meio ambiente
Luiz Carlos Azedo: Um recado dos investidores
Sempre houve problemas, mas o Brasil era protagonista mundial na questão ambiental, por causa da legislação existente e do combate aos crimes ambientais
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Muito emblemático o desfecho do leilão de 92 blocos, ofertados ontem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), para exploração de petróleo e gás natural: apenas cinco foram arrematados. Estavam distribuídos em 11 setores das bacias Campos, Pelotas, Potiguar e Santos. Entre as áreas que não receberam proposta, felizmente, estão os lotes próximos a Fernando de Noronha, onde, segundo ambientalistas, a exploração oferece riscos à fauna marinha. Foram arrematados dois blocos do setor SS-AP4 e três no setor SS-AUP4, ambos na Bacia de Santos. Das nove empresas que se inscreveram para participar da disputa, apenas duas fizeram ofertas.
A Shell arrematou sozinha quatro dos cinco blocos e formou consórcio com a Ecopetrol para arrematar o quinto. Inscreveram-se no leilão: Petrobras, Chevron Brasil Óleo e Gás Ltda., Total Energies EP Brasil Ltda., Ecopetrol Óleo e Gás do Brasil Ltda., Murphy Exploration & Production Company, Karoon Petróleo e Gás Ltda., Wintershall Dea do Brasil Exploração e Produção Ltda, e 3R Petroleum Óleo e Gás S.A. A ANP arrecadou R$ 37 milhões em bônus de assinatura, um investimento previsto de R$ 136 milhões. Há dois anos não se realizavam leilões, mas o desinteresse de investidores já havia sido registrado na rodada de outubro de 2019, na qual foram arrematados apenas 12 dos 36 blocos exploratórios ofertados pela ANP. Entretanto, à época, houve um recorde de arrecadação: R$ 8,915 bilhões. Agora, não. Talvez tenha sido esse o último grande leilão — o futuro dirá. Quanto mais profunda a camada pré-sal, mais cara e complexa é a exploração.
A forte presença da Shell tem uma explicação. Com 900 funcionários, a empresa está no Brasil há mais de 100 anos, tem forte participação no consórcio de Libra e conseguiu manter no Brasil o seu “cluster” de exploração, um arranjo que envolve centenas de empresas, milhares de técnicos e muita tecnologia, mas que costuma migrar para outras fronteiras de petróleo quando o ciclo de exploração é interrompido por algum motivo. Para dar lucro, da pesquisa geológica à distribuição do produto, esse arranjo produtivo precisa ser renovado, o que somente é possível com a previsibilidade e regularidade dos leilões. Quando são interrompidos, capitais, recursos humanos, financeiros e tecnológicos se dispersam — o Rio de Janeiro que o diga.
Há fatores mais importantes, porém, influenciando a desmobilização dos investidores. O primeiro é a reestruturação da economia mundial, globalizada, que está transitando do carbono para a energia limpa. Os melhores exemplos são a substituição de termoelétricas por usinas de energia solar e a produção em massa de carros elétricos. Europa e Estados Unidos já estão em pleno processo de conversão para a energia limpa, o que vem tendo forte impacto no mercado de petróleo. Não é à toa que os países produtores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pela Rússia, reduziram a produção e jogaram os preços dos combustíveis para cima. Ou seja, há uma revolução energética em curso, impulsionando a nova economia.
O segundo, com certeza, é a centralidade do conceito de sustentabilidade na agenda globalista, na qual o Brasil adotou uma posição marginal. Em abril, os EUA, sob a liderança do presidente Joe Biden, voltaram a ter protagonismo no debate sobre as mudanças climáticas. No próximo mês, na Escócia, será realizada a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP). EUA, China, Índia, Rússia e Brasil estão entre os 17 países que respondem por 80% das emissões globais de CO2. A pressão internacional sobre esses países por causa do aquecimento global somente aumenta. As grandes expectativas são em relação à China, que promete um programa revolucionário de redução das emissões de CO2, e o Brasil, que continua “passando a boiada”, como diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Nova agenda
A nossa vanguarda do combate à degradação ambiental, principalmente às queimadas e desmatamentos, sempre foram os ambientalistas e técnicos dos órgãos governamentais, entre os quais o Ibama e o ICMBio. Sempre houve problemas ambientais, mas o Brasil era protagonista mundial na questão, por causa da legislação existente e da política oficial de combate aos crimes ecológicos. O presidente Jair Bolsonaro inverteu a situação ao implodir as políticas públicas e estimular os predadores do meio ambiente. Agora, porém, uma nova situação está sendo criada, porque as empresas brasileiras inseridas nas cadeias de comércio global e no mercado financeiro internacional estão aderindo às recomendações do Fórum Econômico Mundial, e passaram a ver a sustentabilidade como um dos eixos do ambiente de negócios. Essa aliança entre ambientalistas, técnicos governamentais e lideres empresariais está começando a virar o jogo.
Entretanto, a política continua sendo decisiva e, na atual legislatura, a agenda da sustentabilidade no Congresso está sob ataque do Centrão, em seus múltiplos aspectos, desde a legislação em relação a florestas e mananciais, à questão das terras indígenas. Um amplo espectro de forças, que vai da direita à esquerda, em razão de uma agenda desenvolvimentista, ainda prioriza a velha economia, em lugar da nova política globalista e da economia do conhecimento. É como se regredíssemos ao velho debate agrarismo versus industrialismo, de 100 anos atrás.
Governo cria programa de resgate da fauna silvestre
Resgate+ terá ações de atendimento e assistência a animais silvestres
Pedro Peduzzi / Agência Brasil
Portaria do Ministério do Meio Ambiente instituiu o Programa Nacional de Resgate de Fauna Silvestre. O Resgate+ terá, entre suas finalidades, a adoção de medidas visando afugentamento, resgate, atendimento e assistência de animais silvestres em situação de risco e vulnerabilidade nos seis biomas do país. A portaria foi publicada hoje (6) no Diário Oficial da União.
O atendimento (primário e emergencial), citado pela Portaria nº455, deverá ser feito por médico veterinário. Ainda no âmbito das metas do Resgate+, figuram a redução da perda de biodiversidade da fauna em decorrência de eventos naturais extremos ou acidentes ambientais causados por ação humana; e orientação da destinação adequada dos animais atendidos em operações de resgate e assistência.
O programa será coordenado pela Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, que buscará articular e desenvolver parcerias com outros órgãos governamentais, o setor privado e a sociedade civil, visando a implementação dos seus objetivos e o estabelecimento de regramento próprio relativo aos prazos e condições do projeto.
Resgate+
A portaria descreve como objetivos estratégicos do Resgate+ a coordenação e a articulação visando disponibilizar bases operacionais "estrategicamente localizadas, com pessoal treinado e equipamento específico, para realizar as ações de afugentamento, resgate, salvamento, assistencialismo e recuperação de fauna silvestre em situação de risco e vulnerabilidade".
Prevê, ainda, ações de capacitação, educação e cidadania ambiental; e elaboração de planos de pronta resposta a desastres e acidentes que afetem a fauna silvestre, além da celebração de acordos e parcerias para a operacionalização de atividades.
Entre as diretrizes do programa figuram a cooperação e engajamento dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e o estímulo ao voluntariado e à participação do setor privado e da sociedade na implementação, custeio e operacionalização de atividades de resgate de fauna silvestre. A portaria entrou em vigor de hoje.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-10/governo-cria-programa-de-resgate-da-fauna-silvestre
Empresários cobram protagonismo do Brasil na Conferência do Clima
No documento, que será encaminhada ao governo, 107 companhias listam ações para reduzir as emissões de carbono
João Sorima Neto / O Globo
SÃO PAULO — De olho na Conferência sobre o Clima, a COP-26, que acontece em novembro na Escócia, um grupo de 107 empresas e dez entidades setoriais do país pede que o Brasil retome o protagonismo em defesa da agenda verde global e defende metas ambiciosas para a transição para uma economia de baixo carbono.
Presidentes de empresas como BRF, Bradesco, Alcoa, Cargill, Braskem assumem que têm responsabilidade no combate às mudanças climáticas e assinam a carta "Empresários pelo Clima", que deve ser entregue ao governo para ser levada à COP-26.
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"O mundo precisa caminhar com urgência para um economia de baixo carbono e o setor empresarial reconhece sua responsabilidade nessa transformação. O Brasil tem vantagens comparativas extraordinárias na corrida para alcançarmos uma economia de emissões líquidas de carbono neutras valendo-se de nossos recursos naturais", diz um trecho da carta.
Os empresários defendem planejamento estratégico para o crescimento sustentável e o combate às mudanças climáticas. O documento observa que o setor produtivo está trabalhando para recuperar o país dos efeitos da Covid-19, promovendo uma retomada verde, com base na chamada economia circular, de baixo carbono e inclusão.
Carbono neutro até 2050
"As empresas do Brasil já vem adotando medidas para a redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito estufa, investimentos em tecnologias verdes e estabelecimento de metas corporativas ambiciosas de neutralidade climática até 2050", diz o texto.
A questão climática tem colocado o Brasil no centro de uma polêmica no exterior recentemente. Assustados com o desmatamento na Amazônia e grande queimadas que atingem o país, grandes investidores e companhias que importam produtos brasileiros têm cobrado do governo cada vez mais ações práticas na proteção do meio ambiente.
Sem essa postura, o Brasil corre o risco de assistir a uma debandada de investidores,a lém de sofrer represálias de empresas internacionais que compram produtos do agronegócio brasileiro.
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O documento será apresentado a diversos ministros, entre eles Paulo Guedes, da Economia, e Tereza Cristina, da Agricultura. A presidente do CEBDS, Marina Grossi, afirmou que o encontro com Guedes já está marcado. Segundo ela, há disposição dos ministros em realizar esses encontros e aprofundar-se nos dados, que podem trazer mais competitividade ao país.
— É preciso um passaporte verde para exportar nossos produtos agrícolas, com rastreabilidade e sem o carimbo de desmatamento. Virou 'uma chave' nos empresários: não basta só falar, tem que demonstrar ação — afirma.
Lorival Luz, presidente da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, uma das empresas signatárias do documento, afirmou, em nota, que a empresa está determinada a fazer mais e com maior rapidez ao longo da cadeia de produção. Para chegar à meta de ter zero emissões de carbono até 2040 a BRF estabeleceu quatro frentes de atuação, como compra sustentável de grãos, estímulo à agricultura de baixo carbono, aumento do uso de energia renovável e incremento da eficiência operacional.
"Entendemos que na BRF e no setor privado só alcançaremos a urgência necessária na descarbonização das operações com envolvimento de todos", escreveu Luz.
Ricardo Carvalho, presidente da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) disse que ao assinar o documento a empresa reafirma o compromisso com o clima, por meio de uma agenda que prevê a oferta de alumínio de baixo carbono, desenvolvimento social e atuação em toda a cadeia de valor.
— Sabemos que, quando se trata de sustentabilidade, não existe uma linha de chegada. Há sempre mais a ser feito. Por isso, acreditamos que um futuro melhor e mais sustentável é mais colaborativo e demanda engajamento de todos os setores, bem como da sociedade.
A diretora executiva do Bradesco Glaucimar Peticov diz que a carta dos Empresários pelo Clima reforça a importância do comprometimento mais amplo da sociedade e de uma ação conjunta a favor de objetivos climáticos ambiciosos. Ela lembra que os últimos acontecimentos no Brasil, como as altas taxas de desmatamento, desencadeiam uma séire de prejuízos, que podem ser agravados por uma participação secundária na Cop-26.
— Chegamos a um novo patamar de gestão climática. Vemos importância na união das empresas e lideranças para elevar o Brasil a uma posição de destaque — diz Peticov.
Alem das empresas, entidades empresariais como Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira do Alumínio (Abal), Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Associação Brasileira e Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq/Sindimaq)também assinaram o documento.
Ações mais práticas
Em discurso na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro usou dados distorcidos para exaltar a política ambiental.
Bolsonaro citou dados fora de contexto para dizer que o desmatamento na Amazônia diminuiu. Entre janeiro e agosto de 2021, o desmatamento na Amazônia alcançou 7.715 km², o que equivale a cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo e representa aumento de 48% em relação ao mesmo período de 2020.
Os dados são do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Diante desse quadro, empresas já vêm cobrando do governo ações mais práticas em sua política ambiental por conta da péssima imagem do país no exterior e de possíveis prejuízos financeiros com boicote a produtos brasileiros.
Em julho, por exemplo presidente de 40 empresas como Natura, Klabin, Shell, Itaú e Bradesco, entre outras, cobraram do Executivo, Legislativo e Judiciário cobrando ações no combate ao desmatamento, sob risco de prejuízos financeiros para o país.
A iniciativa de elaborar o documento foi do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). O Conselho representa cerca de oitenta grupos empresariais com atuação no Brasil, responsáveis por 47% do PIB brasileiro e 1,1 milhão de empregos.
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Receita de R$ 951 bilhões
Das 107 empresas, 46 têm capital aberto e somam uma receita líquida de R$ 951 bilhões. Assinam a carta representantes de companhias do agronegócio, alimentos, aviação, elétrico, farmacêutico, finanças, infraestrutura, logística, papel e celulose, petroquímico, saúde, tecnologia, telefonia e varejo.
O documento será entregue a autoridades brasileiras envolvidas na agenda de combate às mudanças climáticas. O texto foi apresentado previamente ao presidente da COP-26, Alok Sharma, durante visita ao Brasil, em agosto passado, para reforçar o compromisso do setor empresarial com a neutralização das emissões.
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Entre as medidas propostas pela carta estão o apoio à proposta de mercado de carbono regulado no Brasil. O tema está em discussão no Congresso Nacional e o setor privado gostaria de ver a iniciativa aprovada antes da COP-26.
Segundo as empresas, uma transição rápida para uma economia de baixo carbono é possível e desejada. As empresas dizem que o Brasil pode antecipar sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa.
Soluções para mudanças climáticas
Um estudo com apoio do Cebds mostra que o país pode diminuir essas emissões em até 42% já em 2025, em relação aos níveis de 2005. O compromisso do governo brasileiro é de uma redução de 43% até 2030.
— Nós não só sabemos combater as mudanças climáticas como já temos as soluções. O setor empresarial brasileiro tem adotado ações corporativas concretas, como o preço interno de carbono e as metas de neutralização, assim como está liderando iniciativas de políticas climáticas públicas com instrumentos de mercado e inclusão social. A COP-26 será uma oportunidade para compartilhar esse comprometimento e reforçar nosso engajamento mundial — disse a presidente do CEBDS, Marina Grossi.
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Muitas empresas já identificaram os impactos climáticos gerados pela sua operação e estão ajustando seus processos para modelos mais sustentáveis, inclusive companhias que assinam o documento.
O grupo de empresários avalia que o Brasil tem vantagens comparativas únicas na corrida para alcançar uma economia de emissões líquidas de carbono neutras. Mas para isso, "o país precisa de um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória dentro de um compromisso firme, com ações eficazes para o fim do desmatamento ilegal e a conservação do meio ambiente", diz o documento.PUBLICIDADE
— Temos ambição climática e nossas empresas contam cada vez mais com metas de neutralização baseadas na ciência, utilizando parâmetros criteriosos de governança corporativa, social e ambiental (ESG) — diz Grossi.
Ela observa que a maior biodiversidade, o uso de matriz de energia limpa, com 85% de fontes renováveis, fazem o Brasil ter vantagem em relação a outros países para a transição a uma economia de baixo carbono. Ela afirma que o maior problema do país está ligado ao desmatamento, já que 98% dele é ilegal.
Aquecimento pode expor 12 milhões de brasileiros a nível intolerável de calor
Estudo mostra como desmatamento na Amazônia e mudanças climáticas devem tornar fisiologicamente impossível habitar a região em 2100
Edison Veiga, especial para o Estadão
Desidratação, exaustão, cãibras e, em casos graves, um quadro irreversível de hipertermia que leva à morte. Este seria o resultado, sobre o corpo humano, do cenário climático previsto a partir de modelagem computacional para a Região Norte do Brasil em 2100. Tecnicamente, e considerando a demografia atual — ou seja, sem prever deslocamentos, rearranjos ou mesmo variação de tamanho populacional —, 12 milhões de brasileiros estarão expostos a níveis fisiologicamente intoleráveis de calor.
Isto é o que conclui um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e publicado nesta sexta-feira pelo periódico internacional Communications Earth & Environment, revista científica segmentada da britânica Nature. “As florestas fornecem serviços ecossistêmicos benéficos para a saúde humana, incluindo o resfriamento local”, comenta ao Estadão uma das autoras da pesquisa, a enfermeira Beatriz Fátima Alves de Oliveira, pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz em Teresina, no Piauí.
“Em geral, seres humanos possuem uma faixa de temperatura interna ideal para a manutenção da homeostase sistêmica, mas a exposição ambiental às condições extremas de temperatura pode exceder a capacidade do corpo humano em manter a termorregulação, provocando efeitos na saúde, como desidratação, exaustão, cãibras e, em casos graves, morte por hipertermia”, explica ela. Alterações de humor, distúrbios psicológicos e redução de habilidades físicas e mentais também são consequências de uma exposição constante a níveis elevados de calor.
Nessas condições extremas, ressalta a pesquisadora, os grupos mais sensíveis são os idosos, as crianças e os portadores de doenças prévias.
De acordo com o estudo, se nada for feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e para conter a devastação da floresta amazônica, a região norte do País viverá um clima quente sem precedentes contemporâneos. Enquanto a elevação da temperatura média na maior parte da América do Sul ficará entre 2 e 5,5 graus Celsius, na bacia Amazônica as projeções indicam um aumento de 11,5 graus, considerando o pior cenário.
Isto tudo por causa da destruição do bioma, que agrava ainda mais as previsões decorrentes das mudanças climáticas. “A savanização da Amazônia acarreta a diminuição do transporte de vapor d’água do Oceano Atlântico para o interior do continente, impactando assim tanto a pluviosidade, com redução das chuvas, quanto o controle da temperatura do ar, as ondas de calor, no interior do País”, contextualiza ao Estadão o meteorologista Paulo Nobre, pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e outro dos autores do trabalho.
Restante do Brasil
As modelagens também serviram para prever o impacto do aquecimento no restante do País. No total, os pesquisadores concluíram que 16% dos 5.565 municípios brasileiros sofreram, em alguma medida, estresse térmico relacionado não só ao aquecimento global, mas também especificamente à savanização da Amazônia. Isso significa 30 milhões de pessoas.
O cenário mais grave, contudo, é o da região Norte, onde 12 milhões de pessoas poderão estar expostas a risco extremo de calor na virada do próximo século. Se nada for feito para conter esse cenário, a previsão é de que haja uma migração em massa, já que essas pessoas não suportariam viver em clima tão hostil.
Embora difícil, a receita, lembram os cientistas, já existe. “Ações coordenadas de proteção ao meio ambiente a níveis local, regional e global representam uma das formas mais eficazes de ‘seguro climático’ contra as consequências adversas das mudanças ambientais locais e globais”, afirma Nobre. “Não basta zerar o desmatamento amazônico, do Cerrado, da Caatinga, da Mata Atlântica. É preciso reflorestá-las.”
A deterioração ambiental chegou a tal ponto que, para evitar o colapso, não adianta mais simplesmente parar de destruir o meio ambiente. O ser humano necessita recuperar as áreas já degradadas.
Embora o estudo seja circunscrito à realidade ambiental brasileira, os pesquisadores acreditam que outras partes do mundo devem enfrentar problemas semelhantes nas próximas décadas. “Particularmente em regiões que sofrem acelerado processo de desflorestamento”, frisa Nobre.
E, seguindo a velha máxima de que a corda arrebenta sempre para o lado mais fraco, evidentemente que os que mais sofrem são aqueles mais desprovidos de meios para se proteger. “Os impactos são mais acentuados em regiões com baixa capacidade de resiliência e alta vulnerabilidade social”, ressalta a pesquisadora Oliveira.
Estrutura de saúde
Ao trazer o debate da crise ambiental para o prisma da saúde pública, os pesquisadores não só demonstram que, na destruição da natureza, o ser humano segue dando tiros no seu próprio pé. Também lançam luz sobre a necessidade, premente, de que o problema seja pensado e planejado dentro das políticas de atendimento às populações que serão mais fortemente afetadas.
Oliveira lembra que é preciso incluir “novas perspectivas nos serviços de saúde que, na maioria das vezes, não estão aptos para diagnosticar agravos decorrentes do aumento da temperatura”. Isso já dificulta registros e notificações de potenciais problemas associados às condições extremas. “Um exemplo é a ausência de dados relacionados a problemas psicossociais pós-traumáticos”, elenca ela.
A enfermeira cobra o fortalecimento da atenção primária e uma melhor capacitação dos profissionais de saúde “para a melhoria na notificação de doenças e agravos fortemente associados às mudanças climáticas”. E diz que é necessário o “desenvolvimento de ferramentas e de sistemas de alerta para identificação de áreas de risco, contribuindo para adoção de respostas rápidas por parte do setor de saúde diante de riscos extremos.”
E, claro, não se pode descuidar do anteparo social. Afinal, quanto mais vulnerável a população, mais suscetível ela está a sofrer de forma irreversível os efeitos do aumento da temperatura. Por isso, Oliveira defende o “fortalecimento da atenção básica” e a “implementação de ações e programas intersetoriais para a redução de vulnerabilidades sociodemográficas, econômicas e de acesso aos serviços de saúde”. “Tudo o que possa reduzir os impactos do aumento extremo da temperatura”, comenta.
Outros estudos
Embora seja inédito por fazer uma previsão de aumento de temperatura considerando os impactos da saúde pública, este não é o primeiro estudo recente a relacionar a crise climática diretamente à sobrevivência humana.
Em maio, a revista Nature Climate Change, também da Nature, publicou um estudo em que foram tabulados registros de óbitos ocorridos entre 1991 e 2018 em 732 cidades de 43 países diferentes. E a conclusão é que o aquecimento global já está matando pessoas.
Isto porque, de todas as mortes em consequência de calor ocorridas no período, 37% não podem ser explicadas por ocorrências naturais ou sazonalidades, e sim desencadeadas por ação antropogênica, ou seja, feitas pelo próprio ser humano.
Um dos responsáveis pela análise dos dados brasileiros foi o médico patologista Paulo Saldiva, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Ele e sua equipe concluíram que 1% das mortes consideradas “de causa natural” atualmente no País já podem ser atribuídas, na verdade, a efeitos adversos decorrentes do aumento da temperatura média.
Em setembro, o periódico científico Lancet publicou um outro estudo com consequências nefastas da degradação ambiental sobre a saúde pública. O grupo de pesquisadores se debruçou sobre dados de internação hospitalar de 2000 a 2015 de 1814 municípios brasileiros, uma estrutura de atendimento que cobre 80% da população nacional. E concluiu que a poluição decorrente dos incêndios florestais já é a causa de internação de 47.880 pacientes por ano — 35 casos por 100 mil habitantes.
Problemas respiratórios, seguidos por doenças cardiovasculares, estão entre os principais problemas de saúde.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,aquecimento-pode-expor-12-milhoes-de-brasileiros-a-nivel-intoleravel-de-calor,70003856365
Sobreviver, renovar, prosperar: um caminho para o transporte coletivo
Luis Antonio Lindau, Cristina Albuquerque e Fernando Corrêa / WRI Brasil
O transporte coletivo é a espinha dorsal das grandes cidades, garantidor do acesso de milhões de pessoas a oportunidades e vetor de vitalidade econômica. Mas está ameaçado. Em que pesem os papeis social, econômico e ambiental que desempenham nos centros urbanos, sistemas de ônibus no Brasil atravessam crises financeiras que colocam em xeque a continuidade dos serviços. O futuro do transporte coletivo passa não só por sobreviver, mas por se renovar para então prosperar.
Para sobreviver, o setor – em especial o ônibus, responsável por quase 86% das viagens em transporte coletivo no país – precisa, urgentemente, de novas fontes de recursos. A pandemia levou a quedas na demanda de até 70% e tornou inadiável a busca de receita adicionais para o sistema, hoje sustentado apenas pela tarifa na maioria das cidades. O transporte coletivo sangra, e é preciso estancar o ferimento.
Renovar é tratar as causas da sangria: solucionar problemas estruturais e proporcionar as bases para uma transformação do que temos hoje para um transporte urbano sustentável, inclusivo e de qualidade para todos. A mobilidade deve ser concebida para não deixar ninguém para trás, aumentando a oportunidade de acesso a empregos, educação, saúde e lazer. Ao mesmo tempo, precisa adaptar-se às transformações urbanas, às mudanças de comportamento e à emergência climática. Cidades terão de reimaginar o transporte coletivo – dos modelos de contrato e financiamento à integração física, temporal e tarifária –, para viabilizar redes multimodais, implantação de infraestruturas, aquisição de frotas mais limpas e uma operação mais coordenada e eficiente.
Prosperar será consequência dessa transformação. Para as cidades vibrantes, resilientes e inclusivas que buscamos, o planejamento e as ações devem mirar, desde já, nos desafios de médio e longo prazo. Ordenar a ocupação do território, integrar as diversas opções de transporte na escala metropolitana, garantir estabilidade financeira e capacidade para investir em infraestrutura de baixo carbono.
É para esse futuro urgente que apontam as ações elencadas a seguir.
Webinar do WRI Brasil, ITDP Brasil e Idec: soluções para o transporte coletivo
Como garantir um direito refém da demanda?
O transporte coletivo é um direito constitucional. Sem ele, milhões de pessoas teriam comprometido o acesso a emprego, educação, saúde e lazer. Nas últimas duas décadas, o setor passa pelo agravamento progressivo de uma crise que decorre, sobretudo, de seu modelo de financiamento, quase sempre baseado na tarifa paga pelos passageiros.
À medida que a população ascendeu economicamente, migrou para alternativas menos sustentáveis, como carros e motos. Quando a única receita do sistema é a arrecadação tarifária, a alternativa imediata diante de uma queda na demanda é reduzir a oferta e os investimentos em qualidade. Cria-se uma espiral negativa, em que a queda na demanda gera queda na qualidade do serviço, e vice-versa.
Quem mais perde com esse modelo, seja pela menor frequência do serviço, seja pelos veículos lotados e cada vez mais precários, são as pessoas que dependem unicamente do transporte coletivo – 50% dos passageiros, segundo pesquisa QualiÔnibus em nove cidades brasileiras. Elas pagam a conta.
Há medidas relativamente baratas para se atenuar alguns problemas e garantir melhorias sensíveis na qualidade do serviço. Faixas dedicadas para ônibus propiciam maior eficiência, regularidade e ganhos de tempo. O escalonamento de horários foi implementado por Fortaleza para melhor atender à demanda durante a pandemia, sem comprometer a segurança sanitária dos passageiros.
Mas, embora valiosas, medidas como essas não resolvem o fato de que a conta do transporte coletivo não tem fechado, e os sintomas são cada vez mais graves. A pandemia de Covid-19 atingiu em cheio as cidades brasileiras. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mapeou 56 cidades brasileiras afetadas em 2021 por greves, rompimentos contratuais ou intervenções. Garantir a continuidade do serviço passa por buscar, urgentemente, novas fontes de recursos.
Precisamos falar sobre subsídios
Os melhores sistemas de transporte coletivo do mundo são altamente subsidiados. Um levantamento com 22 cidades europeias revela que o subsídio público médio por lá é de 46,8% dos custos. No Brasil, o tema é tabu. Um estudo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) identificou, entre 35 sistemas de ônibus urbanos que operam 59,1% da frota nacional, apenas 12 cidades com algum tipo de subsídio. A média desses subsídios é baixa: corresponde a cerca de 14,9% do custo nos seis sistemas que disponibilizam informações. Nos sistemas metroferroviários, a realidade é outra: a média de subsídio é de 35% dos custos, e ultrapassa 80% em sistemas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
A discussão sobre o transporte coletivo por ônibus no Brasil precisa avançar para “quanto” e “como”: quanto custa um serviço de qualidade e, diante da precariedade fiscal que afeta governos em todos os níveis, que medidas podem gerar os recursos adicionais necessários para oferecer esse serviço com equidade?
Há um vasto cardápio de fontes adicionais de receitas disponíveis. Um caminho é aprimorar impostos e taxas territoriais. Na medida em que um transporte coletivo estruturante e com qualidade gera valorização imobiliária, é justo que o IPTU seja mais alto em regiões beneficiadas. O Estatuto da Cidade instituiu a Outorga Onerosa do Direito de Construir e os Certificados de Potencial Adicional de Construção, instrumentos específicos para a recuperação da valorização imobiliária. Cidades podem direcionar parte desses recursos para fundos de mobilidade que viabilizem a manutenção de serviços de qualidade.
Precisamos falar sobre a cobrança pelo uso do carro
Um fundo de mobilidade municipal pode ajudar a corrigir uma distorção que tem condenado os centros urbanos à paralisação. Enquanto o subsídio ao transporte coletivo enfrenta resistência, o uso do carro é estimulado há décadas. Reduziram-se impostos para a compra, alargaram-se avenidas, ergueram-se viadutos enquanto o transporte coletivo ganhou pouco espaço para circular livre dos engarrafamentos. A frota de automóveis e motocicletas aumentou em 331% de 2001 a 2020 no país, e uma pesquisa de 2020 do Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostrou que 45% dos brasileiros pretendem comprar um carro.
O prognóstico que se desenha é desanimador. Porque, junto com o crescimento do uso de carros e motos, aumentam os congestionamentos, a poluição atmosférica e mortes em sinistros de trânsito. Um estudo anterior à pandemia em regiões metropolitanas que concentram 23% da população brasileira estimou em cerca de 128 mil as mortes precoces ligadas à poluição do ar entre 2018 e 2025, a um custo de R$ 51,5 bilhões em perda de produtividade.
O que cidades brasileiras podem fazer – e várias cidades latino-americanas, europeias e asiáticas têm feito – é cobrar pelo uso do carro e direcionar as receitas para investimentos em transporte coletivo e ativo. A justificativa principal são as externalidades negativas: quem opta por usar o carro partilha com toda a sociedade os impactos sociais, ambientais e econômicos de sua escolha.
Segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), carros e motos respondem por 85% dos investimentos em infraestrutura viária e dos custos ambientais e de saúde do transporte urbano, em comparação a 15% do transporte coletivo. É justo cobrar por esses impactos para subsidiar o transporte coletivo, que beneficia toda a coletividade e hoje é bancado apenas pelas pessoas que o utilizam.
No Brasil, uma das poucas medidas consolidadas para corrigir essas distorções é a cobrança pelo estacionamento rotativo em via pública. Mas, geralmente, cobra-se pouco. Estacionar um carro particular em uma região comercial da cidade deveria ser significativamente mais caro do que acessá-la com transporte coletivo. Há vários caminhos para aprimorar a cobrança do uso do meio-fio e do espaço público destinado a estacionamentos, e exemplos de como direcionar as receitas para o transporte sustentável.
Impostos sobre combustíveis, taxas de licenciamento de veículos e taxação do congestionamento – também comumente chamada de “pedágio urbano” – são outras fontes em potencial. A experiência de Londres é exemplar: a cidade cobra de veículos para acessar a região central. A prática rende à cidade mais de R$ 1 bilhão ao ano, e permite conciliar uma política de “tarifa acessível” para o transporte coletivo à oferta de um bom serviço e à redução substancial de emissões, poluentes, congestionamentos e sinistros de trânsito na região de abrangência.
Esses recursos – como outras receitas adicionais de que já tratamos – podem alimentar fundos municipais de transportes, como o implementado por São José dos Campos, que recebe 38,5% das receitas do estacionamento rotativo. A médio e longo prazo, esses fundos podem garantir lastro financeiro para a operação e os investimentos na qualificação do sistema, além de possibilitar estabilidade tarifária e até mesmo cobrir gratuidades.
Renovar para não salvar a ineficiência e a iniquidade
Salvar o transporte coletivo como ele é hoje seria perpetuar a ineficiência, a baixa qualidade e, em última instância, a perda de clientes. Toda ação para captar recursos adicionais deve ser voltada à melhoria da qualidade do serviço e à promoção de maior acesso das pessoas a oportunidades. Renovar passa por resolver problemas estruturais dos sistemas de ônibus nas cidades.
Os modelos de contratos usuais no Brasil carecem, por exemplo, de mecanismos que garantam a qualidade, um padrão adequado de oferta e a resiliência do serviço. Separar as concessões de provisão dos veículos e de operação das linhas é uma alternativa. Assim, Santiago e Bogotá têm conseguido dividir riscos entre diferentes empresas, remunerar as partes segundo indicadores de qualidade e eficiência e viabilizar a eletrificação da frota.
Adequar a oferta de mobilidade à demanda de viagens
Renovar passa pela coleta e abertura de dados para entender as mudanças nos padrões de deslocamento das pessoas e pelo aperfeiçoamento de instrumentos como as Pesquisas Origem e Destino (OD). Os dados permitem às cidades planejar tanto a oferta de linhas de ônibus quanto a implantação de infraestrutura para os transportes coletivo e ativo. Poucas são as cidades brasileiras que vêm realizando periodicamente esses levantamentos, em geral através de longos questionários. Joinville inovou. O método utilizado na última Pesquisa OD da cidade catarinense cruza dados de telefonia móvel com outras fontes, como os dados GTFS das empresas operadoras. Além de facilitar a coleta de dados, o método permite identificar com mais precisão os trajetos percorridos pela população.
Qualificar e ampliar calçadas e ciclovias – e conectá-las ao transporte coletivo – também é parte importante da renovação. Em levantamento do Instituto Clima e Sociedade (iCS), 67% das pessoas responderam que trocariam o transporte individual por uma alternativa sustentável. As que não trocariam deram dois motivos principais: conforto (26%) e praticidade (20%). (Re)conquistar essas pessoas passa por oferecer a elas a possibilidade de realizar os deslocamentos do dia a dia de forma cômoda – mesmo que envolvam, por exemplo, caminhar até um terminal de ônibus e usar uma bicicleta compartilhada no último quilômetro.
Ao oferecer às pessoas uma rede de transportes confortável, com informação em tempo real e pagamento facilitado, o sistema de transportes começa a se aproximar da chamada mobilidade como um serviço (MaaS, na sigla em inglês): um sistema totalmente integrado, que conecta os usuários de um ponto a outro da cidade “sem costuras” (do inglês, seamless) e com o bastante eficiência.
Planejamento e integração para prosperar
Na cidade próspera que queremos, o transporte sustentável é acessível, confortável, seguro e conveniente – por isso, é a escolha preferida da maioria da população, independentemente da faixa de renda. Para chegar lá, é preciso perseguir uma visão contemporânea de futuro, desdobrada em um planejamento integrado de transportes e desenvolvimento urbano, contemplando um conjunto de ações concatenadas.
As cidades que conceberem de forma coordenada a mobilidade e o uso do solo poderão fomentar a consolidação de centralidades, contrapondo o espraiamento decorrente do crescimento urbano desordenado que predominou nas cidades brasileiras, e que vem gerando emissões, sinistros viários, congestionamento e acesso desigual a oportunidades.
Uma retomada verde da economia, que encaminhe nossas cidades para um desenvolvimento de baixo carbono, não pode prescindir de um transporte coletivo mais sustentável e equânime, que proporcione benefícios substanciais para o ambiente e as pessoas. Priorizar ações e investimentos no transporte sustentável e na mobilidade de baixo carbono abre portas para que cidades acessem financiamento verde e climático.
Cidades podem liderar a transformação
Sobreviver, renovar e prosperar: essas três palavras descrevem a construção de um novo círculo virtuoso para o transporte coletivo. E o que é bom para o transporte coletivo, é bom para as pessoas, para o clima e para a economia. Cidades e líderes que perceberem e abraçarem essa perspectiva estarão mais perto de oferecer um transporte coletivo de qualidade para a população e de se tornarem exemplo para cidades no Brasil e no resto do mundo.
Fonte: WRI Brasil
https://wribrasil.org.br/pt/blog/cidades/sobreviver-renovar-prosperar-caminho-para-transporte-coletivo-de-qualidade-no-brasil
Desmatamento aumenta risco de 'tempestade de poeira'
A tempestade de poeira que engoliu cidades do interior de São Paulo no último domingo (26/09) tem relação direta com a existência de grandes porções de solo seco e sem cobertura vegetal na região hoje
João Fellet / BBC News Brasil
O fenômeno impactou várias cidade do nordeste paulista, como Franca, Ribeirão Preto e Barretos. A região tem forte presença do agronegócio e um dos menores índices de cobertura florestal original do país.
Também houve registros do fenômeno no Triângulo Mineiro, região vizinha da área atingida em São Paulo.
Coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Humberto Barbosa diz que a tempestade foi causada por uma combinação entre ventos fortes, seca intensa e solos desprotegidos.
A tempestade de poeira se formou no fim do período seco. Nesta época, diz ele, muitos agricultores deixam os solos nus para plantar no início das chuvas.
Como a região vive uma seca extraordinária e enfrenta altas temperaturas, a camada superficial do solo se ressecou e ficou vulnerável à ventania.
"A ventania gerou uma erosão eólica, que removeu não só a poeira como também o material de queimadas recentes", diz Barbosa.
Ele diz que imagens de satélite de alta resolução feitas na véspera da tempestade mostram grande quantidade de terra nua nos arredores de Franca.
O principal produto agrícola da região afetada é a cana-de-açúcar.
"A impressão digital está lá: é muito clara a relação (da tempestade de poeira) com a degradação do solo", afirma.
Já a principal entidade que representa os produtores de cana-de-açúcar diz que a nuvem de poeira se formou por causa da seca excepcional e de incêndios acidentais em canaviais (leia mais abaixo).
Pouca vegetação nativa
Segundo o Relatório de Qualidade Ambiental 2020 - análise feita anualmente pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo de São Paulo -, resta pouca vegetação nativa na região impactada pela tempestade de poeira.
O relatório agrupa todos os municípios paulistas em 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
Na unidade que engloba Ribeirão Preto, resta 13,29% de vegetação nativa; na de Franca, 10,83%; e, na Barretos, só 5,52%, o menor índice do Estado.
Em todo o Estado de São Paulo, sobra 17,5% da vegetação original. Isso faz com que o Estado, o 12º maior do país, tenha a segunda maior área agrícola entre todas as unidades da federação, só atrás de Mato Grosso.
As matas remanescentes em São Paulo se concentram nas serras do Mar e da Mantiqueira, onde o relevo acidentado dificulta a atividade agrícola.
Renovação de canaviais
Gerd Sparovek , professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, diz à BBC News Brasil que a nuvem de poeira se deve à rara coincidência dos seguintes fatores: a ocorrência de ventos muito fortes num período em que há grandes extensões de solo seco e sem cobertura vegetal.
"Os canaviais, principal cultivo agrícola da região, vêm de dois anos consecutivos de um verão pouco chuvoso e que, neste ano, também foram afetados pelas geadas", afirma Sparovek.
Com isso, muitos canaviais se tornaram improdutivos e foram derrubados para dar lugar a uma nova plantação, diz ele.
"Na renovação dos canaviais, quase sempre, durante algum tempo, o solo fica sem cobertura e desagregado pelo preparo com gradagem (quebra de torrões para uniformizar a superfície)", afirma.
Sparovek diz que as mudanças climáticas influenciaram o fenômeno. "O que levou os canaviais a ficarem improdutivos foram as estiagens atípicas no verão e geadas atípicas no inverno", afirma.
"A frente fria e o vento também foram extremos. As mudanças climáticas, segundo o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), já alteraram os extremos climáticos em todo o planeta", completa.
Revolvimento intenso do solo
Segundo Humberto Barbosa, da Ufal, imagens de satélite mostram que, na área afetada pelo fenômeno, o solo de muitas propriedades foi revirado por máquinas agrícolas para prepará-lo para o plantio.
Essa prática, aliada ao uso intenso de fertilizantes e pesticidas na região, reduz a quantidade de matéria orgânica no solo, segundo o pesquisador.
A matéria orgânica cobre o solo e ajuda a mantê-lo coeso. Sem essa proteção, ele fica mais sujeito a se esfarelar com o vento ou a ser carregado pelas chuvas.
Por isso, diz ele, muitos agricultores mundo afora têm abandonado técnicas que revolvam o solo e priorizado práticas menos invasivas.
Barbosa afirma que o procedimento de revolver o solo "sempre foi utilizado, mas as condições climáticas já não são as mesmas do passado".
Como a região vem enfrentando secas cada vez mais intensas, afirma ele, a movimentação do solo amplia o risco de erosão e de tempestades de areia.
O fenômeno pode causar problemas de saúde na população afetada, motivar acidentes de trânsito e contaminar rios.
A solução, diz ele, é investir em técnicas que mantenham a matéria orgânica no solo e evitem a erosão.
Um desses métodos é o chamado plantio direto na palha, no qual a semeadura é feita sobre restos da lavoura anterior. Assim, a terra não fica exposta.
Porém, dados do último Censo Agropecuário, de 2017, mostram que a técnica ainda é pouco empregada da região.
Em Ribeirão Preto, dos 29.675 hectares usados pela agricultura, só há plantio direto na palha em 253 hectares - 0,8% do total. Em Franca, o índice é de 5%.
Por outro lado, em regiões do país que cultivam grãos, como milho e soja, a maioria dos agricultores já adota a técnica, diz Gerd Sparovek, da Esalq-USP.
Segundo ele, há algumas dificuldades à adoção do plantio direto na cana, como o risco de pragas.
Mas Sparovek diz que há outras tecnologias que permitiriam manter o solo da região coberto, como a rotação de culturas.
"Reduzir as áreas sem cobertura é desejável e necessário não só pela erosão eólica como também pela erosão hídrica, principal problema de erosão e degradação do solo da agricultura tropical", afirma.
Outra ação que deve ser estimulada, segundo ele, é o reflorestamento de áreas mais sensíveis à erosão - medida já determinada pelo Código Florestal, mas que ainda carece de implementação.
Porém, segundo a Única, principal associação que representa o setor de cana-de-açúcar no Brasil, os produtores já adotam práticas adequadas de conservação do solo.
Diretor técnico da entidade, Antonio de Padua Rodrigues diz que a poeira não veio de canaviais em processo de renovação, mas sim de plantações de cana que não se desenvolveram por causa da forte seca.
Outra possível fonte da poeira, segundo ele, foram áreas atingidas por incêndios acidentais onde a cana já havia sido colhida.
Ele diz que os produtores de cana mantêm o solo coberto com palha após a colheita, ainda que antes do plantio revolvam o solo e não façam o plantio direto na palha. Ele afirma, porém, que neste ano muitas áreas pegaram fogo, deixando o solo exposto.
"O setor tem os melhores especialistas, os melhores consultores em solo. Foi uma coisa acima do normal por ter sido um ano muito seco: a cana não cresceu, muita área pegou fogo, e aí você não tem a palha e tem a cinza", afirma.
Dust Bowl
Práticas agrícolas inadequadas são apontadas como uma das causas para o Dust Bowl, uma série de tempestades de areia que atingiram o sul dos Estados Unidos nos anos 1930.
Na virada do século 19 para o 20, boa parte da região havia sido desmatada para o avanço da agricultura. Até que uma forte seca deixou os solos vulneráveis a ventanias.
Em poucos anos, milhões de hectares de terras antes consideradas férteis se tornaram inaptas para a agricultura.
O desastre estimulou o governo dos EUA a criar uma agência para educar agricultores sobre como conservar os solos, existente até hoje.
Segundo Gerd Sparovek, nas décadas de 1960 e 1970, houve um grande esforço para alterar o preparo do solo na região, o que fez com que a erosão eólica fosse controlada.
Hoje o fenômeno deixou de ser comum na região, embora ainda ocorra em zonas áridas dos EUA, como no deserto do Arizona.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58725641
André Gustavo Stumpf: Belo Monte, inutilidade monumental
Neste momento crítico da geração de energia no Brasil, Belo Monte está operando com apenas a metade de uma turbina
André Gustavo Stumpf / Blog do Noblat / Metrópoles
A usina de Belo Monte, inaugurada em 2011, é um museu do desperdício ao ar livre. Uma representação concreta do assalto aos cofres públicos. Neste sentido é icônica. Estudos realizados nos anos 70 revelaram que o rio Xingu poderia receber uma ou mais hidrelétricas capazes de gerar milhões de quilowatts para o consumo, mas havia a sazonalidade. Seca e cheia.
O projeto recebeu pressões de todos os lados. Foi criado um grande e poderoso consórcio de empresas que construiu aquela monumental inutilidade.
Inútil porque foi prevista para gerar mais de 11.233 milhões de quilowatts/hora, a quarta maior do mundo, mas jamais alcançou este nível de produção. O rio Xingu, periodicamente baixa seu volume de águas. Os técnicos sabiam disso. Ainda assim construíram o monumento com 18 turbinas.
Neste momento crítico da geração de energia no Brasil, Belo Monte está operando com apenas a metade de uma turbina (cada turbina gera 600 quilowatts/hora, no momento produz 300), ou 2,67% da potência instalada. As outras 17 turbinas estão desligadas.
Sua direção cogitou até construir usina geradora de energia movida a óleo diesel para tentar repor parte do que foi prometido nos contratos de fornecimento, que não estão sendo cumpridos. As linhas de transmissão estão naturalmente ociosas.
A hidrelétrica foi construída no sistema chamado de fio d’água, técnica que dispensa a formação de grande reservatório. Isso aconteceu por pressão de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, artistas de cinema norte-americanos, pressão de políticos e de grandes empreiteiras. O mais importante era superfaturar do que construir a obra.
O falecido Mário Henrique Simonsen, economista de enorme saber, dizia que é mais barato pagar a propina do que construir a obra. É o caso de Belo Monte. A situação é tão crítica que a empresa recebeu proposta, séria, para vender 3,5 mil metros cúbicos da madeira cortada na construção da barragem e de equipamentos necessários, com objetivo de produzir carvão para gerar energia elétrica. É o absurdo dos absurdos.
O Brasil está importando energia da Argentina e do Uruguai. Colocou para funcionar todas as usinas de energia movidas a gás ou a óleo diesel. Todas são poluentes e caras. O resultado vai para a conta do consumidor, duas vezes. Ele paga na sua conta particular e paga também no aumento dos produtos industrializados que exigem utilização de energia elétrica.
Produção de energia é algo sério. Seu planejamento deve andar dez anos na frente do consumo.
Neste momento, o Brasil está saindo da profunda recessão. O ministro Paulo Guedes celebra a chamada ‘retomada em V’. Alguém precisa avisar ao ministro que se o Brasil engatar crescimento econômico robusto vai encontrar o problema logo ali na esquina. Não há energia suficiente para a retomada robusta da economia.
As autoridades afirmam que o problema decorre da maior seca ocorrida no território nacional desde os anos 30 do século passado. Os reservatórios estão vazios. Hidrelétricas estão reduzindo sua geração porque as águas estão muito baixas. Algumas já estão no volume morto.
Não é consequência apenas da desorganização do governo Bolsonaro. Esta administração herdou o problema, mas não se preparou para enfrentar a estiagem embora a dificuldade tivesse sido anunciada no início do ano. Ao invés de ficar fazendo dança da chuva, na torcida para que as águas encham os reservatórios, é o momento de o governo radicalizar na busca de outras fontes de energia.
Antes que alguém lembre da nuclear, é mais fácil, barato e viável financiar a construção de usinas de energia eólica ou solar. Há tecnologia disponível no Brasil. O custo é infinitamente menor, o prazo de construção é curto, e podem começar a produzir rapidamente.
O presidente viajou para Nova Iorque acompanhado de séquito que não planejou agenda no exterior no momento especialíssimo da reunião anual das Nações Unidas. O presidente Biden se hospedou no mesmo hotel de Bolsonaro. Não se encontraram.
Foi um festival de bobagens, proibido de entrar em restaurantes, pizza na rua, discurso destinado a seu público, baseado em argumentos esotéricos e números inexistentes.
E sobreveio o grande final: o ministro da Saúde ficou lá preso numa quarentena. Ele contraiu o vírus da covid 19. Vexame internacional. O filho Eduardo, deputado federal que foi aos Estados Unidos fazer compras, também contraiu a doença. Vexame nacional.
Este governo, que não consegue organizar uma simples viagem, tem enorme dificuldade de planejar expansão do parque gerador de energia no Brasil.
André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense.
Fonte: Capital Político / Blog do Noblat - Metrópoles
https://capitalpolitico.com/inutilidade-monumental/
Oscar Vilhena Vieira: Legalizando a devastação ambiental
Presidente e seus auxiliares não poupam esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental
Oscar Vilhena Vieira / Folha de S. Paulo
Como era esperado, o pronunciamento de Jair Bolsonaro na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira (21), foi constrangedor. Maquiou dados sobre desmatamento e queimadas, mentiu sobre a corrupção, gabou-se de um inexistente sucesso econômico, além de se auto incriminar pelo apoio ao “tratamento precoce”.
Causaram surpresa, entretanto, os elogios à legislação ambiental brasileira, que “deveria servir de exemplo para outros países”, posto que o presidente e seus auxiliares não têm poupado esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental. Com a chegada de Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados, o presidente finalmente parece ter encontrado um braço forte disposto a legalizar o que a “exemplar” legislação brasileira hoje considera ilegal.
Entre os projetos de lei com maior potencial de erosão dos direitos socioambientais destacam-se o PL 2633, que trata da regularização fundiária, e o PL 490, voltado a alterar o processo de demarcação de terras indígenas e a imposição de um marco temporal. Ambos atendem predominantemente a interesses da grilagem, do desmatamento e da mineração ilegais.
O PL 3729, por sua vez, flexibiliza o licenciamento ambiental, que é uma ferramenta indispensável a um processo sustentável de desenvolvimento, prevenindo desastres ambientais e a transferência às gerações futuras de atividades econômicas presentes. O objetivo original da proposta apresentada em 2004 era unificar a legislação, garantindo maior segurança jurídica, eficiência e agilidade ao licenciamento ambiental.
O texto aprovado pela Câmara e preste a ser analisado pelo Senado Federal vai, no entanto, na direção oposta daquilo que o Brasil precisa. Dispensou o licenciamento ambiental para diversas atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental. Para a maioria das atividades licenciáveis, o projeto criou a Licença por Adesão e Compromisso, mecanismo meramente declaratório que, na prática, esvazia a noção de avaliação ambiental, transformando o auto licenciamento em regra e não mais exceção.
Órgãos públicos ligados à preservação ambiental e patrimonial, como o ICMBio, Funai e Iphan perdem espaço no licenciamento ambiental. Na pior tradição brasileira o projeto premia quem descumpriu a lei, isentando de responsabilidade empreendimentos que já operam sem licença ambiental válida, que deverão apenas solicitar um Licenciamento Ambiental Corretivo. Também isenta de responsabilidade instituições de financiamento, como bancos, pelos eventuais danos socioambientais causados pelos empreendimentos que apoiaram.
A OCDE, em relatório lançado em julho, apontou que a política ambiental brasileira já deixa a desejar: dos 48 requisitos legais analisados pela organização, o Brasil foi considerado como total ou parcialmente desalinhado em 29, ou seja, em 60% do total. Caso o PL 3729 seja aprovado, tal como está, o Brasil perderá ainda mais espaço na luta por investimentos e credibilidade internacional. Também testemunharemos mais desastres ambientais, desmatamento na Amazônia e violações aos direitos humanos.
Cabe ao Senado Federal evitar que mais esse ataque ao nosso sistema de proteção ambiental se consume, se não por respeito ao bem-estar das futuras gerações, ao menos pelo interesse estratégico do Brasil de se reinserir numa posição de liderança num contexto internacional cada vez mais exigente em termos ambientais e climáticos.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/oscarvilhenavieira/2021/09/legalizando-a-devastacao-ambiental-no-brasil.shtml
Garimpo causa má formação e desnutrição em crianças Yanomami
Mães Yanomami relataram vários dramas nas comunidades, onde a violência e as ameaças dos invasores não dão trégua
Ana Lucia Montel / Amazônia Real
Boa Vista (RR) – O futuro dos Yanomami está ameaçado. Crianças estão nascendo com má formação por consequência do garimpo ilegal. Algumas mães são obrigadas a enterrar as que não sobrevivem. Outras têm de lidar com a interrupção da gestação. Os filhos sobreviventes correm o risco de sofrer com a desnutrição. A água dos rios está suja de mercúrio, contaminando os peixes e as caças. Amamentar se tornou um perigo. E doenças que poderiam ser facilmente tratadas, como malária, diarreia e pneumonia, já mataram dezenas de crianças entre 2020 e 2021 em comunidades da etnia, denunciou o II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana.
Não é de hoje que o garimpo de extração ilegal de ouro traz graves consequências para os povos indígenas do Brasil. O que o II Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana alertou é mais preocupante: o futuro dos povos que vivem neste território está ameaçado.
“O mercúrio está contaminando os rios e nossas famílias, na comunidade Palimiu, na Terra Indígena (TI) Yanomami em Roraima, já nasceram crianças com má formação. Nossos parentes estão morrendo de doenças simples, de fácil tratamento, porque não têm atenção de saúde básica. Se não fossem os remédios tradicionais e os xapiri (médicos das florestas), mais gente ia morrer”, alertou o documento elaborado pelas lideranças dos povos Yanomami e Ye’kwana.
Como uma resposta diante aos ataques sofridos pelos Yanomami, o II Fórum ocorreu entre 4 e 7 de setembro na região da Tabalascada, município do Cantá, ao norte de Roraima. Foi um momento de união, conversas e resistência desses povos. Danças, rituais, pinturas e cantos reforçaram ainda mais a vontade de continuar na luta em defesa da terra, da água, de ar puro e principalmente de um futuro cada vez mais ameaçado. Ao acompanhar o fórum, a equipe da Amazônia Real notou cada olhar, fala, lágrimas e esperança daqueles que já lutaram por garantias de direitos, e hoje fazem parte da linha de frente na defesa da vida dos povos originários do Brasil.
“Eu só quero que olhem para a gente como ser humano, como mulheres que não merecem todo dia estar enterrando seus filhos”, afirmou Neila Paliwithele, 59 anos, moradora de Palimiu. Desde o início de maio deste ano, a comunidade sofre violentos ataques de garimpeiros. A Amazônia Real foi o primeiro veículo de comunicação a noticiar a invasão da facção criminosa PCC no garimpo na TI Yanomami.
“Todo mundo já sabe que a saúde para o povo Yanomami não é boa, mas para nós que somos mães muitas vezes não chega nem a existir. Tem crianças nascendo deficiente, muitas mães estão perdendo seus bebês, estamos sem direito a nosso futuro, pela destruição do branco”, desabafou Neila Paliwithele.
Entre as doenças que afetam as crianças, as mais recorrentes são malária, diarreia e pneumonia. Neila disse que na maioria das vezes as equipes médicas só chegam nas comunidades quando não há mais nada o que fazer. As crianças já estão mortas. Isso quando chegam. “Só chegam para querer enterrar nossas crianças. Mas nós não precisamos de ninguém para enterrar nossos mortos. Isso nós mesmos fazemos conforme nossa cultura, que nem isso é respeitada.”
No documento produzido para o II Fórum de Lideranças, há o relato de dezenas de crianças mortas nas seguintes comunidade: Kayanau (12 mortes em 2020), Palimiu (13 entre 2020 e 2021, de diarreia e pneumonia), Haxiu (4 neste ano), Baixo Mucajaí (3 em 2021), Marauiá (4 entre 2020 e 2021, de malária), Baixo Catrimani (2 crianças neste ano, de pneumonia), Korekoma (3 de pneumonia, no ano passado) e Keeta (5 entre maio e julho por falta de atendimento). Em janeiro inteiro deste ano, o polo da comunidade Surucucu ficou fechado e 54 Yanomami, adultos e crianças, morreram.
Seja por morte, doença ou desaparecimento, os Yanomami choram todos os dias a falta dos seus filhos. Neila é uma dessas mães que espera até hoje o retorno do filho. “Quando os garimpeiros atacaram nossa comunidade, meu filho com medo correu para o mato. Isso foi já faz meses, até hoje ele não voltou. O garimpo destrói nossa floresta, destrói nossos rios, nossos alimentos, nossa convivência e ainda tira da gente o direito de ser mãe”, finalizou com uma expressão de cansaço e lágrimas nos olhos ao falar da saudade que está do seu filho.
Mais do que a missão de elaborar documentos relatando os problemas enfrentados pelos indígenas, o II Fórum mostrou essa luta das mães para preservar o futuro dos Yanomami. Em meio às várias falas, uma liderança mãe trouxe a realidade da luta das mulheres Yanomami. “Eu sou mulher, mas não tenho medo, vou defender minha a nossa terra até meu ultimo dia. Nós, mulheres, também estamos lutando, somos fortes assim como a mãe natureza, que mesmo diante de todo ataque está resistindo, está viva. Eu sou mãe e aprendi a lutar como a mãe natureza”, disse a liderança.
Desnutrição de mães e filhos
Na comunidade de Ana Lice Yanomami, no Baixo Rio Mucajaí, já morreram mais de três crianças esse ano. Com os rios poluídos com mercúrio, as crianças estão deixando de querer comer peixe e carne de caça. Reclamam do gosto da comida, provavelmente já contaminada. “Eles sabem que a comida está suja por causa do garimpo; eu não sei mais nem o que fazer”, lamentou.
A desnutrição, que já foi um dos principais problemas de saúde e hoje se reduziu drasticamente nacionalmente, é outra realidade que ameaça o futuro dos Yanomami. Mães e crianças apresentam baixa estatura e não é de hoje. Em outras palavras, há gerações esse problema se perpetua, o que reforça a hipótese de transmissão da desnutrição crônica intergeracional nesta etnia. É o que afirma um estudo publicado por Jesem Orellana e outros pesquisadores.
Ana Lice reforça essa questão. “Estão muito desnutridos, a maioria das crianças está como peso muito baixo. O pior é que não podemos fazer muita coisa, não tem equipe de saúde para examinar. Nossa comida está toda contaminada, até as mães que estão amamentando estão sofrendo, muitas estão desnutridas também, quando falamos que o garimpo tem que acabar, é porque quem está sofrendo somos nós”, afirmou.
Em maio deste ano, uma criança Yanomami da comunidade Homoxi morreu ao ser negado atendimento médico porque ela era de nacionalidade venezuelana. “Não importa a nacionalidade, o fato de sermos indígenas Yanomami eles não fazem nada. Estamos tentando avisar a sociedade, mas ninguém quer escutar”, disse Ana Lice.
“Senhor Bolsonaro, você tem que parar de mandar seus filhos garimpeiros destruir nossa terra, nós estamos chorando na nossa terra. Bolsonaro, você tem que entender que o índio vive dentro da floresta. Estou com raiva, nossos filhos estão nascendo deficiente e a culpa é de vocês”, finalizou Ana Lice, que participou pela primeira vez do fórum de lideranças.
O documento elaborado pelo II Fórum de lideranças Yanomami e Ye’Kwuana lembra como a saúde indígena atendia às necessidades dos povos indígenas. As aldeias possuíam rádios que funcionavam, os postos de saúde estavam abastecidos, havia uma estrutura que dava conta de cuidar dos Yanomami. “Os médicos visitavam as comunidades com frequência e buscavam entender nossa cultura para saber como estava a saúde de cada um de nós, antigamente não faltava remédio para doenças simples, por isso a saúde era boa”, diz o documento entregue às autoridades.
Descaso no atendimento
Angelita Prororita Yanomami, de 32 anos, da comunidade Jamani no Amazonas, relatou sua experiência como a única intérprete da língua Yanomami de Roraima. Hoje, ela trabalha na Maternidade Nossa Senhora de Nazareth, em Boa Vista. “Se as mães Yanomami já não têm atendimento nas comunidades, quando procuram na cidade a situação é ainda pior: só tem eu de intérprete Yanomami aqui em Roraima, quando as mães chegam nos hospitais o tratamento não é nada humanizado”, relatou Angelita à Amazônia Real.
Para Angelita, muitas das mães Yanomami não procuram atendimento nos hospitais da cidade por receio de não serem atendidas. “Quando essas mulheres chegam na maternidade e veem que estou ali, elas se sentem mais seguras em dizer o que estão sentindo, em serem atendidas”, disse. Sempre que chega uma mulher Yanomami, a intérprete apressa em intermediar a comunicação, “porque quando não estou lá, o atendimento dessas mulheres vai sendo deixado para depois”. Se Angelita não está, muitas até desistem e vão embora.
“Nos hospitais de Boa Vista, o que você mais vê é Yanomami pelo chão, deitados nos corredores. Isso não é novidade, mas as pessoas fecham os olhos, preferem colocar culpa no meu povo do que cobrar atendimento adequado. Temos direitos como qualquer outro cidadão. Saúde é um direito básico, que para os Yanomami não existe, nem na comunidade, nem na cidade, em lugar nenhum”, protestou Angelita.
Problemas burocráticos
O não-atendimento nas comunidades Yanomami se deve a uma série de problemas, alguns meramente burocráticos. No Xitei, há subpolos que não estão sendo atendidos porque o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-YY) não fez a licitação regular para voos de helicóptero. Há mais de um ano, o polo base Parima, em Mokorosik+, não recebe visita de profissionais de saúde. No local, ninguém foi vacinado contra a Covid-19.
Uma das reivindicações feita pelas lideranças são profissionais com compromisso e respeito para atender o povo Yanomami, além de atendimentos permanentes nas comunidades. Mas, principalmente, segurança para os profissionais que atuam na área de garimpo.
O documento das lideranças reivindica profissionais comprometidos em atender o povo Yanomami. A série Ouro do Sangue Yanomami, publicada pela Amazônia Real em parceria com a Repórter Brasil, denunciou o caso de uma funcionária da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que tentava negociar ouro do garimpo ilegal em Boa Vista. O Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’Kuana (Condisi-YY) denunciou que 106 vacinas contra a Covid-19 foram desviadas para garimpeiros pelos profissionais de saúde em vez de imunizar os indígenas.
“Não queremos profissionais de saúde que não têm compromisso. Não queremos profissionais com duplo vínculo, que não vão atender nas comunidades. Queremos gestores e médicos bem preparados. Queremos nutricionistas para tratar da desnutrição. Queremos dentistas para tratar da saúde bucal. Queremos uma rotina de diagnóstico e tratamento de contaminação por mercúrio nos rios e nos Yanomami e Ye’kwana. Queremos água limpa. Queremos atendimento permanente direto em nossas comunidades, em escalas revezando profissionais e nunca deixando o posto vazio. Queremos que as comunidades onde tem ameaça de garimpeiros tenham atendimento de saúde com segurança garantida”, pede o documento.
Desvio de recursos
Como resultado do II Fórum de Lideranças, onde participaram representantes das organizações Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana, Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma, Associação Kurikama Yanomami, Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes, Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima, Hwenama Associação do Povo Yanomami de Roraima, Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana, cerca de 70 lideranças de 15 regiões da TI Yanomami elaboraram uma carta com os principais problemas que a etnia enfrenta na saúde.
As associações que assinam a carta protocolada pedem investigação com urgência no Dsei-YY. “Queremos formação de AIS (Agente Indígena de Saúde), Aisan (Agente Indígena de Saneamento) e guarda de endemias Yanomami e Ye’kwana para podermos cuidar do nosso povo. Pedimos que o Ministério Público investigue o Dsei-YY, e para onde está sendo destinado o recurso que deveria ser usado para melhorar a saúde dos povos Yanomami e Ye’kwana, solicitamos transparência do Dsei-YY através do Condisi-YY, queremos que o Condisi-YY convoque todas as associações para falar dos assuntos da saúde”, prossegue o documento.
O presidente do Condisi YY, Júnior Hekurari Yanomami, disse à Amazônia Real que a situação está cada vez mais tensa. “Mais duas crianças morreram na comunidade Parima. O Dsei Yanomami justificou que não tinha combustível para o helicóptero. Incrível essa justificativa deles. O Dsei está colocando muita dificuldade para nós, do Condisi, trabalharmos. Voltamos a ter acesso a algumas informações, mas estão tirando pessoas que realmente nos ajudam a fazer algo pela saúde, tá muito difícil trabalhar com o Dsei Yanomami”, relatou Júnior Yanomami.
Desde o dia (08), quando lideranças foram à sede do Dsei Yanomami, para protocolar a carta e não encontraram o coordenador, Rômulo Pinheiro de Freitas, a Amazônia Real entra em contado com a Sesai e o próprio Dsei solicitando informações sobre o que tem sido feito para atender e solucionar o colapso na saúde Yanomami. Não houve respostas até a publicação desta reportagem.
*Ana Lucia Montel, mulher negra amazônida, nortista, é comunicadora popular, militante social desde os 12 anos de idade, e finalista no Curso de Comunicação Social (Jornalismo) na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Atua diretamente com pautas voltadas para migrantes, indígenas, mulheres, negros e povos amazônicos, através do audiovisual. É fundadora da Resistir Produções Roraima, uma produtora cultural independente.
Fonte:
El País: Conservar a Amazônia é um bom negócio para o Brasil
Existem diversas frentes e iniciativas para extrair de maneira sustentável produtos da floresta e, assim, monetizá-la em pé
André Guimarães / Marcello Brito / El País
Polo financeiro mundial, Wall Street esteve à frente de diversas inovações no mercado de capitais, e hoje nada é mais urgente do que dedicar atenção e criar instrumentos que viabilizem o investimento e a transição para um mundo mais sustentável e resiliente.
Manter uma floresta em pé tem um custo, que não é pequeno. Encontrar maneiras de financiar a conservação é a solução pragmática para assegurar que as florestas remanescentes sejam protegidas, trazendo maior segurança climática, as chuvas das quais depende a agricultura, e o fluxo de água que necessitamos para a nossa economia e sobrevivência.
Nova York, endereço de Wall Street, é nesta semana o palco de um dos mais importantes encontros ambientais do ano. A Climate Week dedica tempo e espaço para debates que discutam as consequências das mudanças climáticas em todas as esferas, dos riscos econômicos aos socioambientais.
Embora a crise ambiental atinja a tudo e a todos, só na última década o mundo entendeu a correlação entre as florestas e o bem estar do planeta, reconhecendo os importantes serviços prestados pela natureza e aumentando assim a preocupação em conter o avanço do desmatamento e as queimadas. É hoje consenso que as florestas e a biodiversidade devem ser preservadas ou pagaremos, como já estamos pagando, um alto custo social e econômico. Resta saber qual o tamanho da perda, se nada fizermos, e quanto teremos que investir para evitarmos que o pior aconteça.
Com quase dois terços da Amazônia em seu território, o Brasil tem um protagonismo natural nas conversas sobre a preservação das florestas, e o desmatamento que vem sofrendo ao longo dos anos, seguido de queimadas e estabelecimento de pastagens de baixíssima produtividade, tem colocado o país sob o escrutínio mundial. Isso se exacerbou nos últimos anos, quando passou a se discutir se a Floresta Amazônica teria atingido um “ponto de não-retorno”, a partir do qual o processo de savanização seria irreversível, com consequências catastróficas para todo o mundo.
O Brasil tem recebido críticas à sua política ambiental, e o agronegócio que abraça práticas responsáveis já manifesta sua preocupação com ameaças de boicote aos seus produtos no exterior. Devemos lembrar que este é um mercado que tem um forte protecionismo, e não podemos dar “pano para a manga” para que se formem barreiras contra os produtos nacionais, e hoje a bandeira de proteção ambiental encontra ressonância junto ao público consumidor, especialmente em países desenvolvidos.
A crescente preocupação ao redor do mundo com as mudanças climáticas, e a consequente crise de alimentos, podem se tornar uma oportunidade de o Brasil se tornar uma potência agroambiental, desde que consiga proteger suas florestas e sua biodiversidade, ao promover o crescimento da produção agrícola enquanto ajuda a alimentar o mundo.
O Brasil já demonstrou ao longo dos anos que sabe aumentar sua produtividade agrícola sem destruir nosso ativo florestal, que abriga a maior diversidade de plantas e animais do planeta. No entanto, manter a vegetação em pé e protegê-la tem um custo financeiro. Se o mundo manifesta angústia com a derrubada da floresta, deveria se dispor a contribuir financeiramente para impedir o desmatamento. Mas será que os governos dos países desenvolvidos e demais entidades internacionais estão de fato dispostos a bancar isso, ou se restringirão à retórica?
Cabe a nós criar canais de diálogo e viabilizar o investimento. Claro que precisamos também fazer o nosso dever de casa interno, acabando o quanto antes com a perda de nossa cobertura vegetal nativa, monitorando nossas florestas, evitando incêndios e mudando certas práticas agrícolas. Mas precisamos também engajar o capital internacional nesta empreitada.
Um hectare de floresta amazônica armazena pelo menos 100 toneladas de carbono, ou 360 toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente. Hoje, cada tonelada de CO2 é comercializada a US$ 10 no mercado internacional. Portanto, devastar um hectare, o tamanho de um campo de futebol, significa queimar US$ 3,6 mil, ou mais de R$ 16 mil. Abrir mão de riquezas naturais é um desperdício de dinheiro, além de uma perda irreversível de valor biológico.
Não devemos nos contentar em erradicar a devastação ilegal da Amazônia. Mesmo as frações de reservas onde o desmatamento é permitido (equivalente a 20% da área de cada propriedade legal) poderiam ser mantidas intactas, se devidamente remuneradas pelo seu custo de oportunidade. Trata-se de mais do que preservação, é um investimento.
Existem diversas frentes e iniciativas para extrair de maneira sustentável produtos da floresta e, assim, monetizá-la em pé. Porém a grande maioria dos projetos e estudos ligados a bioeconomia da floresta ainda está em seus primórdios, exigindo alto investimento, inclusive em pesquisa. Demandarão muito tempo para chegarem a uma escala que reverta a perda da vegetação nativa.
É imperativo que o Brasil se torne um país atraente a esses investimentos. Nossas florestas em pé e preservadas podem servir de lastro, garantia financeira, para a atração dos capitais necessários para fazermos frente à exploração predatória atual. Conservar a Amazônia pode se tornar um ótimo negócio para o Brasil e para os milhões de pessoas que lá vivem.
Conciliar economia e meio ambiente é um passo crucial para a vitalidade do desenvolvimento brasileiro. O futuro do país depende de uma reflexão conjunta dos vários atores, de maneira pragmática e buscando a equação econômica que possa viabilizar a manutenção dos nossos preciosos ativos ambientais.
Temos que seguir a importante missão de alimentarmos o mundo através do nosso pujante agronegócio, mas de tal maneira a conciliar produção e preservação, produtividade e tecnologia de ponta, para também usufruirmos da riqueza biológica das nossas florestas. E o mercado financeiro deve ajudar a viabilizar instrumentos para fomentar esta revolução verde.
André Guimarães é diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e integrante da Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas.
Marcello Brito é presidente do conselho da ABAG e co-facilitador da Coalizão Brasil Clima, Agricultura e Florestas.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-22/conservar-a-amazonia-e-um-bom-negocio-para-o-brasil.html
Chapada dos Veadeiros tem 10º dia de incêndios; fogo avança 12% no Cerrado
Desde o início do ano, foram 46.693 focos de incêndio detectados por satélite, superando a marca de 41.674 de 2020
Gonçalo Junior e Isabel Cristina / Especial para o Estadão
O fogo na Chapada dos Veadeiros já dura dez dias, chegou à área do Parque Nacional e consumiu mais de 23 mil hectares de vegetação na região, o equivalente a 23 mil campos de futebol. As queimadas ocorrem em meio a um cenário de aumento de focos de incêndio no Cerrado.
Essas queimadas cresceram 12% no bioma em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Desde o início do ano, foram 46.693 focos de incêndios detectados por satélite, superando a marca de 41.674 de 2020. Só em agosto foram 15.043 focos de calor, o que significa um crescimento de 48% em relação ao mesmo mês do ano passado. O registro foi o maior valor desde 2014 (15.525 focos).
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De acordo com o coordenador da força-tarefa, capitão do Corpo de Bombeiros de Goiás, Luiz Antônio Dias Araújo, 170 pessoas estão envolvidas no combate ao fogo, entre bombeiros, brigadistas do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio) e voluntários. Além disso, as equipes continuam fazendo o monitoramento das áreas durante a noite. Nesta quarta-feira, 22, a expectativa é de que o efetivo deve aumentar para 190.
As condições climáticas não ajudam e a velocidade do vento tem dificultado muito esse controle das chamas. Na terça-feira, juntamente com o pessoal que estava em solo, três aviões fizeram o lançamento de água durante todo o dia. "A expectativa é de que a gente possa progredir nessas linhas e que amanhã tenhamos um panorama melhor", enfatiza o capitão.
Os bombeiros têm contado com auxílio de aeronaves para o lançamento de água. "Estamos usando o combate direto com a tropa em terra, utilizando abafadores, soprador, bomba costal e ferramentas para manuseio de terra (enxada, enxadão e pá). Outra técnica é o ataque combinado, que é quando os Air Tractor, os aviões que lançam água, auxiliam a tropa em terra", explica o coordenador da operação.
De acordo com o brigadista Alex Gomes da Silva, as condições climáticas (tempo seco e a baixa umidade do ar) e as reignições têm dificultado o trabalho de combate às chamas. "Em relação aos locais mais atingidos, no Vale da Lua e no Vale de São Miguel, temos reignição todos os dias. Mas o maior estrago na verdade está sendo em toda a Área de Proteção Ambiental (APA) de Pouso Alto, com um terço atingido", informou.
A Polícia Civil está na Chapada dos Veadeiros mapeando a área para investigar se os incêndios, que começaram no último dia 12, são criminosos. Luiz Antônio, que é coordenador da força-tarefa que combate as chamas, acredita que o fogo tenha sido causado por um incendiário, mas, com a proporção de destruição, não é um trabalho rápido de investigação e essa apuração demanda tempo. O fogo teve início no Vale da Lua, onde cerca de 100 turistas que estavam no local foram resgatados após cerca de 1h30 de espera.
Na terça-feira da semana passada, o fogo atingiu 8 mil hectares e, por causa do incêndio, o Vale da Lua e a Cachoeira do Segredo foram fechados. Já na quarta-feira o incêndio provocou o fechamento do Parque Estadual Águas do Paraíso, depois que uma linha de fogo com 7 quilômetros de comprimento começou a se aproximar da unidade.
Em meio ao incêndio que já dura mais de uma semana, um agricultor relatou perda de cerca de R$ 1,5 milhão da produção de milho depois que a lavoura foi atingida pelo fogo. A fazenda fica em São João D’Aliança, no nordeste de Goiás. O vento forte e redemoinhos de cinzas fizeram o fogo se espalhar rapidamente.
Turismo
Segundo o coordenador de prevenção e combate a incêndios do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade, João Morita, as chamas chegaram à área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros por dois pontos específicos, mas não apresentam risco para os locais de visitação e aos turistas.
Na terça-feira, 21, as ações se concentraram na região conhecida como Cascata e Ponte de Pedra. "Esses dois focos adentraram o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e estão cerca de 60 quilômetros distante das áreas de atrativos turísticos. Portanto, não oferecem risco até o momento aos turistas", afirma Luiz Antônio Dias Araújo. O Parque Nacional continua com a visitação sem comprometimento. O guia de turismo e condutor credenciado da Chapada dos Veadeiros João Paulo por exemplo, destaca que ainda não houve impactos até agora. "A cidade continua cheia, mesmo em dias de semana. Ao meu ver, não abalou o turismo que retomou o fluxo original pré-pandemia, e está numa crescente agora. Alguns locais fecharam, mas, logo após o incêndio ser controlado, já foram reabertos", contou.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,chapada-dos-veadeiros-tem-10-dia-de-incendios-fogo-avanca-12-no-cerrado,70003846805
Bolsonaro abre Assembleia da ONU com defesa de marco temporal
Será a terceira vez que o presidente abre o debate geral. Neste ano, ele deve tentar, novamente, defender programa ambiental do governo
Mayara Oliveira / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fará, nesta terça-feira (21/9), o discurso de abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A fala está prevista para ocorrer às 10h, no horário de Brasília.
Assista!
Neste ano, o presidente deve voltar a tratar da pauta ambiental. Em uma transmissão ao vivo nas redes sociais na última quinta-feira (16/9), Bolsonaro disse que fará críticas a uma eventual derrubada do marco temporal na demarcação de terras indígenas no país, mas que será um discurso “objetivo e tranquilo”.
Desde 1949, cabe tradicionalmente ao representante brasileiro fazer o discurso de abertura do debate geral da ONU. Nas últimas sete décadas, chanceleres e presidentes subiram à tribuna em Nova York para falar em nome do Brasil.
Esta será a terceira vez que Bolsonaro abre o debate geral. Em 2019, o presidente afirmou que o Brasil tinha “compromisso solene” com a preservação ambiental e defendeu a soberania na Amazônia.
Em 2020, o mandatário brasileiro, assim como outros chefes de Estado, participou de forma remota em razão da pandemia de coronavírus. Na ocasião, o titular do Planalto disse que o Brasil era “vítima” de campanha “brutal” de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga o marco temporal desde o dia 26 de agosto. Pela tese, índios só podem reivindicar a demarcação de terras já ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do julgamento, ou seja, mais tempo para analisar o processo. Até o momento, o placar está em 1 a 1. O ministro Nunes Marques apresentou voto favorável à tese, enquanto Edson Fachin, relator do caso, foi contrário.
Na live, Bolsonaro insistiu na avaliação de que o marco temporal é um “perigo” e um “risco” para a segurança alimentar nacional e mundial, pois terá impacto direto na inflação dos alimentos.
“O que a gente espera é que seja mantido esse marco temporal. Na semana que vem, vou estar na ONU, terça-feira o discurso lá, […] e o que eu devo falar? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado, se tivermos que demarcar novas áreas indígenas, e hoje em dia nós temos aproximadamente 13% do território nacional demarcado como terra indígena, já consolidado… Caso tenha esse novo marco temporal, essa área vai dobrar”, assinalou o presidente.
As afirmações de Bolsonaro, contudo, foram contrariadas por cinco economistas ouvidos pelo Metrópoles. Na avaliação de todos eles, a relação entre o disparo da inflação e a alteração do marco temporal “não faz sentido”.
Assembleia Geral da ONU
A Assembleia Geral da ONU deve reunir mais de 100 líderes na sede da organização, em Nova York. O tema do debate deste ano é “Construindo resiliência por meio da esperança”.
Os principais assuntos a serem tratados são a recuperação sustentável após a pandemia de coronavírus, a reforma dos sistemas alimentares, o 20º aniversário da adoção da Declaração e Programa de Ação de Durban sobre o combate global ao racismo e à discriminação, a eliminação total das armas nucleares, entre outros.
Neste ano, o evento será realizado no modelo híbrido, com participações virtuais, gravadas e presenciais, diferentemente da edição passada, que foi 100% virtual devido à pandemia.
Na última semana, no entanto, o presidente do debate geral, Abdulla Shahid, enviou aos Estados-membros da ONU carta na qual defendia que as autoridades nova-iorquinas aplicassem as regras impostas aos habitantes da cidade também no prédio da organização.
Em razão da pandemia, o governo de Nova York exige que frequentadores de centros de convenções comprovem que foram vacinados contra a Covid-19. Segundo a prefeitura da cidade, o edifício da ONU se enquadra na definição de um centro de convenções.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse, no entanto, que não tem como forçar os líderes mundiais a se imunizarem nem impedi-los de entrar no prédio-sede da organização em Nova York, tendo em vista que o edifício da instituição é considerado território internacional.
Segundo levantamento feito pelo Metrópoles, Bolsonaro está entre os 60 chefes de governo dos países integrantes da ONU que não informaram, oficialmente, se foram vacinados contra a Covid-19.
O mandatário brasileiro já está apto a tomar a vacina contra a doença desde abril deste ano, mas vem afirmando que só fará isso após o último brasileiro ser imunizado.
“Todo mundo já tomou vacina no Brasil? Depois que todo mundo tomar, eu vou decidir meu futuro”, disse o presidente na quinta-feira (16/9), em uma transmissão pelas redes sociais.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-abre-assembleia-da-onu-com-defesa-de-marco-temporal-e-acao-ambiental-do-brasil