Merval Pereira
Merval Pereira || Proteger a Amazônia
Defesa da Amazônia deveria ser a ocupação econômica, explorando sua imensa biodiversidade
A mobilização do mundo em relação às queimadas da Amazônia deve-se à inabilidade da retórica, muitas vezes seguida de atos concretos, do governo brasileiro em relação ao meio ambiente, desde o início do mandato de Bolsonaro.
O governo brasileiro, se tivesse o mínimo de inteligência política, e compreensão da inter-relação das economias num mundo globalizado, tinha feito algo desde o início da estação de seca na região, sem dar chance a que a França usasse as queimadas para tentar boicotar o acordo da União Europeia com o Mercosul.
A decisão que o presidente anunciou ontem, de mandar o Exército para a região das queimadas para ajudar a combatê-las e a reprimir as ações ilegais e criar uma espécie de gabinete de crise a fim de acompanhar os acontecimentos, deveria ter sido tomada logo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alertou para o aumento das queimadas.
Ao invés disso, o governo resolveu desmoralizar o instituto, um dos centros de excelência da ciência brasileira, reconhecido mundialmente. Brigou contra os fatos, como está se vendo agora.
Antes, já tinha brigado com os governos da Noruega e da Alemanha por divergências sobre a utilização do Fundo Amazônia, exemplo de cooperação internacional sadia para ajudar a luta pelo meio ambiente. Os doadores do Fundo estavam satisfeitos com sua atuação e, por questões políticas, o governo Bolsonaro resolveu intervir.
Não é possível no mundo atual ser contra a atuação das ONGs, organizações civis que representam o interesse da sociedade em escala internacional. O governo Bolsonaro, que é contrário ao que chama de mundialização, pretende limitar a ação das ONGs, considerando-as braços intervencionistas de potências estrangeiras.
Fiscalizá-las, como faz através do BNDES, que gere o Fundo Amazônia, é perfeitamente normal, mas não culpá-las irresponsavelmente pelas queimadas, ou transformá-las, no conjunto, em representantes da cobiça internacional.
Evidente que França e outros países da Europa estão defendendo seus agricultores, o acordo representa uma disputa difícil para eles, pois a agricultura brasileira é moderna e competitiva. O Brasil é um player internacional importante, e precisa tomar todos os cuidados possíveis para não dar margens a boicotes e afirmações falsas.
O problema é que Bolsonaro não vive neste mundo. Tem uma visão retrógrada e ultrapassada de patriotismo, quando uma verdadeira defesa da Amazônia deveria ser a ocupação econômica, explorando sua imensa biodiversidade. O professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, em palestra na Academia Brasileira de Letras, a respeito dos desafios para o futuro do Brasil, lembrou que quando a União Soviética lançou sputnik, os EUA entraram em pânico.
Kennedy então anunciou o novo programa espacial para enviar o homem à Lua. E advertiu, numa frase que ficou famosa no Moon Speech: “Vamos fazer isso não porque é fácil, mas porque é difícil”. Para concretizar o projeto, mudaram o perfil da educação no país, o da indústria também, e em nove anos colocaram o homem na Lua.
Para Davidovich, um programa mobilizador para o Brasil deveria ser a exploração da nossa biodiversidade. Nós temos cerca de 20% da biodiversidade mundial, e só conhecemos 5% dessa “fonte de riqueza fantástica”. Tanto em terra quanto no mar, lembrou Davodovich.
Contou que na Amazônia existe uma planta da qual se extrai a bergenina, que tem poder anti-inflamatório muito grande, e é também antioxidante. Os laboratórios Merck vendem no Brasil a bergenina purificada por mil reais o miligrama. O preço do ouro é 125 reais o grama. Um miligrama de bergenina vale, portanto, oito mil vezes mais do que o miligrama do ouro.
O mundo está se preparando para a Sociedade 4.0, alertou com exemplos Davidovich. Segundo ele, na África Meridional cresce o cultivo da soja, uma das nossas mais importantes commodities, especialmente porque a China está comprando terras. A soja africana sairá mais barata que a brasileira, no mínimo devido ao frete.
Também a carne, outro produto de exportação brasileira, pode estar a perigo, pois já há pesquisas avançadas nos Estados Unidos para fazer carne sem matar animais, produzida no laboratório a partir da célula do animal, usando tecnologia de célula-tronco.
A China também investe em uma tecnologia de carne de laboratório de Israel, que tem três empresas de carne celular. Devastar a Amazônia para explorar madeira ou para pastagens é mau negócio no longo prazo.
Merval Pereira || Nova chance a Moro
Bolsonaro está entre manter seu apoio a Moro, e consequentemente, ao combate à corrupção, ou desagradar parte do Congresso
A crise coma Polícia Federal, provocada pela tentativa do presidente Jair Bolso na rode intervir na corporação indicando o novo chefe do Rio de Janeiro, proporcionou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, retomar, ainda que em parte, o protagonismo que havia perdido na crise das conversas hackeadas, e também no “quem manda sou eu”, rompante do presidente em relação à PF.
Moro e o diretor-geral da Polícia Federal, Mauricio Valeixo, mostraram a Bolsonaro que a atitude provocou uma verdadeira comoção na instituição, sendo possível um pedido coletivo de demissão dos chefes operacionais. Bolsonaro voltou atrás, e Moro ganhou a confiança da Polícia Federal.
Entra agora na negociação dos vetos à nova lei de abuso de autoridade com mais poder de convencimento, pois muitos dos que pede são em defesa dos policiais e agentes de segurança pública, os mais atingidos pelas novas normas. Moro terá também um teste decisivo, poisa lei de abuso de autoridade interfere diretamente no combate à corrupção, bandeira que o identifica. Já Bolsonaro está entre manter seu apoio a Moro, e consequentemente, ao combate à corrupção, ou desagradar parte do Congresso.
Para o Ministério da Justiça, “é possível identificar diversos elementos que podem, mesmo sem intenção, inviabilizar tanto a atividade jurisdicional, do Ministério Público e da polícia, quanto as investigações que lhe precedem”. Um veto que parece ser consensual é a proibição de algemar presos senão oferecerem resistência. Moro e os policiais consideram que a decisão deve ser tomada pelos agentes em serviço, de acordo com o que acontecer no momento da prisão. No entanto, lembra o criminalista João Bernardo Kapen, já existe uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal proibindo as algemas.
Sobre oartigo9º, que prevê detenção de uma quatro anos para o magistrado que decretar prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”, a análise do Ministério da Justiça e Segurança Pública diz o seguinte :“O artigo em questão elimina a discricionariedade do magistrado na exegese normativa. A limitação ao exercício da função jurisdicional é acentuada em razão de o dispositivo não trazer balizas para o que se poderá considerar desconformidade com as hipóteses legais”.
O criminalista João Bernardo Kappen ressalta que essas “hipóteses legais”, longe de serem subjetivas, estão estabelecidas no Código de Processo Penal ou na lei que define as hipóteses cabíveis de prisão temporária. Para ele, an ovalei não impedirá prisões preventivas, que só podem ser decretadas se estiverem presentes os requisitos legais previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Além domais, ano valei reproduz quase que integralmente o que está previsto no artigo 4º da lei atual.
Já é crime de abuso de autoridade, portanto, decretar prisão sem as formalidades legais, e isso não vem impedindo que prisões preventivas – largamente usadas na Operação Lava-Jato – sejam decretadas. Moro defende o veto ao artigo 26, que classifica como crime “induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei”. Para o ministro, o “dispositivo em questão criminaliza o flagrante preparado”.
O ministro também sugere o veto ao artigo 30, que prevê até quatro anos de prisão para quem abrir uma investigação sem o devido fundamento, ou seja “proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”. Para Moro, esta regra é desnecessária ,“uma vez que é abarcada, em grande parte, pelo crime de denunciação caluniosa já existente no artigo 339 do Código Penal”.
Os procuradores de Curitiba consideram que esse tipo penal é um absurdo na parte em que fala “sem justa causa fundamentada”, o que é um conceito vago e indeterminado. No Brasil sequer se discute a qual nível probatório que a expressão “justa causa” corresponde. João Bernardo Kappen considera que as críticas têm razão de ser, pois o termo “justa causa”, sem a devida explicação, é muito vago.
O ministro ainda considera exagerado o artigo 34, que estabelece detenção de até seis meses para autoridade judicial que “deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existirem processo ou procedimento”. Para Moro, a hipótese cria uma responsabilidade extremamente ampla ao agente público que é impossível de ser cumprida na prática.
Merval Pereira || Abusos de interpretação
Praticamente todos os itens da lei de abuso de autoridade aprovada agora na Câmara já estão no Código Penal
O projeto de abuso de autoridade aprovado na Câmara, depois de passar pelo Senado, tem como base uma proposta de 2009 feita por membros do STF e do Congresso, apresentado pelo então deputado federal Raul Jungmann, como decorrência do Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano, firmado pelos chefes de então dos três Poderes: presidente Lula, presidente do Senado José Sarney, presidente da Câmara Michel Temer e presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
A Lava-Jato ainda não existia, e a motivação era apenas conter abusos de autoridades. Mas a operação de resgate da proposta, dez anos depois, parece motivada pela vontade de tentar impor limites às investigações, e defender corporativamente os congressistas de maneira geral. O ex-ministro Raul Jungmann, no entanto, não vê na legislação aprovada nenhuma alteração profunda que fuja das normas já existentes.
O projeto da Câmara aperfeiçoou o do Senado, e manteve o Ministério Público como receptor das denúncias contra autoridades. Mas ele retira o caráter de proteção geral de cidadãos, transformando-se em instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, além de constranger juízes.
Levantamento do Ministério Público mostra que, dos 33 crimes tipificados na nova lei, que foi relatada pelo senador Roberto Requião, apenas três têm destinação a parlamentares e seis a autoridades e a outros agentes públicos. Juízes são alcançados por 20 deles, promotores e procuradores por 21, agentes policiais e profissionais de segurança pública em 28.
O problema é que criminalização constrange a capacidade de interpretar as leis, e foi nessa interpretação que a Lava-Jato e o mensalão avançaram. Limitar a interpretação, usar a letra fria da lei, ou criminalizar as ações de combate à corrupção deixarão temerosos investigadores, juízes, promotores e procuradores, com receio de retaliação, o que na verdade já está acontecendo.
Auditores da Receita Federal foram afastados pelo STF por alegadamente estarem investigando membros do tribunal em “desvio de função”, e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), que o ministro Sergio Moro considerava um instrumento fundamental no combate à corrupção e lavagem de dinheiro, saiu do Ministério da Justiça e foi transferido para o Banco Central.
Praticamente todos os itens da lei de abuso de autoridade aprovada agora na Câmara já estão no Código Penal ou na lei de abuso de autoridade existente, mas muitos não como crimes. Os procuradores de Curitiba alegam, por exemplo, que o artigo 9º prevê como crime a decretação de prisão em “manifesta desconformidade com as hipóteses legais”. O parágrafo coloca que é crime também indeferir habeas corpus “quando manifestamente cabível”.
Consideram os procuradores que o tipo penal estabelece um desincentivo pessoal para a prisão de réus poderosos, e é muito amplo, dependendo de interpretação. O criminalista João Bernardo Kappen lembra, porém, que lei nova diz expressamente no §2º, do artigo 1º, que a divergência na interpretação da lei não é crime de abuso de autoridade.
Uma série de ações do Congresso e do STF está em andamento para controlar essas investigações. Não foi acaso que um projeto de lei para restringir acordos de delação premiada de 2017, de autoria do ex-deputado petista Wadih Damous, foi desengavetado agora. Ele “impõe como condição para a homologação judicial da colaboração premiada a circunstância do acusado ou indiciado estar respondendo em liberdade ao processo ou investigação instaurados em seu desfavor”.
A nova lei de abuso de autoridade vai na mesma direção no artigo 13, inciso III, que diz que é crime “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiros”.
Na opinião do criminalista João Bernardo Kappen, esse artigo não precisaria nem existir, porque a autoridade que constrange o preso mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro estará praticando crimes previstos no Código Penal — crime de ameaça do artigo 147 do CP, crime de lesão corporal do artigo 129 do CP e crime de constrangimento ilegal do artigo 156 do CP. (Amanhã: as novas regras)
Merval Pereira || No centro da disputa
Tasso acredita que a disputa polarizada que Bolsonaro e PT incentivam serve aos dois, que se alimentam um do outro
O senador Tasso Jereissati, que já presidiu o PSDB e hoje se mantém como uma figura política influente no partido, embora sem cargo formal, avalia como provável que surja até 2022 um nome do centro político, mais à esquerda, mais à direita, para enfrentar a polarização de posições que continua dominando a disputa partidária.
Numa entrevista na quarta-feira na Central GloboNews, o senador tucano avaliou que se o centro político oferecer uma opção competitiva ao eleitorado, o que não aconteceu em 2018, a dualidade de extremos será quebrada.
Tasso se recusa a citar nomes de possíveis candidatos, alegando que a dinâmica política já demonstrou que não é possível fazer um prognóstico desses tanto tempo antes da eleição.
Lembrou o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pouco antes da eleição não sabia se teria condições de se eleger deputado federal e acabou ministro da Fazenda, além de candidato vitorioso à Presidência da República.
Tasso acredita que a disputa polarizada que Bolsonaro e PT incentivam serve aos dois, que se alimentam um do outro, numa espécie canibalesca de luta política. Por isso, o senador cearense considera que o eleitorado se cansará dessa destruição mútua, e procurará um candidato alternativo que represente a maioria.
Na sua análise, os dois extremos são minoritários, e só terão chances se repetir-se o quadro da última eleição presidencial, quando Bolsonaro só venceu com o aditivo dos votos antipetistas que não são seus, mas de eleitores encurralados pela falta de opção.
E os votos em Haddad também não são inteiramente petistas, mas também de eleitores que preferiram votar no PT para evitar Bolsonaro. Esse jogo de empurra mascararia o verdadeiro tamanho dos dois extremos, e deixa um espaço para uma candidatura de centro.
Que no momento, embora Tasso não queira nomear, está representado por dois postulantes: o governador de São Paulo, João Doria, e o apresentador Luciano Huck. Ambos estavam entre os possíveis candidatos em 2018, e foram constrangidos a desistir da pretensão devido à inflexível posição do então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
A candidatura de Doria pode ser beneficiada por uma união de partidos de centro direita PSDB, DEM, PSD. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, outro nome lembrado para a disputa presidencial, mas que carece de apoio popular, embora exceda em prestígio político, pode ser um vice perfeito para qualquer dos dois.
Pode também escolher um voo solo, candidatando-se a governador do Rio, para daí tentar um salto mais alto. Mas, como diz o senador Tasso Jereissati com a sabedoria de quem já viu muita coisa na vida política, é muito cedo para as apostas.
Bolsonaro e o petismo dependem do fracasso um do outro. E o candidato de centro depende da união das forças não extremistas. O ex-governador Ciro Gomes, ex-aliado de Tasso no Ceará, é outro que pode tanto disputar esse espaço de centro, como tentou em 2018 sem sucesso, ou bater de frente com o PT.
Até agora não conseguiu encontrar seu caminho, inviabilizado pela esquerda por ação do próprio ex-presidente Lula, e pelo centro, por seu temperamento explosivo. Correndo por fora está o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Embora tenha perdido muitos pontos nos últimos meses devido ao bombardeio da divulgação de pretensas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, o ex-juiz continua o ministro mais popular do governo.
Se resistir à campanha contra a Lava-Jato, e recuperar seu prestígio político interno no jogo palaciano, pode se confirmar como potencial candidato a presidente. Hoje se divide entre a fidelidade a Bolsonaro e a real possibilidade de disputar a Presidência, tentação que afasta como um cálice bíblico.
É outro que pode ser candidato a vice, mas na chapa de Bolsonaro. Que o engolirá a contragosto, mas com pragmatismo.
Merval Pereira || Minoria equivocada
Presidente tem pouca probabilidade de montar um governo de coalizão, e nem tem essa intenção
Embora na teoria o governo não tenha uma base parlamentar homogênea, na prática todos os projetos econômicos enviados ao Congresso estão sendo aprovados com facilidade. Sinal de que a maioria, de tendência liberal, de centro direita, pode ajudar ainda muito o governo, apesar do próprio presidente, das suas atitudes e pensamentos. Lula e Dilma fizeram maiorias defensivas, sem critérios programáticos, que na teoria existiam para evitar uma ação parlamentar contra eles. Não deu certo para Dilma. Bolsonaro nem isso tem.
Devido a ter uma minoria na Câmara, ao extremismo ideológico, e à retórica agressiva e frequentemente indecorosa, tem pouca probabilidade de montar um governo de coalizão, e nem quer, pois identifica nele, equivocadamente, a gênese da corrupção política no Congresso. Confunde o uso indevido de uma aliança política com o instrumento de governança na democracia.
Já nos projetos referentes a valores e a comportamentos da sociedade, os ruídos são grandes. Ao querer dobrar o Congresso, logo no início de seu governo, acusando os parlamentares de só agirem em troca de favores, Bolsonaro criou uma clima inamistoso mas, ao mesmo tempo, estimulou um sentimento de autodefesa dos deputados e senadores que serviu para revigorar a atividade parlamentar.
Quem entendeu o momento foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que partiu para o confronto com o Executivo na defesa da corporação, ao mesmo tempo em que convenceu seus pares de que a única resposta possível às afrontas do presidente seria demonstrar que eles assumiriam o controle das reformas estruturais da economia.
A tendência liberal da maioria facilitou essa ação política, mesmo quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve atritos com Maia e deputados, em depoimentos conflituosos nas comissões do Congresso e declarações que criaram ruídos na relação entre Executivo e Legislativo.
O próprio Bolsonaro conseguiu estressar a relação com os políticos através da manipulação das redes sociais, ao ponto de manifestações populares colocarem os presidentes da Câmara e do Supremo Tribunal Federal como alvos centrais dos protestos.
Assim como seu eleitorado extremista é minoritário, também os deputados e senadores que o apoiam não são, em sua maioria, de extrema direita. Os diversos tópicos generalistas que tomam conta da agenda presidencial, como radares nas estradas, armas para os cidadãos, fim de obrigatoriedades diversas de controle, reservas indígenas, não encontram no Congresso, nem na população, o mesmo apoio que têm no nicho eleitoral mais radical de seus eleitores de primeira hora.
Mas, os cientistas políticos sabem, governos minoritários são mais vulneráveis, sujeitos a análises mais aprofundadas por parte dos eleitores e do Legislativo. Bolsonaro tem se utilizado dos poderes que a Constituição outorga no presidencialismo ao chefe do Executivo. Usa e abusa de medidas provisórias, pede urgência para o que não tem, extingue cargos e conselhos que não estão ao seu alcance, força a saída de autoridades com mandatos.
Esses abusos de autoridade estão sendo contidos pelo próprio Legislativo, e pelo Judiciário. Os parâmetros tradicionais para medir a capacidade de gestão do presidente da República foram superados, até o momento, pela maneira de governar de Bolsonaro.
Sem uma coalizão formal, não há, por exemplo, como medir a força de seu partido, o PSL, no Ministério, pois simplesmente esse não é um critério levado em conta. O DEM deu mais ministros que o PSL, que tem a segunda bancada da Câmara.
Mas a legenda pela qual o presidente disputou a eleição não é um partido homogêneo, é um amontoado de políticos oportunistas que surfaram na onda Bolsonaro, ele mesmo um carona de luxo apenas para disputar a eleição.
Só agora é que o presidente está exigindo fidelidade ideológica a seus membros. O grupo que realmente representa um poder majoritário na Presidência é o dos militares, mesmo que vários deles já tenham sido defenestrados, por divergências conceituais e mesmo ideológicas com o presidente.
À medida que governa para poucos e radicais, ele tem uma reduzida visão da necessidade de uma aliança ampla com a sociedade. Exclui de sua ação governamental as minorias, que considera que devem se curvar às maiorias, uma visão nada democrática da arte de governar.
Merval Pereira: Almas penadas
Diálogos entre Moro e Dallagnol pairam sobre a cabeça dos juízes como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam
O próximo dia 27, uma terça-feira, pode ser decisivo para a sobrevivência da Operação Lava-Jato. Para esse dia estão marcados dois julgamentos cruciais, um no Supremo Tribunal Federal, outro no Conselho Nacional do Ministério Público.
A Segunda Turma do STF vai retomar o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, que já tem dois votos contrários, os dos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. O voto do decano Celso de Mello deve ser o de desempate, pois o mais provável é que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votem a favor do habeas corpus.
No Conselho Nacional do Ministério Público, haverá julgamento da tentativa de reabrir um processo contra o coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol.
A coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de freio na Operação Lava-Jato.
Mas há também a coincidência por trás dos dois julgamentos, as mensagens trocadas entre Moro e Dallagnol, e entre este e seus colegas procuradores. Conseguidas ilegalmente, através de hackeamento, cujos suspeitos de autoria estão presos, e pelo menos um confessou.
No julgamento do habeas corpus de Lula, a base é a suposta parcialidade do então juiz Sergio Moro. Começou antes da divulgação pelo site Intercept Brasil dos diálogos, e não usa as reproduções como prova, por serem ilegais.
A defesa fez apenas um apensamento dos diálogos aos autos do processo, como alembrara os juízes que eles existem. Mas, como foram obtidos de maneira ilegal e não foram periciados, não é possível alegá-los como razão para a anulação do julgamento que condenou Lula. Se não estão nos autos, não estão no mundo, diz-se nos meios jurídicos.
Mesmo assim, eles pairam sobre a cabeça dos juízes como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam. Como elementos apesar no julgamento, masque, ao mesmo tempo, podem contaminaras decisões.
O caso do Conselho Nacional do Ministério Público é mais grave. A representação formulada contra Dallagnol pelos conselheiros Leonardo Accioly, Erick Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel exatamente por serem inaproveitáveis.
Pois ontem, dois deles, Accioly e Venâncio, pediram a reabertura do caso, para que plenário decida. Foi escolhido um relator, e no dia 27 ele dará seu parecer, que será votado. O Conselho é formado por 12 membros, sendo que seis são do Ministério Público.
Por enquanto, tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol. Mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que neste momento estão unidos para conter a Lava-Jato o Congresso, a OAB, o STF, todos com representantes no Conselho.
Mesmo os membros do Ministério Público decidirão submetidos a esse estresse. Punições de processos disciplinares vão de advertência à expulsão do Ministério Público, mas todos os a que Dallagnol responde podem, no máximo, provocar uma advertência, segundo a avaliação de especialistas.
Interessante é que, nessa divulgação de trocas de mensagens entre Dallagnol e seus companheiros de Curitiba, ele ressalta a importância do apoio da opinião pública à Lava-Jato, para freara ação de ministros do STF e de políticos.
Pois para o dia 25, um domingo, está sendo convocada uma manifestação nacional de apoio a Sergio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI, já apelidada de Lava Toga.
Como só os senadores podem processar os ministros do Supremo, essa é uma reação política para contrabalançar a pressão contra Moro e os procuradores de Curitiba. Moro continua o ministro mais popular do governo Bolsonaro, e Dallagnol, embora considerado pelo presidente “um esquerdista tipo PSOL”, tem apoio até de seus seguidores para ser indicado como procurador-geral da República.
Merval Pereira: Contradições
É preferência pessoal? Empresas americanas podem explorar as terras indígenas, europeias não?
A disputa ideológica que transforma em um FlaFlu o exercício da política provoca contradições inevitáveis, já que as reações nada têm de lógicas, são emocionais e imediatistas.
De defensor incondicional da Lava-Jato, a partir da investigação envolvendo seu filho Flávio, suspeito de desviar dinheiro dos funcionários de seu gabinete em benefício próprio, Bolsonaro entrou em choque branco com o ministro Sergio Moro devido a críticas do presidente do Coaf à proibição de investigação sem autorização judicial. Pedido da defesa de Flávio que foi acolhido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Já o choque com o procurador Deltan Dallagnol, que usou o Twitter para elogiar as investigações sobre Queiroz, o assessor de Flávio acusado de ser seu operador, foi frontal. O perfil oficial de Bolsonaro no Facebook compartilhou um post chamando o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, de “esquerdista estilo PSOL”.
Ora, como é possível um procurador ser chamado de “esquerdista” por um lado, e acusado pelo outro de algoz do ex-presidente Lula?
Outra contradição: inimigo das ONGs internacionais que atuam na Amazônia, que acusa de estarem a serviço dos interesses de outros países, o presidente Bolsonaro tem planos de abrir a mineração em reservas indígenas a empresas dos Estados Unidos. Disse que essa será uma das principais missões de seu filho Eduardo, se assumir a embaixada em Washington, o que parece favas contadas.
Trata-se, então, de uma preferência pessoal? Empresas norte-americanas podem explorar as terras indígenas, europeias não?
Mercosul
Bolsonaro assume posição tão radicalmente favorável ao presidente argentino Mauricio Macri, e contrária a Cristina Kirchner, que vai provocar um prejuízo grande para o Brasil entrando numa disputa com nosso mais importante vizinho politicamente, e parceiro comercial fundamental.
A tendência é a eleição da chapa de Kirchner, e a imagem de Bolsonaro não ajuda, nem melhora a posição de Macri, que não é um radical de direita como o presidente brasileiro. Os eleitorados são diferentes. Bolsonaro afirmou que não quer “irmãos argentinos” fugindo para o Brasil se o resultado se confirmar em outubro.
Mais uma vez, Bolsonaro coloca suas preferências pessoais acima dos interesses do Estado brasileiro. Há assessores recomendando cautela a partir de agora, porque tudo indica que em outubro a vitória será de Cristina Kirchner. Outros, mais afinados com Bolsonaro, sugerem até a saída do Mercosul.
Copromancia
O presidente Bolsonaro voltou afalarem excrementos. Primeiro, respondendo a uma pergunta que o incomodou, sobre como conciliar meio ambiente com desenvolvimento, retrucou: “É só você deixar de comer menos um pouquinho […] Você fala para mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também.”
Ontem, voltou ao tema, sempre ligado ao meio ambiente: “Há anos um terminal de contêiner no Paraná, se não me engano, não sai do papel porque precisa agora também de um laudo ambiental da Funai. O cara vai lá, se encontrar —já que está na moda —um cocozinho petrificado de um índio, já era. Não pode fazer mais nada ali. Tem que acabar com isso no Brasil.”
Comentando sua primeira resposta, coma sugestão de alternar os dias de fazer cocô, disse que foi resposta a uma “pergunta idiota de um jornalista”. “Respondi que é só você cagar menos que com certeza a questão ambiental vai ser resolvida.” A fala indecorosa do presidente da República, que revela outra de suas obsessões, encontra eco no livro de Rubem Fonseca “Secreções, excreções e desatinos”, sem a qualidade literária.
No conto intitulado “Cropomancia”, o narrador, que advinha o futuro analisando as próprias fezes, comenta acerta altura: “Porque Deus, o criador de tudo o que existe no Universo, ao dar existência ao ser humano, ao tirá-lo do Nada, destinou-o a defecar? Teria Deus, ao atribuir-nos essa irrevogável função de transformar em merda tudo o que comemos, revelado sua incapacidade de criar um ser perfeito? Ou sua vontade era essa, fazer-nos assim toscos? Ergo, a merda?”.
Merval Pereira: Falta de inteligência
O Brasil já começa a sofrer consequências práticas pelo alinhamento total com a política externa de Trump
O alinhamento total de nossa política externa com os Estados Unidos do governo Trump já está rendendo consequências negativas para o Estado brasileiro. Depois de diversas polêmicas provocadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Alemanha começou a retirada de seu apoio a ações de proteção da região amazônica.
Salles começou querendo assumir a gestão do Fundo Amazônia, mudando as diretrizes que os doadores consideravam ajustadas ao objetivo do projeto. Durante a renegociação, com a negativa dos dois países europeus de aceitarem os novos critérios do governo brasileiro, Salles chegou a acusar a exploração do petróleo na região ártica pela Noruega de provocar danos ambientais.
A Noruega reagiu, afirmando que sua atividade petrolífera no Ártico é a mais limpa possível, obedecendo às normas de preservação da natureza. A irritação do governo brasileiro com o que considera “intromissão” de países europeus nos negócios internos foi revelada em diversas ocasiões, de maneira pouco diplomática.
O próprio presidente Bolsonaro recentemente fez ironia com os encontros que já teve com o presidente da França Emanuel Mácron e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel: “Vocês imaginam como eu gostei de conversar com os dois”, disse a jornalistas.
O vice-presidente Hamilton Mourão pegou carona na zombaria e comentou os acessos de calafrio que a chanceler alemã andou tendo em público. Para ele, Merkel tremeu depois de uma “encarada” de Trump, a quem chamou de “nosso presidente”.
O descontentamento do presidente Bolsonaro com as atitudes da França em relação à nossa política ambiental foi de demonstrado de maneira grosseira no cancelamento de uma audiência que teria com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean Yves Lê Drian.
Bolsonaro soube pela imprensa que ele se reunira um dia antes com representantes de ONGs e ambientalistas, e considerou uma desfeita. Em entrevista ao jornal Tagesspiegel, a ministra do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, informou neste fim de semana que o país vai suspender o financiamento de projetos para a proteção da Amazônia, financiados pelo fundo internacional que já existe há três anos e já investiu cerca de R$ 3 bilhões em diversos projetos de preservação.
A decisão do governo, segundo a ministra, foi tomada porque “a política do governo brasileiro na região amazônica deixa dúvidas se ainda se persegue uma redução consequente das taxas de desmatamento”. Num primeiro momento serão suspensos projetos no valor de 35 milhões de euros.
Também o governo francês tem tem dúvidas sobre o compromisso do novo governo brasileiro de manter uma politica de preservação ambiental, por isso já declarou que só assinará o acordo da União Européia com o Mercosul se o Brasil se comprometer com uma política ambiental sustentável.
O fato é que, para o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, a Europa representa a decadência do Ocidente, enquanto os Estados Unidos e o deus de Trump são a salvação. Assim como nos governo petistas, a política Sul-Sul desvalorizava os postos nos Estados Unidos, e apontava os países da América Latina e África como o futuro da nossa diplomacia, agora vai-se para o extremo oposto.
Os EUA constituem agora um departamento exclusivo, mas a Europa encontra-se relegada à vala comum da África e do Oriente Médio, já que ela seria um “vazio cultural”. É o que aponta o diplomata Paulo Roberto Almeida, exonerado, no início do ano do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty. Punido por ter publicado em seu blog pessoal textos críticos à nova política externa brasileira, seus e de outros, como o diplomata Rubens Ricupero e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No livro recém-lançado “A destruição da inteligência no Itamaraty”, Paulo Roberto Almeida pergunta: (...) onde está a política externa do Brasil? Nos ridículos destemperos olavistas contra o globalismo? Na luta contra o marxismo cultural? Numa aliança com todos os regimes direitistas e xenófobos da Europa e com Trump?
Na denúncia do Pacto Global das Migrações, quando o Brasil justamente possui dez ou vinte vezes mais emigrantes do que imigrantes e esse instrumento não afeta em nada nossa soberania?”
Merval Pereira: Decisão sábia
Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) em manter o ex-presidente Lula preso em Curitiba, na sede da Polícia Federal. Não tinha cabimento o pedido da defesa, e também do PT, para que fosse libertado devido à decisão da juíza Carolina Lebbos de transferi-lo para São Paulo.
A juíza atendeu à solicitação do comando da Polícia Federal, que há muito alegava não ter estrutura para manter o ex-presidente em prisão na sala de EstadoMaior da superintendência, onde está há cerca de um ano cumprindo pena.
Mas é bom ressaltar que a própria defesa de Lula também pedia há muito tempo que ele fosse transferido para São Bernardo do Campo, para ficar perto da família. Aproveitaram a decisão da juíza para tentar, mais uma vez, libertar Lula. Sem sucesso.
O resultado, 10 a 1, deixa inequívoco que o plenário do STF não tinha dúvidas de como proceder, mesmo que o único voto discordante, o do ministro Marco Aurelio Mello, pareça o mais adequado à situação.
Ele defendeu que o foro para essa decisão era o 4º Tribunal Regional Federal (TRF-4), que decretou a prisão em segunda instância. Os ministros do Supremo foram condescendentes com Lula, pois não há na legislação nada que determine que um preso em cumprimento de pena tenha direito à prisão especial.
Ex-governadores, ex-ministros, deputados, senadores, todos estão presos, mesmo os que ainda não foram condenados. Mas acho que agiram com sabedoria, porque é uma situação sem precedentes essa de um ex-presidente estar preso condenado em terceira instância, pois o Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou a decisão das duas instâncias anteriores.
Os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff foram impichados, mas mantiveram todas as regalias de um ex-presidente, como assessores e carros à disposição. Lula só perdeu essas regalias quando foi condenado em segunda instância.
Sou a favor de que fique explicitado em lei que ex-presidentes têm direito à prisão especial, mesmo depois de condenados. É lamentável que tenhamos de pensar em situações como essa, mas temos exemplos recentes de ex-presidentes que podem vir a ser condenados.
É triste defender esses tipos de privilégios. Mas temos que condescender até que cheguemos ao ponto de civilidade de termos leis e prisões iguais para todos. O sistema prisional é mais um indicador da desigualdade do país. Se o maior líder popular já surgido nos últimos tempos considera que ir para uma prisão comum é uma tentativa de aniquilá-lo, temos aí a prova da iniquidade de nossa sociedade.
Conversa de surdos
Essa intolerância política que domina o país impede que opostos ouçam uns aos outros e possam ser ajudados por seus adversários. É o caso do chanceler Ernesto Araújo, que recentemente, durante reunião com os diplomatas da Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, ao reafirmar sua descrença quanto ao aquecimento global, relatou uma experiência empírica.
Depois de ouvir um relatório do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, o chanceler disse, diante de um auditório com cerca de 60 pessoas embasbacadas: “Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em maio e estava tendo uma onda de frio enorme. Isso mostra como as teorias do aquecimento global estão erradas”, afirmou. E emendou: “Isso a mídia não noticia”.
Se tivesse escutado uma explanação de Lula sobre o tema, quando era presidente da República, Ernesto Araújo não teria tido dúvidas, inclusive se a Terra não é redonda. Seu guru, e dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho diz que ainda não encontrou explicações científicas convincentes de que a Terra seja redonda, embora advirta que ainda não se debruçou detalhadamente sobre o tema.
Lula explicou: “Freud dizia que havia várias coisas que a humanidade não controlaria. Uma delas eram as intempéries. Essa questão do clima é delicada por quê? Porque o mundo é redondo.
Se o mundo fosse quadrado, ou retangular, e a gente soubesse que nosso território está a 14 mil quilômetros de distância dos centros mais poluidores, ótimo, vai ficar por lá.
Mas como o mundo gira, e a gente também passa lá embaixo nos lugares mais poluídos, a responsabilidade é de todos.”
Merval Pereira: O eterno duelo
Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina, e disse que não se poderia culpar a agropecuária
O embate entre desenvolvimentistas e ambientalistas é constante nos últimos dez anos, e não importa se o governo é de esquerda ou de direita. As discussões são recorrentes, a disputa entre a agricultura e o meio ambiente persiste, e os problemas e soluções são semelhantes.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sempre foi uma pedra no sapato dos governantes. A crise gerada pelos números sobre o desmatamento da Amazônia, que levou à demissão do presidente do Inpe, se repetiu, por exemplo, em 2008, quando o então presidente Lula desacreditou os números do órgão, negando que o país estivesse passando por um novo surto de desmatamento. Não chegou a demitir seu presidente, mas atribuiu ao órgão números errados que colocou “sob investigação”.
Para o presidente, houve “alarde na divulgação dos números”. Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, que era comandado por Marina Silva, e as ONGs, e disse que não se pode culpar a agropecuária, os produtores de soja e os sem-terra assentados pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Lula afirmou ainda que pretendia “comprar briga” com as organizações não governamentais (ONGs) se elas insistissem em ligar o crescimento da agricultura ao desmatamento.
O desenvolvimento da região sempre foi uma preocupação de Lula, que a certa altura, em discurso na inauguração de uma usina de biodiesel no Mato Grosso, afirmou que queria levantar todos os “entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: ‘Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do país’”. As diversas organizações ambientalistas, daqui e do exterior, criticaram Lula por opor o meio ambiente ao desenvolvimento.
Na assinatura da concessão para a construção da Usina de Belo Monte, Lula disse: “Vocês nem imaginam quantos discursos fiz contra a construção de Belo Monte. E é exatamente no meu governo que ela acontece”. O presidente lembrou na ocasião diversos casos de obstáculos a obras na região, desde uma caverna que seria inundada para a construção da usina Tijuco Alto, uma “machadinha” que sinalizaria um sítio arqueológico ou a “perereca” que atrasou as obras de duplicação da BR-101, no Rio Grande do Sul. Sem falar dos bagres do Rio Madeira, que tanto incomodavam Lula na construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
O ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, queria usar o Fundo Amazônia para indenizar proprietários rurais em unidades de conservação, para fazer a regularização fundiária. Os críticos o acusam de estar favorecendo os grileiros em áreas protegidas. Pois o então ministro Mangabeira Unger, do Planejamento Estratégico, quando assumiu o Programa da Amazônia Sustentável (PAS), teve a mesma proposta. Aliás, o fato de Lula ter dado a Mangabeira o projeto para a Amazônia foi a gota d’água para a saída da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assim como, anteriormente, o então deputado federal Fernando Gabeira havia deixado o PT devido a divergências, especialmente pela política ambientalista.
Foi editada uma medida provisória que regularizava a posse de terra na Amazônia, muito criticada como nociva à preservação ambiental. Para Mangabeira, “nada na Amazônia vai avançar, nenhum aspecto do desenvolvimento sustentável includente, se não resolvermos o problema da terra”. Mangabeira tinha à época o mesmo argumento que Salles tem hoje: “Vamos poder regularizar a situação de 500 mil famílias urbanas e 400 mil famílias rurais. Essa é a população que construiu a Amazônia, que está construindo a Amazônia”. Mangabeira Unger dizia que chamá-los de grileiros é o mesmo que chamar de grileiros os que ocuparam e construíram os Estados Unidos ou a Austrália.
A disputa entre Agricultura e Meio Ambiente é outra situação recorrente. Lula chegou a ter na sua base de apoio o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, o maior plantador de soja do mundo, a quem a ONG Greenpeace concedeu a Motosserra de Ouro pelo desmatamento da Amazônia, e Marina Silva no Meio Ambiente.
Merval Pereira: Conflito de interesses
Como aconteceu na Itália das Mãos Limpas, interesses diversos se uniram para limitar a ação dos procuradores de Curitiba
O combate à corrupção e ao crime organizado, que se intensificou no país com a Operação Lava-Jato, entra agora, cinco anos depois, talvez na sua mais sensível etapa. Como aconteceu na Itália das Mãos Limpas, interesses diversos se uniram para tentar colocar limites à ação dos procuradores de Curitiba.
Uns com o intuito precípuo de não serem alcançados, ou conseguirem a anulação das condenações, outros preocupados com supostas transgressões legais praticadas no que um dos seus mais contundentes adversários, o ministro do Supremo Gilmar Mendes, chama de “o Direito de Curitiba”. Muitos, usando a segunda razão como escusa para atingir o primeiro objetivo.
Essa disputa de poder tem também o hoje ministro Sergio Moro na alça de mira, e como em todas as etapas há conflitos de interesses, surgem paradoxos inevitáveis. Apoiador declarado da Operação Lava-Jato, o que explicitou ao convidar Moro para seu Ministério, o presidente Bolsonaro acaba de dar novas cores à crise institucional em processo com a decisão de mudar o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, indicado por Moro quando o órgão era subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Moro pediu para ficar com o Coaf na montagem do novo Ministério, órgão considerado imprescindível para o combate a crimes de colarinho branco e formação de quadrilha. Derrotado no Congresso, que transferiu o Coaf para a Fazenda, Moro terá nova derrota com a mudança de seu indicado, e pelas razões que se sabe.
A garantia de Bolsonaro de que nada mudaria no Coaf começa a desmoronar, e a pressão sobre o ministro Paulo Guedes coloca em xeque os outrora chamados superministros. Bolsonaro não gostou das críticas que Leonel fez à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de suspender as investigações baseadas em informações do Coaf sem autorização da Justiça.
A medida foi tomada a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, que está sendo investigado dentro de um processo que abrange diversos deputados e funcionários da Assembleia Legislativa do Rio.
São conflitos de interesse que interferem nas investigações sobre corrupção, obstáculos paralelos aos que estão sendo colocados no caminho da Operação Lava-Jato pelo Congresso, que reluta em aprovar o projeto anticrime de Moro, e também pelo Supremo.
A decisão de requisitar os diálogos, áudios e vídeos hackeados que servem de base para as reportagens do site The Intercept Brasil, que coordena a divulgação por outros veículos, teve objetivos distintos, embora tenham saído logo no primeiro dia de funcionamento do STF depois do recesso do Judiciário.
O ministro Luiz Fux, provocado por uma ação do PDT, era obrigado a atuar. E o fez com o objetivo de preservar as provas para saber, inclusive, a origem delas para aferição da ilicitude. O ministro Alexandre de Moraes se baseou em publicação na “Folha de S. Paulo” para requisitar as provas integrais dentro do inquérito que preside no Supremo sobre fake news.
Implicitamente, está dando valor às provas conseguidas ilegalmente pelos hackers, embora não possa usá-las para acusar ninguém, especialmente o procurador Deltan Dallagnol, coordenador do Ministério Público da Lava-Jato em Curitiba.
Enquanto alguns esperam que do inquérito do Supremo surjam elementos para acusá-lo mesmo sem utilizar as provas, consideradas imprestáveis, outros ministros acham que ele não precisa ser afastado. Teria perdido já a legitimidade para exercer a função.
Os diversos atores dessa disputa de poder usam as armas de que dispõem para constranger adversários. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, muito ligado a Gilmar Mendes, deu 15 dias para que a Receita Federal detalhe as investigações dos últimos cinco anos que envolvam autoridades de Legislativo, Executivo e Judiciário.
A Associação Nacional dos Procuradores teve o apoio da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no pedido para que o Supremo suspenda o inquérito que apura supostas ofensas aos ministros do STF. Que ela considerou um “tribunal de exceção”.
“Não há como imaginar situação mais comprometedora da imparcialidade e neutralidade dos julgadores, princípios constitucionais que inspiram o sistema acusatório”, define Dodge. A mesma acusação que ministros do Supremo e a defesa dos acusados fazem a Moro, Dallagnol e aos demais procuradores de Curitiba.
Merval Pereira: Dallagnol no alvo
Ministros estão convencidos da veracidade dos diálogos, inclusive por relatos de abusos que estariam acontecendo
A ideia de retirar da Operação Lava-Jato o coordenador dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, abortada até o momento, surgiu logo na manhã de quinta-feira, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, atual presidente, e Gilmar Mendes leram novos diálogos atribuídos aos procuradores.
Tratavam de investigação sobre os ministros e suas mulheres. No dia anterior, os dois haviam recebido um resumo das conversas a serem publicadas pela “Folha de S. Paulo”, e não quiseram se manifestar. Mas quando leram a íntegra da reportagem, combinaram que alguma coisa deveria ser feita.
Toffoli pretendia soltar uma nota oficial, primeiro exigindo o afastamento de Dallagnol, versão que abandonou por outra, mais genérica, defendendo as prerrogativas do Supremo. Um procurador de primeira instância não pode investigar um ministro do STF.
Gilmar reagiu a seu estilo. Chamou os procuradores de gangsters numa entrevista ao chegar à sede do Supremo, “o rabo abanando o cachorro”, como gosta dizer. Por ele, uma nota de repúdio teria que ser dada, mas colegas convenceram os dois de que o melhor seria não fazer comentários, inclusive para não dar mais publicidade aos fatos e para proteger suas mulheres.
Ficou combinado que o decano Celso de Mello pediria apalavra na primeira sessão da reabertura dos trabalhos e faria uma declaração de protesto. Em vez disso, preferiram ações práticas. O ministro Luiz Fux proibiu que as provas fossem destruídas e requisitou cópias de todos os diálogos, áudios e vídeos apreendidos pela Polícia Federal.
O ministro Alexandre de Moraes, relator de uma controversa investigação sobre fake news no âmbito do Supremo, determinada por Dias Toffoli muito antes do hackeamento das conversas entre Moro e Dallagnol, também requisitou todas as provas à Polícia Federal.
Nenhuma das medidas, aparentemente, se referia ao caso dos dois ministros investigados, mas à noite ficou-se sabendo que Alexandre de Moraes, para requisitar as provas, utilizou como base a reportagem da “Folha de S.Paulo”. Disse que havia “indícios de investigação ilícita contra ministros” da Corte.
O que revelou o objetivo oculto das providências do STF, já intuído por todos. A tentativa de estancara sangria das supostas revelações restou inócua devido ao despacho oficial de Alexandre de Moraes.
Os procuradores de Curitiba soltaram uma nota mais uma vez não reconhecendo a veracidade dos diálogos, e negando que tivessem tentado investigar ministros do STF. Afirmaram que enviaram tudo relacionado a eles à Procuradora-Geral da República, órgão que tem o poder de investigar ministros do Supremo.
Dada a repercussão do caso, o desejo de reação a Dallagnol, que havia sido contido num primeiro momento, voltou a prosperar. Vários ministros estão convencidos da veracidade dos diálogos, inclusive por relatos anteriores de abusos que estariam acontecendo em Curitiba.
Ontem pela manhã, retoma ramas discussões sob remedidas para afastar o coordenador dos procuradores de Curitiba da Operação Lava-Jato. Chegou-se a aventara possibilidade de o ministro Alexandre de Moraes fazer com Dallgnol om esmoque já fizera com dois fiscais da Receita, que foram afastados da função por terem investigado as declarações do ministro Gilmar Mendes e sua mulher. Mas são situações funcionais não comparáveis
No começo da tarde, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, soltou uma nota negando que estivesse sendo pressionada a punir o procurador Dallagnol, e esclarecendo que ele, por ser inamovível pela Constituição, só sairia da Lava-Jato se e quando quisesse. Deltan Dallagnol é o promotor natural dos casos da Operação Lava-Jato, definiu Dodge.
Apesar disso, há quem considere no STF que Dallagnol pode ser punido devido a vários processos que correm no Conselho Nacional do Ministério Público. Há uma pressão grande para que o próprio Ministério Público decida a questão, mesmo porque não há condições de usar as provas ilegais como base de uma punição.
Mas, no decorrer do processo aberto no STF sobre fake news, podem surgir provas legais nos depoimentos que confirmem os diálogos. O fato é que a chance de vazamento desses diálogos agora aumentou muito, pois, além do Intercept Brasil, haverá cópias com a Polícia Federal e com dois ministros do STF, Luiz Fux e Alexandre de Moraes.