
Dias depois, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu uma declaração pública contra Lula em um café da manhã que Bolsonaro ofereceu a jornalistas no Palácio do Planalto. Com direito a soco na mesa e à afirmação de que Lula merecia pegar prisão perpétua, pena que não existe no Brasil.
Toffoli nomeou seu assessor o general Fernando Azevedo e Silva, que depois foi chamado por Bolsonaro para ser ministro da Defesa. Na posse, agradeceu ao presidente do Supremo e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “a disposição de atuar como catalisadores da estabilidade institucional de que o país tanto precisa”.
O substituto no STF é o general Ajax Porto Pinheiro, um dos ex-comandantes das tropas da missão de paz da Organização das Nações Unidas no Haiti, como tantos outros militares que atuam no governo Bolsonaro.
É essa “estabilidade institucional” que está em jogo no julgamento do Supremo.
Merval Pereira: A importância do caminhão
O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo precário nos dias de hoje
“Governar é abrir estradas”, dizia o presidente Washington Luis. Não mais, mas o papel do caminhão na economia brasileira continua crucial, a ponto de a sua falta ter o peso de parar o país, como em 2018. Os caminhoneiros movimentam 60% de toda a carga brasileira, através de 1,7 milhão de quilômetros de estradas, quase sempre mal conservadas.
Historicamente, o sistema viário brasileiro sempre foi dependente das estradas, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos ou a Franca, que têm nas ferrovias o seu principal meio de transporte, de gente e de mercadoria.
Por isso, a greve dos caminhoneiros em 2018 parou o país por dias, afetando o abastecimento das cidades. Pouco depois do Dia do Caminhoneiro, que se comemora em 20 de maio, fez um ano a nova tabela de frete, fruto de negociações entre o governo Temer e as lideranças da greve de caminhoneiros. Que já está superada.
A carga tributária sobre o preço do diesel foi a detonadora da greve, e até hoje a questão não está resolvida, volta e meia o fantasma de uma nova paralisação assombra o governo Bolsonaro, que, por sinal, apoiou a greve em 2018.
Os donos de carga alegam que a tabela foi editada para acabar com a paralisação, e não reflete os verdadeiros custos operacionais de transporte. E pleiteam no Supremo Tribunal Federal o fim do tabelamento de fretes. Uma nova tabela está em consulta pública, e deve entrar em vigor no próximo mês. As transportadoras, receosas dos efeitos da greve que mobilizou sobretudo os caminhoneiros autônomos, aumentaram suas frotas, reduzindo o mercado de subcontratações.
Hoje, como sempre, o caminhão continua sendo o símbolo de um país que buscou a interiorização através das estradas. Por isso, é também representativo da cultura nacional, ajudando a espalhar pelo país a música sertaneja, gerando série de sucesso na televisão como Carga Pesada, com os caminhoneiros Pedro e Bino, interpretados por Antonio Fagundes e Stênio Garcia protagonistas de aventuras pelas estradas.
Um dos livros seminais sobre a importância econômica e cultural do caminhoneiro é “Em torno da sociologia do caminhão”, de Marcos Vilaça, membro da Academia Brasileira de Letras, que identificou, nos anos 60, que as cidades brasileiras já não nasciam no litoral e à beira dos rios, mas em torno dos postos de gasolina.
O caminhão como o novo agregador social, responsável pela interiorização da economia brasileira, ganhou com o livro de Vilaça nova dimensão sociológica. O livro dedica capítulos especiais à importância na economia, às romarias, ao pau de arara, às frases dos parachoques dos caminhões, à relação do caminhão com as artes.
Reeditado em 2001, incluiu análise do livro de Oswaldo França Junior “Jorge, um brasileiro”, que dava a dimensão “ do Brasil “dos motoristas, das estradas de rodagem, dos caminhões, das cidades que surgem, das realidades que avançam”.
Barbosa LIma Sobrinho diz, no prefácio à segunda edição, que o caminhão tem a função de integrar o Brasil, numa tarefa desbravadora. E os compara às entradas e bandeiras, “tamanho e crescente é o intercâmbio”.
Para ele, “o caminhão nada fica a dever às formas antigas de comunicação, como elemento civilizador por excelência”. O livro de Vilaça continua atual nos dias de hoje, em que os caminhoneiros se mantém fundamentais para a economia do país. E tristemente atual, pois trata também dos assaltos nas estradas, desde sempre em condições precárias de conservação e segurança.
O trabalho do caminhoneiro, tido como aventureiro e romântico, continua sendo também precário nos dias de hoje, em que a necessidade de varar noites dirigindo leva a que muitos se envolvam com drogas, antes as anfetaminas, conhecidas como “rebite”. Agora, já a cocaína.
Supostamente para beneficiar os caminhoneiros, e outros motoristas profissionais, o presidente Bolsonaro enviou um projeto de lei ao Congresso alterando o Código Nacional de Trânsito em pontos relevantes: ampliou o tempo de validade das carteiras, aumentou o número de pontos para sofrer penalidades e acabou com a obrigatoriedade de exames toxicológicos.
São medidas populistas, como o tabelamento do frete, que não resolvem a questão em si, a crise do transporte rodoviário e a crescente presença de empresas de transportes, reduzindo o campo de atuação dos caminhoneiros autônomos. Uma profissão em decadência, mas que ainda pode parar o país.