Memória
Luiz Carlos Azedo: O indiciamento de Bolsonaro
A CPI foi bem-sucedida ao revelar os erros cometidos pelo governo durante a pandemia, mas também teve seus momentos de histrionismo e de dribles a mais
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense / Estado de Minas
Antes mesmo de ser indiciado pela CPI do Senado que investiga a atuação do governo durante a pandemia do novo coronavírus (covid-19), o presidente Jair Bolsonaro sentiu o golpe. No cercadinho do Palácio da Alvorada, onde manda seus recados por meio de apoiadores e da imprensa, chamou de “bandido” o relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pretende lhe imputar 11 crimes, sendo três gravíssimos: homicídio, crime contra a humanidade e genocídio. “O que nós gastamos com auxílio emergencial foi o equivalente a 13 anos de Bolsa Família. Tem cara que critica ainda. O Renan me chama de homicida. Um bandido daquele. Bandido é elogio para ele. O Renan está achando que eu não vou dormir porque está me chamando de homicida, está de sacanagem”, estrilou.
No cronograma da CPI, o relatório será apresentado na terça e votado na quarta-feira, o que promete uma semana quente no Senado. A tropa de choque do governo deve se mobilizar para barrar o relatório, que proporá o indiciamento da cadeia de comando do governo no auge da pandemia, ou seja, entre outros, do então ministro da Casa Civil, general Braga Netto, hoje ministro da Defesa; do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do seu ex-secretário-executivo Élcio Franco, aquele da faca ensanguentada na lapela — além do presidente Bolsonaro e dos supostos integrantes do chamado “gabinete paralelo”, o que inclui seus filhos Flávio, senador; Eduardo, deputado federal; e Carlos, vereador carioca; o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); o deputado Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania; e os médicos Paolo Zanotto e Nise Yamaguchi.
A CPI foi bem-sucedida ao revelar os erros cometidos pelo governo durante a pandemia, mas também teve seus momentos de histrionismo e de dribles a mais. Existe uma maioria robusta para aprovação de um relatório consistente; dificilmente, porém, haverá maioria para a imputação do crime de genocídio a Bolsonaro. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por exemplo, defende o foco na cadeia de comando e o indiciamento apenas naqueles crimes sobre os quais há provas irrefutáveis. Delegado de Polícia Civil, tem experiência no ramo. A CPI não é um tribunal, é uma comissão de inquérito; seu relatório será remetido a diversas esferas, da Justiça de primeira instância ao Supremo Tribunal Federal (STF); do Tribunal de Contas da União (TCU) à Procuradoria-Geral da República (PGR), da Receita Federal à Polícia Federal.
Genocídio
“O que passa na cabeça do Renan Calheiros naquela CPI? Eu vi que… O que passa na cabeça dele com esse indiciamento? Esse indiciamento, para o mundo todo, vai que eu sou homicida. Eu não vi nenhum chefe de Estado ser acusado de homicida no Brasil por causa da pandemia. E olha que eu dei dinheiro para todos eles (governadores)”, disse Bolsonaro, traindo o temor de que essa venha a se tornar a maior dor de cabeça de sua vida. Uma coisa é responder às acusações na Presidência, outra é ter que fazê-lo, caso não seja reeleito, na planície, como simples cidadão.
São acusações pesadas: epidemia com resultado de morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; genocídio de indígenas; crime contra a humanidade; crime de responsabilidade, por violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo; e homicídio comissivo por omissão no enfrentamento da pandemia. Como o relatório da CPI será acolhido no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda? Criado pelo Tratado de Roma, em 1998, o órgão ligado à ONU foi ratificado por 66 países, entre os quais o Brasil. A imagem internacional de Bolsonaro é péssima.
A Corte tem competência para julgar os chamados crimes contra a humanidade, assim como os crimes de guerra, de genocídio e de agressão. O Estatuto define genocídio como qualquer ato praticado “com intenção de destruir total ou parcialmente grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Crime contra a humanidade é “qualquer ato praticado como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e com conhecimento de tal ataque” (por exemplo, “práticas que causem grande sofrimento ou atentem contra a integridade física ou saúde mental das pessoas”).
Luiz Carlos Azedo: A culpa é da Petrobras
Bolsonaro ameaçou privatizar a empresa, um velho projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que pode ganhar apoio popular por causa dos preços dos combustíveis
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Entrevistado por uma rádio evangélica do Recife, ontem, o presidente Jair Bolsonaro deu a sua maior e mais polêmica cartada para a reeleição até agora: a proposta de privatização da Petrobras. Dogma imexível da política brasileira, o tema teve um papel decisivo na derrota do candidato tucano Geraldo Alckmin à Presidência em 2006, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja reeleição estava em risco por causa do escândalo do mensalão. Governador de São Paulo e pré-candidato, Alckmin (PS- DB), em entrevista ao Canal Livre, da Band, dissera ser favorável às privatizações de estatais brasileiras, desde que o processo fosse amplamente fiscalizado e embasado por um marco regulatório robusto.
“Inúmeras áreas da Petrobras que não são o core (núcleo do negócio), o centro, objetivo principal, tudo isso pode ser privatizado. E se tivermos um bom marco regulatório, você pode até no futuro privatizar tudo, sem nenhum problema”, disse à época. Alckmin passou o resto da campanha tentando se desdizer, porque o marqueteiro de Lula, João Santana, transformou a questão num divisor de águas da eleição. Não havia o escândalo do “Petrolão”, que viria à tona com a Operação Lava-Jato, e, grande ironia, resultaria nas prisões de João Santana e de Lula.
A Petrobras é o maior símbolo do nosso modelo nacional desenvolvimentista. Sua criação resultou de uma campanha popular que representou o auge do nacionalismo na história republicana e contou com forte apoio dos militares. Um dos presidentes da empresa durante o regime militar, o general Ernesto Geisel, viria a suceder o general Emílio Médici na Presidência da República. As origens da Petrobras remontam à segunda metade da década de 1940. No Congresso formado em 1945, conservador, a maioria procurava apagar os traços autoritários do Estado Novo e revogar a legislação nacionalista do período.
No início de 1947, Eurico Dutra designou uma comissão para rever as leis existentes à luz da nova Constituição e definir as diretrizes para a exploração do petróleo. O anteprojeto do chamado Estatuto do Petróleo desagradou dos nacionalistas, que defendiam o monopólio estatal integral, aos grandes trustes. A reação nacionalista começou no Clube Militar e ganhou corpo com a criação do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, que lançou a Campanha do Petróleo, com slogan “O petróleo é nosso”, em 1948, obtendo forte apoio de trabalhistas e comunistas. Dutra desistiu do Estatuto e optou pela construção das refinarias estatais de Mataripe (BA) e de Cubatão (SP), a construção do oleoduto Santos-São Paulo e a aquisição de uma frota nacional de petroleiros.
Eleito em 1950, Getúlio Vargas voltou ao poder no ano seguinte. Em dezembro, mandou ao Congresso o projeto de criação da “Petróleo Brasileiro S.A.”, a Petrobras, empresa de economia mista com controle majoritário da União. Curiosamente, não estabelecia o monopólio estatal. Entretanto, outro projeto, apresentado pelo deputado Eusébio Rocha, estabelecia o rígido monopólio estatal, vedando a participação estrangeira. Duas concessões foram feitas: as autorizações de funcionamento das refinarias privadas já existentes e a participação de empresas particulares, inclusive estrangeiras, na distribuição dos derivados de petróleo. Em 3 de outubro de 1953, depois de intensa mobilização popular, Vargas sancionou a Lei no 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A – Petrobras.
Velho projeto
O tom com que Bolsonaro ameaçou privatizar a Petrobras foi de desabafo, mas esse é um velho projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que pode ganhar apoio popular na atual conjuntura da economia: a alta de preços de combustíveis alavanca a inflação e a Petrobras não tem recursos para investir na exploração do pré-sal, ficando de fora dos leilões de poços de petróleo, além de não conseguir produzir diesel e gasolina suficientes para abastecer o mercado brasileiro.
“É muito fácil: aumentou a gasolina, culpa do Bolsonaro. Já tenho vontade de privatizar a Petrobras. Tenho vontade. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. O que acontece? Não posso controlar, melhor direcionar o preço, mas, quando aumenta, a culpa é minha apesar de ter zerado imposto federal”, disse o presidente da República. A repercussão das declarações no mercado foi imediata: no Ibovespa, principal índice da B3 (Bolsa de Valores de São Paulo), as ações da Petrobras chegaram a ter alta de 1,82% (ordiná- rias) e 1,99% (preferenciais).
Luiz Carlos Azedo: Escorregão na pauta ética
Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Autor da Proposta de Emenda à Constituição 005-a, de 2021, que trata da composição do Conselho Nacional do Ministério Público, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) atravessou a rua para escorregar numa casca de banana. O pior é que pode arrastar na queda o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar da zona de conforto em que se encontra nas pesquisas de opinião. Se tem uma coisa que ainda pode atrapalhar a volta do PT ao poder, na garupa de Lula, é a pauta ética, um cavalo encilhado para levar ao segundo turno um candidato de centro, uma vez que essa bandeira saiu das mãos do presidente Jair Bolsonaro e está ao léu.
O CNMP é o órgão responsável por julgar procuradores e promotores. Nos últimos anos, por causa da Operação Lava-Jato, foi cenário de embates entre os procuradores da força-tarefa de Curitiba e os “garantistas” do mundo jurídico, uma ampla frente de advogados, juristas, magistrados e até procuradores preocupados com os dribles a mais dos chamados “tenentes de toga”, na expressão do cientista político Luiz Werneck Vianna. Chefe da força-tarefa de Curitiba e líder lavajatista, ao lado do então juiz federal Sergio Moro, Deltan Dallagnol chegou a ser punido com pena de censura por ter feito um post dizendo, antes das eleições para a Presidência do Senado, em 2019, que se Renan Calheiros vencesse a disputa, dificilmente o Brasil veria a aprovação de uma reforma contra a corrupção.
“Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não tem (sic) coragem de votar na luz do dia”, afirmou, no auge do apoio popular à Lava-Jato. Deltan também foi condenado a indenizar o senador alagoano, que hoje é o relator da CPI da Covid, em R$ 40 mil. Antes disso, já havia sido punido com uma advertência por ter criticado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, o processo administrativo disciplinar de Deltan, pelo controverso PowerPoint de apresentação de denúncia que colocava o ex-presidente Lula no centro de uma organização criminosa, foi adiado 42 vezes antes de ser julgado e acabou prescrevendo.
A proposta aprovada pela comissão especial da Câmara propõe a redistribuição de vagas do CNMP. A Câmara e o Senado passarão a indicar quatro conselheiros, sendo um deles o vice-presidente, e outro, o corregedor. Outro ponto polêmico do texto permite que membros do conselho revisem atos funcionais de procuradores e promotores. Hoje, os membros do Ministério Público podem ser punidos pelo órgão, mas seus atos só podem ser modificados por decisão judicial. Na composição atual, o MP tem oito de 14 membros na corte — três membros do MP dos estados, quatro do MP da União e o procurador-geral da República, que preside o CNMP.
Pacto perverso
O projeto pôs em pé de guerra os “tenentes de toga”. Na sexta-feira, oito subprocuradores-gerais da República divulgaram manifesto contra a PEC, caracterizada como um “sombrio instrumento de opressão e intimidação de seus membros”. Ontem, foram realizadas manifestações em todo o país. Mais de 3 mil integrantes do Ministério Público assinaram documento que pede a rejeição integral da emenda à Constituição.
“A proposta de assento aos próprios ministros dos tribunais superiores no Conselho Nacional do Ministério Público desvirtua as funções dos ministros de tais tribunais, pois a eles confere ‘superpoderes’ de atuação natural jurisdicional nas cortes em que atuam, de conselheiros no CNJ e também no CNMP, em evidente desequilíbrio do sistema de justiça, com violação do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) previsto pelo Poder Originário Constituinte”, afirmam.
Reduzir o poder dos procuradores e contingenciar a autonomia do Ministério Público é um sonho de consumo dos políticos enrolados na Justiça. Está em linha com as recentes mudanças na legislação sobre improbidade administrativa, patrocinada pelo Centrão, sob a liderança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Sua aliança com o PT na agenda contra a Lava-Jato foi uma jogada de mestre. Eleitoralmente, porém, com o perdão do trocadilho, esse pacto perverso pode ser uma roubada.
Luiz Carlos Azedo: Terrivelmente boicotado
Grupo de senadores tem defendido que Bolsonaro desista da indicação de Mendonça e escolha outro nome para o STF
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (igreja evangélica pentecostal), acusou os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, e das Comunicações, Fábio Faria, de boicotarem a indicação do ex-ministro da Justiça e ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça ao Supremo Tribunal Federal (STF). Aliado de Jair Bolsonaro, desde o fim de semana Malafaia vinha ameaçando denunciar os ministros. Mendonça é pastor da igreja presbiteriana Esperança, em Brasília. Indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF é uma promessa de campanha do presidente da República.
Para aumentar o desconforto de Mendonça, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, ontem, arquivou o mandado de segurança requerido pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO), para impor ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que pautasse a sabatina de Mendonça. Nunca um candidato ao STF passou por tanto desconforto no Senado. Alcolumbre recebeu a indicação em julho do ano passado e a mantém na gaveta, apesar de todas as pressões, por razões que ainda não são de todo conhecidas.
Sabe-se que o ex-presidente do Senado está insatisfeito com Bolsonaro desde as eleições passadas, quando seu irmão, Josiel Alcolumbre, seu primeiro suplente no Senado, perdeu a disputa para a Prefeitura de Macapá. Mesmo com o apoio do então prefeito Clécio Luís (sem partido) e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), foi derrotado pelo médico Dr. Furlan (Cidadania), ex-deputado apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). Alcolumbre atribuiu a derrota à demora do governo federal em restabelecer a energia no Amapá, que sofreu um “apagão” às vésperas das eleições.










































Plano B
Há mais coisas entre o paraíso e o Senado, porém. Um grupo de senadores tem defendido a tese de que Bolsonaro deveria desistir da indicação e escolher outro nome para a vaga de Marco Aurélio Mello, que se aposentou. Preferem o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, que teria amplo apoio, inclusive na oposição. Alagoano e adventista, Martins foi um dos nomes que chegou a ser considerado por Bolsonaro, porque contaria com a simpatia do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do Palácio do Planalto, e também de parlamentares do MDB, partido com a maior bancada no Senado — principalmente o senador Renan Calheiros (AL), seu conterrâneo, relator da CPI da Covid.
Uma das críticas de Malafaia a Ciro Nogueira deve-se ao fato de ter se aproximado de Calheiros, “o cara que quer destruir Bolsonaro por interesses políticos”, segundo o líder religioso. No domingo, no Guarujá (SP), Bolsonaro perdeu a paciência com Alcolumbre: “Quem não está permitindo a sabatina é o Davi Alcolumbre (…) Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e, de repente, ele não quer o André Mendonça. Quem pode não querer é o plenário do Senado, não é ele. Ele pode votar contra. Agora, o que ele está fazendo não se faz. A indicação é minha”, disse.
“Se ele quer indicar alguém para o Supremo, pode indicar dois. Ele se candidata a presidente no ano que vem e, no primeiro semestre de 2023, tem duas vagas para o Supremo”, desafiou Bolsonaro. É muita ironia: a indicação de um ministro para o STF por ser evangélico é fruto de uma mentalidade teocrática, isto é, de uma concepção religiosa de Estado, porém, a não realização da sabatina monstra claramente que as regras do jogo laico estão prevalecendo no Congresso. Os ministros citados por Malafaia — Ciro Nogueira, Flávia Arruda e Fábio Faria — são os principais operadores políticos do governo. Bolsonaro não tem força para demitir esses três sem desarticular completamente sua base parlamentar.
Luiz Carlos Azedo: As almas mortas e a montanha
Milhões de pacientes passaram pelas enfermarias. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas?
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
“Diga- me, mãezinha, têm morrido camponeses seus? — Nem me fale paizinho — dezoito homens! Disse a velha com um suspiro. — E tudo gente boa que morreu, bons trabalhadores. É verdade que nasceram outros depois, mas o que valem? É tudo criançada; mas o fiscal chegou, mandando pagar a taxa por alma, da mesma forma. Os homens estão defuntos, mas eu tenho que pagar como se estivessem vivos.”
No livro Almas mortas, o escritor ucraniano Nikolai Gogol ironiza a servidão russa na época do czar Pedro, o Grande, que resolveu cobrar impostos sobre todas as almas. Cobrava até de quem não era católico, apesar de não ser nada religioso. Os proprietários de terras eram obrigados a pagar os impostos pelo número de servos, inclusive os que haviam morrido. Pável Ivánovitich Tchítchicov, o personagem central do romance, resolve ganhar dinheiro com isso.
Charmoso, educado, sagaz e boa pinta, usa de convencimento para enganar pequenos proprietários. Aproveita-se da burocracia russa ineficiente, e do regime de servidão e da miséria, para hipotecar almas como se todas estivessem vivas e, com isso, obter lucro. Se o proprietário vende uma alma, para Tchitchicov, o vendedor não perde nada. Pelo contrário, ele economiza no imposto que teria que pagar e ainda ganha uma quantia em rublos. Quanto ao comprador, essas almas mortas passarão a fazer parte do seu patrimônio.
O plano de Tchitchicov é simples. Ao comprar almas mortas a partir de pequenos proprietários de terra, esses servos permanecem em livros dos fazendeiros até o próximo recenseamento e, muito embora mortos, são tributáveis. Ao comprá-los, aliviam a carga fiscal dos proprietários. Seu plano é instalar esses servos mortos nas listas fiscais de uma propriedade distante, em que ele vai, então, ser capaz de obter uma hipoteca generosa do governo e sair com uma pequena fortuna. Certos aspectos da pandemia de covid-19 aqui no Brasil lembram o romance de Gogol.
Ultrapassamos a marca de 600 mil mortes por covid-19, mantendo, porém, uma média de 500 óbitos por dia. Na sexta-feira, quando atingimos esse patamar, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, deu uma entrevista coletiva minimizando o fato, para destacar que: (1) o governo está empenhado em viabilizar a terceira dose da vacina contra a covid-19 e (2) um número muito maior de pessoas diagnosticadas com a doença se recuperou. De fato, cerca de 20,6 milhões de pessoas tiveram covid-19 e sobreviveram; no momento, 285.032 estão enfermas.
O trauma coletivo
A forma burocrática da entrevista e a falta de empatia do ministro estão em linha com a política sanitária do governo federal. Contaminado na viagem do presidente Jair Bolsonaro à ONU, mesmo sem sintomas, teve que fazer três semanas de quarentena em Nova York, para voltar ao Brasil. Sua desastrosa atuação durante a pandemia também está sendo investigada pela CPI do Senado. Os senadores deverão concluir seus trabalhos nas próximas semanas e, segundo o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), as consequências serão inquéritos civis e criminais, a serem conduzidos pelo Ministério Público, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU). O relator proporá a demissão do ministro Queiroga e/ou a abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, por crime de responsabilidade. Estamos no Brasil, a um ano das eleições, e o nosso país, como dizia o maestro Antônio Carlos Jobim, não é para principiantes: nada de demissão nem impeachment.
Nossa realidade vai além das obras de ficção. Muita incompetência e espertezas macabras foram desnudadas pela CPI da Saúde, porém, nada se aproxima tanto da história de Gogol como o caso macabro da Prevent Sênior, empresa que se especializou no atendimento de idosos, em cuja estratégia de tratamento, além do “kit cloroquina”, nos casos graves, segundo denúncias de médicos e pacientes, os “cuidados paliativos” seriam uma espécie de eutanásia não consentida, para dizer o mínimo. O trauma coletivo da pandemia no Brasil é irreversível, principalmente para os familiares e amigos desses 600 mil mortos por covid-19.
Graças ao SUS, milhões de pacientes passaram pelas enfermarias dos hospitais, alguns com longas internações. O que mudou no modo de vida e na forma de pensar dessas pessoas? O escritor alemão Thomas Mann, cuja mãe era brasileira, ao descrever as polêmicas entre pacientes num sanatório de Davos, nos Alpes suíços, fez um mosaico do que estava acontecendo na Europa à beira da I Guerra Mundial. N’A montanha mágica, a tuberculose muda a noção de tempo durante a internação, enquanto a vida segue o curso trágico da História e médicos charlatães oferecem aos ricos pacientes falsas opções de cura. Naquela época não existia a penicilina; hoje, temos também as vacinas contra a covid-19.
Luiz Carlos Azedo: Diga ao povo que saio
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Tem coisas no Brasil difíceis de entender. Por exemplo: Dom Pedro I, que proclamou a Independência, é homenageado com uma das menores ruas do Centro Histórico do Rio de Janeiro, nossa capital de 1763 até 1960, quando a sede do governo foi transferida para Brasília. Começa na Praça Tiradentes, ao lado do Teatro Carlos Gomes, e termina na Rua do Senado, com 141 endereços, 112 residências, 24 estabelecimentos comerciais, três prédios inacabados e 227 moradores, com uma renda média de R$ 1,143. Dependendo do prédio, o preço de um apartamento varia de R$ 3 mil a R$ 8 mil o metro quadrado.
Como já começamos a contagem regressiva para o Bicentenário da Independência, vale o desagravo. Essa lembrança veio em razão do trocadilho do título da coluna com a decisão de Pedro I de não regressar a Lisboa, contrariando as ordens das Cortes Portuguesas, em 9 de janeiro de 1822: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico”. O Dia do Fico, referência à frase célebre, foi uma preparação para a proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822.
Havia muita ambição e esperteza embarcadas naquela rebeldia. Liderar a Independência era a única maneira de manter o Brasil sob controle da Casa de Bragança — com ela, a monarquia, o regime escravocrata, o tráfico de negros escravizados e o projeto de reunificação da Coroa, que levaria Dom Pedro I a abdicar do trono em 7 de abril de 1831 e voltar para Portugal para lutar pelo trono para a filha primogênita Maria da Glória. Em contrapartida, herdamos a integridade territorial e o Estado brasileiro, com suas principais instituições. Não foi pouca coisa.
Ambição e esperteza é o que não faltam nas altas esferas do poder. Por exemplo, não conseguia entender a longa permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, no comando da pasta. A vida toda foi um economista ultraliberal. Na campanha eleitoral, fez a cabeça do presidente Jair Bolsonaro e virou o Posto Ipiranga da economia, com apoio do mercado financeiro, para fazer as reformas liberais, entre elas a tributária e a administrativa. Com o passar do tempo, não fez as reformas e fracassou. Nossa economia registra uma brutal desvalorização do real, inflação alta, desemprego em massa e estagnação
econômica. Outros liberais, diante da guinada populista iminente do governo Bolsonaro, já teriam entregado o cargo, como alguns fizeram em sua equipe.
Agora já sabemos a explicação para o “Fico” do ministro da Economia: enquanto o povo come osso, Guedes ganha muito dinheiro com a crise, porque a desvalorização do real engorda suas economias em dólar, que ontem fechou a R$ 5,48. A conta de Guedes num paraíso fiscal no exterior foi revelada, no último fim de semana, pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). O Ministério da Economia informou que toda a atuação privada de Paulo Guedes foi “devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes”, mas há controvérsias. Eticamente, ganhar dinheiro com a desvalorização do real é incompatível com o cargo de ministro da Economia. No popular, é muita cara de pau.
Imposto de Renda
Por essa razão, Guedes foi convocado a dar esclarecimentos à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara, e convidado também pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado a explicar a existência de sua empresa offshore, que não paga imposto no Brasil. Guedes abriu a empresa em 2014, ou seja, no ano da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff. O horizonte econômico era de recessão e aumento da inflação. Até aí, tudo bem — toda vida ganhou dinheiro no mercado financeiro. Em 2016, porém, o governo criou facilidades para que todos repatriassem os recursos enviados para o exterior, mas Guedes não encerrou suas operações com a offshore. Deixou o dinheiro lá fora, no paraíso fiscal, mesmo depois de virar ministro da Economia.
Há um rosário de decisões de Guedes que o beneficiaram financeiramente, sem que tivesse que fazer uma nova aplicação em sua conta no exterior. O artigo 5o do Código de Conduta do setor público veda “investimento em bens cujo valor e cotação pode ser afetado por sua decisão”. Quando nada, o câmbio sempre será atingido por declarações ou atos do ministro da Economia, bem como do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também tem conta numa offshore no exterior. É uma “não conformidade”.
Tudo isso acontece num momento crucial para o governo, que está em dificuldades para financiar o chamado Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que Bolsonaro quer aprovar, para substituir o Bolsa Família. O problema é que o governo não tem dinheiro, tenta viabilizar o projeto com recursos do Imposto de Renda, que pretende modificar com esse objetivo, deixando de fora as contas offshore, é claro. O jabuti no IR, porém, subiu no telhado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já mandou recado de que não vai misturar alhos com bugalhos.
Luiz Carlos Azedo: Naufrágio em dique seco
O projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos Estados Unidos e ao Reino Unido
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Jair Bolsonaro participou, ontem, de reunião bilateral com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, em Nova York, onde estão para participar da 76a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), hoje. Em vídeo divulgado nas redes sociais do presidente da República, o premier afirma que havia prometido visitar o Brasil, mas a pandemia da covid-19 impediu a viagem. O tema da covid-19 dominou o encontro.
Entretanto, quem quiser que se engane, o pano de fundo das relações estratégicas entre o Reino Unido e o Brasil são a forte presença comercial chinesa no continente, o controle do Atlântico Sul, área de influência dos ingleses, e o acordo militar com a França para construção do submarino nuclear brasileiro. Além disso, o Brasil apoia as pretensões da Argentina no sentido de recuperar a soberania sobre as Ilhas Malvinas (Falkland Islands), arquipélago localizado na plataforma continental da Patagônia, porém um território ultramarino britânico.
De abril a junho de 1982, a Argentina tentou recuperar o controle do território, mas levou uma surra da Marinha inglesa, com apoio logístico dos Estados Unidos e constrangida neutralidade brasileira. A derrota na Guerra das Malvinas colocou em xeque a doutrina de segurança nacional dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, pois supunha-se que o aliado principal contra qualquer outra potência de fora do subcontinente eram os EUA. O conceito de “Amazônia Azul” e a decisão de construir um submarino nuclear em parceria com a França, para aumentar o nosso poder de dissuasão em águas territoriais, têm tudo a ver com o petróleo da camada pré-sal e a Guerra das Malvinas.
Na semana passada, Reino Unido e EUA protagonizaram um novo acordo militar com a Austrália, ou seja, no Pacífico e no Índico, no qual se comprometeram a fornecer submarinos nucleares àquele país da Oceania. Parlamentarista, a Austrália faz parte dos Reinos da Comunidade de Nações (Commonwealth realms), cuja chefe de Estado é a Rainha Isabel II (Elizabeth II). O acordo detonou o contrato de US$ 65 bilhões da Austrália com a França para compra de 12 submarinos franceses com propulsão convencional.
Após o anúncio do acordo militar entre Austrália, EUA e Reino Unido, a China também reagiu e considerou a aliança uma ameaça “extremamente irresponsável” à estabilidade regional. Pequim reivindica soberania sobre parte do Mar da China Meridional, muito rico em recursos naturais e importante rota comercial. Por isso, rejeita as pretensões territoriais de outros países da região, como Vietnã, Malásia ou Filipinas.
Submarino brasileiro
Acontece que o projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, uma parceria com a França, nunca agradou aos EUA e ao Reino Unido. Os franceses forneceram tecnologia para construção do casco do submarino, um grande desafio. O reator nuclear, porém, foi todo desenvolvido pela Marinha brasileira (usará combustível com apenas 6% de urânio, contra um mínimo de 15% dos franceses e 90% dos norte-americanos).
O Almirantado “economiza arroz” para viabilizar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e o Programa Nuclear da Marinha (PNM), mas o projeto está naufragando em dique seco, com cortes de 31% e 49%, respectivamente, no seu orçamento. Para garantir a continuidade mínima do projeto, a Marinha precisa recuperar R$ 267,5 milhões que seriam destinados ao Prosub, mas foram vetados por Bolsonaro.
O Brasil possui quatro submarinos da classe Tupi (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó), um da série Tikuna e o Riachuelo, da classe Sporpene, o primeiro do Prosub. O Humaitá, em fase de testes, é o segundo. Terceiro e quarto, respectivamente, o Tonelero estava programado para ser lançado em dezembro deste ano, enquanto o Angostura, em dezembro de 2022. O valor total dos quatro submarinos convencionais é de 100 milhões de euros, o equivalente a R$ 630 milhões em câmbio atual. Somados, é mesmo valor do submarino movido por energia nuclear, cujo nome será Álvaro Alberto, o almirante que liderou o programa nuclear brasileiro. O cobertor, porém, é curto. A esquadra está sucateada e precisa de novas fragatas e navios-patrulha também em construção.
Luiz Carlos Azedo: O refúgio de Bolsonaro
O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político do presidente da República na ONU, mas o próprio nos deu uma dica: “Podem ter certeza, lá teremos verdades
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A tradição é o Brasil ser o primeiro país a se manifestar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), desde 1955, logo após os discursos de abertura do presidente da Assembleia e do secretário-geral da Organização. Nos últimos 65 anos, essa ordem somente não foi seguida três vezes. “Certos costumes surgiram durante o debate geral, incluindo o costume da ordem dos primeiros oradores”, explica a própria ONU. Nossos presidentes da República gostam de comparecer à abertura dos trabalhos do mais importante organismo de cooperação e governança global. Trata-se de uma vitrine para o mundo, um momento de reconhecimento e demonstração de prestígio internacional para o nosso país.
Entretanto, Bolsonaro está no pior momento de seu governo para a opinião pública nacional e internacional. Decidiu comparecer à abertura da Assembleia Geral, na terça-feira, para dizer algumas “verdades” sobre o país. Viaja, neste domingo, acompanhado pela primeira-dama, Michelle, e chegará “causando” porque, até hoje, não se vacinou contra a covid-19. Durante a semana, isso criou a maior celeuma, porque a Prefeitura de Nova York, cidade onde está localizada a sede da ONU, restringe a circulação de pessoas não vacinadas.
A própria ONU exige o atestado de vacina para participar da Assembleia Geral. Porém, diante do impasse, decidiu flexibilizar o protocolo e aceitar a presença de chefes de Estado que não tomaram a vacina, desde que apresentem um atestado de que estão saudáveis, ou seja, não sejam portadores do vírus da covid-19. É o tipo de atitude que queima o nosso filme já no desembarque. Nova York é uma cidade multiétnica e cosmopolita, na qual os brasileiros não passam batido: são 300 mil residentes na metrópole.
O projeto final do belíssimo prédio da sede da ONU, selecionado por uma equipe de arquitetos de diversos países, liderada por Wallace Harrison, é de autoria de Oscar Niemeyer com a colaboração de Le Corbusier. Construída entre 1949 e 1952, fica no setor leste de Manhattan, às margens do Rio East, em terrenos comprados por Nelson Rockefeller por US$ 8,5 milhões e doados por seu herdeiro à administração local. Era um antigo matadouro. A comissão selecionou o projeto de Niemeyer por sua leveza, ao definir prédios distintos para os diferentes órgãos das Nações Unidas em vez de um só edifício, como propôs Le Corbusier.
O Secretariado foi erguido às margens do Rio East, tendo a Assembleia Geral logo à direita, criando uma ampla praça cívica na frente. A sede da ONU é uma verdadeira galeria de arte, com obras de grandes artistas, entre os quais Cândido Portinari. Os monumentais painéis de Guerra e Paz estão expostos no salão dos delegados. Encomendados pela United Nations Association of the United States of America, como um presente às Nações Unidas, foram projetados em Nova York. Portinari, porém, teve problemas com o visto (era acusado de ser comunista), por causa da Guerra Fria, voltou para o Brasil e pintou os painéis no Rio de Janeiro.
Refúgio
Bolsonaro poderá circular pelo prédio da ONU, mas não poderá frequentar a área interna de nenhum restaurante da cidade. Não chega a ser um problema. O presidente da República gosta de ambientes populares e pode até criar um factoide na vida mundana dos brasileiros em Nova York. Na zona central da cidade, o Little Brazil, rua entre a 5a e a 6a Avenidas, tem bons restaurantes brasileiros, entre os quais os famosos Via Brazil, Ipanema e Emporium. Todos têm leite condensado, caipirinha, feijoada e picanha, além de mesas nas calçadas. Dependendo do dia da semana, rola um pagode no Samba Kitchen & Bar. Fora do quadrado, o Miss Favela, no Brooklyn, a US$ 45 por cabeça o menu completo, tem música ao vivo e clima de boteco.
Deixemos a gastronomia de lado. O Palácio do Planalto faz mistério sobre o roteiro político de Bolsonaro na ONU, mas o próprio nos deu uma dica, na semana passada: “Podem ter certeza, lá teremos verdades, realidade do que é o nosso Brasil e do que nós representamos verdadeiramente para o mundo”, disse. Na última sexta-feira, nosso presidente não participou do Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima, evento online promovido pelo presidente Joe Biden como preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, marcada para ocorrer entre os dias 1 e 12 de novembro. Os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, e do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participaram.
Bolsonaro deve voltar ao Brasil logo após a abertura da Assembleia Geral. Não tem reunião agendada com nenhum outro chefe de Estado. Pelo rumo da prosa, como a maioria dos governantes de países emergentes e periféricos quando estão enfraquecidos, apelará para o discurso nacionalista, um refúgio bem conhecido na diplomacia. É uma forma de mascarar seu negacionismo em relação à pandemia da covid-19, à grave crise hídrica e ao desmatamento na Amazônia, além de dificuldades econômicas e a atual instabilidade política que criou.
Luiz Carlos Azedo: Muito barulho por nada
A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos para baixo em relação ao levantamento de julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo”
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Graças às redes sociais, a participação da sociedade na política se ampliou muito, com certas características da forma como as pessoas se articulam na internet, ou seja, as chamadas de “tribos” — quando se agrupam por interesses permanentes — ou “bolhas”, no caso das correntes de opinião política encapsuladas em grupos de pressão. Tanto as mudanças econômicas, financeiras e tecnológicas aceleradas pela globalização, como a revolução nos costumes, por exemplo, são fatores de maior diversidade social e pluralismo político.
A expressão “maioria silenciosa” se refere às pessoas politicamente acomodadas que, de um modo geral, têm posições conservadoras, mas não manifestam opinião publicamente. Esse conceito surgiu nos Estados Unidos, como muitos outros, durante o governo de Richard Nixon, quando, em 1969, ele pediu à população americana mais apoio ao envio de tropas para lutar no Vietnã. Havia, com razão, muita resistência à intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas Nixon conseguiu o apoio da maioria da sociedade. Desde então, conquistar o apoio dessa parcela da sociedade passou a ser uma das principais preocupações dos políticos.
A eleição de Donald Trump foi um momento de mudança na relação dos políticos com essa “maioria silenciosa”, que deixou de sofrer a influência predominante dos grandes meios de comunicação para ser pautada por minorias ativas nas redes sociais, em parte formada por setores que, até então, não tinham como se expressar nos movimentos civis e sociais. Tais grupos são muito barulhentos e conseguem pautar as políticas públicas, e até os meios de comunicação. Esse fenômeno voltou a ocorrer, com sinal trocado, na campanha que levou o democrata Joe Biden à vitória.
Um marco dessa mudança foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que hoje tem caráter internacional, mas surgiu na comunidade negra dos EUA, que luta contra a violência racista. Emergiu em 2013, com o uso da hashtag #BlackLivesMatter em redes sociais, após a absolvição de George Zimmerman, que atirou fatalmente no adolescente negro Trayvon Martin. O movimento ficou conhecido por suas manifestações de rua após a morte, em 2014, de dois afroamericanos. Em maio de 2020, o movimento ganhou repercussão mundial com a morte de George Floyd, durante uma ação policial em Minneapolis. Milhares de pessoas foram às ruas protestar a favor da vida das pessoas negras no mundo todo. Foi então que Trump começou a perder as eleições.
Pesquisa
Como estamos na esfera de influência do chamado americanismo, esse fenômeno também ocorre no Brasil, obviamente com características próprias, entre as quais o peso da questão ética no posicionamento da sociedade em relação à política. Em grande parte, a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, foi uma deriva da eleição de Trump e da forte rejeição provocada pela Operação Lava-Jato à política tradicional e ao envolvimento dos grandes partidos em escândalos de corrupção. Agora, as pesquisas estão mostrando um movimento em sentido inverso, em decorrência do desempenho do governo Bolsonaro em diversas áreas: crise sanitária, alta inflacionária, crise hídrica, ameaças à democracia etc.
A pesquisa DataFolha divulgada ontem é uma comprovação disso. A reprovação ao governo Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais em relação ao levantamento feito em julho: 53% consideram o governo ruim ou péssimo, o pior índice do mandato — na última pesquisa, eram 51%. O percentual dos que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 24% para 22%, enquanto a parcela que o considera reguar manteve-se em 24%. A pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos, dos dias 13 a 15 de setembro, em 190 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
O mais importante é que o levantamento foi feito após as manifestações do 7 de Setembro, convocadas por Bolsonaro, que foram muito maiores do que as de oposição moderada, realizadas no dia 12 passado. A alta de preços da gasolina, do gás e dos alimentos, e a existência de 14,4 milhões de desempregados pesaram na balança da pesquisa, inclusive na classe média e entre os evangélicos, onde o presidente da República perdeu muito apoio. Em resumo, a chamada “maioria silenciosa” mudou de lado.
CPI ouve Marconny Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos
A CPI da Pandemia se reúne para ouvir o depoimento do advogado Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria, apontado como lobista da Precisa Medicamentos. Ele terá de explicar a troca de mensagens no aplicativo WhatsApp e arquivos de mídia vinculados aos diálogos, fruto da Operação Hospedeiro. A justiça atendeu o pedido, feito pela comissão, de mandado de condução coercitiva, se Marconny não comparecer, nem justificar “a ausência ao ato de inquirição designado”.
Assista:
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/ao-vivo/cpi-da-pandemia
'Presidente já esperava', diz Mourão sobre devolução da MP do Marco Civil
Presidente do Senado oficializou devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais
Ingrid Soares / Correio Braziliense
O vice- presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quarta-feira (15/9) que o presidente Jair Bolsonaro já esperava que a Medida Provisória que alterava o Marco Civil da Internet fosse devolvida. "Presidente já esperava isso aí. Então, sem problemas”, alegou a jornalistas na chegada ao Palácio do Planalto.
"Pelo que eu avaliei, não vi o presidente tão empenhado nisso aí. Não sei quais foram os movimentos que foram feitos, quais foram as mensagens trocadas. Não posso esclarecer isso aí pra vocês, tá?", completou.
Na noite de terça-feira (14), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), oficializou a devolução da medida que limitava a possibilidade de remoção de conteúdo nas redes sociais. A decisão foi comunicada ao Palácio do Planalto e lida por Pacheco no plenário do Senado.
Na decisão, Pacheco afirmou que a MP gera insegurança jurídica e configura um "abalo" ao desempenho das funções do Congresso. O presidente do Senado citou a tramitação de um projeto de lei sobre o tema aprovado no Senado e aguardando votação na Câmara. O senador também citou que a MP de Bolsonaro impacta diretamente no processo eleitoral.
Ainda ontem, durante cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro defendeu a MP e afirmou que "fake news faz parte da nossa vida". Ele ainda comparou a prática de disparo de notícias enganosas a 'mentir para a namorada'. Ao contrário do fenômeno de alto compartilhamento de notícias falsas, presidente alegou que "hoje em dia, fake news morre por si só. Não vai para a frente".
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4949607-presidente-ja-esperava-diz-mourao-sobre-devolucao-da-mp-do-marco-civil.html
Elena Landau: ‘Queremos achar convergência política diante do descalabro’
Ex-diretora do BNDES defende alternativa à polarização e diz que empresários ‘caíram no conto’ de Paulo Guedes
Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo
Uma das integrantes da linha de frente do grupo 'Derrubando Muros', a economista e colunista do Estadão Elena Landau comandou nesta terça-feira, 14, um seminário sobre reforma do Estado do qual também participaram ou participarão outros expoentes de sua geração da PUC-Rio: Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende (o evento continua nesta quarta-feira). Autointitulado uma "iniciativa cívica", o movimento tem 92 integrantes, entre empresários, banqueiros, políticos, economistas e intelectuais de várias áreas. O objetivo é buscar pontos de convergência e criar pontes em torno de um objetivo comum: combater o presidente Jair Bolsonaro.
Elena Landau ganhou notoriedade nos anos 1990, por colaborar com o Programa Nacional de Desestatização. Em 1994, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela se tornou diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ali permaneceu até 1996. Também passou pelo conselho administrativo da Eletrobrás.Nessa entrevista ao Estadão, a economista fala sobre os pontos que podem unir a terceira via. Ela critica duramente o ministro da Economia, Paulo Guedes, que considera “sem noção de realidade”.
Quais propostas econômicas unem a terceira via que vai de Ciro Gomes a João Amoêdo?
O Estado que a gente pensa é progressista, liberal, inclusivo e sustentável. Isso é fácil de a gente discutir. O grande problema é chegarmos a uma convergência sobre os meios de chegar lá. Esse é o desafio do seminário: um mínimo de convergência, não só na economia, mas na política também. A minha visão de Estado vai ser diferente da do Ciro, evidentemente. Um é mais intervencionista, eu sou mais liberal. Temos que achar algum tom de convergência. A ideia (de criar o grupo 'Derrubando Muros') é mais política e institucional diante desse descalabro que estamos vivendo.
É possível encontrar pontos de convergência na economia com o PT e estar ao lado do partido se o adversário for Borsonaro no segundo turno?
É muito cedo para pensar nesse tipo de coisa. O Derrubando Muros é uma tentativa de construir uma terceira via. Não vou antecipar o segundo turno neste momento. A gente está trabalhando, quando chegar a hora vamos decidir o voto.
Como avalia a estratégia de privatizações do governo Bolsonaro? Até onde devem ir as privatizações?
Este governo não está fazendo privatização nenhuma por enquanto. Ele conseguiu autorização do Congresso Nacional para a privatização da Eletrobrás, que saiu muito ruim, e tem outro projeto para os Correios. A minha visão é que se deve privatizar tudo aquilo que o setor privado pode assumir, incluindo os Correios. Sou radicalmente a favor das privatizações, mas o que deve ser um pressuposto de todos no grupo é a responsabilidade fiscal. Prometer responsabilidade fiscal é o mesmo que prometer ser honesto: isso é pressuposto. Sem ele não há responsabilidade social. Não dá para dissociar uma coisa da outra.
Qual deve ser o papel do Estado na recuperação e no crescimento da economia?
O Estado deve permitir que o setor privado floresça. Tem que dar segurança jurídica, uma boa regulação, fiscalização e respeitar os contratos. Uma coisa importante para ser discutida no grupo são evidências em políticas públicas. Sair do desejo e ver o que deu certo e o que deu errado no Brasil. Todas as políticas de grande intervenção geraram inflação e desemprego. Temos que ver também o que deu errado: intervenção em juros e no câmbio não dá certo. O Brasil melhorou com o tripé econômico, a flutuação do câmbio e o Banco Central independente. Essas coisas devem ser defendidas, pois passaram por vários governos, independente da ideologia. Imagine se o Banco Central não fosse independente nesse momento?
Vários empresários, banqueiros e pessoas do mercado financeiro estiveram na Avenida Paulista no domingo na manifestação contra Bolsonaro. A ficha caiu?
Não faço parte do mercado financeiro, mas alguns apoiaram Bolsonaro no passado porque eram anti-PT ou caíram no conto do Paulo Guedes. Não é só a questão econômica que importa. Há uma crise institucional muito grave. A defesa das instituições democráticas é a pauta mais importante do Brasil. Isso está unindo os empresários de consciência. Sem democracia não tem mercado nem economia.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho do Paulo Guedes?
É a mesma avaliação de sempre, de 30 anos atrás, 2018 e hoje. Ele é uma pessoa completamente inábil e sem nenhuma noção da realidade. É um economista de palestra. Nada do que está acontecendo me surpreendeu.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-achar-convergencia-politica-diante-do-descalabro-diz-landau-sobre-terceira-via,70003840305