meirelles
Cristiano Romero: O legado
O segredo de Meirelles sempre foi montar boas equipes
Um dos maiores talentos do ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, tanto no setor privado quanto na vida pública, foi montar boas equipes. E, por isso, as coisas sempre deram certo. Meirelles foi o mais longevo e bem-sucedido, considerando-se o conjunto da obra, presidente do BC brasileiro - oito anos, durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). No comando da economia, tendo assumido o cargo em meio à mais longa recessão (2014-2016) da história do país, mudou, em pouco mais de dois anos, o rumo da economia - aqui, não se trata de opinião, mas de respeito à aritmética: o discurso, contundente, é dos números.
Meirelles foi chamado para assumir os dois postos públicos mais importantes da economia brasileira em momentos de crise severa. Em janeiro de 2003, chegou a Brasília com o país "em chamas", à beira de um possível calote na dívida externa. Por causa da desconfiança dos investidores nos propósitos do recém eleito governo de esquerda, investidores tiraram bilhões de dólares do país, levando a cotação da moeda americana para algo em torno de R$ 4,00.
As consequências, como diria o barão de Itararé, sempre citado pelo ex-senador Marco Maciel, vieram depois: a inflação anual, medida pelo IPCA, disparou (para 12,5% em dezembro 2002 e 17% em abril de 2003); a dívida pública superou os 60% do Produto Interno Bruto (PIB); a economia mergulhou em mais uma recessão, a segunda em menos de quatro anos; a taxa básica de juros (Selic) foi a 25% ao ano em dezembro de 2002, impondo às autoridades dilema de difícil solução, provocado pela chamada "dominância fiscal" - elevar os juros (Selic) para conter a escalada inflacionária e, com isso, aceitar o aumento explosivo da dívida pública, uma vez que, grosso modo, essa dívida é atrelada à Selic, ou não subir os juros e, assim, deixar a inflação crescer para evitar a expansão do endividamento;
No BC, mesmo vindo de uma vitoriosa carreira como executivo do BankBoston (Fleet), Meirelles, eleito deputado pelo PSDB em Goiás em 2002, foi recebido com extrema desconfiança pelo mercado. O que se dizia na época era: "Meirelles foi nomeado por Lula porque este não conseguiu convencer ninguém, à altura do cargo, a assumir a função naquele momento"; "Meirelles não entende nada de economia"; "o PT vai derrubá-lo em menos de seis meses".
De fato, antes de convidar Meirelles, Lula e Antonio Palocci fizeram sondagens para o Banco Central que não prosperaram. A razão era a falta de confiança daqueles interlocutores no compromisso do novo governo com o respeito aos contratos e à disciplina monetária e fiscal. É verdade que Meirelles não tinha formação macroeconômica, mas, daí a dizer que ele não entendia do assunto era um exagero, fruto de preconceito que o persegue desde sempre. Quanto ao PT, é fato que o partido tentou desestabilizá-lo, inclusive no auge do sucesso da gestão Lula na área econômica, mas o então presidente, sabedor da importância da estabilidade de preços para o sucesso de seu governo, manteve Meirelles no cargo até o último dia de seu mandato.
Subestimado, Meirelles atraiu para o BC economistas de sólida formação acadêmica, como Eduardo Loyo, Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita, e de bem-sucedida experiência no mercado financeiro, como Rodrigo Azevedo, Mário Torós, Alexandre Schwartsman e Paulo Vieira da Cunha. A vida não foi nada fácil naqueles oito anos, mas, depois de enfrentar todo tipo de fritura política e a hostilidade de um Ministério da Fazenda dominado em mais de dois terços daquele período por economistas contrários ao que se fazia nas políticas monetária e cambial, o grupo entregou a inflação dentro do intervalo de variação da meta - depois de o IPCA ter ido a mais de 17% nos 12 meses até abril de 2003 -, a taxa Selic cadente e muito abaixo da encontrada e o PIB crescendo a um ritmo muito superior e com menor volatilidade (ver tabela).
Quando Meirelles assumiu o Ministério da Fazenda em maio de 2016, o fez novamente em meio a uma crise sem precedentes e em momento delicado da política nacional, uma vez que o segundo presidente, dos quatro eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, sofria impeachment - Dilma Rousseff mostrou-se inepta para governar o Brasil, mas tanto a sua gestão abaixo da crítica quanto a maneira como foi cassada mostram que a democracia brasileira precisa ser fortalecida para impedir que a tirania tome lugar tanto em um caso como no outro.
Para comandar a economia, Meirelles escolheu, corretamente, economistas em sua maioria originários do setor público, como Eduardo Guardia, Mansueto Almeida, Marcelo Abi-Ramia e Marcos Mendes, conhecedores profundos das mazelas fiscais que resultaram na quebra do Estado brasileiro e na sabotagem do futuro da nação.
Os números dizem tudo: em maio de 2016, quando essa equipe assumiu suas funções em situação de emergência, o PIB encolhia 4,55% em 12 meses, a inflação estava em 9,32% e a taxa Selic, em 14,25% ano. Um mês atrás, o PIB estava em alta de 1,39%, a Selic no menor patamar da história (6,5% ao ano) e a inflação em 12 meses até novembro, em 4,05%, abaixo da meta.
Os resultados só não foram melhores porque a política não deixou, mas a virada que Henrique Meirelles produziu nos resultados dos cargos que assume fez Chico Mendez, jovem estrela do marketing político brasileiro, criar o mote "chama o Meirelles", usado na recente campanha eleitoral.
Eliane Cantanhêde: Meirelles vice de Alckmin
Ministro queria ser vice de Aécio e pode virar de Alckmin com apoio de Temer
Está em gestação a jogada mais pragmática de toda essa campanha eleitoral tão desajeitada: uma chapa com Geraldo Alckmin na cabeça e Henrique Meirelles na vice. Um pelo PSDB, outro pelo MDB, reativando a aliança entre os dois partidos interrompida nos anos do PT e agregando à candidatura Alckmin os êxitos econômicos do governo Temer, mas trazendo como contrapeso sua carga de denúncias e dívidas na Justiça.
As conversas avançam e podem ter evoluído na sexta-feira no encontro do presidente Michel Temer com o tucano Fernando Henrique Cardoso, já que uma costura assim só tende a evoluir com o aval de FHC e o patrocínio de Temer. Se FHC tem sido seguidamente azedo com o governo, vai ter que adoçar o tom.
A operação exige acordos delicados, mas não chega a ser tão complicada. Nem Meirelles é homem de partido, nem o seu partido, o PSD, deu a mínima bola para as pretensões presidenciais dele. Logo, o divórcio será amigável, com todos, ao final, participando da mesma campanha: a de Alckmin.
Se Meirelles é um candidato em busca de uma sigla, o MDB é uma sigla em busca de um candidato. Tenha os problemas que tiver, o MDB é precioso para Alckmin, pelo tempo de TV, ramificação nacional, bancadas no Congresso, governos estaduais e prefeituras. Bem... os emedebistas ajudam a manter o Brasil como a terceira maior população carcerária do planeta, mas que candidato despreza uma aliança assim mesmo?
De outro lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, é um pragmático flexível e não tem do que reclamar. Tinha horror de Alckmin, mas encomendou a fantasia para ser vice de João Doria em São Paulo e, se “ceder” Meirelles para a coligação do próprio Alckmin ao Planalto, aumenta ainda mais suas fichas para 2019.
O sonho de Meirelles é ser político e a realidade é que ele sempre recua. Saiu do BankBoston para disputar a Presidência da República, mas se elegeu deputado pelo PSDB e virou mesmo foi presidente do Banco Central do PT. Desde então, colhendo troféus e reconhecimento no Executivo, nunca parou de sonhar com a adrenalina das campanhas.
Meirelles se lançou ao governo de Goiás em 2006 e 2010 e chegou a namorar a ideia de ser vice de Aécio Neves em 2014, mas não teve espaço. É natural que agora desça um degrau para trocar a própria candidatura pela vice de Alckmin, aliás, num País em que ser vice é uma aposta e tanto, que o digam Sarney, Itamar e o próprio Temer, em apenas trinta anos. E Meirelles não seria um candidato a vice qualquer, muito menos um vice qualquer.
A candidatura Alckmin tem sobrevivido de solavanco em solavanco, mas vai se afirmando em cima de uma constatação límpida: não apareceu ninguém melhor para unificar o tal “centro”. Doria queimou a largada e vai caminhando para seu Plano B, o governo de São Paulo. Luciano Huck era para valer (apesar do sarcasmo dos mal informados), mas amarelou na hora de acelerar. Rodrigo Maia mal engatou a primeira. E Álvaro Dias, um ex-tucano, não sai do Sul.
O projeto Alckmin avança e tem uma peça chave: Michel Temer. O presidente vive numa gangorra estonteante, ora lá em cima, com intervenção no Rio, dados econômicos, leve recuperação de empregos; ora lá em baixo, com decisões da PGR e do STF sobre o porto de Santos e as relações perigosas do MDB com a Odebrecht. Um fato, porém, é inquestionável: ele recuperou força política.
Temer tem o que mostrar, demonstrou capacidade de iniciativa e, com certeza, será “um player”. O beneficiário tem tudo para ser Alckmin, mas o apoio tem preço: a defesa do seu “legado”. É assim que, nem amado nem odiado, como os bons candidatos, Alckmin vai pela estrada largando concorrentes e colhendo aliados a partir de uma dura conclusão: “Se não tem tu, vai tu mesmo”.
Míriam Leitão: Temer e Meirelles, fogueira das vaidades
O primeiro objetivo do presidente Temer ao se colocar como candidato é adiar a hora em que será um pato manco, um governante sem poder, em fim de mandato. Temer quer manter a ideia de que tem um horizonte amplo. A expectativa de que possa ter poder no futuro aumenta sua força agora. Seu movimento levou ao improviso do ministro Henrique Meirelles, considerando encerrado seu tempo na Fazenda.
O Brasil terminou a semana com duas estranhezas. Um presidente impopular que tem ambições de permanecer no cargo e por isso todos os seus atos serão considerados de campanha, e um ministro da Fazenda que já encerrou o expediente, mas ainda não deixou o cargo.
Temer e seu grupo são profissionais do poder, sempre estiveram colados aos cascos dos navios, e agora estão no comando. Seus ministros mais próximos são investigados, e, se continuarem ministros, terão a vantagem do foro privilegiado. Isso sem falar em outras regalias. Ele próprio tem uma vantagem decorrente de uma falha na lei eleitoral: pode disputar a eleição estando no poder, enquanto seus concorrentes precisarão estar fora de qualquer cargo.
O ministro Henrique Meirelles tem bons serviços prestados, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Banco Central. Ajudou o ex-presidente Lula a vencer a desconfiança contra ele, que, em 2003, elevara o dólar, a inflação e o risco-país. Depois, foi o ponto de resistência contra as propostas econômicas equivocadas do partido do então presidente. No Ministério da Fazenda, montou uma boa equipe. Ele, sua equipe e um competente Banco Central tiraram o país da inflação de quase dois dígitos e da recessão.
O problema do ministro é que ele não tem os atributos de comunicação naturais de um candidato. Sua única experiência com as urnas foi no seu estado natal, Goiás, numa eleição proporcional. É difícil imaginar Meirelles empolgando as massas em um palanque ou usando de forma convincente o horário eleitoral.
Meirelles não fez um anúncio formal sobre a candidatura. Numa entrevista à rádio Itatiaia, disse que sua etapa à frente do Ministério está cumprida e que estava “contemplando” a possibilidade de se candidatar. Mais tarde, em entrevista à CBN, confirmou sua ambição de concorrer. Um ministro da Fazenda que diz que essa etapa de sua vida está encerrada tem que, em seguida, entregar o cargo. Mas ele disse que a candidatura ainda depende de alguns fatores. Um deles é ter estrutura partidária. Se Meirelles anda se aconselhando com marqueteiros experientes como Duda Mendonça, deve ter ouvido que esse anúncio na condicional o deixa num limbo. Nem é mais ministro da Fazenda, nem ainda é candidato. Fica difícil entender a estratégia de Meirelles.
Temer tem ouvido que, se há um legado do seu governo, ele mesmo deve se aproveitar disso. Vários dos que estão no seu grupo dependem dessa vitória, como biombo contra a Justiça. O STF, pela sua espantosa lentidão, faz com que o foro seja um excelente negócio. A prerrogativa pode ser restringida, mas essa decisão ficou presa na armadilha Dias Toffoli. O ministro interrompeu a tomada de decisão do STF sob o argumento de que o Congresso estava deliberando sobre isso, e os políticos engavetaram o assunto. Agora a intervenção trancou a gaveta a chave.
Temer e Meirelles têm o mesmo pensamento. Ambos calculam que a economia vai crescer este ano e com inflação baixa, aumentando a sensação de conforto econômico. Ambos acham que podem ser beneficiários desse momento. A recuperação, desta vez, tem características próprias. O desemprego permanece muito alto, e a sensação de insegurança está presente nas famílias. Há bons indicadores de melhora. É possível medi-los, mas ainda é difícil senti-los. É improvável que o tímido fim da recessão, em ambiente hostil de desemprego e renda, seja capaz de alavancar candidatos que pontuam tão pouco nas pesquisas. Há outros itens na agenda do brasileiro. A intervenção federal na segurança do Rio é manobra que tem muitos riscos e, se trouxer ganhos, serão a longo prazo. A candidatura de Temer aumentará o combate à intervenção, porque ela será vista como manobra eleitoreira. As ambições do presidente tornam ainda mais difícil esse fim de governo.
Eliane Cantanhêde: De audácia a masoquismo
O governo Temer sacoleja de recuo em recuo; o último deles na PEC da ‘regra de ouro’
Depois de atrair chuvas e trovoadas, até fora do País, com a intenção de flexibilizar a “regra de ouro” do equilíbrio fiscal, o presidente Michel Temer decidiu mais uma vez voltar atrás. Henrique Meirelles alegou que a discussão “não é adequada ao momento”. Óbvio que não é. E, se não é, por que foi lançada? Para causar mais um enorme desgaste por nada?
Já se escreveu neste espaço sobre a audácia de Temer, mas essa audácia tem pitadas de masoquismo. Ele se mete nas maiores confusões, passa dias “apanhando” mais de aliados do que de adversários, de especialistas de diferentes tendências e até de analistas do exterior, e depois é obrigado a recuar. O governo sacoleja com um recuo atrás do outro.
Se a prioridade das prioridades é tentar aprovar a reforma da Previdência em fevereiro na Câmara, para que meter no meio a mudança na regra de ouro? Não bastava uma guerra? Temer não consegue votos nem para a Previdência e, não custa lembrar, foi formalmente por pedaladas fiscais, para dissimular o rombo e continuar gastando em ano eleitoral, que Dilma caiu.
Pela regra, a União só pode emitir dívida para amortizar dívida ou para investimento, mas Temer articulava uma Proposta de Emenda à Constituição para poder cobrir também as despesas correntes, ou seja, para manter a máquina. O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) alertou: se a PEC passa, no dia seguinte as agências de risco rebaixam de novo a nota brasileira. A Espanha, por exemplo, tem pesados investimentos na telefonia e na exploração do pré-sal e está atenta ao descontrole fiscal no Brasil.
Segundo o governo, a alteração seria só para 2019, mas o desgaste já tinha sido feito. Além de a PEC exigir o mesmo quórum que Temer não consegue para a reforma da Previdência, ela reforçou a fragilidade do governo: o objetivo é gastar bem em 2018? Ou porque a reforma não vai passar e é preciso mexer na regra fiscal para não incorrer no mesmo crime de responsabilidade fiscal da antecessora?
Enfim, foi mais um passo errado de um governo que adora virar alvo à toa: propõe um baita retrocesso no conceito de trabalho escravo e é obrigado a voltar atrás; anuncia um indulto de Natal que cai como uma luva nos atuais e nos futuros alvos da Lava Jato e é obrigado a engolir a suspensão pedida pela PGR e determinada pelo STF. Agora, diz não para o Ministério Público, que deu prazo para a troca de vice-presidentes e exigiu melhores condições de governança da CEF.
E por que o MP fez as exigências? Porque a CEF foi uma usina de escândalos nos últimos governos e é alvo de pelo menos três operações da PF: Sépsis, Cui Bono? e Patmos, que envolvem, por exemplo, os já bastante conhecidos Eduardo Cunha, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Com um mínimo de humildade, a Caixa poderia reconhecer sua culpa e ceder pelo menos em parte aos procuradores.
Por fim, a posse da Cristiane Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho está marcada para hoje à tarde, no Planalto, mas há ações tentando impedir que assuma. Empurrada para o cargo pelo próprio pai, Roberto Jefferson, a moça já foi condenada por crime trabalhista, acusada de manter motoristas até 15 horas por dia para a família – e sem carteira assinada.
Além de cuidar melhor da regra de ouro fiscal, um marco para o País, Temer deveria também cuidar da “regra de ouro” política, pela qual governos, como exércitos, devem se concentrar em uma guerra de cada vez: não se ampliam os focos de tensão, não se diversificam os inimigos ao mesmo tempo, não se anuncia o que não se consegue fazer, ou, pior, não se deve fazer. Além de audácia, Temer deve ter também picos de masoquismo. O homem adora apanhar, principalmente da opinião pública!
Míriam Leitão: Mistério e risco
Há uma velha máxima de que ministro da Fazenda só é popular se estiver fazendo alguma coisa errada. Portanto, quem ocupa esta pasta nem deveria querer a popularidade, porque isso certamente afetaria a tinta da sua caneta, com a qual ele toma decisões necessárias, mesmo que impopulares, e rejeita os muitos pedidos de vantagens com o dinheiro público.
Oministro Henrique Meirelles tem 75% de desaprovação e apenas 6% de aceitação, segundo o barômetro político Estadão/Ipsos. E pertence a um governo cuja aprovação se aproxima de zero. Sua candidatura pelo PSD, assumida claramente no programa partidário desta semana, e na entrevista que concederá na sede do partido hoje, é um mistério e um risco.
Mistério é em que se sustenta uma candidatura assim tão sem perspectivas? O que leva Meirelles a pensar que ele conseguirá vencer as barreiras praticamente intransponíveis da impopularidade do atual governo? Se ele fosse uma pessoa com carisma e capaz de inspirar empatia natural, mas entre os seus atributos não estão estes.
O risco é maior do que o mistério, porque o país está numa situação complexa. Tem um enorme déficit primário, o Orçamento de 2018 está sem bases porque não foram aprovadas as medidas de ajuste fiscal, que estão sendo barradas na Justiça, como a do adiamento do reajuste salarial do funcionalismo federal. Há uma reforma da Previdência que precisa ser defendida. E talvez seja preciso subir impostos. Um ministro da Fazenda com uma agenda de candidato poderá se equilibrar por mais de três meses nesse duplo papel? Como ministro, ele precisa ter rigor, dizer muito “não” aos lobbies, defender medidas amargas e rejeitar os pedidos dos seus colegas dos ministérios setoriais. Se ficar bem falado pelos colegas da Esplanada dos Ministérios estará fazendo algo errado, para atrair o apoio de eleitores terá que tomar decisões perigosas.
Ontem, o ministro disse que não está descartado o aumento de impostos. Isso provoca antipatia geral do público pagante de impostos porque a carga tributária já é alta. Quando fez essa declaração, talvez mirasse as agências de risco que estão ameaçando mais um rebaixamento do Brasil, pelo fato de não haver perspectivas de aprovação da reforma da Previdência, o que piora as projeções do déficit público e da dívida. Mas o que agrada à S&P ou à Moody's não tem capacidade de atrair votos numa disputa presidencial.
O ministro pode estar pensando no precedente criado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que saiu do Ministério da Fazenda para uma candidatura bem sucedida. Mas FH fez a primeira campanha no meio da implantação do Plano Real e aquela conjuntura não pode ser reproduzida.
Meirelles quer capitalizar os avanços que este governo conseguiu na economia, ao tirar o país da recessão e da inflação de dois dígitos deixadas pela expresidente Dilma. Mas essas conquistas não levaram a um aumento significativo do bem-estar econômico, porque o clima ainda é recessivo, e o desemprego, alto demais. A cesta de Natal está mais barata, alimentos estão com preços menores, caíram os aluguéis, mas a população ainda tenta esticar o orçamento após um período de queda forte da renda e aumento do endividamento e do desemprego. O que foi conseguido pela atual política econômica, e por uma safra espetacular, não teve o mesmo efeito de mudança da água para o vinho que se conseguiu em 1994 com o Plano Real que derrubou a inflação. A taxa acumulada foi de 258% no primeiro semestre daquele ano eleitoral, e de 17% no segundo semestre. Na travessia de um para outro ambiente econômico, o eleitor foi às urnas.
Eu ouvi a frase que abre esta coluna do economista Mário Henrique Simonsen. E ele se referia à popularidade de Dilson Funaro, em 1986. Funaro era aplaudido nas ruas de todo o país, no auge do Plano Cruzado, que levou à maior vitória do PMDB no país. O tamanho do erro da Fazenda pôde ser medido na volta da hiperinflação. Agora o contexto é outro. Nada haverá que por um passe de mágica alavanque a candidatura do ministro da Fazenda. O risco é ele usar os próximos três meses para, com cabeça de candidato, tomar decisões populistas na cadeira onde deveria estar pensando em medidas que ajudassem à estabilização fiscal, mesmo que fossem impopulares.
Jose Roberto de Toledo: Entre o bolso e a Bolsa
Empresário otimista, consumidor desconfiado. O descompasso entre as expectativas de um e de outro se explica pelo bolso. O empresariado diz que as condições de fazer negócio melhoraram e tendem a melhorar mais. Já o consumidor avalia que sua situação financeira é vermelha e não tem perspectiva de azular. Essa é a percepção da política econômica de Temer e Meirelles hoje.
A esperança do governo é que a contradição se resolva em breve. Não há garantia de solução do impasse, porém. Não em prazo suficiente para alavancar a candidatura do ministro à sucessão do presidente. Um dos motivos é que parte da justificativa do otimismo industrial é justamente a reforma trabalhista que ambos tanto se empenharam em aprovar.
A julgar pelos indicadores de percepção divulgados esta semana, as novas regras fizeram melhorar a expectativa de o trabalhador conseguir se ocupar. Mas ao custo de uma remuneração menor e de um trabalho mais precário. No fim do mês e das contas, a profundidade do seu bolso continua rasa como um pires. Sem aumentar a capacidade de consumo, a popularidade do governo não aumenta. Governo impopular, candidato inviável.
Até agora, os suspensórios do poder têm se mostrado frouxos demais para segurar a candidatura de Meirelles. Ainda há tempo de viabilizá-la? Cada vez menos. E o adiamento da votação da reforma da Previdência? Se atrapalha o otimismo empresarial, ao menos não enterra de vez a simpatia pelo ministro no meio dos aposentados. Entre a Bolsa e o bolso do consumidor, se aproxima a hora de Meirelles escolher se é ministro ou candidato.
Despedida
Foram oito anos, mais de mil textos, cerca de 500 colunas. Sem contar uma centena de vídeos, dezenas de infográficos e meia dúzia de podcasts. Definitivamente, o leitor sofreu. Muito mais do que poderia imaginar ao ler pela primeira vez esta “Vox Publica”. Já ali, em julho de 2010, pode ter estranhado a mania de usar números para analisar algo tão nebuloso quanto política.
Em “O dilmômetro de Lula”, narrava-se a história de como nasceu e cresceu a primeira candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Não através de relatos quentes de bastidor, mas da fria quantificação das aparições nos discursos presidenciais do nome da escolhida pelo orador para sucedê-lo. Política é nuvem, muda a todo instante. Mais um motivo para medi-la com precisão.
As crescentes citações denunciavam a intenção de Lula de lançar à Presidência uma até então desconhecida. Para perceber a ascensão de Dilma bastava contar e comparar.
Contando e comparando detectou-se a bilionária “Farra do FIES”. A série de reportagens chamou atenção para um problema que mal se sabia que existia, mudou regras e acabou por levar um inesperado Prêmio Esso.
O mesmo princípio de privilegiar dados a declarações na investigação de poderosos propiciou outra série de reportagens. Os PanamaPapers sacudiram governantes mundo a fora e mereceram um Pulitzer.
Outra parceria, com o Ibope, rendeu um panorama das mudanças na opinião pública brasileira ao longo da década. Traduzindo tabelas, procurando cruzamentos e caçando correlações conseguiu-se identificar tendências do eleitor e explicar seu comportamento durante cinco eleições (2018 já começou).
A esse conjunto de técnicas convencionou-se chamar de jornalismo de dados. Há satisfação em constatar que o que era raro ficou obrigatório. A abordagem anti-impressionista contagiou redações, invadiu currículos, virou norma.
Agradeço ao Estado por ter fraqueado o espaço que me permitiu participar dessa história. A partir de janeiro, sigo acompanhando-a desde outro endereço. Contando, comparando, recontando.
Até a próxima.
http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/entre-o-bolso-e-a-bolsa/
José Luis Oreiro: Sem lucros não haverá recuperação sustentável da economia
Em matéria publicada no Valor Econômico do dia 18 de setembro (“Para IEDI, despesa financeira é pedra no caminho das empresas industriais) somos informados que, segundo levantamento feito pelo IEDI junto as 339 empresas não-financeiras de capital aberto, a margem de lucro, tanto no conceito operacional, como no conceito líquido, apresentou uma redução não desprezível entre o primeiro e o segundo trimestre de 2017. Em números: a margem operacional do total das empresas pesquisadas caiu de 16,1% para 14,7% entre o primeiro e o segundo trimestre do corrente ano, ao passo que a margem líquida caiu de 7% para 4,3% no mesmo período.
Um dado interessante do estudo do IEDI é que a redução das margens de lucro foi maior nas empresas do setor de serviços do que nas empresas do setor industrial. Com efeito, enquanto as empresas do setor industrial tiveram uma queda de 9,3% para 8,6% na margem operacional (queda de 0,7 p.p) e de 4,9% para 3% na margem líquida (queda de 1,9 p.p) ; as empresas do setor de serviços constataram uma queda de 17,8% para 16,9% (queda de 0,9 p.p) na margem operacional e de 7,4% para 4,2 % (queda de 3,2 p.p) na margem líquida.
A queda da margem operacional de lucros (ou seja, da relação do lucro antes dos juros e impostos e a receita) indica que as empresas pesquisadas não estão conseguindo repassar para os preços o aumento dos custos operacionais. No caso das empresas do setor industrial a redução das margens de lucro deve refletir o crescimento dos salários reais (devido a desinflação ocorrida nos últimos 12 meses) acima da produtividade do trabalho num contexto de demanda reprimida pelo quadro recessivo e continuidade da taxa de câmbio sobrevalorizada. Surpreende, contudo, que as empresas do setor de serviços também não estejam conseguindo repassar para os preços o aumento dos custos operacionais, o que é um forte indicador de fraqueza da demanda agregada.
Os momentos de recuperação cíclica do nível de atividade econômica são, em geral, acompanhados por uma elevação (não por uma redução) das margens de lucro. Isso porque o aumento do grau de utilização da capacidade produtiva associado a recuperação do nível de produção tende a produzir um aumento da produtividade do trabalho; pois durante o descenso cíclico as empresas não ajustam o tamanho da força de trabalho na proporção exigida pela queda da produção e das vendas em função dos custos de demissão e contratação de trabalhadores. Esse fenômeno, conhecido na literatura econômica, como labour hoarding, gera um padrão pró-cíclico para a dinâmica da produtividade do trabalho, fazendo com que as margens de lucro aumentem durante a fase de recuperação. É o aumento das margens de lucro que permite, não só a continuidade do processo de desalavancagem das empresas que se endividaram durante o boom, como também aumenta a expectativa de retorno dos projetos de investimento em ampliação e modernização da capacidade produtiva. Dessa forma, o aumento da “eficiência marginal do capital” termina por gerar um aumento do fluxo de novos investimentos, o que gera um efeito multiplicador sobre o nível de atividade econômica, proporcionando uma recuperação sustentável da economia.
Infelizmente os dados divulgados pelo IEDI mostram que esse mecanismo virtuoso não está acontecendo no Brasil, pelo contrário, as margens de lucro estão em processo de redução. Sem o crescimento dos lucros não há estímulo para os empresários investirem. E sem investimento não há recuperação sustentável para a economia brasileira.
Talvez seja essa a razão pela qual o Ministro da Fazenda, Sr. Henrique Meirelles, pediu recentemente a um grupo de pastores evangélicos orações pela economia brasileira. Quiçá seja necessário, de fato, um milagre para evitar a volta do Pibinho, o qual foi o começo do fim da era Dilma Rouseff.
* José Luis Oreiro é economista e professor da Universidade de Brasília (UnB)