meio ambiente

Luiz Carlos Azedo: Eles estão voltando

“Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas, principalmente a da Previdência, e o fortalecimento da Câmara e do Senado”

As articulações para ocupação de espaços nas Mesas do Congresso e nas comissões permanentes da Câmara e do Senado já estão em pleno andamento. Há políticos veteranos que sobreviveram ao tsunami eleitoral, novatos que nunca exerceram um mandato e alguns que estão voltando ao Congresso ou participavam de legislativos estaduais e municipais. Nenhum dos 513 deputados e 81 senadores é bobo. Não existe essa categoria no parlamento, como dizia Ulysses Guimarães. Os dois grandes eixos de discussão no Congresso são o apoio às reformas que serão encaminhadas pelo governo, principalmente a da Previdência; e o fortalecimento da Câmara e do Senado, que vêm de eleições nas quais ficou patente o descolamento de ambos da sociedade. A relação dos políticos com o Executivo e o Judiciário será balizada pela eleição das Mesas da Câmara e do Senado.

Vamos às reformas. São quatro as mais importantes, mas a da Previdência é uma espécie de Rubicão para o governo Bolsonaro, sem a qual a economia não deslanchará. A dificuldade do governo não é de natureza técnica, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sabe o que precisa fazer. O problema é político. A base governista é muito heterogênea e foi articulada a partir de frentes parlamentares com interesses específicos, como as do agronegócio, dos evangélicos e da bala. É mais fácil atrair setores da oposição para a reforma da Previdência, por exemplo, do que a bancada da bala, formada majoritariamente por policiais e militares que não querem abrir mão de seus privilégios. Além disso, a alta burocracia está mobilizada e faz um lobby poderoso, encabeçado por magistrados e procuradores.

A segunda reforma mais importante e difícil é a tributária. A resistência é inercial, alguém já disse que imposto bom é imposto velho. Mas a carga tributária e a burocracia são brutais, como sustenta o presidente Jair Bolsonaro. Com a tecnologia ficou muito fácil arrecadar, mas cada vez mais difícil, financeiramente, pagar. Há um clamor na sociedade, principalmente na economia formal, a favor da redução de impostos. Talvez seja a reforma mais popular entre agentes econômicos, principalmente empreendedores e assalariados. O problema é o pacto federativo, entre a União, que arrecada muito mais e gasta muito pior, e os estados e municípios, os entes federados. O nó górdio da reforma é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), arrecadado na origem; a maioria dos estados quer que seja recolhido no destino, como já acontece com o combustível, mas os estados produtores são muito mais poderosos do que os consumidores. O governo não sabe ainda como desatar esse nó.

Casa de enforcado
A questão do combate à corrupção e à criminalidade é a terceira reforma, cuja formulação está a cargo do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A Lava-Jato teve um papel decisivo na eleição, mas também é um trauma para políticos, principalmente os que sobreviveram. Endurecer ainda mais o jogo em relação ao caixa dois eleitoral e à improbidade administrativa é como falar de corda em casa de enforcado, no caso, o Congresso. E, depois do caso Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro(PSL-RJ) é primeiro da fila do cadafalso. Mas, em contrapartida, o endurecimento das penas para crimes como latrocínio, feminicídio e tráfico de drogas é barbada. Soa como música para a maioria dos parlamentares, que também não são tão resistentes à flexibilização do porte de armas, tema favorito da chamada Bancada da Bala e do próprio presidente da República.

A quarta questão, na verdade, é uma contrarreforma. Trata-se da questão dos costumes e do Estado laico, em torno da qual se dará um grande embate entre os setores conservadores que serviram de vanguarda para a campanha de Bolsonaro e as forças derrotadas na eleição, que buscam refúgio nessa pauta. É uma agenda que envolve a questão dos direitos humanos e dos direitos civis, em conexão direta com o mundo da cultura e da educação. Embora sejam temas que não tratam diretamente das relações de poder entre os políticos, essa agenda é a que tem mais conexão com a sociedade civil e suas agências, com forte repercussão no Congresso. Outra agenda emergente é a ambiental, em evidência novamente por causa da tragédia de Brumadinho (MG). É uma agenda de resistência, que tem muito a ver com a centralidade econômica da produção de commodities de minérios e agrícolas, hoje o polo mais dinâmico da nossa economia.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-eles-estao-voltando/


O Estado de S. Paulo: Revista ‘Science’ faz alerta sobre riscos da gestão Bolsonaro para a Amazônia

Pesquisador brasileiro Paulo Artaxo, da USP, foi convidado a escrever o editorial do prestigiado periódico científico com um panorama sobre o impacto que o novo governo pode trazer para a região

Por Giovana Girardi, do O Estado de S. Paulo

A revista científica Science, uma das mais prestigiadas do mundo, publica em sua edição desta sexta-feira, 25, um editorial de alerta sobre os riscos que o governo Bolsonaro pode trazer para a Amazônia. Assina o texto o pesquisador brasileiro Paulo Artaxo, professor da física ambiental da Universidade de São Paulo.

Um dos maiores especialistas em Amazônia e em mudanças climáticas do País, Artaxo recebeu um raro convite feito a cientistas brasileiros para escrever sobre o impacto do novo gestão para a ciência, para o meio ambiente e para a Amazônia.

“A floresta tropical é um tesouro brasileiro que deve ser mantido para esta e as futuras gerações”, alerta editoral da revista Science. Crédito: Ricardo Moraes/Reuters

No texto intitulado “Trabalhando juntos pela Amazônia”, ele destaca a importância da floresta como reguladora do clima e aponta como o combate ao desmatamento no período de 2005 a 2012, que fez a taxa de perda da floresta cair de 27.772 km² para 4.571 km², transformou o País em um líder global na mitigação das mudanças climáticas.

O pesquisador pondera que a região voltou a ficar em risco a partir de 2015, com a instalação da crise política e econômica, que levou a cortes no orçamento de agências científicas como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e com um acirramento da pressão de ruralistas no Congresso. Nos últimos quatro anos, o desmatamento voltou a subir, chegando a 8 mil km² no ano passado.

Para Artaxo, Bolsonaro não traz boas perspectivas de atuar contra essa devastação. “Em vez de abordar as crises do Brasil com renovado compromisso com a ciência e soluções sustentáveis, o governo Bolsonaro está favorecendo os interesses da agroindústria e da mineração que intensificam essas atividades na Amazônia”, escreve.

Ele cita como exemplo a transferência da Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, o que, segundo o pesquisador, “coloca áreas protegidas e as centenas de milhares de povos indígenas da Amazônia em perigo”. Artaxo lembra que cerca de 20% da Amazônia brasileira já está desmatada.

“A nova agenda poderia minar o Código Florestal do Brasil, que exige que os proprietários de terra mantenham uma porcentagem (80% na Amazônia bioma) de suas terras com cobertura florestal”, escreve. O pesquisador também questiona o desaparecimento da área de clima tanto do Ministério do Meio Ambiente quanto do Itamaraty e as ameaças de Bolsonaro de deixar o Acordo de Paris.

Artaxo escreveu o artigo antes da manifestação recente do presidente no Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), em que Bolsonaro disse que, “por ora”, o Brasil permanece no acordo.

Em entrevista ao Estado logo após o pronunciamento oficial do presidente, que se disse comprometido com a preservação do meio ambiente e com os esforços mundial de redução de CO2, Artaxo opinou que “Bolsonaro disse o que a audiência (líderes políticos e econômicos) queria ouvir dele”. E defendeu que as indicações colocadas no começo deste governo não apontam nessa direção.

Artaxo também criticou as dúvidas que foram levantadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em relação aos dados do desmatamento registrados pelo Inpe. “O Inpe é líder mundial em sensoriamento remoto sobre floresta tropical. Não dá nenhuma dúvida científica sobre esses números”, afirmou.

“A política ambiental precisa ser baseada em conhecimento científico. A Amazônia é o exemplo mais claro dessa necessidade. Desenvolvimento sem fundamentação causa muito mais devastação do que ganhos econômicos. Pode ser um tiro no pé, no sentido de destruir o meio ambiente sem o retorno econômico que se imaginava que poderia ter. A melhor ferramenta para evitar esses erros se chama ciência: políticas públicas baseadas em conhecimento científico”, continua.

“E devastação é para sempre. A floresta não se recupera rapidamente uma vez destruídos os alicerces que sustentam suas existência”, alertou o cientista na entrevista.

Artaxo lembra que a permanência no acordo implica em cumprir suas metas de redução das emissões de gases de efeito estufa que, no caso do Brasil, são de 43% até 2030, com base nos valores de 2005.

“Muito dessa redução de emissões depende de pôr um fim no desmatamento ilegal e de reflorestar 12 milhões de hectares. Essas intenções estão agora em conflito com o desejo do agronegócio de expandir a pastagem e agricultura intensiva na floresta amazônica e no Cerrado”, escreveu no artigo.

“Destruir a Amazônia não é a resposta para os problemas do Brasil. A floresta tropical é um tesouro brasileiro que deve ser bem mantido para esta e as futuras gerações”, continua Artaxo.

Ele conclui o editorial lembrando que ele mesmo e demais cientistas brasileiros “estão prontos para assessorar o novo governo sobre formas de preservar a floresta amazônica e região do Cerrado com aumento da produção de alimentos e do crescimento da economia” a fim de “conceber estratégias para o desenvolvimento da Amazônia que também protejam sua rica biodiversidade e povos indígenas”.


Folha de S. Paulo: Bolsonaro diz a executivos que Brasil ficará no Acordo do Clima

Em Davos, presidente foi questionado por empresários sobre planos para o meio ambiente

Por Luciana Coelho, Lucas Neves e Maria Cristina Frias

DAVOS - O Brasil não vai deixar o Acordo de Paris sobre o clima, disse o presidente Jair Bolsonaro em encontro com CEOs em Davos segundo um dos participantes.

Ele já havia feito um aceno nessa direção ao afirmar, na plenária do Fórum Econômico Mundial, que o país pretende estar sintonizado com o mundo na busca da diminuição de CO2 e na preservação ambiental.

Segundo o executivo presente na reunião com o presidente e com o ministro Paulo Guedes (Economia), Bolsonaro foi questionado pelos representantes das multinacionais sobre quais eram seus planos em relação ao ambiente e à questão indígena.

O presidente já chegou a dizer que o país poderia deixar o acordo climático fechado pela ONU em 2015, a exemplo dos EUA. Também já afirmou que era algo a se pensar. Dois dias antes do segundo turno da eleição, Bolsonaro afirmou que, se fosse eleito presidente, manteria o Brasil no Acordo de Paris sobre o clima, desde que a soberania plena da Amazônia fosse preservada.

"Eu perguntaria a vocês: nesse acordo de Paris, nós poderíamos correr o risco de abrir mão da nossa Amazônia? Vamos então botar no papel que não está em jogo o triplo A e nem a independência de nenhuma terra indígena que eu mantenho o acordo de Paris", disse em entrevista coletiva na época. A região chamada por ele de "triplo A" engloba os Andes, o oceano Atlântico e a Amazônia.

Em Davos, ele esclareceu sua posição, seguindo o que dissera seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Informou aos empresários e executivos estrangeiros que seguirá no acordo, mas que espera contrapartida pelo fato de o país ser um dos que menos poluem o planeta.

Clima é um dos principais trilhos da agenda em Davos neste ano, e os participantes mostram preocupação com a ação humana no aquecimento do planeta. Nesta terça, o príncipe William entrevistou o naturalista David Attenbourgh a esse respeito na plenária.

No encontro fechado, que reuniu cerca de 30 executivos pouco após seu discurso, incluindo os CEOs do Bank of America, Brian Moynihan, e o da Salesforce, Mark Benioff, Bolsonaro também explicou seu projeto para a reforma da Previdência, sem contudo entrar em muitos detalhes —parte da plateia de seu discurso se frustrara com a ausência de informações sobre o assunto.

A reação dos executivos foi descrita como “muito positiva” por esse participante, embora tenham notado que o presidente ainda precisa passar da palavra à ação.


BBC Brasil: 'Tecnologia permite destruir Amazônia mais rápido do que fizemos com a Mata Atlântica'

Só 3% da madeira derrubada na Mata Atlântica para dar lugar a fazendas foi aproveitada; em geral, matas eram incendiadas e transformadas em pastos para prepará-las para a agricultura, assim como hoje ocorre na Amazônia

Por João Fellet, Da BBC News Brasil em São Paulo

Em 2005, então recém-formado na faculdade de Biologia da USP, o botânico Ricardo Cardim teve a ideia de percorrer áreas desflorestadas da Mata Atlântica atrás de árvores gigantes que haviam sobrevivido isoladas no meio de plantações e pastagens.

A pesquisa ganhou corpo ao longo dos últimos 13 anos e se transformou numa das maiores investigações sobre a história da destruição de uma das regiões mais biodiversas do planeta.

Em "Remanescentes da Mata Atlântica: As Grandes Árvores da Floresta Original e Seus Vestígios" (ed. Olhares), livro lançado em novembro, Cardim documenta a vertiginosa expansão econômica sobre o bioma, que, em pouco mais de um século, o fez perder 90% de sua vegetação original e dividiu as áreas sobreviventes em 245 mil fragmentos.

Ao lado do fotógrafo Cássio Vasconcellos e do botânico Luciano Zandoná, Cardim também elaborou um inventário de tesouros que resistiram às derrubadas - entre os quais exemplares centenários de figueiras, perobas e paus-brasil, retratados em expedições por seis Estados das regiões Sul, Sudeste e Nordeste.

A árvore mais alta identificada, numa antiga fazenda de cacau em Camacã (BA), foi um jequitibá com 58 metros de altura e tronco com 13,6 metros de circunferência - dimensões extraordinárias, mas aquém das árvores gigantes do bioma no passado, como um jequitibá na região de Campinas (SP) cujo caule alcançava 19,5 metros de circunferência no início do século 20.

Em entrevista à BBC News Brasil, Cardim diz que as condições que permitiram o desenvolvimento das árvores gigantes da Mata Atlântica não existem mais. Compartimentadas e cercadas por lavouras, muitas áreas de floresta sobreviventes se despovoaram de animais - essenciais para a renovação das plantas - e sofrem com a invasão de espécies exóticas e alterações climáticas.

Ele diz acreditar, porém, que as próximas gerações conseguirão reconectar os fragmentos da floresta e trazer os bichos de volta, garantindo a sobrevivência do bioma, ainda que sem a mesma riqueza original.

Cardim não nutre o mesmo otimismo em relação à Amazônia - que, segundo ele, vive hoje, passo a passo, o mesmo roteiro da destruição da Mata Atlântica. Segundo o botânico, enquanto o desflorestamento da Mata Atlântica parece ter sido contido, a Amazônia sofre com a ação "de um arco de aventureiros que são incontroláveis" e fragmentarão o bioma antes que a sociedade se conscientize sobre sua importância. "Hoje a tecnologia permite que a gente faça a destruição da Amazônia com a mesma velocidade, ou até mais rápido, do que fizemos na Mata Atlântica. Com nossas estradas, caminhões, motosseras, o ganho de escala é absurdo".

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - O livro mostra que, ao contrário do que muitos pensam, a destruição da Mata Atlântica foi um processo bem recente. Como o bioma foi aniquilado tão rapidamente?
Ricardo Cardim - Até 1890, o que estava mexido no Brasil era um pedacinho de Pernambuco, por causa do ciclo do açúcar no século 17, e do Rio de Janeiro, por causa das fazendas de café. O resto era mata fechada, com índios dentro.

Parece incrível, mas a destruição da Mata Atlântica se deu mesmo no século 20. A grande cobiça era pelos húmus que fertilizaram o solo da Mata Atlântica ao longo de milênios. A madeira era muito mais um empecilho do que um benefício. Só no final do processo, quando já tínhamos muito caminhão e transporte facilitado pelas ferrovias, que a madeira começou a ser aproveitada. Mesmo assim, o índice de aproveitamento da madeira foi de cerca de 3% de tudo o que foi derrubado.

A ordem era "limpa logo para a gente começar a colher o ouro verde", que era o café. Fizemos como aquele cara que herda uma fortuna e na mesma noite vai gastar tudo em farra, e acorda pobre. Demoramos milhares de anos para formar aquele solo, criar aquelas condições perfeitas, e em cinco ou dez anos, aquilo não existia mais. Os solos que a gente cultiva hoje só são cultiváveis por causa da tecnologia, porque já foram exauridos.

BBC News Brasil - Você destaca no livro a destruição das matas de araucárias, na porção sul da Mata Atlântica. O que houve de peculiar nesse processo?
Cardim - A velocidade com que ocorreu. Essa é uma floresta que passa do século 19 ao 20 praticamente intacta. Brincava-se que era possível atravessar os Estados do Paraná e de Santa Catarina nos galhos das araucárias, de tão grudadinhas que elas estavam.

Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil importava madeira - o que era surreal para um país que estava destruindo florestas adoidado para plantar café. Mas, quando a Primeira Guerra impede esse comércio, o mercado começa a lembrar a araucária - um pinheiro maravilhoso, muito fácil de cortar. Começa um saque da floresta voltado para a madeira como se nunca viu.

A araucária vira uma grande divisa. Todo mundo que quer ficar rico vai para a floresta de araucária montar sua serrraria. Isso chega no auge nos anos 1950 e 1960. Cortavam tanta madeira que boa parte dela apodrecia antes de ser escoada para o mercado. Nos anos 1970, a floresta acabou. Houve uma quebradeira geral nas serrarias. Famílias que eram riquíssimas ficaram pobres.

A araucária simplesmente acabou. O que temos hoje são araucárias rebrotando, pequenas. O que sobrou hoje é uma sombra.

BBC News Brasil - O quão virgem era a Mata Atlântica antes de 1500?
Cardim - (O antropólogo) Darcy Ribeiro falava que havia entre 4 e 6 milhões de índios vivendo aqui no território. Acho possível, mas não acho que o impacto deles na floresta foi tão grande quanto o historiador americano Warren Dean falou em "A ferro e fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira" (1996). Ele diz que não existia floresta intocada, porque os índios já tinham cortado aquilo pelo menos uma vez em um milênio.

Eu acredito que os índios tinham capacidade de alterar o meio, mas com ferramentas muito primitivas - machados de pedra, fogo -, e também tinham populações muito pulverizadas. As coivaras que eles faziam para queimar e plantar roças não eram suficientes para gerar uma extensa derrubada. Acho que os índios deixavam as árvores grandes no meio da coivara e plantavam embaixo delas. E não acho que tenham conseguido trabalhar todo o território a ponto de alterá-lo.

BBC News Brasil - Qual o cenário hoje para as árvores gigantes remanescentes da Mata Atlântica?
Cardim - É terrivelmente ameaçado. A Mata Atlântica virou uma colcha de retalhos. Sobrou um décimo do que ela era, e ainda por cima esse décimo é formado por vegetação secundária - por florestas que já foram queimadas, exploradas, derrubadas - e dividido em 245 mil fragmentos de diferentes tamanhos. As árvores gigantes que sobraram nesses pedacinhos, especialmente nos menores, estão superameaçadas.

O clima local altera quando se derrubam florestas - basta lembrar que São Paulo era a terra da garoa, e hoje não temos mais garoa porque sumiu o verde dentro e no entorno da cidade. Os ventos, alterações ecológicas como a infestação de cipós, uma série de desequilíbrios ecológicos causados pela invasão do homem na floresta estão colocando em risco as poucas árvores gigantes que sobreviveram no bioma - tanto dentro da floresta quanto aquelas que estão isoladas em pastos, plantações, meios urbanos.

Nossa geração talvez seja uma das últimas a conseguir enxergar essas árvores gigantes, porque elas estão desaparecendo. E acho difícil que novas árvores desse porte surjam se a gente não reconectar os fragmentos de floresta.

BBC News Brasil - É viável reconectar esses fragmentos, considerando as forças econômicas e políticas atuais? As paisagens na região parecem estar muito consolidadas.
Cardim - Nasci em 1978 e cresci numa casa que tinha telefone de disco, uma TV com bombril espetado em cima e meu pai assinando jornal. O mundo mudou muito, e não só em tecnologia, em visão do planeta, sociedade. As crianças estão vindo com outro olhar sobre a natureza. Tenho muita fé de que elas vão causar uma revolução, e a tecnologia vai resolver muitos problemas, produzindo muito alimento sem precisar de grandes territórios. Vai chegar o momento em que vamos conseguir ter a harmonia entre o conforto moderno e o modo de produção econômico, e conseguiremos restabelecer parte do território natural.

Em 2100, teremos a Mata Atlântica reconectada, sobrevivendo, em harmonia com as cidades e as atividades agrícolas. Sou otimista.

BBC News Brasil - A Mata Atlântica será capaz de se regenerar sozinha?
Cardim - Se o ser humano desaparecesse da Terra neste instante, a Mata Atlântica iria recompor todo seu espaço. O que a atrapalharia são as plantas invasoras. Trouxemos muitas plantas estrangeiras. Quando você traz algo de fora, isso pode prejudicar enormemente quem já estava aqui antes. Vemos isso no parque Trianon (em São Paulo) e na Floresta da Tijuca (no Rio de Janeiro).

A floresta abandonada, sem ser manejada, iria virar um híbrido de Mata Atlântica com Pinus elliotti (pinheiro nativo da América do Norte), com palmeira seafortia (espécie australiana), com jaqueiras (oriundas da Ásia), e isso poderia comprometer grande parte da bidiversidade até chegar num ponto de equilibrio. Teríamos uma floresta mais pobre do que aquela que os portugueses encontraram em 1500.

BBC News Brasil - O geógrafo Altair Sales costuma dizer que os trechos remanescentes de Cerrado são como fotografias do passado, porque muitas das interações entre insetos, plantas e animais que permitiram o desenvolvimento daquelas paisagens deixaram de existir à medida que o bioma foi sendo degradado - e que no futuro aquelas paisagens desaparecerão. Isso se aplica à Mata Atlântica?
Cardim - Sim. Temos hoje na Mata Atlântica florestas que são relíquias, restos de uma era quando tínhamos macacos muriquis andando de galho em galho do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, quando tínhamos antas, varas de queixadas e catetus, onças em todos os lugares.

Os bichos são fundamentais para plantar e polinizar a floresta. Nos anos 1930, o homem chegou à mata metralhando os bichos, caçava tudo o que via por ali. A vegetação tropical é intimamente ligada a seus bichos, uma evoluiu com o outro, com complexas interações que a gente nem imagina ainda.

Na Mata Atlântica, temos hoje a figura da floresta vazia, da floresta zumbi, como a do Parque Trianon, que não tem como se renovar. Para que a semente de um jatobá germine, ela tem de ter a dormência quebrada pelo intestino da anta. Sem anta, isso não acontece mais, a semente cai no chão e não germina. Os mecanismos estão profundamente comprometidos tanto no Cerrado quanto na Mata Atlântica.

Por isso, quando formos investir para reconectar os fragmentos, precisamos procriar os bichos para que eles possam voltar a transitar e reabilitar a floresta.

BBC News Brasil - Em vez de homogênea, a Mata Atlântica é descrita no livro como um bioma com múltiplas faces. O quão diversa é a formação?
Cardim - As pessoas tendem a pensar que a Mata Atlântica é aquele tapetão de floresta, como na Serra do Mar. Pensam que só ocorre no litoral, sem saber que ela vai até o Paraguai. Ela era realmente extensa. Outra coisa interessante é a diversidade de paisagens.

Na Mata Atlântica, podemos encontrar desde a restinga arenosa, um areial com ilhas de bromélias, cactos, pequenos arbustos, pitangueiras, verdadeiros jardins prontos - não é à toa que Burle Marx se inspirava nessas paisagens -, a campos de altitude, como em Itatiaia, ou na Serra dos Órgãos, que são campos com plantinhas no topo, até florestas monstruosas como as que existiram no norte do Paraná e no sul da Bahia.

Ela tem maior biodiverisade, comparativamente, do que a Amazônia, porque ela concentra diversas paisagens e espécies num território relativamente pequeno, graças à proximidade do oceano em alguns pontos e do relevo, que é bastante movimentado e cria diferentes condições para a vegetação.

BBC News Brasil - Já tivemos perdas irreparáveis de espécies de árvores gigantes na Mata Atlântica?
Cardim - Suspeito que sim. Por exemplo, a peroba-rosa encobria centenas de quilômetros de florestas. Ela foi tão cortada, sobrou tão pouco, que nos faz questionar o quanto sofreu de ersoão genética a ponto de se tornar viável. Uma doença talvez seja capaz de matar todas as restantes. São os últimos moicanos. Tenho a sensação de que muitas árvores da Mata Atlântica são os últimos moicanos.

Nas expedições que fiz durante a produção do livro, tinha o objetivo de ver a floresta original, mas acho que não consegui. A grande verdade é essa. Eu vi florestas que podem ter sido próximas daquilo, mas fiquei com a sensação de que não existe mais a floresta original, que meu tataravô possa ter visto quando estavam abrindo as fazendas.

BBC News Brasil - Quando se critica o desmatamento no Brasil, alguns representantes do agronegócio costumam citar a destruição das florestas na Europa e reivindicar o direito de fazer o mesmo por aqui. Como seria nossa sociedade se a Mata Atlântica não tivesse sido destruída?
Cardim - Esse argumento é tão hediondo como falar que, já que houve o Holocausto na Alemanha, podemos fazer um aqui também. A Europa hoje está preocupadíssima em restabelecer suas florestas e nunca mais vai restabelecer do jeito que era, porque as matas lá vêm sendo derrubadas desde a época romana.

Se tivéssemos encontrado outros meios de produzir riqueza, através da educação, da tecnologia, teríamos agora um patrimônio maravilhoso. Não sou contra a exploração de madeira. Sem a madeira, não teríamos orquestras, por exemplo. Eu adoro móveis de madeira nobre. Mas, se tivéssemos explorado de forma sustentável, poderíamos ter móveis de jacarandá pelo resto da vida.

Teríamos um potencial gastronômico inacreditavelmente grande, como alguns já começaram a perceber, como (o chef) Alex Atala. Teríamos muito potencial no ramo da biotecnologia, de medicamentos. E também de turismo, pois é impossível ficar indiferente diante dessas árvores gigantes. É como alguém diante da pirâmide de Queóps.

BBC News Brasil - O processo de destruição da Mata Atlântica é comparável ao que hoje enfrenta a Amazônia?
Cardim - A grande sacada desse livro é mostrar que fizemos uma coisa na Mata Atlântica nos últimos 100 ou 150 anos que é exatamente igual ao que estamos fazendo hoje na Amazônia. O que muda é a proporção, por causa da extensão da Amazônia e a tecnologia. Hoje a tecnologia permite que a gente faça a destruição da Amazônia com a mesma velocidade, ou até mais rápido, do que fizemos na Mata Atlântica. Com nossas estradas, caminhões, motosseras, o ganho de escala é absurdo.

BBC News Brasil - Quais foram as etapas da destruição da Mata Atlântica que agora se repetem na Amazônia?
Cardim - Primeiro, criar uma motivação econômica para um acesso à floresta. Na época (dos presidentes) Costa e Silva e Médici, nos anos 1970, começa a surgir a ideia da terra sem homens da Amazônia para o homem sem terras do Nordeste. Esse caminho para o interior da Amazônia, que começa com a rodovia Transamazônica, tem como paralelo a entrada das ferrovias no seio da Mata Atlântica por causa do café. A ferrovia entrava e rasgava a Mata Atlântica - vem o eixo de penetração, saem estradas vicinais para saquear a floresta e aproveitar a terra.

É o que está ocorrendo hoje na Amazônia: primeiro vem o cara saquear madeira, depois se faz a queimada para aproveitar o solo, o fogo fertiliza aquela terra e planta-se capim para que o gado pisoteie os entulhos da floresta. Com dois ou três anos, aquela floresta desaparece e vira carbono, e aí entra a soja. No nosso caso, era o café que entrava. Temos registros em Campinas (SP), em 1840, da presença do gado entre ruínas de árvores colossais da Mata Atlântica. Era um modo de domar a terra para o café.

BBC News Brasil - Seremos capazes de frear o desmatamento na Amazônia?
Cardim - Sou otimista quanto à Mata Atlântica, mas não quanto à Amazônia. Acho que não vai dar tempo. A Amazônia vai ser fragmentada antes que as gerações futuras consigam entender a importância dela.

Existe lá um arco de aventureiros -políticos, grileiros - que são incontroláveis. Eles vão fragmentar a floresta antes que a gente consiga mudar a sociedade.

BBC News Brasil - As tecnologias e a legislação para evitar o desmatamento também não avançaram?
Cardim - Com certeza, mas ainda acho que são fracas perante o que está acontecendo lá. O que houve em Rondônia é emblemático. A floresta do Estado sumiu em dez anos. E hoje a última fronteira é o Estado do Amazonas, porque o Pará já foi muito detonado.

Estão derrubando por mais que coloquemos multas. Tem muita gente lá que não tem nada a perder e vai fazer isso acontecer. Talvez, daqui a 40 anos, alguém faça um livro como este que eu fiz contando como a Amazônia foi destruída.

 


Maria Alice Setubal: À espera das políticas sociais, culturais e ambientais

Posição do novo governo tem sido genérica até aqui

O ano de 2018 está chegando ao fim depois de muitas turbulências e conflitos profundos, causados pelos diferentes posicionamentos políticos, que geraram, inclusive, discórdia entre amigos e familiares.

A polarização ocorrida durante a campanha eleitoral pode ter se amainado, mas ainda está longe de se dissipar. O país segue dividido, mas com uma espera em comum: a posse do novo governo, que, até aqui, tem se posicionado de forma genérica, fazendo oposição ao sistema e à corrupção.

Essa postura se concretizou na busca de escolhas ministeriais independentemente de partidos, no desenho de uma ideologia liberal privatizante e iniciativas morais ultraconservadoras, expressas pela defesa da Escola sem Partido e pela oposição à ideologia de gênero e ao que denominam como marxismo cultural, definição que parece englobar tudo aquilo que se considera contrário aos princípios do grupo eleito, algo ainda um pouco nebuloso para o público em geral.

Nos últimos 30 anos, o Brasil avançou muito em todos os indicadores sociais. Políticas inovadoras foram construídas e muitas delas referendadas e premiadas internacionalmente. Certamente, os avanços não foram na velocidade desejada e, apesar de termos universalizado o ensino fundamental, tirado 16 milhões de pessoas da extrema pobreza (de 2003 a 2013), o SUS ser um modelo de saúde para muitos países, para dar apenas alguns exemplos, ainda temos muito a melhorar para alcançarmos uma qualidade nos serviços prestados.

A boa notícia, muito importante a ser destacada, é que temos estudos, pesquisas e evidências que apontam onde acertamos e quais ajustes e inovações devem ser feitos no intuito de poder embasar as novas políticas nessas e nas demais áreas sociais, culturais e ambientais.

A sociedade civil brasileira é constituída por uma pluralidade grande de organizações, com um acervo de pesquisas e experiências rico e variado que pode ser colocado a serviço das políticas públicas.

Como se trata de um país com diferenças regionais e culturais enormes, são necessários programas e políticas alinhados aos seus diferentes contextos, e as instituições locais podem ter um papel fundamental na articulação de pontes entre os níveis macro e micro para contribuir com leituras, construções e ajustes.

O século 21 se estabelece como o tempo de construções colaborativas, e precisamos refazer pontes desfeitas durante os últimos anos, unindo novamente os fios do tecido social das diferentes comunidades.

Diversas pesquisas apontam baixíssimo nível de confiança nas instituições ou em pessoas que não fazem parte da família dos brasileiros.

Construir confiança, portanto, é condição sine qua non para fortalecer a democracia e para alcançarmos um bem comum e um espaço público inclusivo e diverso. Para isso, são necessárias instituições fortes, transparentes, livres e responsáveis, de modo a criar um vínculo de continuidade entre passado, presente e um futuro comum que continuará com as próximas gerações.

Descobrir um modo singular de pertencer à sociedade e ao mundo é uma condição indispensável para dar sentido às nossas ações e para a renovação desse espaço coletivo.

O Brasil espera as novas políticas sociais, culturais e ambientais na certeza de que a sociedade civil tem muito a contribuir para a construção de um país mais justo e sustentável.

*Maria Alice Setubal é doutora em psicologia da educação (PUC-SP), presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos Fundações Empresariais)


El País: De ‘ouro verde’ a ‘diamante de sangue’, a queda em desgraça do abacate

Saciar a fome mundial de abacate tem um preço: florestas derrubadas e cartéis no México que entram no negócio de seu cultivo. Restaurantes da Irlanda e Grã-Bretanha pedem que a fruta tropical não seja mais utilizada por critérios éticos e ambientais

Versatilidade. Bom gosto. Valores nutricionais imbatíveis. Propriedades como ingrediente em seus cremes. E uma vistosa cor verde que serve para inúmeras composições no Instagram. Na era do food porn e da comida saudável, o abacate tinha tudo para dar certo. Mas sua reputação está em perigo justamente por conta da voracidade que desperta: somente na União Europeia as importações dessa fruta milenar se multiplicaram por quatro entre 2000 e 2017, chegando a 486.063 toneladas nesse ano de acordo com a base de dados Comtrade da ONU.

Um chef com estrela Michelin, JP McMahon, levantou a polêmica ao fazer um pedido aos restaurantes irlandeses para que eliminem ou pelo menos reduzam a presença dos “diamantes de sangue do México” em seus menus em uma entrevista ao jornal Irish Independent. Compara sua produção à dos frangos em grande escala. Ele não usa abacates “pelo impacto que têm nos países de onde vêm: desmatamento no Chile, violência no México”. Faz referência a informações publicadas, entre outros veículos de imprensa, no The New York Times, que em março já alertava que os cartéis de droga entraram com tudo nesse próspero negócio. O principal país exportador é o México, onde falam de “ouro verde”, com um terço da produção global: são cultivados o ano inteiro na rica terra vulcânica de Michoacán. “É um dos milagres do comércio moderno que em 2017, que teve o recorde de ser o ano mais violento no México, esse Estado cheio de cartéis exportasse mais de 1,7 bilhão de libras de abacates Haas aos Estados Unidos”, afirmou o artigo.

Não são poucos os restaurantes, especialmente na Grã-Bretanha, que decidiram não utilizar abacates em suas cozinhas por motivos éticos e ambientais. Um dos últimos foi o Wild Strawberry Cafe, no condado de Buckinghamshire, após servir 1.000 pratos por semana com a fruta. Como disseram em sua conta no Instagram, vai contra os critérios de sazonalidade e proximidade, ao contrário de produtos locais como as abóboras e as maçãs. “As florestas estão diminuindo para dar lugar a plantações de abacate. A agricultura intensiva a essa escala contribui com o lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera e pressiona os fornecimentos locais de água”, afirmaram. Espécies como a borboleta monarca, conhecida por suas longas migrações dos Estados Unidos e Canadá ao México, ficam em perigo com a destruição de seu ecossistema para o cultivo de abacates.

Até mesmo um restaurante vegetariano, o Wildflower, no sul de Londres, se arriscou a prescindir de suas excelentes gorduras. Seu chef, Joseph Ryan, vê semelhanças com a quinoa, que também sofreu uma queda vertiginosa de preços após se tornar moda anos atrás. O dono do Franks Canteen, Paul Warburton, também entrou no boicote. Como disse ao Express, o abacate se transformou no símbolo “chato” da globalização já que pode ser encontrado em qualquer café do mundo. “Além disso consome muita água e significa muitas árvores cortadas. Aqui tentamos trabalhar sazonalmente, e como os abacates serão sazonais no norte de Londres?”.

Mas nem todos os abacates vêm da América do Sul. A controvérsia por enquanto não chegou à Espanha, único país na Europa que se destaca em seu cultivo, com 107.000 toneladas exportadas em 2017: 17% a mais do que ano anterior e 79% a mais do que há cinco anos, de acordo com a Federação Espanhola de Associações de Produtores de Frutas e Verduras. Granada, Málaga e especialmente as Ilhas Canárias têm a temperatura ideal, mas a falta de água impede a expansão do abacate, que os agricultores pedem que seja aliviado com mais infraestrutura. Porque a cremosidade que fez do abacate um hit mundial - pode ser o ingrediente de molhos, comido com pão e batido - se deve justamente a sua grande necessidade hídrica. Uma plantação dessa fruta tropical precisa de quase o dobro em relação a uma floresta de tamanho equivalente, o que transforma sua produção em grande escala em pouco sustentável.


Bruno Boghossian: Na prática, Bolsonaro subordina meio ambiente aos ruralistas

Na prática, Bolsonaro subordina meio ambiente aos ruralistas

Se ainda havia dúvida, Jair Bolsonaro deixou claro a quem seu ministro do Meio Ambiente deve servir —e, surpresa, não é ao meio ambiente. Num encontro com artistas, o presidente eleito gravou um vídeo e mandou recado ao agronegócio: “Gostaram do ministro do Meio Ambiente, né? Com toda a certeza”.

O novo governo aceitou manter uma pasta independente para cuidar do setor, mas a escolha do advogado Ricardo Salles sugere que, na prática, questões ambientais devem ficar subordinadas à pauta ruralista.

O futuro ministro fez questão de aparecer em uma gravação ao lado de Nabhan Garcia, presidente da entidade que simboliza os grandes proprietários de terras, a UDR (União Democrática Ruralista).

“Nós teremos um momento de total sinergia da agricultura com o meio ambiente. Respeito absoluto ao produtor rural, com todo o nosso apoio”, disse Salles, que vai supervisionar órgãos que têm o papel de fiscalizar também o agronegócio.

A reverência prestada pelo próximo chefe da gestão ambiental é grande. Na mensagem, ele chama Nabhan de ministro, embora o ruralista tenha sido indicado apenas secretário especial de Assuntos Fundiários.

O ruralista retribuiu com um elogio e emendou: “Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente significa o fim do Estado policialesco e o fim do Estado confiscatório em cima de quem produz no Brasil”.

O discurso é uma desculpa esfarrapada para afrouxar as punições previstas em lei contra quem pratica desmatamento. Entidades de proteção ambiental dizem que produtores rurais contribuem para devastações. Nabhan alega que o agronegócio colabora com a preservação.

Ao ser indicado, Salles disse tratar a defesa do meio ambiente como um valor “inafastável” e já afirmou ser favorável à permanência do Brasil no Acordo de Paris, que estabelece metas de redução de gases causadores do efeito estufa. Os sinais de Bolsonaro, porém, são de que os poderes do futuro ministro ficarão abaixo dos interesses do agronegócio.


El País: Um investigado por fraude ambiental comandará Meio Ambiente sob Bolsonaro

Advogado Ricardo Salles é alvo de ação por improbidade administrativa no período em que foi secretário da área no Governo Alckmin. Do Partido Novo, ele preside o movimento Endireita Brasil e defendeu "bala" como resposta ao MST 

Apoiado por entidades ruralistas e presidente do Movimento Endireita Brasil, o advogado Ricardo de Aquino Salles comandará o Ministério do Meio Ambiente a partir de janeiro. O anúncio do ministro que completa a Esplanada dos Ministérios de Jair Bolsonaro foi feito pelo presidente eleito na tarde deste domingo. Salles, que já foi secretário particular do ex-presidenciável Geraldo Alckmin e ocupou também a pasta de Meio Ambiente de São Paulo durante o Governo do tucano, vinha sendo citado há dias como nome para o cargo. O futuro ministro é alvo de ação de improbidade administrativa, acusado de manipular mapas de manejo ambiental do rio Tietê, e, durante a campanha eleitoral deste ano, chegou a sugerir o uso de munição de fuzil contra a esquerda e o MST.

A escolha de Salles joga mais combustível nas controvérsias que envolvem um setor crucial para o Governo Bolsonaro, crítico do que chama de "exageros" na legislação ambiental. As decisões já sob influência da futura gestão, como retirada da candidatura do Brasil para sediar a próxima Conferência sobre as Mudanças Climáticas da ONU no ano que vem, a COP25, atrem holofotes tanto nacionais como internacionais para o setor. Após vencer as eleições, Bolsonaro chegou a anunciar que fundiria os ministérios da Agricultura (que será comandado a partir do ano que vem pela deputada ruralista Tereza Cristina) e do Meio Ambiente, uma ação para reduzir a máquina pública, mas que também, segundo os críticos, poderia esvaziar a pasta que hoje controla o Ibama e o ICMbio, órgãos fiscalizadores. Durante a campanha, o então candidato e seus emissários fizeram várias críticas ao que chamam de “indústria da multa” desses órgãos. Bolsonaro chegou a defender a necessidade de "tirar o Estado do cangote de quem produz”. No entanto, a reação negativa de setores exportadores e ambientalistas fizeram o presidente recuar da proposta. Bolsonaro decidiu apenas reformular o Ministério do Meio Ambiente e reduzir alguns cargos.

A manutenção da pasta não apaziguou os ânimos. Para a organização ambientalista Observatório do Clima, a indicação do novo ministro mostra que segue viva a ideia de subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. "Se por um lado contorna o desgaste que poderia ter com a extinção formal da pasta, por outro garante que o Ministério do Meio Ambiente deixará de ser, pela primeira vez desde sua criação, em 1992, uma estrutura independente na Esplanada. Seu ministro será um ajudante de ordens da ministra da Agricultura. O ruralismo ideológico, assim, compromete o agronegócio moderno – que vai pagar o preço quando mercados se fecharem para nossas commodities", argumenta a dura nota da entidade.

Ricardo Salles é acusado de descumprir leis ambientais. Desde 2017, é alvo de ação movida pelo Ministério Público de São Paulo sob a acusação de alterar ilegalmente o plano de manejo de uma área de proteção ambiental, na Várzea do Rio Tietê, "com a clara intenção de beneficiar setores econômicos". “Sou réu, mas não há decisão contra mim. São todas favoráveis a mim. Todas as testemunhas foram ouvidas, todas as provas produzidas e o processo está concluso para sentença, pode ser sentenciado a qualquer momento. Todas as testemunhas ouvidas, de funcionários do governo e fora, corroboraram a minha posição”, afirmou Salles ao site do programa Globo Rural há alguns dias.

Além disso, Salles foi alvo de um inquérito civil instaurado também pelo Ministério Público de São Paulo no último mês de janeiro para apurar se cometeu improbidade administrativa ambiental ao determinar a retirada do busto do guerrilheiro e ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, que estava instalado no Parque Estadual do Rio Turvo, em São Paulo, quando comandava a secretaria estadual do Meio Ambiente. O pedestal em que estava a estatueta teria sido demolido por ordem de Salles em agosto do ano passado. “Recurso de compensação ambiental não foi feito para colocar busto em parque, como fizeram lá. Ainda mais de uma pessoa que era um criminoso, independentemente do lado ideológico”, argumentou na época.

Salles, cuja nomeação por Alckmin provocou críticas até dentro do PSDB, estreou na política ao se candidatar a deputado federal pelo Partido Novo nas últimas eleições, mas não conseguiu se eleger. Durante a campanha, sugeriu nas redes sociais o uso da munição de fuzil 3006 (mesmo numero que escolheu para usar nas urnas) “contra a praga do javali” e “contra a esquerda e o MST”. A publicação causou revolta e rendeu uma advertência do partido no Twitter, que disse não compactuar “com qualquer insinuação ou apologia à violência, de qualquer tipo, contra quem quer que seja". As críticas do novo ministro à esquerda são antigas. Há 12 anos, quando o ex-presidente Lula venceu a reeleição apesar das denúncias do Mensalão, ele participou da criação do Movimento Endireita Brasil, destinado a reabilitar esse setor ideológico no país.


Fernando Gabeira: Crônicas do ensaio geral

A fusão de Meio Ambiente e Agricultura suscitaria acusações do tipo raposa tomando conta do galinheiro

Numa antiga peça de Harold Pinter, dois andarilhos entram, de repente, na cozinha de um grande restaurante. Subitamente, começam a ouvir pedidos de pratos sofisticados. Aturdidos, olham para o embornal e percebem que há em suas modestas provisões um pão, uma fruta talvez.

Cada vez que vejo uma equipe nova assumir o governo, lembro-me dos andarilhos aturdidos por sofisticadas demandas a que não podem atender. Quando Bolsonaro apareceu diante da câmera, ao vencer as eleições, tinha apenas uma bandeira do Brasil, levemente torta, colada com durex na parede. No passado, candidatos contratavam hotéis, posavam diante de grandes painéis, e suas imagens eram transmitidas em alta definição.

Isso só aumentou em mim a suspeita de que, apesar de sua força descentralizada na sociedade, a campanha de Bolsonaro era modesta e artesanal. Basta lembrar que, nos últimos dias, todos os principais atores do grupo foram silenciados. Compreendo que isso era para não causar polêmicas. Teoricamente, nos últimos dias, todos falam porque o o objetivo central é persuadir.

Bolsonaro tem noção dos limites. Num culto religioso, ele afirmou que pode não estar bem preparado, mas Deus capacita os escolhidos. Acho que a fé ajuda, suscitando energia, resiliência e até compaixão. Nesse sentido, a fé ilumina.

No entanto, há temas espinhosos que demandam conhecimento, experiência e até um certo talento. A ideia de fundir os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente — que Bolsonaro defendeu e depois voltou atrás mais de uma vez — não me parece uma inspiração divina.

Já desenvolvi um primeiro argumento sobre esse tema, afirmando que era muito vasto. O Meio Ambiente cuida desde conceder licenças na área do pré-sal ao monitoramento de um lobo-guará na Serra da Canastra, à redução de emissões de CO2, ao controle da biodiversidade — enfim, como costumamos brincar, não é um meio ambiente, mas um ambiente quase inteiro.

Há um outro argumento. A fusão poderia suscitar acusações do tipo raposa tomando conta do galinheiro. Isso é ruim no exterior. Pode provocar uma resistência nos consumidores. Resistência espontânea ou induzida pelos competidores internacionais.

Paranoia? Uma ponta de paranoia é saudável. Estava no Congresso quando apareceu a falsa notícia no Canadá de que havia doença da vaca louca no Brasil.

Fizemos uma comissão, demos entrevistas, inclusive cheguei a planejar uma viagem ao Canadá. Eu, que sou vegetariano, me vi, de repente, combatendo pela carne brasileira. Daquele grupo, lembro-me de Ronaldo Caiado, eleito governador de Goiás.

Tomar uma decisão dessas apenas nos bastidores, sem consultar estudiosos ou mesmo o agronegócio exportador, não seria o melhor caminho.

Mas nem tudo estaria perdido. O Congresso brasileiro, de alguma forma, será acionado. Uma medida provisória talvez. E nossa tarefa será a de levar o debate para o interior da Câmara, através do Parlamento universal em que se transformaram as redes sociais.

Temos um ponto em comum, que é a luta contra a corrupção. Vamos ter de conversar com os eleitores de Bolsonaro, sobre a nova dimensão da ética: a que diz respeito às futuras gerações.

Não porque eu tema que o planeta acabe, isso não acontecerá . Temo pela vida humana, que pode tornar-se inviável, ser expelida do organismo terrestre.

Assim como Trump, Bolsonaro tende ao ceticismo em relação ao aquecimento global. Acham que o tema foi muito ideologizado. Parcialmente, aceito o argumento. Mas a proposta que solucionaria este problema é usar a ciência como mediação do debate.

Ciência nem sempre significa unanimidade. Senti isso quando da proibição do amianto. Havia cientistas a favor e contra. No caso do aquecimento global, o peso numérico dos cientistas que acreditam é esmagador. Viajando, como faço, pelo Brasil, nem precisaria tanto da ciência, apesar de sua autoridade.

Capitão, fé em Deus. Mas a outra parte do dito popular, pé na tábua, poderia ser reservada para o consenso, como, por exemplo, acabar com a estatal que cuida do trem-bala. Nesse ritmo, acabariam criando uma estatal para a viagem a Marte.


Bruno Boghossian: Fusão de Bolsonaro deixa país sujeito a propaganda ruralista

O ainda pré-candidato Jair Bolsonaro já considerava o Ministério do Meio Ambiente um problema. Num vídeo divulgado em março, o deputado disse que as “multagens” a produtores rurais acusados de desmatamento eram absurdas e propôs o fim da pasta.

“Nós inclusive pensamos em fundir o Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Aí vai acabar a brincadeira dessa briga entre ministérios. E quem vai indicar vão ser os homens do campo. São as entidades que vão indicar”, declarou.

O agora presidente eleito vai levar o projeto adiante. Depois de negociações com representantes do agronegócio, marcadas por recuos sucessivos, Bolsonaro decidiu unir as duas pastas. Os órgãos de fiscalização ambiental, segundo o plano, ficarão submetidos à Agricultura.

As palavras do deputado ao longo da campanha mostram que seu futuro governo escolheu o lado mais pueril do lobby ruralista. Seus conselheiros para o setor conseguiram convencê-lo de que a maneira mais simples de acabar com as divergências era sufocar um dos lados.

Especialistas e até empresários do setor lançaram alertas ao longo dos últimos meses sobre o risco dessa cartada. A fusão das duas pastas, sob a tutela dos produtores, pode ser interpretada como um retrocesso num mercado internacional que cobra dos produtores cada vez mais garantias de proteção ambiental.

Bolsonaro pode até discordar das regras seguidas pelos órgãos de fiscalização, mas deixa de considerar que o desentendimento também é saudável no poder. Se um presidente da República só ouve a voz de um lado, está sujeito à propaganda de grupos de interesse, e não às ideias de quem formula políticas públicas.

No segundo governo Lula, o então presidente abraçou as posições de Dilma Rousseff em uma sequência de embates entre ela e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Sob bombardeio, Marina pediu demissão em 2008. Nesta terça (30), ela disse que a fusão de pastas de Bolsonaro é um “triplo desastre”.


Sérgio Besserman Vianna: Meio ambiente não existe

A escolha do tamanho do estrago e dos prejuízos ao bem-estar da humanidade ainda está em nossas mãos

Terminando a semana do meio ambiente, vale a pena bagunçar um pouco a mente e pensar fora da caixa. Em primeiro lugar, não existe isso de “meio ambiente”. Ou mesmo “ambiente”. Ou environment em inglês e o mesmo em todas as línguas ocidentais. Todas essas palavras expressam “ao redor”, isto é , nós, os humanos e o “ao redor”, a natureza.

Essa separação não existe. Nós somos parte da natureza e vivemos na biosfera com o mesmo grau de dependência do fato de vivermos na atmosfera. Apenas como exemplo, dentro de cada um de nós, há centenas de trilhões de outros seres vivos, e nossa saúde, humor e até capacidades mentais dependem dessa interação.

Cada um de nós é um ecossistema e para muitos pesquisadores essa é uma fronteira da medicina moderna tão promissora quanto as células-tronco, a engenharia de tecidos orgânicos.

Em segundo lugar, embora a humanidade tenha logrado obter imensos poderes, ao ponto de a ciência estar a discutir denominar a nossa era geológica de antropoceno (sobre isso, vale muito uma visita ao Museu do Amanhã, na Zona Portuária do Rio de Janeiro), isso é verdade apenas no nosso tempo, o tempo humano, insignificantemente curto frente à imensidão do tempo da natureza. Estamos degradando severamente a natureza do nosso tempo. Crises e custos muito elevados decorrentes das mudanças climáticas, da crise de biodiversidade e outros “Limites do Planeta” já estão contratados. Já não são mais evitáveis mesmo nos cenários mais otimistas.

Atenção: a escolha do tamanho do estrago e dos prejuízos ao bem-estar da humanidade ainda está em nossas mãos, corações e mentes. Entre fazer uma revolução e conseguir que o aquecimento global, até o final do século, fique em 2 graus Celsius (algo já muito custoso em vidas, sofrimento, bem-estar e dinheiro, o mesmo dinheiro que é necessário para educação, saneamento, saúde, segurança etc.), ou 5 graus Celsius se nada for feito, a diferença no tamanho da tragédia é abissal.

O mesmo se aplica à crise de biodiversidade, à extinção das espécies. Já não é mais evitável a extinção de mais de 20% das espécies vivas até pouco depois da metade do século. Se esse processo não for interrompido drasticamente, será muito mais.

Esqueçamos a visão simplista e enganosa de que a natureza tem um problema. No tempo dela, de muitos milhões de anos, o estrago que a humanidade está causando não passa de um piscar de olhos do qual ela facilmente se recupera.

A questão não é “meio ambiente” ou desenvolvimento. A questão é que não haverá desenvolvimento, nem econômico, nem social, sem que a humanidade altere a forma como consumimos e produzimos.

Quem tem um problema com a degradação que estamos provocando é a natureza do nosso tempinho curto. Essa maravilhosa biodiversidade que amamos. E quem tem um gigantesco problema somos nós, sete bilhões de humanos hoje e 10 amanhã.

* Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro


Arnaldo Jordy: O planeta pede ajuda

O dia 5 de junho é dedicado mundialmente ao Meio Ambiente. Sem dúvida, há o que comemorar, pois a consciência ambiental teve crescimento planetário nas últimas décadas, no entanto, os desafios são graves e urgentes e temos muito a fazer em relação a esse tema. Minimizar os problemas sérios que ameaçam o planeta representa uma sentença de morte para muitas espécies e uma ameaça para a humanidade. Quanto mais tarde agirmos, será pior. A mensagem da Organização das Nações Unidas para a data, este ano, teve como foco a poluição provocada pelo plástico, material que hoje causa os maiores danos à natureza. De acordo com a ONU, a cada ano, são despejadas 13 milhões de toneladas desse material nos oceanos, afetando as condições de vida de 600 espécies marinhas, sendo que 90 delas estão ameaçadas de extinção.

A ONU informa que, por ano, são consumidas até 5 trilhões de sacolas plásticas em todo o mundo. No período de tempo de apenas um minuto, são compradas 1 milhão de garrafas plásticas em todo o globo. Não é à toa que 90% da água engarrafada e muitos dos alimentos que consumimos contêm partículas microscópicas de plástico, cuja matéria-prima é o petróleo e que leva, em média, 400 anos para se degradar na natureza. Hoje se sabe que nos últimos dez anos, o mundo produziu mais plástico do que durante todo o século 20, e no caso do Brasil, só 20% do plástico é reciclado, como de resto na maioria dos países. Por isso, mais de 100 nações assumiram este ano compromisso com políticas públicas para evitar o descarte desse material, além de investimento na limpeza de praias e florestas.

Mas a questão ambiental tem muitos outros desafios no Brasil, como debatemos na sessão especial da Câmara dos Deputados que realizamos na terça-feira. Uma delas, que diz respeito à nossa região, é o problema do desmatamento. Reduzir a derrubada de árvores é a principal contribuição brasileira no esforço global contra o aquecimento, como signatário da mais recente Conferência da ONU sobre o clima, realizada no ano passado, na Alemanha, mas ainda estamos muito longe do nosso objetivo. Depois de um recuo entre 2012 e 2014, quando ficou entre 4,6 mil e 5 mil quilômetros quadrados por ano, segundo números do INPE, o desflorestamento da Amazônia voltou a crescer, em 2016, para 8 mil quilômetros quadrados, e continuou alto no ano seguinte, com 6,9 mil quilômetros quadrados. O Pará, em 2017, perdeu 2.400 quilômetros quadrados de floresta, o que corresponde a 350 campos de futebol.

Para proteger a floresta, também é indispensável tornar obrigatória a instalação dos comitês de bacias hidrográficas, para preservar os recursos hídricos, que se tornarão ativos cada vez mais valiosos e disputados no futuro. Projeto de lei que apresentei garante recursos aos Estados e Municípios, por meio dos comitês, para o fornecimento de água potável e esgotamento sanitário. A criação dos comitês é parte da lei que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabelece a criação de colegiados para conciliar e debater os interesses relacionados ao aproveitamento das águas.

Outro tema relevante e diretamente ligado à saúde da população é o uso crescente de agrotóxicos, que precisa ser melhor regulamentado. O Brasil é o quarto maior produtor mundiais de grãos, mas é disparadamente o maior consumidor mundial de produtos agrotóxicos. Não se pode querer ampliar ainda mais esse consumo, como previsto em projeto de lei que tramita na Câmara, para que liberação dos agrotóxico passe a ser feita somente pelo Ministério da Agricultura, sem a participação do Ibama e do Ministério da Saúde, facilitando a entrada desses produtos. Hoje se sabe que os agrotóxicos prejudicam, por exemplo, a sobrevivência das abelhas, responsáveis pela polinização da maioria das espécies vegetais.

Outro projeto de minha autoria, que espero seja votado em um esforço em favor do meio ambiente, aperfeiçoa a legislação que trata do tráfico de animais silvestres, que é frouxa e obsoleta na proteção da fauna brasileira. Hoje, é mais lucrativo para os traficantes de animais pagar multas e cumprir sanções e continuar a cometer o crime. Sei do caso de um traficante de animais que já foi preso 27 vezes e continua na mesma prática ilegal.

A agenda governamental é importante, mas, antes de tudo, é preciso que cada um mude sua consciência para a importância das prática ambientalmente sustentáveis, por exemplo, separando o lixo para reciclagem, depositando material que poderá ser reaproveitado em pontos de coleta, evitando o descarte de produtos tóxicos no meio ambiente e respeitando as leis ambientais. Se cada um fizer a sua parte, já teremos um grande avanço.

*Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA