Memória
Luiz Carlos Azedo: Queiroga saiu? Uma vírgula!
A última do ministro da Saúde foi retirar a CoronaVac, a vacina do Butantã, do programa de reforço da imunizaçao, a chamada terceira dose
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A notícia de que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, havia pedido demissão foi a sensação nas redes sociais, ontem, até ser desmentida pelo próprio. Em se tratando daquela pasta, cuja atuação na pandemia de covid-19 é investigada pela CPI do Senado, tudo poderia acontecer, ainda mais uma troca de ministros, porque três já passaram pelo cargo. A notícia era uma “barriga”, ou seja, uma notícia falsa no velho jargão jornalístico, geralmente publicada de forma involuntária, ou seja, algo muito diferente de uma maldosa fake news. Se bem que não é incomum um fato como esse se confirmar somente algumas semanas depois, por puro capricho de quem demite, porque a informação “vazou”.
A história toda começou por causa de uma vírgula, na coluna publicada pelo jornalista Matheus Leitão, no site da revista Veja, intitulada “Queiroga, pede para sair”. O texto faz um balanço da atuação do ministro e conclui: “Assim como todos os ministros da Saúde que já passaram pelo governo de Jair Bolsonaro, Queiroga demonstra fraqueza e apatia no cargo. Ninguém supera os erros de Eduardo Pazuello, mas talvez seja hora de Queiroga cogitar sua saída da liderança da pasta que se tornou o foco e a responsável por administrar a crise no país nos últimos meses”.
Houve leitura apressada do texto, ignorando a pontuação, ou seja, concluíram que Queiroga havia pedido demissão, transformando o vocativo no sujeito da ação: “Queiroga pede para sair”. Quem checou com alguma fonte dadivosa, provavelmente teve a confirmação antes de publicar a notícia. Tropeçar na vírgula é um dos cavacos do ofício de jornalista, daí a antológica campanha realizada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao completar 100 anos:
”A vírgula pode ser uma pausa… ou não:
Não, espere.
Não espere.
Ela pode sumir com seu dinheiro:
R$ 23,4.
R$ 2,34.
Pode criar heróis:
Isso só, ele resolve!
Isso, só ele resolve!
Ela pode ser a solução:
Vamos perder, nada foi resolvido!
Vamos perder nada, foi resolvido!
A vírgula muda uma opinião:
Não queremos saber!
Não, queremos saber!
A vírgula pode condenar ou salvar:
Não tenha clemência!
Não, tenha clemência!
Uma vírgula muda tudo!
ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.”
Mais uma dose
São funções da vírgula: (1) representar uma pausa ou uma mudança na entonação; (2) separar palavras ou orações que precisam
de destaque; (3) eliminar ambiguidades e esclarecer o conteúdo da frase. Há situações em que é imprescindível empregar a vírgula, como nas orações explicativas, e outras em que ela não deve ser usada, como nas orações restritivas. Por isso, ao anunciar o nome do pre- sidente da República, Jair Bolsonaro, usa-se vírgula; para falar do ex-presidente José Sarney, porém, não, porque outros também exerceram o cargo: Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.
A vírgula é terminantemente proibida quando separa o sujeito do verbo e seus complementos. Quando há apenas um substantivo simples no sujeito, fica mais fácil: João saiu de casa à meia-noite. A mesma lógica se aplica ao verbo e seus complementos: João pediu a Maria que fosse visitá-lo. No caso Queiroga, realmente, a vírgula faz sentido, deve- ria pedir pra sair. Não é competente como sanitarista, está no cargo porque atende aos caprichos de Bolsonaro, um negacionista, que até hoje não se vacinou contra a covid-19 ou o fez escondido, como o general Luiz Ramos, secretário-geral da Presidência.
A última do Queiroga foi retirar a CoronaVac, a vacina do Butantã, do programa de reforço da vacina, a chamada terceira dose. Foram aplicadas, até agora, 57,4 milhões de doses dessa vacina. Os que a tomaram não terão direito ao reforço? Ontem, o The New England Journal of Medicine publicou o resultado de uma pesquisa realizada no Chile sobre a eficácia da vacina chinesa, que usa o método tradicional, mas contra a qual Bolsonaro até hoje faz campanha.
Realizada de 2 de fevereiro a 1o de maio de 2021, alcançou 10,2 milhões de pessoas vacinadas acima de 16 anos, com uma média de 600 mil pessoas/dia. Entre as que foram totalmente imunizadas, a eficácia da vacina ajustada foi de 65,9% para a prevenção contra a covid-19; de 87,5% para a prevenção de hospitalização; 90,3% para a prevenção de admissão na UTI; e de 86,3% para a prevenção de morte relacionada a covid-19. “Nossos resultados sugerem que a vacina SARS-CoV-2 inativada preveniu efetivamente a covid- 19, incluindo doença grave e morte”, concluiu o relatório.
Conrado Hübner Mendes: O que a Constituição queria do STF era coragem
Tribunal deveria cumprir seu próprio 'marco temporal' para julgar
Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo
A democracia brasileira precisa de um marco temporal. Não a tese jurídica que estabeleceu dia certo para atribuir direito territorial de povos originários, tese estranha à Constituição de 1988 e aos debates constituintes.
Falta à democracia brasileira um marco temporal para o STF tomar decisões. Não só um prazo razoável, mas a certeza de que, anunciada a pauta, não promoverá adiamentos contados em números de meses ou anos, como de costume. O STF não pode dizer que aprecia segurança jurídica se não oferece nem isso e se acomoda ao "devo, não nego, julgo quando quiser".
Nesta quarta-feira (1º) a corte começou a julgar mais um de seus casos históricos. Terá a chance de orientar a promessa constitucional de demarcação de terras indígenas, que acumula 28 anos de atraso (Constituição pedia que se encerrasse em cinco anos).
O caso chegou ao STF em 2016 e questiona aplicação, a outras demarcações territoriais, de critério construído no caso Raposa Serra do Sol, de 2009. Pautado para 2020, foi adiado sem maiores explicações.
Agora, corre risco de novo adiamento em função das ameaças de um presidente que comete crimes comuns e de responsabilidade. Basta um pedido de vista, e o tribunal jogará o tema para um futuro incerto enquanto a violência aumenta no campo.
A Constituição pede ao STF muitas virtudes institucionais. Duas para começar: primeiro, a coragem de decidir; segundo, a coragem de decidir certo.
Precisa saber que sua demora tem custos altos. Em torno de 1 milhão de pessoas estão hoje enredadas em conflitos por terra, invasões de territórios e assassinatos (relatório “Conflitos no Campo Brasil – 2020”, da Comissão Pastoral da Terra). A incerteza jurídica e um Congresso que busca legislar a toque de caixa contra direitos indígenas e socioambientais gera expectativa de leniência à delinquência e incentivos para desmatamentos e invasões.
Adiar e "deixar para o Congresso", como se ouviu, trairia a missão de uma corte constitucional, cuja razão de existir é impedir que o legislador viole a Constituição. Essa divisão de funções está presente em quase todas as democracias do mundo. Não significa usurpar, esvaziar ou se sobrepor ao Congresso, apenas lhe fazer contrapeso e proteger a ordem constitucional.
Em outros tempos, quando não havia presidente apontando canhão para o tribunal e ameaçando fechá-lo, o STF repetia essa ideia com muito orgulho e altivez retórica. Tempos sem riscos. A coragem de um tribunal constitucional se mede em tempos como hoje.
O STF também precisa saber que a decisão errada, sucumbindo às pressões do agronegócio (que investiu alto na desinformação e na compra de pareceres jurídicos), perpetuará efeitos dramáticos, tanto nos outros processos sobre o tema que hoje tramitam na corte, quanto nos processos administrativos hoje parados no Executivo.
E a generalização da tese do marco temporal é errada por muitas razões.
Ignora a literalidade do artigo 231 da Constituição (e o critério de "terras tradicionalmente ocupadas"). Ignora também a própria jurisprudência do STF sobre direitos dos povos indígenas. Em sucessivos casos, o tribunal estabeleceu que a "tradicionalidade" está relacionada ao modo de ocupação da terra, não ao tempo. A data marcada para reconhecimento de terra indígena é exigência desprovida, ironicamente, de "tradicionalidade jurisprudencial". Arbitrária, portanto.
Afirmar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol firmou um precedente que deveria ser seguido esconde muita coisa: primeiro, a jurisprudência anterior; segundo, que esse caso isolado deixava explícito que sua tese não se aplicava a quaisquer outros; terceiro, que mesmo precedentes sólidos, mesmo em tradições jurídicas que se apegam a precedentes, devem ser revogados quando o erro para a situação presente se tornar evidente.
Pedimos ao STF, além de coragem, a dignidade do bom argumento e inteligência jurídica. Que seja um agente do rigor analítico, não da desinformação e do teatro retórico. Que não invoque números ou previsões sem citar fonte respeitável. Que não use analogias baratas ("Copacabana terá que voltar aos índios") ou dados espúrios, porque o assunto é sério demais.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/09/o-que-a-constituicao-queria-do-stf-era-coragem.shtml
Luiz Carlos Azedo: Feitiços do tempo
Perde-se tempo com coisas que não são prioritárias, as verdadeiras urgências não são levadas em conta. O melhor exemplo é o apagão energético
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O filme que intitula a coluna é uma história simples, romântica, cheia de clichês, meio pastelão. No Dia da Marmota, o repórter Phil Connors vai à pequena Punxsutawney fazer a cobertura do evento. Por um desses mistérios que somente acontecem nos filmes de Hollywood, o mesmo dia se repete incontáveis vezes. O protagonista fica preso no tempo. É um nonsense, sem nenhuma explicação científica nem preocupação com isso.
A trama se baseia em personagens estereotipados: Rita, a heroína, é certinha demais; Phil é um fracassado, que se sente mal pelo trabalho que faz, escalado todo ano para acompanhar uma festa que odeia. Numa analogia transgressora, o presidente Jair Bolsonaro pretende transformar o nosso Dia da Independência no seu Dia da Marmota. Corre o risco de se tornar prisioneiro do tempo, das manifestações que está convocando para Brasília e São Paulo, pelo resto de seu mandato, qualquer que seja a capacidade de mobilização que venha a demonstrar.
É uma daquelas situações em que o sujeito vira o “burro operante”, como diria o superexecutivo Antônio Maciel Neto (Cecrisa, Grupo Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai). Quando o conceito está errado, toda a estratégia é condenada ao fracasso. Atributos como audácia, carisma, coragem, perseverança e resiliência aumentam o tamanho do desastre, porque a execução do planejado leva exatamente a isso. Bolsonaro quer demonstrar capacidade de mobilização de seus apoiadores para pressionar o Supremo e o Congresso a aumentarem seu poder e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista, o que está errado.
Vamos supor que a manifestação seja um sucesso, mobilizando alguns milhões de partidários, como deseja o presidente da República. O que isso tem a ver com os problemas reais da população: inflação em alta, desemprego, crise sanitária, economia devagar, mas devagar mesmo, quase parando? Nada, absolutamente nada. Mais: nesse cenário, prosseguiria sua escalada de desestabilização do Estado democrático de direito, que é um dos grandes fatores de risco para economia brasileira. Nossos problemas objetivos se agravariam, artificialmente, como mostra a experiência de alguns de nossos vizinhos. Suponhamos, porém, que a mobilização não chegue nem perto dessa quantidade de pessoas. Será um ponto irreversível de inflexão de seu governo, que já está descendo a ladeira do fracasso. Perderia a capacidade de iniciativa política.
Governança
Além do conceito correto, o triângulo de sucesso é formado por mais duas variáveis: um método adequado e um ambiente favorável. Bolsonaro não conta com uma coisa nem outra. A coisa mais metódica de sua rotina é voltar cedo para casa. Bolsonaro, segundo os funcionários do Palácio do Planalto, é o presidente da República que menos trabalha. O ambiente caótico que está criando também dispensa maiores comentários. O presidente da República é um daqueles casos citados por Maquiavel n’O Príncipe: chegou ao poder muito mais pela Fortuna do que pela Virtù. Quando as contingências mudaram, passou a enfrentar dificuldades sem as condições pessoais para superá-las, como os príncipes que não conseguem manter o poder quando as contingências mudam e passam a depender mais das próprias virtudes do que da própria sorte.
São feitiços do tempo. O físico Alan Lightman escreveu 30 contos sobre os sonhos do jovem Albert Einstein, então com 26 anos. São fábulas sobre a teoria da relatividade. Traduzidas para mais de 30 línguas, suas 167 páginas inspiraram dramaturgos, bailarinos, músicos e outros artistas do mundo. Tudo acontece entre a primavera e o início do verão de 1905, em Berna, à sombra dos Alpes. Um simples funcionário do Escritório Suíço de Patentes vem tendo sonhos perturbadores, todos eles ligados aos mistérios do tempo e do espaço. Num deles, por exemplo, o tempo transcorre num único dia: nascimento, vida e morte. Em outro, não existe futuro. E há também o sonho em que causa e efeito ligam-se de maneira imprevisível, desvinculando os atos de suas consequências.
Um dos contos se passa num parque, cinco minutos antes de fechar. Um jovem aflito espera a namorada querendo que ela chegue mais rápido, um velho senhor conversa com a netinha querendo esticar o tempo, e o pipoqueiro do parque, metódico, arruma a sua carrocinha com a precisão de um relógio suíço. O tempo da política não é o mesmo da economia, muito menos o da Justiça. A incapacidade de governança começa na forma como Bolsonaro administra o seu próprio tempo, sem levar em conta que é o recurso mais escasso do seu mandato. Perde-se tempo com coisas que não são prioritárias, as verdadeiras urgências do país não são levadas em conta. O melhor exemplo é o apagão energético, em razão da crise hídrica. O impacto do aumento do preço da energia elétrica na vida das pessoas vai se somar ao dos aumentos da gasolina e do gás de cozinha.
Luiz Carlos Azedo: O bicentenário
O Brasil vive um cenário de incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Ao resenhar a obra do historiador José Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil (Senac), de 1965, o embaixador Alberto Costa e Silva destacou que a chave para entender a história do Brasil é a conciliação: “Entre os que se foram tornando o povo brasileiro — os índios convertidos e os selvagens; os negros escravos, libertos, africanos e crioulos; os brancos reinóis e os mazombos; os mamelucos; os mulatos e os cafuzos; tão diversos entre si, tantas vezes conflitantes e, na aparência, irredutíveis —, venceram os conciliadores sobre a violência dos intransigentes”.
Pelourinhos, quilombos, motins, revoltas, repressões sangrentas, fuzilamentos, enforcamentos, esquartejamentos, guerras e mais guerras, desde a Independência, foram 200 anos sangrentos, mas prevaleceu a unidade nacional e a conciliação no seio do povo, à qual devemos “o fato de ter o Brasil, desde cedo, deixado de ser uma caricatura de Portugal nos trópicos” e possuir um substrato novo, “apesar do europeísmo e lusitanismo vitorioso e dominante na aparência das formas sociais”, como destacou Honório Rodrigues.
Não haveria futuro com recusa ao diálogo, desrespeito aos opositores, intolerância mútua e intransigência. Muito mais do que às elites, ao povo se deve a integridade territorial; a unidade linguística; a mestiçagem; a tolerância racial, cultural e religiosa; e as acomodações que acentuaram e dissolveram muitos dos antagonismos grupais e fizeram dos brasileiros um só povo que, como se reconhece e autoestima, delas também recebeu as melhores lições de rebeldia contra uma ordem social injusta e estagnada, avalia.
Hoje, o Brasil vive um cenário de incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro, no qual o presidente Jair Bolsonaro promete armar um grande barraco político, em manifestações convocadas para a Avenida Paulista, em São Paulo, e a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, enquanto as Forças Armadas se recolherão às cerimônias de quartel, à margem da política, sem os populares. desfiles militares. A contagem regressiva para o bicentenário da Independência começa numa encruzilha do seu destino: não temos um projeto de futuro nem consensos sobre o presente.
Não será um ano fácil. Num país com rumo, o presidente da República anunciaria grandes comemorações, uma proposta de desenvolvimento e a convocação de um debate nacional sobre os próximos 100 anos, envolvendo toda a sociedade. O objetivo seria nos tornarmos um país desenvolvido (ou quase) pelo esforço continuado de quatro gerações. Entretanto o que estamos vendo é a desesperança na sociedade e o desejo de volta ao passado, de uma minoria reacionária e extremista, saudosista do sesquicentenário, comemorado durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici.
Naquela época, em plena ditadura, o ponto alto das comemorações foi o seu encerramento, na colina do Ipiranga, em São Paulo, local onde foi proclamada a Independência, em 1822, e onde ocorreria a inumação dos despojos mortais de D. Pedro I, ao lado da imperatriz Leopoldina, após peregrinação por todo o país. Um tour de necropolítica, à sombra da censura prévia e da suspensão do habeas corpus. Os órgãos de segurança do regime sequestravam, torturavam e desapareciam com oposicionistas.
Nova agenda
Com certeza, haverá muita discussão sobre o que aconteceu nestes 200 anos e o que devemos projetar para o futuro, na academia e nos partidos, como o MDB, o PSDB, o DEM e o Cidadania, cujas fundações anunciam a realização de uma série de debates programáticos, com objetivo de repensar a realidade brasileira no contexto da globalização, a partir da segunda semana de setembro. O primeiro será em 15 de setembro, sobre a atual crise institucional e a democracia, tendo como conferencista o ex-presidente do Supremo Nelson Jobim e os ex-presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer como debatedores, com a participação dos presidentes dos respectivos partidos: o deputado Baleia Rossi (MDB-SP); o presidente nacional do PSDB, Bruno Araujo; o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (DEM); e o ex-deputado Roberto Freire (Cidadania).
Segundo o ex-governador Moreira Franco, mediador do debate e um dos curadores do evento, o objetivo é discutir um novo rumo para o país, em bases democráticas, modernas e inclusivas, antes de pensar em candidatura única, analisar uma nova agenda do país. O evento reunirá gente que pensa com Pê maiúsculo: Roberto Brant, Zeina Latif, José Roberto Afonso, Bernard Appy, Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques, Cristovam Buarque, Raul Jungmann, Murilo Cavalcanti, Sérgio Besserman Vianna, Rubens Ricupero e José Carlos Carvalho, Milton Seligman, Gabriela Cruz Lima, Ivanir dos Santos, Luiz Antônio Santini, André Médice, Januário M Januário Montoni, Marta Suplicy e Luiz Roberto Mott, entre outros.
Luiz Carlos Azedo: O braço armado de Bolsonaro
“No establishment econômico, institucional e militar, a interrogação é se chegaremos em 2022 com Bolsonaro no poder”
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O imponderável da democracia brasileira, com eleições limpas e apuração instantânea, é o voto popular. Vem daí o medo que Jair Bolsonaro sente das urnas eletrônicas, porque sua reeleição subiu no telhado, em razão de o país estar à matroca — com inflação em alta, desemprego em massa, crise sanitária e risco de apagão. Por isso, ameaça tumultuar as eleições de 2022. O presidente da República teme não se reeleger, desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como favorito nas pesquisas de opinião, mesmo sabendo que ninguém ganha eleição de véspera. Outros postulantes querem romper essa polarização: João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Henrique Mandetta (DEM), quiçá Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, e Sérgio Moro, o ex-juiz que não se assume como candidato e continua pontuando nas pesquisas. Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia para todos. Obviamente, esse cenário ameaça até sua presença no segundo turno.
Pressionado psicologicamente, diante do próprio fracasso político-administrativo, a 14 meses das eleições, Bolsonaro aposta na polarização ideológica e na radicalização política extrema. Busca um atalho para se manter no poder. Apoiado por partidários fanatizados, escala um confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e trabalha para melar as eleições, ao levantar suspeitas sobre a integridade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na condução do pleito. Tenta intimidar a oposição, a imprensa e os ministros do Supremo, e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista. Não obteve sucesso até agora. Quer transformar o Sete de Setembro, no qual pretende realizar duas grandes manifestações, uma em Brasília e outra em São Paulo, numa demonstração de que pode resolver no braço o que não consegue pelo convencimento, como fazem os valentões.
Os próximos meses serão complicados. Bolsonaro tem um pacto com os violentos. Primeiro, com as milícias do Rio de Janeiro, cujo modelo de atuação naturalizou e traduziu para a política. Aproveitando-se dos interesses corporativos de categoriais profissionais embrutecidas pelos riscos da própria atividade, mobiliza atiradores e indivíduos que cultuam a violência por temperamento ou ideologia, fundamentais para a formação de falanges políticas armadas, para as quais conta com a expertise de militares reformados e agentes de segurança pública. A violência sempre presente nos territórios dominados por atividades transgressoras ou na fronteira da economia informal, onde não existe título em cartório e as dívidas são cobradas sob ameaças, é o caldo de cultura de que se aproveita.
Establishment
Na Itália do jurista, político e ex-primeiro-ministro Aldo Moro, assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, os terroristas escreveram nos muros da sede da Democracia Cristã: “Transformar a fraude eleitoral em guerra de classes”. Com sinal trocado, quando fala que o povo deveria comprar fuzil e não feijão, Bolsonaro sinaliza na direção de que pretende transformar as eleições numa guerra. Está armando os militantes que pretende mobilizar para tumultuar o pleito, como tentou Donald Trump nas eleições americanas, diante da impossibilidade de mobilizar as Forças Armadas para dar um golpe de Estado.
No establishment econômico, institucional e até mesmo militar do país, porém, a grande interrogação é se chegaremos às eleições de 2022 com Bolsonaro no poder. Sua escalada contra as regras do jogo democrático e contra o Supremo não tem como dar certo. No limite, propõe a discussão sobre a eventualidade de interdição por insanidade mental ou inelegibilidade por atentar contra a democracia. Talvez seja essa a aposta do presidente da República, para provocar uma crise institucional de desfecho violento.
A democracia é uma conquista civil da qual não se pode abrir mão precisamente porque, onde ela foi instaurada, substituiu a violenta luta pela conquista do poder por uma disputa partidária com base na livre discussão de ideias. Condenar as eleições, esse ato fundamental do sistema democrático, em nome da guerra ideológica, nos ensina o mestre Norberto Bobbio, significa “atingir a essência não do Estado, mas da única forma de convivência possível na liberdade e através da liberdade que os homens até agora conseguiram realizar, na longa história de prepotência, violência e cruel dominação”. Deixemos o povo resolver as disputas pelo voto, em clima de eleições pacíficas e ordeiras.
Luiz Carlos Azedo: Onze teses negacionistas
Negacionismo utiliza preconceitos para construir teorias conspiratórias. Manipulação da informação explora a boa-fé e a ignorância
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Por definição, negacionismo é o ato de negar uma informação estabelecida em bases científicas, ou seja, amplamente estudada e comprovada. Suas características são a manipulação de informações, a utilização de falsos especialistas e as teorias conspiratórias. O negacionista assume uma postura irracional e ideológica, prefere acreditar em informações falsas e sem comprovação, despreza ciência e refuga as verdades inconvenientes. Na ciência, destacam-se o negacionismo do aquecimento global e o da esfericidade terrestre; na História, o do Holocausto. O Brasil vive uma onda negacionista, liderada pelo presidente Jair Bolsonaro e filhos.
O negacionismo utiliza os preconceitos e o senso comum para construir teorias conspiratórias. A manipulação da informação é fundamental, geralmente por falsos especialistas, que exploram a boa-fé e a ignorância. Com o advento das redes sociais, utiliza-se em larga escala das fake news, formando grandes correntes de propagação de mentiras. São teses negacionistas:
1. Gripezinha — desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma política negacionista em relação à gravidade da pandemia da covid-19 e defendeu a chamada “imunização de rebanho”, cuja consequência foi o descontrole sobre a propagação da doença. O número de mortos se aproxima de 600 mil.
2. Cloroquina — em vez de providenciar a imunização em massa da população, Bolsonaro defendeu o uso indiscriminado de um “coquetel” ineficaz contra a doença, formado por hidroxi- cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco. Uma CPI no Senado investiga a máfia que se formou no Ministério da Saúde para ganhar dinheiro sujo com a pandemia.
3. Vírus chinês — nas redes sociais, disseminou-se a tese de que o novo coronavírus, de procedência chinesa, teria sido produzido em laboratório e propagado propositalmente pela China para prejudicar a economia mundial, no contexto da guerra comercial com os Estados Unidos. A tese provocou um incidente diplomático com a China.
4. Coronavac — a eficácia da vacina produzida pelo Instituto Butantan ainda é questionada por Bolsonaro, muito embora tenha sido a principal alternativa para conter a pandemia. Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ao anunciar a terceira dose das vacinas, excluiu a CoronaVac, muito embora milhões de brasileiros tenham sido imunizados pelo produto de origem chinesa.
5. Voto impresso — Bolsonaro defende o voto impresso e dissemina a tese de que a urna eletrônica não é confiável, levantando suspeitas sobre a lisura das eleições de 2022, embora nunca tenha sido comprovado um caso sequer de violação da urna eletrônica. A proposta foi rejeitada pela Câmara, por ampla maioria, além de contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
6. Poder moderador — o artigo 142 da Constituição de 1988 estabelece que “as Forças Armadas (…) destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Com base nesse artigo, Bolsonaro atribui aos militares o papel de Poder Moderador, que não existe na Constituição, cuja interpretação cabe ao Supremo, e não ao “comandante supremo” das Forças Armadas.
7. Amazônia — o desmatamento da Amazônia é monitorado por instituições científicas de todo o mundo, sendo um dos fatores de aquecimento global, em consequência de atividades ilegais, como grilagem de terras, queimadas, derrubada da floresta, garimpo etc. Bolsonaro defende a exploração indiscriminada da Amazônia e acusa as ONGs ambientalistas de estarem a serviço de potências estrangeiras.
8. Marxismo cultural — os artistas, os intelectuais e a cultura estão sendo perseguidos pelo governo federal, a pretexto de que seriam agentes do chamado “marxismo cultural”. O cinema, o teatro, a música, as artes plásticas e até a memória cultural, hoje, são sufocados pelos dirigentes dos órgãos culturais.
9. Racismo estrutural — a Fundação Palmares, criada para preservar e valorizar a cultura afrobrasileira e promover políticas afirmativas de combate ao racismo, nega o racismo estrutural. Tornou-se um órgão que não reconhece as comunidades de origem quilombola e combate o movimento negro, cujos líderes históricos renega, como Zumbi dos Palmares.
10. Terras indígenas — o governo promove o desmonte da política indigenista, reconhecida internacionalmente e responsável pela sobrevivência da diversidade étnica das comunidades indígenas. A tese básica é de que há muita terra para poucos índios e de que a cultura indígena não tem nenhum valor civilizatório.
11. Diversidade — o presidente da República não reconhece e menospreza a diversidade de gênero e de orientação sexual. A comunidade LGBTQIA+ (qualquer pessoa não heterossexual ou não cisgênero, ou fora das normas de gênero pela sua orien- tação sexual, identidade, expressão de gênero ou características sexuais) sente-se ameaçada.
Luiz Carlos Azedo: O naufrágio de Bolsonaro
Reacionários são obcecados pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um passado idealizado, que não é o que a História registra
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O analista político e ensaísta Mark Lilla, professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York, ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da especificidade das minorias. É autor de O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity Politics) e A Mente Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras, respectivamente.
Voltou a gerar polêmicas em meados do ano passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.
Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.
Enquanto velhos revolucionários da geração 1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado, que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.
Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado, quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20 anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.
A outra face dessa narrativa é a recorrente interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em 1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.
Constrói-se uma tese de afronta à legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla. É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura golpista.
PGR opinou contra prisão de Jefferson e respondeu fora do prazo
Ministro do STF escreveu que procurador-geral da República foi intimado em 5 de agosto sobre o pedido de prisão; resposta só foi finalizada na noite do dia 12
Aguirre Talento e Mariana Muniz / O Globo
BRASÍLIA — A prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, gerou mais um foco de atrito entre o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Moraes pediu uma resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido de prisão formulado pela Polícia Federal em 24 horas, mas a PGR só elaborou a resposta sete dias depois, na noite de ontem, depois que o ministro já havia determinado a prisão, e se manifestou contra a prisão.
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Moraes escreveu em sua decisão: "Em 5/8/2021, a Procuradoria-Geral da República foi regularmente intimada para manifestação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deixando o prazo transcorrer in albis". A resposta só foi concluída na noite de ontem, 12 de agosto, mas até a manhã desta sexta-feira ainda não havia sido juntada aos autos.
Na manhã desta sexta, o gabinete do ministro divulgou uma nota afirmando que ainda não havia recebido a manifestação da PGR. "Informamos que no dia 5 de agosto de 2021, a Polícia Federal enviou para este gabinete uma representação, requerendo a prisão preventiva de Roberto Jefferson e a ralização de busca e apreensão na sua residência. Autuada esta representação como Pet, no mesmo dia 5 de agosto de 2021, ela foi entregue para a Procuradoria-Geral da República, assinando-se um prazo de 24 horas para que pudesse manifestar-se", diz a nota.
Prossegue o gabinete do ministro: "No entanto, até a decisão que decretou a prisão preventiva de Roberto Jefferson e determinou a realização de busca e apreensão, na data de ontem, 12 de agosto de 2021, não havia qualquer manifestação da Procuradoria-Geral da República a esse respeito, embora vencido o prazo".
O posicionamento da PGR foi feito pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, considerada uma das principais vozes bolsonaristas dentro do Ministério Público Federal, mas só foi finalizado após a decisão de Moraes. Ela se posicionou contra o pedido de prisão feito pela PF, argumentando que Jefferson não possui foro privilegiado perante o STF e que não era a instância correta para essa investigação contra o ex-deputado.
Lindôra também discordou dos fundamentos de que Jefferson ameaçava as instituições democráticas e apontou que não havia justificativa legal para a prisão do ex-deputado. Disse que não estavam presentes os requisitos para a prisão preventiva.
Moraes e a PGR têm entrado em atritos por causa de diversas investigações contra bolsonaristas que são conduzidas sob a relatoria do ministro. Em maio, Moraes autorizou uma operação da PF contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sem pedir manifestação da PGR, por entender que Aras poderia criar dificuldades ou até vazar informações, segundo interlocutores do ministro. Depois, a PGR solicitou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, o que irritou o ministro. Moraes acolheu o arquivamento mas determinou a abertura de um novo inquérito a ser conduzido pela Polícia Federal.
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A operação contra Jefferson também amplia o desgaste de Aras dentro da Corte. Ontem, o ministro Dias Toffoli, que tem boa relação com Aras, fez uma cobrança ao procurador-geral da República, por não ter se manifestado em um pedido de investigação contra Bolsonaro. Sua omissão em relação aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e às ameaças sobre as eleições do próximo ano também têm provocado descontentamento na Corte.
Luiz Carlos Azedo: Ninguém morre de véspera
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Todas as vezes que se discutem reformas eleitorais na Câmara, o que determina o seu desfecho são os cálculos eleitorais da maioria dos deputados, empenhados na própria sobrevivência, muito mais do que os projetos partidários. Não são as contas do Palácio do Planalto nem dos donos dos partidos, ainda que controlem os recursos financeiros das legendas. É como naquela fábula já citada algumas vezes: “Não se convida os perus para participar da ceia de Natal, eles sabem que vão morrer”.
Talvez seja essa a explicação da resiliência das eleições proporcionais e das dificuldades para acabar com as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo, aprovadas na noite de quarta-feira. Ontem, mais uma decisão importante foi tomada: a criação das federações partidárias. Nesse desfecho, um personagem muito importante foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que manobrou nas votações para impedir a aprovação do Distritão, que seria uma solução radical para salvar os mandatos da maioria dos atuais deputados. A moeda de troca foi a volta das coligações proporcionais, que haviam sido proibidas na reforma eleitoral passada, apesar de terem sido testadas nas eleições municipais de 2020.
Às vésperas do ano eleitoral, a maioria dos deputados voltou do recesso legislativo convicta de que não conseguiria votos de legenda suficientes para se reeleger, mesmo estando entre os mais votados e com o balaio cheio de emendas parlamentares. A expressão “Mateus, primeiro os teus”, de origem bíblica, parece ter mobilizado Lira. A pressão de sua base para
derrubar a proibição das coligações foi irresistível. Usada como derivação popular, por causa da rima, a expressão faz todo o sentido. Cobrador de impostos em Cafarnaum,
na Judeia, pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. O conselho de Jesus ao discípulo teria sido o seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”. Trocando em miúdos, o presidente da Câmara sabe que precisa liderar a Casa. A maioria de seus aliados está em risco eleitoral.
A saída foi aprovar a federação de partidos, para facilitar a montagem das chapas de candidatos a deputados federais. Aprovado por 304 votos a 119, o projeto de lei agora vai à sanção. Permite a duas ou mais legendas se unirem em uma fe- deração partidária e atuarem de maneira uniforme em todo o país. O texto já tem aval do Senado e segue para o presidente Jair Bolsonaro. Se não houver vetos, a federação de partidos permitirá a união de siglas com afinidade ideológica e programática, sem que seja necessário fundir os diretórios. A regra deve ajudar partidos menores a alcançar a chamada “cláusula de barreira”, criada para extinguir legendas que não tenham um desempenho mínimo a cada eleição.
Montagem de chapas
Com isso, a cláusula de barreira seria calculada para a federação como um todo, e não para cada partido individualmente. Entretanto, uma vez constituída a federação, os partidos a ela filiados deverão permanecer juntos por pelo menos quatro anos. Após registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação atuará como se fosse uma única agremiação partidá- ria. Ou seja: seguirá as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária; os partidos terão a identidade e a autonomia preservados; e a aliança terá abran- gência nacional.
A ideia de acabar com as coligações partidárias, mantendo a cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos, tem amplo apoio na opinião pública e nos meios acadêmicos, mas esbarra na realidade eleitoral dos estados, nos quais houve ampla fragmentação nas eleições municipais. Os grandes partidos, com muitos recursos, e os governadores, principalmente, passariam a dar todas as cartas na montagem das chapas. A realidade eleitoral nos estados, porém, foi mais forte. Está sendo difícil montar as chapas completas, devido à necessidade de grande número de candidatos, mesmo nos grandes partidos. A vantagem estratégica daqueles que já tem mandato, devido aos recursos do fundo eleitoral e às emendas parlamentares, espanta os candidatos competitivos, que não querem disputar uma eleição sem paridade de meios. Veio daí a rebelião dos perus. Ninguém quer morrer de véspera já tendo mandato.
Barros vira o símbolo político do crime como liberdade de expressão
Ao acusar CPI de afastar as vacinas, líder do governo na Câmara se torna o símbolo de um notável momento de delinquência política e intelectual
Reinaldo de Azevedo / Folha de S. Paulo
Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, é um exemplo bastante eloquente —até porque muito bem-sucedido na sua profissão— da pistolagem intelectual e política que chegou ao poder em 2019. Ele não fazia parte do grupo original, é verdade. Estava como aqueles crocodilos do Nilo que ficam nas águas rasas do rio Mara, no Quênia, à espera da passagem dos gnus. Em algum momento, a manada serviria de repasto. E lá estavam ele e outros de sua espécie com a bocarra pronta.
A afirmação que tal senhor fez em depoimento à CPI —segundo ele, a comissão afastou do Brasil empresas dispostas a vender vacinas ao país— é mais do que uma provocação barata. Trata-se de uma mentira filo-homicida. E não tenham dúvida de que ele apelará ao que entende ser “liberdade de expressão” para mentir ainda mais e para tripudiar sobre quase 600 mil cadáveres. “Oh liberdade de expressão! Quantos crimes se cometem em teu nome!”
Atenho-me um tantinho a esse particular. É a moda do momento. Essa mesma escória passou a defender com entusiasmo, por exemplo, o fim da Lei de Segurança Nacional —enterrada, sim, pelo Congresso, mas não como pretendiam os falsos arautos da liberdade. Em seu lugar, veio a correta Lei de Defesa do Estado Democrático. Eles não queriam nada. Apostavam no vazio legal. Bolsonaro promete atendê-los por meio dos vetos, que têm de ser derrubados.
Afinal, em seu país paralelo, em seu mundo paralelo, em sua realidade paralela, cada um prega o que lhe dá na telha —muito especialmente a destruição das garantias democráticas—, e as pessoas que se virem com, literalmente, as armas que têm. E quem não as tem? Ah, é nesse ponto que está a graça do jogo. As desigualdades, inclusive as ditadas por escolhas políticas e ideológicas, devem ser naturalizadas. Um dos papéis dos gnus é alimentar os crocodilos. A grandeza está na destruição. É ela que traz o progresso. “A guerra é a higiene do mundo”. Ou teremos um país de maricas, de fracos, de efeminados.
E quem não compartilha de seus mesmos preconceitos estaria a exercitar um exclusivismo moral hipócrita, insincero. Só se pode ser autêntico compartilhando de seus achismos. Caramba! Que graça tem a liberdade de expressão sem poder humilhar os que já são fracos? Não sou dono do pensamento liberal e, portanto, não serei eu a indicar os usurpadores. Mas os justificadores da razia em curso poderiam ao menos nos fornecer a bibliografia do pensamento liberal na qual buscam se escorar para justificar os crimes em curso na saúde, no meio ambiente, na educação, na segurança pública...
É esse ambiente de vale-tudo que leva um patriota com a biografia —muito especialmente a imobiliária— de Barros a ousar meter o dedo no nariz da CPI, acusando-a daquilo que fez o governo que ele representa na Câmara: uma gestão negacionista e homicida, que ousou combater a Covid-19 com incentivo a aglomerações, repúdio a máscaras, hidroxicloroquina, ivermectina, Precisa, Davati, Dominghettis, Mayras, Helcios com h, Elcios sem h e outros coronéis e aberrações. E, ora vejam!, se não tomamos cuidado, lá estamos nós a debater “pluralidade e diversidade” com prosélitos de uma escória abertamente golpista.
O charlatanismo no Brasil não se limita àqueles que defenderam tratamento precoce e remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Há também os charlatões do pensamento. Encerro com outro assunto, não menos relevante.
Que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tenha a coragem e o bom senso de mandar para a gaveta os desatinos que estão saindo da Câmara sob o título de reforma eleitoral, seja a PEC esquizofrênica relatada por Renata Abreu (Podemos-SP), seja o projeto de lei sob os cuidados de Margarete Coelho (PP-PI), com seus 972 artigos que ninguém conhece, o que corresponde a quase três Constituições, incluindo as disposições transitórias.
Arthur Lira (PP-AL) resolveu, ele também, brincar de “o Bolsonero” da Câmara. O imperador do trocadilho nem estava em Roma quando houve o incêndio. Mas consta que obrigava os presentes a ouvir a sua lira delirante. Os senadores não são seus súditos.
Fonte: Folha de S. Paulo
Alon Feuerwerker: À espera do desempate
Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política
O nó da conjuntura está na fraqueza das forças. Nem a oposição a Jair Bolsonaro tem até agora músculos para remover o presidente ou tirá-lo do segundo turno, nem ele parece reunir reservas no momento para transmitir a seus potenciais apoiadores a segurança de que irá derrotar Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Daí o cenário ser, como descreve a literatura política, um “empate catastrófico”, equilíbrio crônico de forças (ou fraquezas) que produz degradação progressiva. Uma evidência pode ser vista nas reformas eleitoral e tributária.
Na teoria, o palco para o desempate será a eleição. Bolsonaro luta para manter coeso o núcleo ideológico da sua base, com as bandeiras já bem conhecidas. É seu passaporte para o segundo turno. Mas o movimento principal é buscar recursos orçamentários que turbinem programas sociais. Nem que tenha de aumentar impostos. O candidato Jair Bolsonaro era crítico de aumentar impostos e de as pessoas dependerem de governos. Mas na hora do aperto cresce a tentação de engatar o vagão das ideias na locomotiva das necessidades.
No ano passado, o pagamento do auxílio emergencial de seiscentos reais coincidiu com uma melhora na avaliação do presidente. Agora, a retomada daquele suporte financeiro, mas com menos da metade do valor e para menos gente, não parece estar ajudando a atenuar a dificuldade política. É possível que o novo Bolsa Família mude isso, mas será preciso esperar para ver. Até porque a inflação anda turbinada, especialmente nas compras do povão.
E inflação incomodando em ano eleitoral nunca é boa notícia para quem está no poder e quer continuar.
Se o esforço na área social funcionar, será a deixa para alguma distensão na política. Se o atalho for insuficiente, é provável mais turbulência lá na frente. Está bastante enganado quem acha que a derrota da PEC do voto impresso/auditável encerra a disputa sobre a urna eletrônica.
Uma tendência da conjuntura é o azeitado rolo compressor governista na Câmara acabar transferindo as fagulhas da crise para o Senado. Onde a articulação palaciana é bem menos consistente, como mostra a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19.
Em meio à agitação desencadeada com a mobilização pelo voto impresso, o debate sobre novos programas sociais e os frequentes arreganhos do Executivo são temas que ajudam a reduzir o impacto comunicacional da CPI, cuja hora da verdade está chegando. Aguarda-se o relatório para ver se a comissão tem mesmo garrafas para entregar. Ou se vai fazer barulho mas alcançar apenas bagrinhos. Ou ex-bagrinhos.
A incógnita-chave do momento é o que poderia mudar o ânimo popular o suficiente para inverter a tendência das pesquisas. No mundo objetivo, o presidente e o governo têm os instrumentos para tomar providências financeiras que caiam no gosto da massa. No subjetivo, o Planalto ainda tateia por onde resolver a encrenca que criou para si mesmo na pandemia. Pois em épocas de grandes ameaças e riscos, as pessoas costumam preferir os resolvedores de problemas aos que têm mais vocação para criar.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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Publicado na revista Veja de 18 de agosto de 2021, edição nº 2.751
Fonte: Revista Veja / Blog Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/08/a-espera-do-desempate.html
Vera Magalhães: CPI vive seu pior momento
A suspensão abrupta do depoimento de Ricardo Barros na CPI da Covid, nesta quinta-feira, foi a crônica de um desastre anunciado
Vera Magalhães / O Globo
Aqui neste espaço escrevi, ainda nos primórdios da investigação, em 5 de maio, quando os senadores estavam embevecidos com tanto holofote: “Para que não seja um placebo de açúcar, esta CPI precisa urgentemente entender que, sem um corpo técnico consistente, não irá a lugar algum”.
Na saída para o recesso, voltei a contrariar o coro dos empolgados: “A pausa de duas semanas (…) poderá ser salutar para que mergulhem nos documentos a fim de traçar a linha acusatória”.
Na última segunda-feira, perguntei a Renan Calheiros se eles estavam preparados para o depoimento de Barros, que seria difícil e poderia resultar na impressão de que ele venceu o confronto. O relator parecia seguro de que sim.
No entanto o que se viu nesta quinta foi um deputado que chegou disposto a ditar o próprio depoimento e a enquadrar os senadores.
A estratégia avançava bem, até que Barros foi tragado pela própria arrogância e teve as asas cortadas pela intervenção como sempre cirúrgica e bem fundamentada do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o mais técnico dos integrantes da CPI, um dos autores do requerimento de sua criação e, infelizmente, apenas suplente no colegiado.
Parar a bola pode ser a forma de evitar que a CPI se perca. A esta altura já está claro, até para eles, algo que eu também avisei em textos, comentários e em conversas com os próprios integrantes: prorrogar a CPI foi um erro.
Sou uma pitonisa que tudo prevê? Longe disso. Apenas tenho experiência de cobertura de “n” CPIs, e os dilemas que se apresentam agora estiveram presentes em todas. Incrível é que os senadores não tenham feito como times de futebol, que analisam partidas anteriores do adversário para se preparar.
É nitidamente insuficiente o apoio técnico de que dispõe a CPI da Covid. A ponto de senadores recorrerem a seus assessores próprios, ou por vezes aos “internautas”, para apontar contradições ou mentiras de depoimentos.
Um político ladino como Ricardo Barros não poderia jamais ter sido inquirido sem que, previamente, os senadores tivessem respostas para aquelas que claramente seriam suas linhas de defesa: que não tinha nada a ver com a nomeação de servidores no Ministério da Saúde nem com a intermediação de interesses de empresas na pasta.
Houve duas semanas de recesso justamente para que se esquadrinhassem os depoimentos e os documentos para desmontar a versão de Barros.
Mas foi pior: os senadores não esperavam que ele fosse ousar atribuir à própria CPI a dificuldade de o Brasil obter vacinas.
A simbiose entre o Centrão e Jair Bolsonaro resultou nesse corpo sinistro em que não há limites para o cinismo e a desfaçatez. De tão sórdida, a alegação claramente cairá nas graças da malta bolsonarista, que passará a repeti-la. É só conferir as redes sociais dos puxa-sacos e as lives putrefatas do próprio presidente para ver essa patifaria ser repetida. De novo, não é preciso ter bola de cristal: o golpismo bolsonarista é cristalino em suas táticas.
Outra que vingou foi Bolsonaro aproveitar o recesso, quando a CPI vivia seu momento mais auspicioso, após desnudar a corrupção do contrato da Covaxin, para mudar a pauta brasileira para um não assunto, o voto impresso.
Na volta, a CPI encontrou a arena ocupada, se perdeu nas várias frentes de investigação abertas, não se preparou para ouvir Barros e tem de tomar cuidado para que os governistas não emplaquem a tese de que não há prova de nada, só narrativa.
É o momento mais delicado para a comissão, cuja missão é também reparatória da maior tragédia brasileira em muitas gerações, o morticínio da Covid-19 promovido por Bolsonaro. Que os senadores entendam que estão derrapando e corrijam a rota.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/cpi-vive-seu-pior-momento.html