Merval Pereira
Merval Pereira: O papel da inclusão social
Democracia está posta em xeque também pela desigualdade econômica exacerbada em países como o nosso
A crise do Chile, ainda em progresso, foi surpreendente não apenas para as autoridades do país, mas para todos aqueles que apontavam a experiência democrática chilena como exemplar para o desenvolvimento econômico e social de seus pares regionais. Líder entre seus iguais, o Chile é o único membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) da região, que reúne os países democráticos mais desenvolvidos do mundo, situação a que Brasil e Argentina aspiram.
A inflação chilena está em torno de 2%, abaixo da meta prevista, a desigualdade de renda vem caindo desde o retorno à democracia em 1990, com o índice de Gini, que a mede, saindo de 0, 57 para 0,46 em 2017. O do Brasil ficou em 0,62 em março deste ano. Como o número mais próximo de 1 representa maior desigualdade, é possível notar que o Chile, embora seja muito desigual, mais que a Argentina e Uruguai, por exemplo, não é o pior da região.
O embaixador do Chile no Brasil, Fernando Schmidt, constata, no entanto, que bons indicadores econômicos já não são suficientes para os chilenos, que querem uma distribuição melhor da renda nacional. Não há, portanto, uma explicação única para o que está acontecendo no Chile, mas um conjunto de fatores que provoca o que o psicanalista Joel Birman classifica de crise psíquica causada pelo neoliberalismo econômico, categoria em que inclui até mesmo a sociedade chinesa.
As pessoas que não conseguem produzir dentro das exigências capitalistas se sentem alijadas socialmente. O modelo de capitalização previdenciária, que o ministro da Economia Paulo Guedes queria reproduzir no país, é uma das causas de insegurança quanto ao futuro que no momento atual chegou a um clímax, pois os baby boomers, geração nascida depois da Segunda Guerra Mundial, começam a se aposentar com o sistema privado de previdência.
Paradoxalmente, a saúde financeira do país e a queda dos juros criaram problemas novos. A longevidade, conseqüência do sucesso do desenvolvimento, provoca uma lacuna entre o que se consegue poupar durante o período ativo e o que se precisa para viver mais 20 anos depois de aposentar.
A taxa de desemprego é de cerca de 7%, mas, à semelhança nossa, cerca de 1/3 da força de trabalho é de empreendedores ou trabalha na informalidade. Mesmo entre os trabalhadores formais, muitos têm empregos intermitentes. E o desemprego entre os jovens e as mulheres é dos mais altos entre os países da OCDE.
Birman diz que o “empresário de si próprio” é uma característica da sociedade neoliberal, que exige produtividade do cidadão em troca de quase nenhuma segurança social. O embaixador chileno Fernando Schmidt chama a atenção para esse fator na crise chilena, lembrando que o governo já reconheceu falhas nos sistemas de proteção social, que serão revistos, e nos serviços públicos.
São os mesmos problemas que tivemos aqui, a partir das manifestações de 2013, ocasionadas também por um aumento do preço dos transportes públicos. Uma faísca que desencadeou manifestações das insatisfações latentes da população. Essa é uma situação social comum ao mundo atual.
Com o surgimento do “capitalismo de Estado”, capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado. A democracia está posta em xeque também pela desigualdade econômica exacerbada em países como o nosso. O relatório de 2018 do Latinobarômetro mostra que a percepção de retrocesso na região é a mais alta desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1995.
Apenas 20% dos latino-americanos acreditam que seus países estão progredindo, o que leva ao crescimento do número de cidadãos que se declaram indiferentes ao tipo de regime que governa seus países, a maior fonte que alimenta o surgimento de populismos.
Por outro lado, pesquisa, apresentada no Instituto Fernando Henrique Cardoso pelo francês Dominique Reynié, da Fundação para a Inovação Política (Fondapol), mostrou que a democracia é o regime preferido em 42 países pesquisados na sondagem internacional que ouviu 35.000 pessoas no estudo “Democracias sob Tensão”.
Mas é preciso crescimento econômico com inclusão social. (Amanhã, a força da democracia)
Merval Pereira: Exotismos extemporâneos
O que Bolsonaro e Trump fazem, ao tratar o ativismo de Greta com desdém, é reafirmar suas posições anacrônicas
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode não ser o grande amigo dos Bolsonaro que o presidente brasileiro vendeu para a opinião pública. Mas não há dúvida de que os dois, o brasileiro e o americano, têm mais coisas em comum do que seria desejável para o nosso país.
Ontem, foi Trump quem criticou a escolha da ativista ambiental Greta Thunberg pela revista Time como a personalidade do ano de 2019. Trump foi paternalista com Greta, tratando-a como uma menina estressada que precisa “relaxar” em vez de ficar pelo mundo com “raiva”.
Sem esconder também uma ponta de machismo, disse no Twitter que o que Greta precisa é “ir ao velho e bom cinema com um amigo”. Trump classificou de “ridículo” o episódio da escolha de Greta, e diagnosticou: “Greta deveria trabalhar em seu problema de controle da raiva”.
Na véspera, foi Bolsonaro quem atacou Greta, com o desdém que os “adultos sérios” tratam “pirralhas” como ela. Assim como Trump, e ao contrário do mundo civilizado, o presidente brasileiro não leva a sério o trabalho de Greta Thunberg, e nesse caso os dois misturam sentimentos de machismo com uma pitada de misoginia.
Assim como Bolsonaro, também o presidente americano tem casos em sua vida que deixam patentes sexismo e misoginia, mas nada os afetou em suas campanhas eleitorais.
A tentativa do Palácio do Planalto de retirar da palavra “pirralha” seu significado pejorativo na língua portuguesa, transformando a ironia agressiva em significado banal de “criança ou pessoa de baixa estatura”, não resiste a uma espiadela no dicionário: “criança ou jovem atrevido ou com pretensões de adulto”.
O que os dois presidentes fazem, ao tratar o ativismo de Greta com desdém, é reafirmar suas posições anacrônicas sobre a situação climática no mundo. O Brasil perdeu o protagonismo no debate sobre a crise, e retirou o clima dos temas prioritários do país, o que é um equívoco sem tamanho, com conseqüências graves para nosso futuro, inclusive o econômico.
Agora que a agência de risco Standard & Poor's melhorou nossa avaliação, abrindo caminho para que outras agências o façam, e preparando o terreno para a recuperação, um dia, do grau de investimento, uma visão distorcida da questão climática, junto à percepção mundial de que o Brasil é leniente com o desmatamento e as queimadas, podem trazer-nos graves prejuízos na exportação.
É inexorável o avanço desse debate, e, sobretudo, da decisão dos consumidores mundiais de não comprar carne ou madeira sem serem certificadas, produtos agrícolas provenientes de terrenos de queimadas ou terras indígenas invadidas.
Nossa agricultura, que utiliza tecnologia de ponta e é líder em diversos mercados internacionais, pode ser afetada pela atuação ilegal de grileiros e invasores de terras que não são combatidos devidamente pelo novo governo.
Segundo o IBGE, a safra brasileira de grãos em 2020 vai bater um novo recorde, podendo chegar a 240,9 milhões de toneladas, mais 33milhões de toneladas que a safra deste ano. Já somos o maior exportador mundial de soja, de açúcar, de suco de laranja, de proteína animal, o segundo maior de milho, de algodão (cuja produção continuará crescendo em 2020).
Todos esses feitos, é claro, colocam contra nós países desenvolvidos importantes, como os europeus e os Estados Unidos. Seria ideal que o governo brasileiro não desse motivo para alimentar (com trocadilho) nossos competidores, permitindo até mesmo que exagerem nas críticas, com interesses particulares travestidos de defesa do bem comum.
Como não somos os Estados Unidos, não temos condições de partir para o confronto com organismos internacionais, e grandes potências, sem as armas da negociação diplomática, que sempre foi o nosso forte.
O isolacionismo de nossa atual política externa, que leva a posições exóticas, por vezes ridículas, não pode ser nossa marca registrada.
Merval Pereira: Sem esquecer
Bancos de dados das diversas operações levam a novas investigações, como já acontecera outras vezes
A operação Mapa da Mina, nome cuja explicação ainda está para ser dada, e representa a própria essência da nova fase da Lava Jato, é um recado para quem acha que já está livre das investigações. Há dois anos e dez meses a Operação Aletheia, que levou o ex-presidente Lula a depor coercitivamente à Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, foi iniciada, mas só agora chega a seu fim.
Foram documentos apreendidos naquela ocasião que levaram a essa operação de ontem, e o nome dela é o título da apresentação financeira interna do grupo que foi investigado pela Aletheia. Ainda não se sabe o que significa, mas que o nome é sugestivo, isso é.
Entre os investigados estão os filhos de Lula, Fabio Luis, que o ex-presidente dizia ser “o Ronaldinho dos negócios”, Marcos Claudio, Sandro Luis e Luis Claudio. A “coincidência” de que estavam envolvidos em negócios milionários com Jonas Suassuna e a família Bittar, proprietários no papel do sítio de Atibaia, reforça a suspeita de que o ex-presidente era, na verdade, o proprietário oculto do sítio, que seria um pagamento pelos favores feitos a seus negócios.
Os dois entraram em negócios que tinham o apoio financeiro da empresa de telefonia celular Oi, tudo indica, segundo o Ministerio Público e a Polícia Federal, como recompensa a favores do governo. Há de tudo nesse processo, até a evidência de que o aparelhamento das estatais e das agências reguladoras propiciou a nomeação de diretores da Anatel para favorecer os interesses da Oi, inclusive na fusão com a Brasil Telecom que necessitou de uma mudança legal para ser concretizada.
Outra coincidência é que a juíza Gabriela Hardt, que ficou algum tempo como interina de Sergio Moro em Curitiba, recusou ontem a prisão preventiva de Lulinha, pedida pela Policia Federal. A juíza, que condenou Lula no caso do sitio de Atibaia, é constantemente citada pelos petistas como perseguidora de Lula.
No caso em que Lula foi condenado pela juíza, o interessante é que a acusação contra Lula é de ter se aproveitado de obras de infraestrutura das construtoras OAS e Odebrecht no sítio que usava como sendo seu. Não houve acusação formal de que o sítio fosse de Lula, porque ainda não havia provas suficientes.
Desta vez, a acusação é justamente essa, unindo os pontos do caso, que parecia à maioria mais evidente do que o do triplex. Agora, parece que a investigação encontrou o mapa da mina, que leva a milhões de reais recebidos de diversas maneiras pelos parentes do presidente.
Houve até um email pedindo ao pessoal da empresa de Jonas Suassuna para limpar das mensagens todas as referencias ao governo. Ele ganhou também muitos negócios para sua empresa de produtos digitais, como a Nuvem de Livros, financiada por dinheiro governamental e que não apresentou resultados que justificassem esse aporte, segundo a acusação.
Várias outras empresas envolvidas há muito na Lava Jato aparecem também nessa investigação, confirmando que, conceitualmente, o trabalho de Curitiba ainda tem muito a revelar. Os bancos de dados das diversas operações levam a novas investigações, como já acontecera outras vezes.
Acusações que aparentemente foram descartadas voltam à tona com o prosseguimento das investigações. Foi também uma demonstração de que o Procurador-Geral da República Augusto Aras fez bem em voltar atrás na ideia de reduzir o aparato mobilizado para a Operação Lava Jato.
Ainda há muito a fazer, como garantem os procuradores de Curitiba. A montagem do quebra-cabeças, como classificou o procurador Pozzobon, requer muita persistência, e por isso também os processos não devem ser distribuídos por diversos estados, como volta e meia tentam os advogados de defesa.
A tese de que é preciso centralizar as investigações para ter melhores resultados vai se confirmando à medida que as investigações prosseguem. Novos desdobramentos, como os de ontem, mostram à sociedade que a busca dos culpados nas diversas fases da operação Lava Jato não cessa.
Merval Pereira: Contendo os excessos
Pacote anticrime que Moro tenta aprovar no Congresso não teve em nenhum momento o apoio formal do presidente
A ambigüidade do governo Bolsonaro, determinada principalmente por seu desapreço pela política partidária – seu novo partido é o décimo a que já se filiou - e pelos grandes temas econômicos e sociais, criou um vácuo de poder que o Congresso tratou de preencher.
Até mesmo o combate à corrupção, uma de suas principais bandeiras eleitorais, agora está hasteada a meio-pau. A pesquisa Datafolha mostra que a população identifica o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro como atuante e eficaz no combate à corrupção e ao crime organizado, e o governo como empecilho, principalmente por causa dos últimos acontecimentos, como a tentativa de, no STF, proteger seu filho Flavio de investigações pelos órgãos de controle financeiro como a atual Unidade de Inteligência Financeira (AIF) e a Receita Federal.
A população continua apoiando o combate à corrupção, cujo símbolo é a operação Lava Jato, e vê os outros setores do governo, que deveriam estar ajudando nesse combate, como pouco eficientes. O pacote anticrime que Moro tenta aprovar no Congresso não teve em nenhum momento o apoio formal do presidente Bolsonaro, que se empenha apenas quando os temas são do gosto específico de seu núcleo duro de apoiadores: liberação de armamento, retirada de radares das estradas, questões de costumes. Mesmo assim, o Congresso tem imposto limites a essas pautas.
Fora disso, o governo deixa a seus “postos Ipiranga”, o ministro Paulo Guedes e Moro, a tarefa de batalhar apoios no Congresso, sem dar sinais de que está empenhado na aprovação de projetos importantes como a reforma da Previdência, por exemplo. O presidente Bolsonaro, além de um apoio não muito enfático ao que era considerado o movimento mais importante na economia, em alguns momentos interferiu para reduzir o alcance da reforma, atuando a favor das corporações militares.
A reforma da previdência dos militares é exemplar disso. Foi muito elogiada pelos próprios, classificada pelo ministro da Defesa, General Fernando de Azevedo Silva, “a mais importante realização de 2019”. Uma reforma necessária, mas que, em todos os lugares do mundo, inclusive no Brasil, provoca protestos, leva os militares a elogiarem o governo que a realizou.
A falta de empenho de Bolsonaro com as propostas que ele mesmo envia para o Congresso fez com que os políticos tomassem as rédeas das reformas estruturais de que o país necessita. E até mesmo agendas supostamente bolsonaristas, como o combate ao crime organizado e à corrupção, ficam ao sabor do ânimo do Congresso, que não raras vezes dá prioridade a temas que não são as do Planalto.
Há várias medidas provisórias paradas no Congresso, e algumas já caducaram por decisão dos parlamentares, como a desobrigação de publicação de editais em jornais. Urdida como instrumento de retaliação à imprensa, explicitada em comentários irônicos do próprio presidente que lhe podiam valer processo por crime de responsabilidade, foi colocada em banho-maria pela Câmara até caducar.
O pacote anticrime, que foi refeito pela Câmara, retirando o excludente de ilicitude, figura que favorecia abusos policiais, foi uma derrota pessoal de Bolsonaro, que mais uma vez atuou para proteger uma das corporações que sempre o apoiaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mesmo Moro tendo dito que neste caso não havia legítima defesa, insiste em que, "se esse projeto tivesse sido aprovado, os policiais de Paraisópolis não teriam sido investigados”.
Também o plea bargain, essa uma das medidas consideradas por Sérgio Moro mais importantes do pacote, foi considerada “um excesso” pela Câmara. Ela permite um acordo entre o promotor e o réu, que se considera culpado e pode receber um beneficio.
Explica Rodrigo Maia: “Você ter uma lei dura que caminhe para o enfrentamento da impunidade é importante também, mas limitada àquilo que não é excesso. Essas duas propostas que citei [excludente de ilicitude e plea bargain] eram excessos. Nos EUA, por exemplo, [o plea bargain] gerou um encarceramento enorme, principalmente da população negra; são temas não maduros e radicais.”
Merval Pereira: Longe da virtude
A polarização entre Bolsonaro e Lula continua forte, como os dois desejam. Má notícia para os candidatos de centro
Três anos antes de uma eleição, é difícil fazer-se uma prospecção sobre o que acontecerá, especialmente em um país como o Brasil, de passado incerto e imprevisível futuro. Mas a pesquisa FSB/Veja publicada esta semana traz interessantes registros que indicam, por exemplo, que a polarização entre Bolsonaro e Lula continua forte, como os dois desejam.
O presidente, que caía de popularidade a cada pesquisa, mantém-se firme no patamar de 33%, e tende a melhorar caso as boas perspectivas da economia se confirmem.
Já Lula livre, mesmo sem conseguir mobilizar a esquerda como antigamente, também resiste no nível histórico do PT de 29%. Má notícia para os candidatos de centro, que continuam esmagados pela polarização.
O ministro da Justiça Sérgio Moro, que poderia ser um candidato de centro, a cada dia se aproxima mais de Bolsonaro no que se refere à visão de combate à criminalidade, apoiando, por exemplo, o excludente de ilicitude.
Ele vence Lula mais facilmente do que Bolsonaro na pesquisa. No primeiro turno, Jair Bolsonaro teria 32% e Lula 29%. No segundo turno, Bolsonaro derrotaria o ex-presidente por 45% a 40%. Moro empataria num confronto direto com Bolsonaro – 36% a 36% -, mas teria uma vantagem sobre Lula de 48% a 39%.
A hipótese, imaginada por muitos, de que Moro possa disputar a eleição presidencial contra Bolsonaro implicaria rompimento político entre os dois, o que não acontecerá, pelo que se vê no momento, se depender de Moro. Já Bolsonaro andou tentando se livrar de seu ministro, e acabou sendo convencido pela realidade de que só perderia com o movimento.
Moro é mais popular que ele, e já se mostrou leal em diversos momentos, engolindo sapos com seu novo estômago de político. Não há, portanto, nenhuma simulação de um possível segundo turno entre os dois.
A vaga para enfrentar a radicalização dos extremos fica entre candidatos hoje sem condições viáveis: Ciro Gomes, de 9% a 12%; João Amoêdo, 5%, João Dória de 3% a 4%. Ciro está abaixo dos 12,47% que obteve na eleição de 2018.
O candidato petista na última eleição, Fernando Haddad, tem 15%, abaixo do que teve (29,2%) no primeiro turno, representando o ex-presidente, que continua inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
Lula já está querendo vê-lo disputando a eleição para prefeito de São Paulo ano que vem, o que pode inviabilizá-lo politicamente em caso de nova derrota. Em 2016, foi derrotado por Doria no primeiro turno quando tentava a reeleição.
O único candidato potencial que teve boas novas foi o apresentador de televisão e militante do terceiro setor Luciano Huck, que obteve 9% em um dos cenários, empatando com o multicandidato Ciro Gomes. Huck não tem nem partido, dedicando-se a um trabalho de renovação na política.
Chamou a atenção semana passada ele ter sido o principal orador no lançamento da ONG do General Villas Boas, que vai cuidar de temas ligados ao desenvolvimento do Brasil e novas tecnologias para melhorar a qualidade de vida de pessoas que tenham doenças raras como a dele, que tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença degenerativa que afeta o sistema nervoso.
O General, que foi Comandante do Exército e é assessor do Gabinete de Segurança Institucional, é um ícone do Exército, sendo considerado o mais influente oficial, mesmo na reserva.
A solenidade serviu para marcar posições políticas a favor do centro, que foi definido pelo General Rocha Paiva como sinal de virtude: “Os extremos são viciosos. O centro político é democrático e liberal na economia, mas assume sua responsabilidade social com os mais necessitados”.
O General Rocha Paiva foi chamado há tempos por Bolsonaro de “melancia”, pois seria verde por fora e vermelho por dentro. Sintomaticamente, o presidente não foi à solenidade, embora tenha dito em público certa vez que se não fosse Villas Boas, não estaria hoje na presidência.
Na lista das possíveis alternativas contra a polarização, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, voltou a conversar com o PSB, que já queria que saísse candidato em 2018. E o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite na disputa pela indicação do PSDB à presidência, provocando irritação no governador paulista, às vésperas da convenção nacional do partido que João Dória imaginava como um trampolim para sua ambição presidencial.
Merval Pereira: Sem futuro
Retirando verbas da Educação, estamos levando uma geração a continuar sem condições de entender o que estuda
Amaior demonstração de que os vícios da velha política permanecem intactos num Congresso que se orgulha de ser “reformista” é a decisão de cortar verbas de impacto social, como para educação e saneamento, a fim de mais que dobrar o Fundo Eleitoral para a campanha das eleições municipais do ano que vem. Prejudicando o futuro dos cidadãos em troca de um presente viciado.
Um país que acaba de sair em estado lastimável do exame internacional Pisa, que mede a proficiência dos estudantes em Leitura, Matemática e Ciências, precisa desesperadamente de uma política educacional. Retirando verbas da Educação, estamos levando uma geração de brasileiros a continuar sem condições mínimas de entender o que estuda, sem os instrumentos adequados para escolher futuramente um candidato.
Transformar o financiamento público de campanhas eleitorais em pretexto para reduzir os gastos sociais no Orçamento federal é o típico comportamento de políticos que vivem numa redoma, descolados da sociedade que representam.
A esquerda alega que criticar o valor gasto em eleições é criminalizar a política. A direita trabalha para a volta do financiamento privado. Todos se veem como servidores públicos injustiçados pelas críticas, e gostariam que mais que dobrar a verba para suas campanhas eleitorais fosse visto pela sociedade como um investimento na democracia.
Deputados e senadores que recuperavam a imagem do Congresso tomando as rédeas para a aprovação de reformas fundamentais para o país usaram esse controle para se unir como raramente fazem para avançar sobre o cofre público.
O aumento sugerido, de R$ 1,7 bilhão na eleição de 2018 para R$ 3,8 bilhões agora, foi um pedido de nada menos que 13 partidos (PT, PSDB, MDB, PSL, PSD, Solidariedade, DEM, Republicanos, PSB, PDT, PTB, PP e PL). O aumento escandaloso foi feito a conta-gotas. O governo previu no Orçamento da União R$ 2,5 bilhões para financiar campanhas de candidatos a prefeituras e câmaras municipais nas eleições do ano que vem, um aumento de 48% em relação ao que foi gasto em 2018.
O argumento inicial era de que as eleições municipais são mais amplas, e exigiriam mais dinheiro que uma eleição presidencial, de deputados federais e estaduais e senadores. Não satisfeitos, os políticos encontraram um jeito de mais que dobrar o fundo, para R$ 3,8 bilhões, e para tal aberração foram buscar em áreas do Orçamento o dinheiro que lhes faltava.
E capricharam na escolha. Os maiores cortes foram em saúde (R$ 500 milhões), infraestrutura e desenvolvimento regional, inclusive verbas para habitação e saneamento (R$ 380 milhões de reais), educação (R$ 280 milhões de reais).
O aumento, já aprovado em comissão, ainda tem de ser votado no plenário em reunião conjunta do Congresso. Se confirmado, as duas maiores bancadas, PT e PSL, juntas, terão quase R$ 800 milhões do Fundo Eleitoral, cerca de 20% do total para distribuir aos seus candidatos a prefeito e vereador.
É claro que é mais fácil aumentar o sangramento do orçamento público do que montar uma legislação que permita o uso de financiamento privado junto com o público, com regras de controle rígidas, para que não se repita a corrupção desenfreada que dominava nosso sistema eleitoral até recentemente.
Para coibir a roubalheira privada, aumenta-se o saque ao orçamento público, como se não prejudicasse o país da mesma maneira. Especialmente num momento em que se pede sacrifícios à população.
A campanha eleitoral de 2018 foi exemplar de como se pode fazer política com um custo reduzido, e parecia ter sido uma experiência exitosa. Mas os parlamentares não se contentam com pouco, e alegam que limitar os gastos eleitorais é um crime contra a democracia.
Teremos, ao final, mais uma crise, pois o líder do governo, Fernando Bezerra, garantiu que o presidente Bolsonaro vetará qualquer aumento acima de R$ 2,5 bilhões.
Merval Pereira: Outro patamar
Moro não fez críticas aos parlamentares e negou-se a comentar a possibilidade de ser vice em 2022
O ministro Sergio Moro está se saindo um “hábil político”, como disse Bolsonaro. Ontem, passou o dia no Congresso, negociando a aprovação do pacote anticrime, e a autorização para a prisão em segunda instância, que foi retirada dele, mas deve ser votada separadamente.
À noite, teve uma vitória importante, mesmo que alguns pontos tenham sido perdidos. Nessa luta, deu uma declaração polêmica que o favorece, e, em certa medida, o governo Bolsonaro, mas criou arestas com o governador de São Paulo, João Doria, que havia lhe oferecido guarida meses atrás, quando parecia que sua relação com o presidente Bolsonaro não ia bem. O excludente de ilicitude, que foi proposto pelo presidente Bolsonaro, deveria mesmo ser retirado. E o “juiz de garantias”, criado por proposta dos deputados, é uma boa novidade.
O ministro da Justiça foi a primeira autoridade a criticar os policiais paulistas pelo que chamou de “erro operacional grave”, referindo-se à tragédia na favela de Paraisópolis, em que nove jovens morreram pisoteados.
Moro elogiou a Polícia Militar do Estado de São Paulo, “uma corporação de qualidade, elogiada no país inteiro”, mas não se furtou a comentar o caso, afirmando que “aparentemente houve lá um excesso, um erro operacional grave”.
O que o ministro Sergio Moro queria era mesmo defender o “excludente de ilicitude”, que o Congresso retirou do pacote anticrime. Refutava críticas de que a ação policial em São Paulo teria sido feita já sob influência da proposta que encaminhou ao Congresso.
Moro, que comemorava a queda dos índices de criminalidade em todo o país, sabe que a cada tragédia como a de Paraisópolis, ou da menina Ágatha no Rio, cresce em parte ponderável da sociedade a rejeição a tal instrumento, que é visto como uma “licença para matar”.
Para ele, os dois casos são situações em que o “excludente de ilicitude” não poderia ser utilizado, pois “em nenhum momento ali existe uma situação de legítima defesa”.
Em outro front, ele conseguiu que o Senado tente um caminho mais rápido para a aprovação da prisão em segunda instância. Em vez de uma emenda constitucional como quer a Câmara, a alteração seria por projeto de lei, mudando o Código de Processo Penal (CPP). A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet, decidiu pautar a votação do projeto de lei na próxima terça-feira, na reunião da CCJ.
Além de precisar de menos votos do que uma emenda constitucional, a mudança do CPP pode ser terminativa na própria CCJ, sem ir a plenário. Na Câmara, o projeto também pode ser aprovado apenas pela CCJ, a não ser que uma décima parte do total da Câmara ou do Senado peça que o assunto vá ao plenário.
É provável que já no Senado haja esse pedido, pois bastam oito senadores para isso. Mas a aprovação parece garantida, já que a senadora Simone Tebet recebeu um documento com a assinatura de 43 senadores pedindo que o assunto fosse adiante, sem esperar a decisão da Câmara.
A aprovação na Câmara pode ser mais complicada, pois o presidente Rodrigo Maia defende a utilização de emenda constitucional, alegando que dá mais segurança jurídica. Como bastariam 51 deputados para exigir que o tema seja submetido ao plenário, é provável que isso aconteça.
O ministro Sergio Moro defende a tese de que é possível tratar o assunto das duas maneiras, sem que o projeto de lei do Senado prejudique a emenda constitucional da Câmara.
A aprovação do pacote anticrime, que endureceu muito as penas e restringiu regalias para os criminosos mais violentos, poderá ser coroada com a mudança sobre a prisão em segunda instância, que era, talvez, o ponto mais importante do pacote anticrime.
Como “político hábil”, Moro não fez críticas aos parlamentares, e negou-se a comentar a possibilidade de vir a ser vice de Bolsonaro em 2022, alegando que o lugar é do general Mourão. Está disposto a prosseguir seu périplo pelo Congresso para angariar apoio na luta contra a violência nas cidades, tema que assumiu lugar de destaque em seu discurso. Promovido a símbolo do combate à corrupção, Moro parece buscar agora um outro patamar.
Merval Pereira: Liberdade de imprensa incomoda autoritários
Ao desagradar a ambas as partes nos extremos, a imprensa profissional e independente mostra que está no caminho certo
Estamos assistindo no país, já há algum tempo, um desfile sistemático de ataques a órgãos de imprensa que não é coisa nossa apenas, mas de variados países com governos populistas, de esquerda ou de direita, que não convivem bem com a imprensa independente.
Essa nova onda da direita autoritária segue-se a outra, da esquerda também autoritária, que dominou a América Latina durante anos. Na Argentina dos Kirchners, na Venezuela de Chavez e Maduro, na Bolívia e no Equador, no Brasil de Lula, sempre a tal da “midia” virava o bode expiatório de governantes que não querem ver seus segredos e desvios revelados.
Ataques aos órgãos de imprensa acontecem quando a democracia não é um regime respeitado por quem está no poder. Quando na oposição, esses mesmos políticos adoram ver seus adversários sob críticas, as mesmas que rejeitam quando governo.
É o caso de agora com o presidente Bolsonaro, que investe contra os meios de comunicação quando lhe são críticos, como a Rede Globo, o jornal O Globo, a Folha de S. Paulo, e distribui benesses para aqueles que abdicam da missão jornalística de fiscalizar os governos para bajulá-los, em troca de vantagens indevidas.
Logo ao sair da cadeia, o ex-presidente Lula fez acusações irresponsáveis à Rede Globo, culpando o mensageiro pelas condenações da Justiça. A radicalização que estamos vivendo leva os dois pólos extremos da política brasileira a atacar os mesmos alvos, que defendem a democracia e mostram o estado dela no país.
Ao desagradar ambas as partes nos extremos, a imprensa profissional e independente mostra que está no caminho certo, defendendo um país que seja governado por pessoas sensatas, com visão de Estado. Não é o caso, também, do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, misto de político e bispo da Igreja Universal, numa clara ameaça ao Estado laico definido pela Constituição.
Crivella, num movimento autoritário que lhe é peculiar, teve o desplante de afirmar que não responderia mais às demandas do Globo, como se isso lhe fosse permitido como funcionário público pago pelos impostos dos cariocas.
Ao impedir que repórteres do Globo participassem da coletiva de imprensa que anunciava ontem a programação do Revéillon do Rio, uma das festas mais importantes da cidade, com repercussão no mundo, atacou não somente a liberdade de imprensa, como seus próprios contribuintes.
Diante das críticas que ontem eu e Carlos Alberto Sardenberg fizemos no nosso programa da CBN, o prefeito enviou uma nota oficial em que diz que o Globo é um “panfleto político, sempre interessado em trocar notícia por verba de publicidade”, numa contradição evidente, pois o que incomoda a Prefeitura são as críticas que recebe.
Dinheiro público não sustenta grandes empresas jornalísticas como o grupo Globo ou a Folha, mas sustenta muitos jornais e rádios pelo Brasil afora, no interior do país, e o governo não pode usar dinheiro público para obrigá-los a serem a seu favor. Isso é perversão da democracia e abuso de poder, e é o que está acontecendo.
Isso acontece quando a democracia não é um sistema político respeitado por quem está no poder. Os obstáculos que governos autoritários cada vez mais colocam no caminho da livre expressão, com embargos de diversos feitios, tentam inviabilizar, até economicamente, os meios de comunicação, que enfrentam também a violência como arma de intimidação da liberdade de expressão, tendo sido registrados diversos casos de assassinatos e agressões a jornalistas nos últimos anos.
É disseminada pelos adeptos de governos autoritários uma tentativa de desacreditar os meios de comunicação, na suposição de que a “opinião pública” representa apenas a elite da sociedade, e não os cidadãos de maneira geral. A origem da “opinião pública”, no fim do século XVIII, deve-se à difusão da imprensa, meio de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político, com o surgimento do Estado moderno.
É o jornalismo profissional e independente, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático, avesso aos populistas de plantão.
Merval Pereira: Um século antecipado
Nesses 11 meses de governo, Bolsonaro já quis se livrar de Moro, mas verificou que seria uma perda considerável para seu apoio popular
O que já circulava como rumor nos grupos políticos mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, ontem virou realidade. Em entrevista ao Estadão, o articulador político do Palácio do Planalto, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse que uma chapa de reeleição com o ministro Sérgio Moro de vice “seria imbatível” na disputa de 2022. “Ganhava no primeiro turno, disparado”, avaliou.
Não é a primeira vez, antes de completar um ano de mandato, que Bolsonaro, que garantira na campanha ser contra a reeleição, aparece nas especulações de seu entorno, e nas suas próprias, como candidato. Mas, como costuma dizer o presidente da Câmara Rodrigo Maia, daqui a até 2002, em política, falta “um século”.
O tempo da política nada tem a ver com o calendário gregoriano, assim como o tempo da economia costumeiramente depende da situação política, e vice-versa. No momento, o governo Bolsonaro vive esse dilema. A perspectiva política é sombria em grande parte dos países, em especial aqui na América do Sul, e por isso o presidente orientou seu ministro da Economia Paulo Guedes a suspender temporariamente as reformas.
Ao mesmo tempo, se a economia não reagir, “esse governo não termina”, como afirmou a senadora Simone Tebet, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, refletindo o pensamento majoritário dos políticos.
Tudo isso para dizer que aventar a possibilidade de ter Moro como vice só serve, neste momento, para definir que o vice atual, General Hamilton Mourão, está fora dos planos do Bolsonaro. E que o prestígio popular do Moro fez com que voltasse à posição original de quase intocável.
Nesses 11 meses de governo, Bolsonaro já quis se livrar de Moro, mas verificou que seria uma perda considerável para seu apoio popular. Ele e Guedes continuam superministros, com uma diferença: tiveram que se adaptar ao estilo Bolsonaro de governar, onde qualquer observação, por menor que seja, transforma um ministro prestigiado em traidor. E as exigências de demonstrações de lealdade são permanentes.
Os dois são também os principais alvos do ex-presidente Lula, que também adiantou a máquina do tempo para polarizar com Bolsonaro. Já chamou Guedes de “destruidor de sonhos e de empresas públicas brasileiras”. E Moro de “canalha”.
Tanto três anos antes das eleições presidenciais é um tempo demasiadamente antecipado para avaliar a potencialidade de um candidato a presidente que tanto Ibope quanto Datafolha têm dados bastante escassos desse período em eleições anteriores. O Ibope simplesmente não faz pesquisas nesse período, e o Datafolha faz pesquisas eventuais, com um leque enorme de candidatos. Em 1999, o Datafolha fez uma pesquisa onde os candidatos do PSDB poderiam ser Mario Covas, Tasso Jereissati ou Serra. Em 2007, Serra aparecia na frente à medida que o tempo passava. Em 2015, Bolsonaro nem aparecia na listagem dos possíveis candidatos, assim como Fernando Haddad.
Paranóia
Recentemente escrevi que os deputados estavam dispostos a aprovar a prisão em segunda instância, mas, em contrapartida, aprovariam também uma lei explicitando, entre outras coisas, que a delação premiada não pode ser usada como prova.
Essa afirmação me parecia inócua, pois há decisão do Supremo nesse sentido, e orientação expressa nas cartilhas do Ministério Público. Os deputados alegam, porém, que, não estando em nenhuma lei, essa definição pode ser desobedecida a qualquer momento, de acordo com a interpretação de cada juiz.
Pois parece mais paranóia do que outra coisa. O ministro do STF Marco Aurélio Mello se encarregou de esclarecer o caso. O parágrafo 16 do artigo quarto da Lei 12850, conhecida como Lei das Organizações Criminosas, já prevê que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. O ministro Marco Aurélio foi o relator no STF quando se analisou a higidez da lei.
Merval Pereira: A direita se apresenta
Para cientista político, o fim da ‘direita envergonhada’ faz com que as táticas de Lula não tenham mais eficácia hoje
No momento em que Lula e Bolsonaro voltam a polarizar a política nacional, com a mesma tática de radicalizar para marcar territórios e, a partir deles, avançar sobre o centro como única alternativa viável para impedir o outro de ocupar a presidência da República, o cientista político Octávio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas no Rio aposta, em artigo no boletim do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que as táticas políticas de Lula não têm mais eficácia nos dias de hoje, deixando poucas probabilidades de êxito.
O motivo mais imediato é o que ele chama de “o fim da direita envergonhada”. Com a volta dos civis e da democracia a partir de 1985, analisa Octavio Amorim Neto, a direita continuou a ocupar importantes posições de poder no Executivo Federal, no Congresso Nacional, no Judiciário, nos governos e legislaturas estaduais e municipais e no seio da Forças Armadas.
Mas esse poder foi caindo ao longo do tempo, sobretudo a partir da chegada do PT à Presidência da República em 2003. “Na verdade, entre 1985 e o início da década de 2010, o Brasil teve uma “direita envergonhada”, que recusava dizer seu nome às claras. Foi nesse ambiente que as táticas de Lula vicejaram”.
De fato, a direita política nacional, que durante os anos de predomínio petista se escondeu, envergonhada, com o disfarce de centro, no máximo centro-direita, revive no Brasil desde a eleição de Jair Bolsonaro, e também na América do Sul.
Dos 12 países mais importantes da região, seis elegeram governos de direita, e um, a Bolívia, viu um dos ícones da fase esquerdista da região, Evo Morales, ser destituído. Outros estão às voltas com graves crises sociais, como o Chile, o Peru. Bolsonaro perdeu o apoio do governo da Argentina, que substituiu Macri pela volta de Cristina Kirchner, mas ganhou o do Uruguai, que foi para a centro-direita depois de anos de governos de esquerda.
O Brasil, que era talvez o único país do mundo em que não existiam políticos “de direita”, que defendessem o conservadorismo, agora tem até mesmo racha entre o PSL, de direita, que serviu de incubadora da candidatura de Bolsonaro, e o Aliança pelo Brasil, de extrema-direita, comandado pelo mesmo Bolsonaro.
Voltando a Octavio Amorim Neto, as consequências da soltura do ex-presidente Lula, graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dependerão de como agirá. “Logrará fazer o PT ressurgir nas grandes cidades do Centro-Oeste, Sudeste e Sul em 2020? Conseguirá levar seu partido novamente ao segundo turno em 2022?”.
Para o cientista politico, a tática de Lula, de radicalizar para depois conciliar, tem “baixa probabilidade de sucesso”. Em primeiro lugar, diz Octavio Amorim Neto, é fundamental registrar que as táticas lulistas deram certo num contexto de enfraquecimento estrutural da direita. “Quando Lula emerge como líder sindical no ABC, o regime militar já estava batendo em retirada”.
Ele vê “o catastrófico segundo mandato de Dilma Rousseff,” como o início do movimento que levou a direita a ascender politicamente, “a ponto de um candidato de extrema direita, autoritário e reacionário, Jair Bolsonaro, vencer o pleito presidencial de 2018”.
Mesmo admitindo que “por conta do caótico governo liderado pelo ex-capitão do Exército, pode ser que a direita não repita esse feito em 2022”, Octávio Amorim Neto diz que a direita jamais voltará a ser a direita envergonhada que, “dócil e oportunisticamente, aceitou os acenos de conciliação de Lula até 2014”.
Ou seja, para ele, “se Lula tentar soprar um novo incêndio para, depois, oferecer-se como líder dos bombeiros que tentarão apagá-lo”, citando uma frase de Elio Gaspari que considera definição perfeita da atuação de Lula, é muito provável que “o fogo se espalhe e faça a vida política nacional arder em chamas nunca dantes vistas desde 1985”.
Octavio Amorim Neto diz que “se Lula e o PT quiserem ter não apenas sucesso eleitoral, mas também contribuir para a manutenção do regime democrático e o renascimento da política, é imperativo que compreendam a nova quadra histórica em que vive o país e mudem suas táticas”.
Isso significa, necessariamente, “fazer uma autocrítica e entabular – publicamente – conversas e acordos com o centro político, sobretudo com o PSDB, o MDB, e o DEM de Rodrigo Maia. Octávio Amorim Neto admite que, hoje, “tal conselho pode soar como insulto a Lula e à ala radical do PT comandada por Gleisi Hoffmann. Assim, somente quando os custos das velhas táticas se tornarem muito claros, as mentes começarão a se concentrar”.
Merval Pereira: Não é só o Lula
Deputados que eventualmente poderiam resistir à antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo
A desconfiança de que o acordo fechado entre Câmara e Senado para aprovar uma emenda constitucional que permita a prisão em segunda instância não passa de uma manobra protelatória para não aprovar coisa nenhuma tem sido uma dor de cabeça para o presidente da Câmara.
Ele passou a sexta-feira ao telefone ligando para os líderes de partidos políticos que não indicaram os membros da Comissão Especial que analisará a proposta. Isso porque apenas 16 dos 34 deputados que a comporão haviam sido indicados. Maia dá sinais de que pretende instalar já na próxima semana a Comissão com a maioria de 18 participantes, para forçar os demais partidos resistentes a indicarem seus representantes.
Entre esses partidos estavam até mesmo o DEM, partido de Maia e Alcolumbre, PP, MDB, Republicano, PTB, PSC, PMN, Solidariedade, PCdoB, Patriota, PT, PSB e PSOL. Os partidos de esquerda tentarão obstruir os trabalhos, e, sendo a Comissão Especial instalada, eles terão que fazê-lo nas reuniões plenárias, não adiantando ficar de fora dos debates.
O presidente da Câmara quer demonstrar, com essa instalação, que está disposto a fazer andar a proposta, para dissipar as dúvidas sobre sua atuação. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta que muda os artigos 102 e 105 da Constituição para permitir que os julgamentos terminem na segunda instância, quando seria considerado o trânsito em julgado, foi aprovada por 50 votos a 12, o que mostra a correlação de forças.
O texto da PEC do deputado Alex Manente transforma os recursos ao STJ (ordinários) e ao STF (extraordinários) em ações de revisão, possibilitando que as decisões proferidas pelas cortes de segunda instância transitem em julgado com o esgotamento dos recursos ordinários.
O projeto em discussão no Senado que altera o Código de Processo Penal (CPP) para definir que a prisão pode acontecer “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou preventiva” vai continuar sua tramitação na CCJ até que a senadora Simone Tebet se convença de que a PEC da Câmara vai realmente seguir adiante.
A decisão de apoiar a PEC em vez da mudança do PCC, como queria o ministro Sérgio Moro, levou em conta a segurança jurídica, e não o tempo do processo, mais demorado e mais difícil de ser aprovado quando se trata de uma emenda constitucional.
Havia o receio de que a mudança no CPP criasse dúvidas, pois o artigo 283 já fora considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Mudança em seu texto levantaria novos debates na própria Corte, mesmo que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tenha dito que o Congresso é soberano para mudar a legislação.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está convicto de que a proposta será aprovada com facilidade, mas sabe que haverá obstáculos no caminho. O que ele quer é que todos assumam suas responsabilidades, como aconteceu na reforma da Previdência.
Os deputados que eventualmente poderiam resistir à antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo Tribunal Federal, e só seriam prejudicados se perdessem a eleição em 2022, um horizonte eleitoral distante. E a pressão da opinião pública certamente continuará, especialmente no recesso parlamentar, quando todos regressam às suas bases eleitorais. Desse ponto de vista, será até bom instalar a Comissão Especial agora e retomar as discussões no ano que vem.
Uma discussão que certamente afetará a decisão é o alcance da mudança, que deve atingir todos os casos, não apenas os criminais. Os casos cíveis, tributários, trabalhistas e outros poderão ser executados com a decisão de segunda instância.
Essa abrangência pode ser questionada, e a senadora Simone Tebet acha que os lobbies atuarão fortemente para derrubar a PEC, inviabilizando sua aprovação. Mas, ao mesmo tempo, ajuda a não particularizar a decisão, tirando dela a pecha de ser destinada a voltar a prender o ex-presidente Lula. Além da pressão da sociedade pela segunda instância ser voltada pontualmente para os corruptos presos, o interesse dos políticos aumentará muito com a simplificação dos processos em geral, e a PEC teria o apoio da sociedade também por parte dos que criticam a demora das decisões judiciais.
Merval Pereira: Goleada
Foi uma derrota do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Dias Toffoli. Subsidiariamente, foram derrotados os que pretendiam limitar a atuação dos órgãos de fiscalização no combate à corrupção.
A maioria de oito votos em onze definiu que não há limitações à atuação da Receita Federal e da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), podendo transmitir informações ao Ministério Público e à Polícia mesmo sem autorização judicial.
O presidente do STF, que já havia votado contra sua própria liminar anterior liberando a atuação da UIF, viu também diversos ministros criticarem sua decisão de juntar a um processo contra a Receita a atuação da UIF, pedida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro.
No final do julgamento, ontem, os ministros Rosa Weber, Cármem Lúcia, Marco Aurelio Mello e Celso de Mello pediram que ficasse registrada a discordância deles sobre essa junção indevida. O ministro Marco Aurélio Mello nem sequer analisou em seu voto a atuação da UIF, pois considerou que ela não fazia parte do processo em julgamento.
Ele reclamou da paralisação de “um sem número de procedimentos criminais, prejudicando-se a jurisdição na área sensível, na área da persecução penal, na área criminal”, referindo-se à liminar de Toffoli que suspendeu mais de 900 investigações abertas com base em dados do órgão. “A legitimidade das decisões do Supremo são hoje muito questionadas”, ressaltou Marco Aurélio.
Outros ministros, como Luis Roberto Barroso, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski registraram em seus votos a inadequação de tratar-se da atuação da UIF em processo que dizia respeito à Receita Federal, mas mesmo assim votaram. Apenas o ministro Gilmar Mendes, embora discordando do voto de Toffoli, entendeu que juntar a UIF no processo fazia sentido, pois se tratava de julgar o compartilhamento de dados.
Nenhum ministro tratou diretamente do caso do senador Flavio Bolsonaro, mas todos os que criticaram a inclusão da atuação da UIF estavam, indiretamente, condenando a liminar de Toffoli. O caso específico de Flavio Bolsonaro foi tratado por Gilmar Mendes, que se baseou na decisão de Toffoli.
Embora a maioria esteja clara pela liberação do compartilhamento sem autorização judicial, o presidente do STF disse que na próxima semana a tese vencedora será debatida em detalhes, para definir os parâmetros para o compartilhamento dos dados.
As dúvidas são mais de Toffoli e dos votos vencidos do que da maioria. O presidente do STF acha que a Receita não pode entregar documentos integrais, como a declaração do Imposto de Renda, ao Ministério Público, ao contrário dos demais.
Também existe dúvida se é permitido ao Ministério Público pedir informações aos órgãos de fiscalização diretamente. O ministro Toffoli acha que só se essas informações já estiverem no banco de dados desses órgãos eles poderão ser requisitados. A maioria acha que a troca de informações não deve ser submetida a restrições.
O fato é que perdemos quatro meses para voltarmos exatamente ao ponto em que estávamos, com os órgãos de informação trabalhando com base nas orientações internacionais, nas boas práticas para o combate à corrupção e lavagem de dinheiro.
O mais grave é verificar que todos os processos foram suspensos, inutilmente, devido a um artifício jurídico da defesa de Flavio Bolsonaro acatado por Toffoli, para voltar atrás por pressão da opinião pública e da maioria de seus pares no Supremo Tribunal Federal.
Louve-se, no entanto, a postura do presidente do STF que, ao verificar que fora vencido largamente, aderiu à maioria. No caso concreto, votou pela legalidade da investigação do caso do interior de São Paulo que serviu de pretexto para a liminar que dera em julho.
Mudou também seu voto, passando a admitir o compartilhamento de informações detalhadas pela Receita em qualquer caso, mesmo sem autorização judicial, definindo o placar final em 9 a 2, que exprime sem sombra de dúvidas a qualidade teratológica, como se diz nos meios jurídicos, de sua liminar.