meio ambiente

Míriam Leitão: Floresta no chão e fumaça no ar

O ministro do Meio Ambiente quer floresta no chão e fumaça no ar. Em plena crise de imagem do Brasil por causa do desmatamento, que gerou uma onda de alertas dos investidores contra o país, ele propõe suspender a meta de diminuição de queimada e desmatamento ilegais. O que o Brasil perde se Ricardo Salles ganhar? Riqueza natural, qualidade do ar, investidores internacionais, biodiversidade, futuro. Além de Salles, quem ganha com o desmatamento? Alguns poucos criminosos, como mostrou a revista “Veja” na edição desta semana, dando seus nomes e endereços.

A impressionante reportagem fez o ranking dos dez maiores desmatadores segundo as multas do Ibama. Imagens de satélite indicaram o antes e o depois. O campeão é Edio Nogueira, da Fazenda Cristo Rei, em Paranatinga, Mato Grosso, onde ele derrubou 24 mil hectares de mata nativa, equivalente a 22 mil campos de futebol. Ele usou aviões para jogar gigantescas quantidades de agrotóxico para matar as árvores, o que faz o fogo espalhar mais rapidamente.

Edio recebeu uma multa de R$ 50 milhões, que dificilmente pagará, até porque o presidente Bolsonaro critica isso que ele chama de “indústria da multa”. A empresa de Nogueira, a Agropecuária Rio da Areia, coloca no site que fornece para a JBS, Marfrig e Minerva. A “Veja” procurou os frigoríficos, que negaram compras recentes. A Minerva disse que a última compra foi feita em 2015, a JBS admite que comprou, mas de outra empresa do mesmo grupo em Mato Grosso do Sul. A Marfrig parou de comprar deles em 2017. Seja como for, está lá no site. E como disse a revista, na reportagem de Edoardo Ghirotto e Eduardo Gonçalves, “é esse tipo de confusão que está estraçalhando a imagem do Brasil lá fora”.

O ponto é: quem ganha com o abandono da meta de reduzir o desmatamento e as queimadas ilegais? Esse empresário, que joga agrotóxico para matar as árvores antes de queimá-las, ganha. Não é o único, a revista dá a lista dos 10 maiores. No Pará, Amapá e Mato Grosso. Quem perde? O resto da sociedade brasileira.

O repórter Mateus Vargas, do “Estado de S. Paulo”, teve acesso ao documento em que Salles tenta contornar a meta de reduzir até 2023 o desmatamento e a queimada ilegais em 90%. Em troca, ele quer a aprovação do seu projeto, que definiu de Floresta+. Seria melhor chamá-lo de Floresta-, porque é proteger uma área de 390 mil hectares. O documento quer urgência na aprovação dessa ideia. Os técnicos do Ministério da Economia não gostaram. Oficialmente, o Ministério concordou com a proposta de redução da meta. A lorota que eles contam é que será para “adequar aos compromissos de zerar o desmatamento ilegal até 2030”. Ou seja, o plano plurianual pode ir mais devagar, em vez de ter a meta de reduzir a 90% em 2023 o desmatamento ilegal.

No Acordo de Paris, o Brasil propôs zerar em 2030, mas tem metas intermediárias. Em 2020, o Brasil teria que ter derrubado o desmatamento para o nível de 3 mil km2. Hoje, está em 10 mil e subindo. Mesmo se tivesse cumprindo o compromisso que firmou com outros países, destruiria uma área equivalente a duas vezes a cidade de São Paulo. O Ministério da Economia deveria pensar duas vezes antes de concordar.

Ricardo Salles também completou o trabalho de desmonte da presença de qualquer representação nos conselhos ambientais. Desta vez foi reduzida a participação de entidades civis e conselhos estaduais e municipais na comissão executiva para o controle do desmatamento ilegal e recuperação de vegetação nativa, Conaveg. Eles poderão ir, se convidados, mas sem direito a voto.

Esse é só mais um passo do programa “mais Brasília e menos Brasil” em cada conselho ambiental. Uma das decisões acabou travando o Fundo Amazônia. Salles tirou todas as ONGs, entidades científicas, empresariais e representantes dos nove estados amazônicos do conselho. Resultado: demoliu a governança.

O vice-presidente Hamilton Mourão recebe educadamente os investidores, empresários, banqueiros. Promete a todos que o governo vai melhorar o combate ao desmatamento ilegal. Com isso, ele ganha tempo e tenta reconstruir a credibilidade do governo. Quando saem propostas assim, de reduzir a meta que foi estabelecida no plano plurianual de redução do desmatamento ilegal, Mourão fica falando sozinho. Ou ele está falando só para inglês ver?


Fernando Exman: Meio ambiente na árida pauta legislativa

Governo busca fato positivo, mas desmate ilegal cresce

Primeiro os deputados conquistaram o protagonismo com o Orçamento impositivo e uma agenda de reformas econômicas. Deram, na sequência, impulso a medidas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia, por exemplo com a adoção do Orçamento de guerra, e aprimoraram diversos dispositivos enviados pelo presidente Jair Bolsonaro para tentar irrigar a economia com crédito. Logo avançaram nas discussões sobre questões sociais e asseguraram a prorrogação do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a despeito das resistências da equipe econômica. Agora, o risco do governo é ficar a reboque da agenda ambiental da Câmara.

A administração Jair Bolsonaro tenta sair da defensiva, desde que passou a ser alvo de duras cobranças de países aliados, parceiros comerciais, empresários e investidores.

A má notícia, para o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, é que a reversão das péssimas expectativas em relação aos resultados de suas ações para conter o desmatamento ilegal só se dará com a apresentação de dados positivos e confiáveis. No entanto, as estimativas de autoridades que acompanham de perto o assunto não são animadoras.

Espera-se que os dados de desmatamento de 2020 superem os observados no ano passado, quando satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) captaram sinais de derrubadas na Amazônia em áreas que ultrapassaram 9 mil quilômetros quadrados. Um aumento de aproximadamente 85% em relação a 2018.

Segundo essas fontes, deve haver uma desaceleração neste ano e os números não serão tão ruins quanto os projetados num primeiro momento, mas certamente apontarão crescimento do desmate ilegal. Tudo indica que as autoridades do governo não conseguirão apresentar o balanço de dezembro com sorriso no rosto.

Existe, por outro lado, uma mudança conjuntural tanto na visão de setores do governo quanto no Congresso. A bancada ruralista, que muitas vezes interditou a tramitação de propostas advogadas pelos ambientalistas, percebeu que o tema é vital para os negócios de seus representados.

Parlamentares com boas conexões no meio empresarial e no mercado financeiro decidiram se mobilizar. Todos se deram conta de que investidores - nacionais e estrangeiros - exigem uma safra de boas notícias para poderem recolocar o país como destino preferencial em seus portfólios.

O governo tem o que apresentar, mas, para seu desassossego, parece não ter mais audiência. O ministério lançou um programa de pagamento por serviços ambientais e quer estimular o mercado de crédito de carbono.

A Operação Verde Brasil 2 ocorre desde maio e seu mais recente balanço contabiliza a apreensão de 28 mil metros cúbicos de madeira, 93 tratores, 85 máquinas de mineração, 259 embarcações e 174 veículos. Os equipamentos, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, serão destinados para as prefeituras da região. Foram aplicados cerca de R$ 407 milhões em multas.

Essas medidas, embora no caminho correto, foram adotadas tardiamente. E setores do governo permanecem apostando no enfrentamento.

O próprio presidente da República responsabiliza a Câmara por parte do fracasso da sua agenda para o setor. Sempre que pode, lembra: os deputados não votaram a medida provisória que tratava da regularização fundiária, uma proposta considerada fundamental pelo governo para reduzir as ilegalidades na Amazônia e responsabilizar empresas e proprietários por queimadas e derrubadas ilegais. A Câmara tentará votar um projeto de lei com teor semelhante.

No Palácio do Planalto, existe a visão de que está em curso um complô internacional contra a autoridade do Brasil sobre a Amazônia, uma ação orquestrada visando consolidar a imagem de que a região está abandonada e o governo não consegue cuidar da floresta.

Acredita-se que isso se deve, em parte, às sinalizações de que os recursos federais e as verbas obtidas no exterior devem ser destinados prioritariamente às ações de repressão e controle - e não para projetos conduzidos por organizações não governamentais (ONGs).

Com o Congresso entrando para valer no debate, certamente visões antagônicas ganharão mais peso. Os governadores e as bancadas amazônidas serão mais ativos. Isso faz parte do embate democrático e a base aliada terá que mostrar força.

Entre as duas Casas do Legislativo, a Câmara dos Deputados novamente largou na frente. Já está construindo uma ponte com o setor privado e, além de um projeto sobre regularização fundiária, tentará aprovar um marco regulatório para o licenciamento ambiental. Pode entrar também no radar uma proposta com diretrizes para a proteção do bioma marinho.

No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM), do Amapá, tem interesse direto nas discussões por ser de um Estado da região e também defende a priorização da regularização fundiária.

Diante do fato de que a agenda ambiental passou a fazer parte das áridas relações entre o Executivo e o Legislativo, um bom começo seria os dois Poderes evitarem a armadilha de transformar essa pauta em um novo fator gerador de fricções institucionais. Espera-se, por exemplo, que o Congresso aprove rapidamente o projeto de lei de abertura de crédito suplementar em favor da Operação Verde Brasil 2, por meio do qual o governo pretende destinar R$ 410 milhões ao Ministério da Defesa.

Nesse mesmo sentido, embora seja uma iniciativa legítima do Parlamento, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o trabalho das agências e das autoridades federais ambientais certamente fomentaria novos atritos. Essa possibilidade não é vista hoje como algo exequível, mas não é descartada por parlamentares influentes no caso de o governo não atacar de maneira satisfatória o problema do desmatamento ilegal.


Luiz Carlos Azedo: Cuidado com a palavra

“Na opinião pública mundial, os heróis não são os militares, são os índios, que têm suas terras invadidas e, agora, de novo, estariam ameaçados de extinção. Como? Pela covid-19”

A palavra genocídio, substantivo masculino, significa extermínio de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso (Houaiss). O maior de todos, no século passado, foi o Holocausto, o assassinato em massa de judeus pelos nazistas, que defendiam a superioridade racial dos arianos. Genocida era, por exemplo, o médico alemão Josef Menguele, que morreu em Bertioga (SP), em 1979, com o nome falso de Wolfgang Gerhard. Ele realizava experiências genéticas no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, durante a II Guerra Mundial. Estima-se que morreram no Holocausto 6 milhões de judeus, de um total de 21 milhões de prisioneiros assassinados pelos nazistas na II Guerra Mundial.

O genocídio foi tipificado como crime contra a humanidade em 1951, quando foi criada a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. A partir daí, assassinatos em massa como consequência de diferenças étnicas, nacionais, raciais e religiosas passaram a ser qualificados como tal, especialmente quando se trata de limpeza étnica. Houve genocídio na colonização das Américas e da África; no século passado, na Turquia (armênios), Camboja (oposição ao regime comunista), Timor Leste (nacionalistas), Kosovo (albaneses), Ruanda (tutsis), Bósnia (muçulmanos) e Iraque (curdos). O Brasil reconhece o genocídio como crime desde 1956.

Por isso mesmo, não foi gratuita a reação dos militares às declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que criticou duramente o general de divisão Eduardo Pazzuelo, um graduado oficial da ativa, por sua atuação à frente do Ministério da Saúde: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, disse.

Povos indígenas

O Ministério da Defesa anunciou, em nota, que encaminhará uma representação na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ministro. O presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o chefe do gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, manifestaram apoio à nota, no mais novo contencioso entre as Forças Armadas e um ministro da Corte. A nota foi assinada pelo ministro Fernando de Azevedo e Silva, que é general da reserva do Exército, e pelos comandantes do Exército, general Edson Leal Pujol; da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior; e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez.

Os bombeiros de sempre entraram no circuito para circunscrever a crise à nota dos militares, que o ministro Gilmar Mendes tirou por menos. No Twitter, disse que tem apreço pelas Forças Armadas, mas reiterou a crítica à presença de Pazuello no Ministério da Saúde, um assunto que também não é pacífico entre os militares da ativa. O general comanda a pasta interinamente. A pretexto de cuidar da logística do combate à epidemia, na prática, opera a “imunização de rebanho”.

É aí que mora o perigo. Estados Unidos e Brasil são responsáveis por metade dos novos casos de coronavírus registrados nas últimas 24 horas em todo mundo. Pazzuelo está perdendo a guerra, camuflado de burocrata no seu gabinete da Esplanada, por mais que a nota do Ministério da Defesa enalteça seu trabalho. No plano internacional, o Brasil virou um pária ambiental e sanitário. Na opinião pública mundial, os heróis nessa história não são os militares, são os índios, que têm suas terras invadidas e, agora, de novo, estariam ameaçados de extinção. Como? Pela covid-19. Bolsonaro é demonizado por seu desapreço pelas florestas e pelos índios.

A população indígena em 1500 era de aproximadamente 3 milhões, divididos entre 1.000 povos diferentes, sendo 2 milhões no litoral. Em 1650, esse número caiu para cerca de 700 mil indígenas, chegando a 70 mil em 1957. Cerca de 80 povos indígenas desapareceram no Brasil no século XX. Segundo o IBGE, atualmente, há no Brasil cerca de 817 mil indígenas. Desse total, 502 mil encontram-se na zona rural e 315 mil nos centros urbanos. Em apenas 10 das 505 reservas indígenas (12,5% do território brasileiro), somente dez apresentam uma população indígena maior do que 10 mil habitantes.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cuidado-com-a-palavra/

Luiz Carlos Azedo: O exemplo de Rondon

“O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental”

Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney, ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92. Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de sobrevivência da humanidade.

Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas, negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas, como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a legislação existente no país servir de referência para políticas de sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).

A declarada intenção de burlar e desmontar essa legislação provocou uma forte reação de governos, investidores e personalidades de todo o mundo. O governo se viu obrigado a dar demonstrações de que vai mudar de postura em relação à Amazônia, o que resultou na reunião de ontem do vice-presidente Hamilton Mourão, que preside a Comissão da Amazônia, com investidores estrangeiros. O governo foi duramente cobrado. Ao lado do chanceler Ernesto Araújo, cuja gestão à frente do Itamaraty envergonha a diplomacia brasileira, e do próprio Ricardo Salles, Mourão anunciou a intenção de aumentar a fiscalização e proibir as queimadas na Amazônia Legal. No ano passado, a primeira grande crise do governo foi provocada pelo avanço do desmatamento e pelas queimadas na Amazônia. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro protagonizou um bate-boca com o presidente francês, Emmanuel Macron, no qual se destacou pelas grosserias contra a primeira-dama francesa.

Campanha mundial

Agora, estamos diante de uma nova crise, por causa da pandemia de coronavírus, que chegou às aldeias indígenas. As dimensões das reservas indígenas sempre foram muito contestada pelos militares que cercam o presidente Jair Bolsonaro, com destaque para o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que foi comandante militar da Amazônia. Entretanto, os estudos ambientais e as fotografias dos satélites mostram que os índios, com suas reservas, são os verdadeiros protetores da floresta. Mesmo do ponto de vista militar, o Exército não teria a menor possibilidade de êxito em suas tarefas sem a incorporação dos índios às tropas que guarnecem nossas fronteiras.

Acontece que o mundo está de olho na sobrevivência de nossos índios, principalmente das etnias ameaçadas de extinção. O premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado lidera uma campanha internacional em sua defesa. Mineiro de Aimorés, ocupa a cadeira nº 1 da Academia de Belas Artes da França e mobiliza artistas, intelectuais e personalidades de todo o mundo. Bolsonaro não tem a dimensão do tamanho do problema que criou, inclusive para o agronegócio brasileiro, que deixou de ser o grande vilão, porque a moderna agricultura não precisa derrubar as florestas.

O arquétipo do herói de Bolsonaro na Amazônia é o ex-deputado e major reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues, que atuou como agente de informações na campanha contra a Guerrilha do Araguaia (PCdoB) e, depois, como coordenador do garimpo de Serra Pelada. Quão distante é do papel histórico do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), que realizou uma saga sem paralelo nos sertões do Centro-Oeste e do Norte do país, instalando linhas telegráficas ao longo de 1.650km de cerrado e 1.980km de florestas amazônicas.

“Matar nunca, morrer se preciso for”, foi o lema que adotou para proteger os índios Bororo, Botocudo, Kaingang, Xokleng, Nambikuára, Xavante e Umotina (foto do Museu do Índio) ao implantar a ligação telegráfica entre Brasil, Paraguai e Bolívia nos sertões de Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Acre. Criador do Serviço de Proteção ao Índio, que deu origem à Funai, guiou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em sua expedição pelo Amazonas. De 1927 a 1930, inspecionou a fronteira brasileira desde as Guianas à Argentina. Em 1938, promoveu a paz entre Colômbia e Peru. O Parque Indígena do Xingu e o antigo Museu Nacional do Índio foram ideias suas. Não por acaso, o Congresso Nacional deu o nome de Rondônia ao território do Guaporé e lhe concedeu a patente de marechal.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-exemplo-de-rondon/

Míriam Leitão: Resposta errada do governo no meio ambiente

Os primeiros movimentos de resposta do Brasil aos investidores apontam para o fracasso. Que chance tem de dar certo a estratégia de convencer que o Brasil respeita o meio ambiente com o presidente Bolsonaro afirmando que eles estão com “uma visão distorcida” dos fatos e uma carta que tem entre os signatários a dupla Ricardo Salles e Ernesto Araújo? Não há o que Salles faça que apague seus abundantes atos e palavras contra o meio ambiente neste um ano e meio. Araújo vive em órbita pelo mundo da lua capturado por teorias da conspiração. Para piorar, existe o danado do fato: o Inpe acaba de mostrar que o Brasil bateu novo recorde de queimada na Amazônia.

Do ponto de vista econômico, o que está acontecendo é uma enorme contradição. A maior recessão da história do país e o desmatamento subindo. Como pode o nível de atividade estar em queda livre, e o desmatamento e as queimadas, em alta? A resposta é: o governo Bolsonaro deu fartos incentivos à atividade ilegal. Os criminosos sabem que ficarão impunes e que, se tiverem mais sorte, verão uma Medida Provisória aprovada consolidando seu domínio sobre áreas que grilaram.

O vice-presidente Hamilton Mourão no comando do Conselho da Amazônia foi um avanço, mas o desmatamento está crescendo forte pelo segundo ano consecutivo mesmo com as ações do Exército. A entrada do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na turma que quer demover grandes fundos de saírem do Brasil tem um ganho e dois óbices. O bom é que Roberto Campos circula fácil pelo mundo das finanças internacionais e tem boa rede de contatos. O primeiro problema é que um presidente do Banco Central não se envolve tanto com questões de governo como ele tem feito, segundo, pelo que disse até agora, ele também esposa a tese de que os outros é que estão mal informados.

Só pela carta que os 29 fundos mandaram para as embaixadas brasileiras, cobrando explicações sobre a política ambiental, já ficou claro que eles sabem exatamente o que se passa no Brasil. Citaram até a boiada pandêmica do Salles. O mundo de hoje é o da informação instantânea. A tese de que os outros países estavam desinformados a nosso respeito foi usada na época da ditadura para negar a tortura. Mesmo naquele mundo analógico, a estratégia deu errado porque contrariava os fatos.

O melhor é mudar os fatos. Essa é a forma de convencer. O vice-presidente disse à “Folha” que convidará embaixadores para sobrevoar a Amazônia. A visão do verde dos nossos bosques não convencerá porque todos podem consultar as imagens de satélite que mostram a progressão do desmatamento no Brasil. Os avanços que o governo pode relatar, como, por exemplo, a queda da taxa de desmate a partir de 2004 pertencem ao governo Lula. A tendência começou a mudar nos governos Dilma-Temer e a destruição acelerou nesta administração. Se os dados atuais forem comparados com a taxa de 2004 haverá sim uma redução, mas foi resultado de políticas ambientais e fortalecimento dos órgãos de controle, totalmente desmontados na atual gestão.

Se quiser mudar a imagem do país, o governo brasileiro tem que começar trocando os ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores. Salles é um dano ambulante à imagem do Brasil. Ele faz qualquer coisa para destruir o meio ambiente, até rasgar dinheiro, como fez com o Fundo Amazônia diante da Noruega e da Alemanha. O problema de Araújo é de outra natureza. Decorre da sua falta de conexão com a realidade. Ele costuma deixar seus interlocutores constrangidos pela maneira como interpreta a conjuntura internacional e sobrevoa os eventos contemporâneos a bordo de teorias lunáticas.

O ponto central da dificuldade de melhorar a imagem ambiental do Brasil é que o presidente Jair Bolsonaro acredita em tudo o que disse e fez nesse campo. Ele acha que o bom é liberar o garimpo e perdoar grileiros. Já que não pode acabar com as terras indígenas, ele quer mineração nessas unidades de conservação. Se pudesse, fecharia órgãos como o Ibama e o ICMbio. Como não pode, ele os enfraquece e ameaça os servidores, como fez com os que destruíram tratores encontrados em desmatamentos de terras públicas. Salles segue ordens do seu chefe. A imagem do Brasil reflete o que tem infelizmente acontecido. Distorcida é a visão de Bolsonaro.


Valor: Carta de ex-ministros chama governo de ‘anticientífico’

Ex-titulares do Meio Ambiente apelam a governadores e prefeitos, STF e PGR por ações para conter a destruição de biomas e as ameaças a indígenas e quilombolas

Por Carolina Freitas, Valor Econômico

SÃO PAULO - Nove ex-ministros do Meio Ambiente brasileiros lançaram uma carta aberta em que denunciam o governo Jair Bolsonaro como “anticientífico”. Eles apelam a governadores e prefeitos, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) por ações para conter a destruição de biomas e as ameaças a indígenas e quilombolas.

O documento é assinado por Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho e José Goldemberg.

“Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia, de parte do próprio poder Executivo por ela constituído”, afirmam os ex-ministros. “A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio da covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros.”

Os ex-ministros cobram do procurador-geral da República, Augusto Aras, a análise de denúncias de crime de responsabilidade supostamente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles e evoca ainda a responsabilidade do STF de fazer cumprir os princípios constitucionais de “preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado” e da “independência entre os Poderes”.

Abaixo, a íntegra do documento:

“Carta Aberta do Fórum de Ex Ministros do Meio Ambiente do Brasil em Defesa da Democracia & Sustentabilidade

Vivemos inédito momento histórico de aviltamento e ameaça à democracia consagrada na Constituição de 1988 de parte do próprio poder Executivo por ela constituído.

A omissão, indiferença e ação anticientífica do governo federal transformaram o desafio da covid-19 na mais grave tragédia epidemiológica da história recente do Brasil, causando danos irreparáveis à vida e saúde de milhões de brasileiros. A tragédia seria ainda maior não fosse a ação de Estados e Municípios, apoiados pelos poderes Legislativo e Judiciário.

A sustentabilidade socioambiental está sendo comprometida de forma irreversível por aqueles que têm o dever constitucional de garanti-la. A destruição dos Biomas brasileiros avança em taxas aceleradas que não se registravam há mais de uma década, com aumentos expressivos de desmatamentos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, enquanto os órgãos ambientais e s normas federais são sistematicamente desmantelados. Povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais veem crescer de modo exponencial as ameaças aos seus territórios e às suas vidas.

A degradante reunião de 22 de abril passado é o retrato fiel desse desgoverno, com horas dedicadas a ofender e desrespeitar de maneira abjeta os demais poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentamento da crise econômica ou superação da crise ‘pandêmica’.

A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelecer conexões entre a agenda da sustentabilidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacreditavelmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende. Na ocasião, confessou de público o que pode caracterizar crime de responsabilidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é ‘passar a boiada’ sobre a legislação socioambiental aproveitando o ‘momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID’. Causa indignação e espanto que a proposta não merecesse reprimenda em nome do decoro, nem reparo dos presentes, em defesa da moral e da honra.

Responsáveis durante décadas pela política ambiental desde a redemocratização do país, criamos este Fórum para demonstrar que a polarização e radicalização promovidas pelo governo podem e devem ser respondidas com a união e colaboração entre pessoas de partidos e orientações diferentes fiéis aos valores e princípios da Constituição.

Como ex-ministros do Meio ambiente nossa responsabilidade específica se consubstancia na valorização e preservação do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. Aprendemos, porém, pela dura experiência com o atual governo, que quando a democracia, a liberdade e a Constituição são ameaçadas e/ou violentadas os primeiros valores sacrificados são os relativos ao meio ambiente e aos direitos humanos.

Sem Democracia forte, não haverá sustentabilidade.

Sem sustentabilidade, não haverá futuro para nenhum povo.

Diante do exposto, solicitamos:

  • aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que velem pelo cumprimento efetivo dos princípios constitucionais de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo ‘essencial’ à sadia qualidade de vida assim como pela independência entre os Poderes;
  • aos membros do Congresso Nacional para que, sob a coordenação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, assegurem o controle dos excessos e omissões do Poder Executivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de Projetos de Lei e Medidas Provisórias que fragilizem ou promovam retrocessos na legislação socioambiental;
  • aos Governadores e Prefeitos que, diante da situação criada pela ausência de liderança e ação prejudicial do Presidente da República, sigam firmes no enfrentamento responsável da pandemia usando de todos os recursos disponíveis, garantindo transparência máxima na divulgação dos dados e promovam políticas públicas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável, bloqueando a escalada de destruição de nossos Biomas;

E - ao Procurador-Geral da República, que adote as medidas jurídicas cabíveis de forma firme e tempestiva para barrar iniciativas de estímulo à degradação do meio ambiente, promovidas pelo governo federal, assim como cumpra o compromisso constitucional de examinar com imparcialidade e presteza as denúncias de crimes de responsabilidade potencialmente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente de acordo com representações protocoladas a esta PGR durante a Semana do Meio Ambiente.

Fazemos um apelo em favor de uma urgente união nacional em defesa da Constituição e da edificação de um Brasil à altura das aspirações do povo brasileiro por uma Nação plenamente Democrática, Plural e Sustentável.

Brasília 10 de junho de 2020.

Respeitosamente,
Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Izabella Teixeira, Marina Silva, Rubens Ricupero, Sarney Filho, José Goldemberg”


Merval Pereira: O cão de guarda

É da vigilância cidadã da imprensa que fugia Salles, que já havia mentido ao rejeitar as denúncias de ONGs

A mais explícita prova da importância do jornalismo profissional para a saúde da cidadania quem forneceu foi o ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles no seu pronunciamento na reunião ministerial cuja integralidade a Nação, embasbacada, pôde ver e ouvir semana passada, no desdobramento do processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a denunciada interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.

A bem da verdade, tenho que ressaltar que Salles foi apenas imprudente e, ao fazer o elogio da esperteza a serviço da imoralidade na ação pública, destacou a importância da suposta “tranquilidade” que a vigilância da imprensa dava ao se concentrar na cobertura da Covid-19 para abrir caminhos a medidas que, em tempos normais, encontrariam obstáculos na reação da opinião pública, e dos sistemas Judiciário e Legislativo, alertados pela imprensa.

Disse ele, como se desse instruções a comparsas sobre como bater a carteira dos desavisados: “ (…) pra isso, precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid-19, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento, simplificando normas. (…) Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.

É justamente essa a atribuição da imprensa, fazer com que a Nação saiba os projetos e desígnios do Estado, e possa debatê-los. Era isso, exatamente, que o ministro não queria que acontecesse. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.

Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao Estado moderno, que pressupõe transparência do poder público, e não manobras sub-reptícias que, se precisam da escuridão para serem efetivadas, é porque beneficiam algum setor, e não a sociedade.

É por isso que o papel da imprensa profissional é o de ser o cão de guarda da sociedade, segundo definição clássica do presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson, que dizia que, para cumprir essa missão, a imprensa deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.

A diferença entre figuras como Bolsonaro e Jefferson está não apenas aí, mas também. No sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende da informação. “Uma nação conversando consigo mesma” é a definição de jornalismo do teatrólogo americano Arthur Miller, enquanto para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.

É dessa vigilância cidadã que fugia Ricardo Salles, que já havia mentido oficialmente ao rejeitar as denúncias de ONGs de que o desmatamento da Amazônia estava crescendo muito, depois que justamente ele, aproveitando que o país está preocupado com as vidas que estão sendo ceifadas pela Covid-19, afrouxou as normas de fiscalização na região.

Como demonstrou o ministro do Meio Ambiente, o jornalismo continua sendo um espaço público em torno do qual se forma o consenso para a construção da democracia, e é através dele que a sociedade opina e recebe informações que lhe permitirão tomar posição diante de decisões do governo.

Recentemente, o chefe do Gabinete do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, depois de se queixar da imprensa, disse que o governo tem as redes sociais para defende-lo das críticas. Confundiu militância política e fake news com informação com credibilidade. Assim como Bolsonaro confunde os organismos oficiais de inteligência e informação com seu sistema particular que, por ser clandestino e ilegal, não tem credibilidade. O bom jornalismo depende da credibilidade de quem o faz, e essa credibilidade está posta em xeque pelas milícias digitais a serviço do governo, qualquer governo.


‘Greta ficou maior do que a causa que defende’, critica Sérgio Vellozo Lucas

Em artigo publicado na revista Política Democrática online, psiquiatra diz que boa parte das pessoas age em “efeito manada”

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Tenho as mesmas preocupações que a Greta Thunberg e concordo com boa parte do que ela diz, mas acho que, nesse momento, ela ficou maior do que a causa que defende”. A opinião é do médico psiquiatra Sérgio Vellozo Lucas, em artigo que produziu para a revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundaçao Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

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De acordo com Sérgio Vellozo, a polarização em torno do nome da adolescente oferece “apenas uma pequena greta” do grande debate. “Há mais pessoas que se alinham ou se opõem automaticamente à figura de Greta do que gente preocupada em discutir em profundidade as questões do meio ambiente”, afirma o psiquiatra.

Em 2019, Greta foi eleita a personalidade do ano pela revista Time. No artigo publicado na revista Política Democrática online, Sérgio Vellozo critica a mobilização em torno da menina. “A maior parte das pessoas que opinam nas redes apenas se comporta como gado atrás da manada, seguindo formadores de opinião que na maioria das vezes passaram menos tempo na escola do que a própria Greta, como ironizou Ricky Gervais, na apresentação do Globo de Ouro deste ano”, disse o autor.

Greta, conforme escreve o psiquiatra, “é mais um elemento a nos dividir em bolhas”. “Não há dúvidas que ela é uma menina incomum, pode até ter o potencial para se tornar uma liderança mundial efetiva, mas, por enquanto, é mais um produto da agenda politicamente correta, somada à passionalidade das redes sociais, que deram a ela uma atenção muito maior do que merecia e uma dimensão maior do que possui”, diz ele, em outro trecho.

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Luiz Carlos Azedo: Humanos como nós

“Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço”

Considerado o pai da antropologia estruturalista, o franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908 — 2009), entre 1935 e 1939, dedicou-se a estudar os índios do Brasil Central, base para a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949. Ele rompeu com a ideia de que os índios são apenas índios, porque não concordava com a divisão entre civilizados e selvagens. Lévi-Strauss foi professor da recém-criada Universidade de São Paulo, com sua esposa Dinah Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e realizou pesquisas de campo em Goiás, Mato Grosso e Paraná, que também resultaram no livro Tristes Trópicos (1955). Procurou decifrar as relações entre o ser humano, a natureza e a cultura.

Para o antropólogo, o ser humano se diferencia dos outros animais devido ao uso de símbolos para se comunicar, não importa as particularidades de cada grupo humano. Seu objetivo não era estudar uma sociedade específica, mas identificar o que há nela de universal; por exemplo, sistemas de parentesco e restrições matrimoniais. Graças aos índios, por exemplo, sua compreensão do incesto ultrapassou as explicações biológicas ou morais. A proibição de manter relações sexuais com certas mulheres (como a mãe ou a irmã) e a permissão para tê-las com outras teceram as alianças fundadoras da vida social. O sistema de parentesco é o meio pelo qual se cumpre a transição entre a natureza e a cultura. Explica, por exemplo, como se formou a economia do sertão no Brasil colonial, a partir da miscigenação e do escambo entre os tupis e os portugueses.

Na monumental Mitológicas, de 1960, com mais de 2 mil páginas, Lévi-Straus analisou 813 mitos originários de povos do continente americano, desde os bororos, os jês e os tupi-cavaíbas do Brasil até os hopi, os pueblo, os mohawk e os kwakiutl da América do Norte. No primeiro volume, intitulado O Cru e o Cozido, comparou a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os músicos, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver a distância. O concerto, segundo Lévi-Strauss, iniciou-se há milênios e hoje poucos músicos remanescentes continuam a tocar na orquestra.

Isolamento
No Maranhão, Karapiru, um indígena Awá, é um dos remanescentes da orquestra. Sobreviveu a um ataque de homens armados e, durante dez anos, morou sozinho, se escondendo na floresta. Agora vive com outros Awá, que são caçadores-coletores e nômades em constante movimento. Em Rondônia, outro índio solitário talvez seja o único sobrevivente de uma tribo massacrada por grileiros que ocuparam a região de Tanuro. Vive em fuga e é conhecido como “homem do buraco”, porque escava grandes covas para se esconder e guardar seus alimentos. Desde 1987, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem um departamento dedicado aos povos indígenas isolados, cuja política é fazer contato somente nos casos em que sua sobrevivência está em risco iminente. Em vez disso, a Funai busca demarcar e proteger suas terras de invasores.

Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço. É o caso dos Piripkura, ou o “povo borboleta”, como são chamados pelos “Gaviões”, com quem interagem. Eles falam Tupi-Kawahib, o mesmo tronco linguístico de vários outros povos do Brasil. Os Piripkura eram cerca de 20 pessoas quando a Funai fez o primeiro contato no final da década de 1980. Depois, voltaram para a floresta, e mantêm relações esporádicas com os sertanistas. Somente sobreviverão se suas terras forem protegidas. Há centenas de grupos isolados na Amazônia.

Agora, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, pretende nomear o antropólogo Ricardo Lopes Dias para a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados. Formado pela Faculdade Teológica Sul Americana, atuou por mais de dez anos para a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização que tem por objetivo evangelizar os indígenas. Lopes Dias terá a missão de tornar o índio cada vez mais “um ser humano igual a nós”, para usar a expressão do presidente Jair Bolsonaro.

Voltemos à antropologia, que explica muitas coisas. Papa do estudo das religiões, o escocês Victor Turner (1920 — 1983) também bebeu das águas das sociedades primitivas. Tendo por base os Lunda-Ndembus, na região Noroeste da antiga Rodésia do Norte, atual Zâmbia, entre 1950 e 1954, viveu na aldeia e estudou o papel dos ritos, dos símbolos e das metáforas nos dramas sociais. Nesse período, de tempos em tempos, eclodiram conflitos, nos quais Turner identificou um padrão universal:

Primeiro, uma crise irrompia no cotidiano, expondo as tensões existentes; depois, os envolvidos acionavam suas redes de parentela, relações de vizinhança e amizade, e a crise se ampliava; a seguir, surgia a turma do deixa disso, que buscava a conciliação e soluções em rituais coletivos; finalmente, havia um rearranjo e as posições e relações eram redefinidas, ou não se chegava a um acordo e a cisão se tornava inevitável, seguindo a clivagem de parentesco e suas alianças, o que daria origem a uma nova aldeia. Qualquer semelhança com o que também acontece nas religiões e na política não é mera coincidência.

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Luiz Carlos Azedo: Entre dois polos

“A China continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos EUA para defender nosso parque produtivo no novo cenário global”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos, que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.

“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e o crescimento global.

Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5 bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano; US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões, no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$ 25,1 bilhões, no segundo ano.

O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental. Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem estratégica em termos logísticos.

Rota do Pacífico
No seu livro Sobre a China, o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger já apontava o deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico e advertia sobre os riscos da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Dizia que, no século passado, houve duas guerras mundiais por causa da disputa entre a Inglaterra, uma potência marítima, e a Alemanha, uma potência continental, pelo controle do comércio no Atlântico. A grande questão, agora, é como essa disputa entre a maior potência marítima do planeta, os Estados Unidos, e a maior potência continental, a China, vai se resolver.

A grande contribuição do livro de Kissinger quanto a isso é seu esforço no sentido de construir pontes diplomáticas do Ocidente com a China, a partir de sua própria experiência, pois foi o grande artífice da reaproximação entre os dois países em plena guerra fria. A conduta chinesa nos âmbitos dos direitos humanos e de seu “imperialismo” regional sempre foi alvo de ataques por parte dos países ocidentais, a partir da aproximação entre os dois países houve uma mudança de eixo de percepção do Ocidente sobre os chineses, que deram uma guinada econômica em direção ao capitalismo excepcionalmente bem-sucedida, a ponto de a percepção da opinião pública mundial mudar completamente em relação aos chineses. No lugar da imagem dos guardas vermelhos da Revolução Cultural de Mao Tse Tung, surgiram os grandes grupos de turistas ávidos pelo consumo da cultura ocidental, com suas roupas, bolsas e tênis de marcas, além de smartphones de última geração.

Entretanto, ninguém se iluda, o regime político continua sendo uma ditadura do Partido Comunista, o status autônomo de Hong Kong não será restabelecido e a China tornou-se uma potência econômica com crescente projeção militar sobre o Pacífico, o Índico e a costa africana do Atlântico Sul. No caso do Brasil, continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos Estados Unidos para defender nosso parque produtivo nesse novo cenário criado pelo acordo.

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El País: HRW cobra de Moro inclusão da Amazônia nas políticas de combate ao crime organizado

Relatório anual da ONG internacional afirma que política ambiental de Bolsonaro deu “carta branca” às redes criminosas que atuam na destruição da floresta e pede sua inclusão nas políticas de segurança

Amazônia protagonizou uma das maiores tragédias ambientais no ano passado. Cenário histórico de disputas de terra —seja para a extração ilegal de madeira ou grilagem—, a região viu seus conflitos se agravarem no último ano e ardeu em incêndios criminosos. Com o desmatamento (que aumentou em mais de 80% entre janeiro e outubro de 2019 em relação ao mesmo período de 2018), cresceu também a violência contra os defensores da floresta. Ao menos 160 casos de extração ilegal de madeira, invasões e outras infrações foram contabilizados nos territórios indígenas entre janeiro e setembro do ano passado. Essa conjuntura colocou a Amazônia em destaque no 30º relatório mundial da Human Rights Watch (HRW), ONG internacional que atua em defesa aos direitos humanos. Embora o Brasil já fosse considerado o país mais perigoso do mundo para ambientalistas antes de o presidente Jair Bolsonaro assumir o poder, a entidade afirma em seu texto, publicado nesta terça-feira, que a atual política ambiental brasileira dá “carta branca” às redes criminosas que atuam na região e requer que o problema não seja tratado apenas no âmbito ambiental. Para isso, pressiona o ministro de Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, a incluir a crise da Amazônia nas políticas prioritárias de sua pasta.

O relatório, que revisa anualmente as práticas de direitos humanos em mais de 100 países, também confirma uma preocupação apresentada no informe do ano passado com relação ao aumento de mortes por policiais no Brasil, após novo recorde no Rio de Janeiro. A HRW define a agenda do primeiro ano do Governo Bolsonaro como “contrária aos direitos humanos” pela adoção de uma série de medidas que colocam em risco populações vulneráveis, em especial os indígenas. Em um contexto de aumento da degradação na Amazônia e de debilidade na fiscalização ambiental, a entidade destaca que redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal estão não apenas destruindo a floresta, mas ameaçando e atacando os que a defendem, inclusive chegando a assassiná-los. Por isso, pede respostas enérgicas em políticas de segurança na região ao Governo Federal. "O ministro Sergio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia”, justifica a diretora do escritório do Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu. A HRW afirma que tem encontro marcado com Moro e com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para discutir como combater a criminalidade na Amazônia.

A entidade critica o presidente Bolsonaro por sugerir que não cumprirá os compromissos do país com a emergência climática, além de, internamente, enfraquecer as agências ambientais, reduzir orçamentos para a área e restringir a capacidade dos fiscais ambientais de atuarem em campo. O relatório aponta que o número de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama, por exemplo, caiu em 25% entre janeiro e setembro de 2019 comparado ao mesmo período de 2018. E que as audiências de conciliação pactadas em outubro para todos os processos administrativos por infrações das leis ambientais não estão sendo realizadas, conforme resposta do próprio Governo à ONG por meio da Lei Geral de Acesso à Informação. Sem as audiências, o prazo para pagamento das multas ambientais, assim como todos os processos administrativos contra pessoas ou empresas que praticaram infrações, ficam suspensos. “O ataque do presidente Bolsonaro às agências de fiscalização ambiental está colocando em risco a Amazônia e aqueles que a defendem”, afirma Maria Laura Canineu. Em novembro e dezembro do ano passado, três indígenas foram assassinados. Além disso, dados do Inpe apontam que o crescimento do desmatamento tem sido constante. No último mês de dezembro, cresceu 183% em comparação ao mesmo mês do ano anterior, conforme apontam dados do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real).

Novos recordes de má conduta policial

As questões relacionadas à liberdade de expressão, à violência policial e à violência de gênero foram outros destaques negativos desta edição do relatório. Sob o argumento de que os criminosos deveriam “morrer na rua igual a baratas”, Bolsonaro enviou ao Congresso o pacote anticrime, que ficou conhecido como uma espécie de licença para matar por permitir o excludente de ilicitude, que consideraria automaticamente determinadas mortes causadas por policiais e militares em serviço como atos de legítima defesa. Essa retórica, já usada pelo presidente desde a campanha eleitoral, havia sido considerada no relatório anterior da HRW, que anunciava preocupação de que a violência policial crescesse no país diante do que considerava uma “carta branca” do presidente.

Um discurso semelhante foi adotado pelo governador Wilson Witzel no Rio de Janeiro, que entre janeiro e novembro de 2019 contabilizou 1.686 mortes por policiais, um novo recorde para o Estado. O número é maior do que o registrado no mesmo período de 2018, quando o Rio de Janeiro esteve quase todo o ano sob intervenção militar. Os dados de mortes por policiais em São Paulo também chamam atenção da ONG internacional: houve um aumento de 8% de janeiro a setembro de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior. Esses números incluem tanto as mortes em legítima defesa quanto àquelas decorrentes do uso da força. Fora do eixo Rio-São Paulo, as cifras também não são otimistas. Em 2018, as mortes cometidas por policiais aumentaram 20% e atingiram 6.220 óbitos no país, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Os abusos policiais dificultam o combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes”, alerta a entidade.

O relatório também dá destaque ao não cumprimento da determinação do Supremo Tribunal Federal de conceder prisão domiciliar a mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de crianças ou adultos com deficiência, presas preventivamente por crimes não violentos, exceto em situações “excepcionalíssimas”. Apesar de 5.100 detentas estarem aptas para progredir à prisão domiciliar, 310 delas grávidas, elas ainda aguardam julgamento atrás das grades. Outro problema apontado pela ONG é que, embora o Conselho Nacional de Justiça tenha determinado em 2016 que todos os detidos tivessem uma audiência em um prazo de até 24 horas para avaliar se deveriam continuar presos, até setembro de 2019 pelo menos sete estados não realizavam as audiências de custódia em todo o seu território. Isso faz com que os presos precisem esperar meses na prisão antes de ver o juiz e ter sua situação avaliada, contribuindo também para um problema grave no Brasil, a superlotação dos presídios.

Na esteira desses problemas, ainda está a precarização da política de combate à tortura no Brasil, um ponto que também foi evidenciado pela HRW. Em junho do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro exonerou todos os onze cargos de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão responsável por fiscalizar abusos nos presídios brasileiros. A Procuradoria Geral da República declarou que o decreto de Bolsonaro violava direitos fundamentais e solicitou ao Supremo Tribunal Federal que declarasse sua inconstitucionalidade. Um juiz federal suspendeu liminarmente o decreto que exonera os peritos do Mecanismo no último mês de agosto.


El País: 'Se não resolvermos a pobreza, não haverá preocupação com o meio ambiente', diz Ricardo Salles

Em viagem para a Cúpula do Clima, na Espanha, ministro do Meio Ambiente espera conseguir mais financiamento para a conservação da Amazônia

O aumento da superfície queimada na Amazônia neste ano, um total de 9.700 quilômetros quadrados —30% a mais que em 2018, um recorde em 11 anos— motivou críticas em todo o mundo sobre a política ambiental do Governo Jair Bolsonaro. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que está em Madri para participar da COP25, a Cúpula do Clima, diz considerar que o desmatamento não terminará se não houver um desenvolvimento sustentável na região, em que vivem 20 milhões de brasileiros, que precisam de alternativas de sobrevivência. Para tanto pede investimentos e que a Europa libere a compra dos direitos de emissão de carbono.

Salles afirma também que vai respeitar as decisões dos povos indígenas —o centro da luta pela floresta—, mas não de grupos que decidam em nome deles, como ele diz que tem ocorrido.

Pergunta. O senhor acredita na mudança climática?
Resposta. Sim. Não há dúvida de que existe.

P. O desmatamento da Amazônia cresceu 30% no último ano. Como aconteceu algo assim?
R. O Brasil é um país que possui mais de 80% da floresta amazônica protegida e a consideramos um tesouro. O aumento do desmatamento começou em 2012. Temos que encontrar a origem, que está entre outras razões, na falta de desenvolvimento econômico sustentável para os mais de 20 milhões de brasileiros que vivem lá. Que tenham uma alternativa e que avaliem então a conservação da Amazônia. Quando o desmatamento diminuir, os pontos de incêndio se reduzirão.

P. Quem está por trás do desmatamento?
R. Por um lado, existe uma pressão de pequenos proprietários agropecuários, que cultivam pequenas parcelas e abrem novas áreas para produzir para eles mesmos. Em segundo lugar, existe a mineração, que continua sem ter regulamentação, e em terceiro, o mercado de madeira.

P. Qual o papel dos indígenas na proteção da Amazônia?
R. Os indígenas representam 1% da população e contam com 14% do território, quantidade de terra suficiente para eles e o Governo respeitará suas decisões. O que aconteceu até agora é que outros que não eram indígenas decidiram por eles.

P. Quem são esses outros?
R. Tem de tudo, representantes políticos, organizações civis, religiosas..., gente que se coloca à frente dos indígenas dizendo o que eles querem.

P. Todos os seus antecessores o acusam de desmantelar a política ambiental.
R. Isso não é verdade. As pessoas construíram uma narrativa que acusa o Governo de não respeitar o meio ambiente. Mas a realidade é que gastamos muitíssimo dinheiro em coisas que não deram resultado. Queremos que o resultado de cada recurso público ou privado investido seja medido e isso muda o comportamento.

P. A essas críticas se juntaram muitos Governos do mundo.
R. É importante dar as informações corretas. O aumento do desmatamento aconteceu nos últimos sete anos e isso não mudou no último ano. Além disso, é um terço dos 27.000 quilômetros quadrados que foram queimados entre 2004 e 2005. O que deve ser levado em conta é que as pessoas que vivem na Amazônia têm a maior quantidade de recursos naturais e, ao mesmo tempo, são as mais pobres de todo o país. Se não resolvermos a questão da pobreza, não haverá preocupação com a questão do meio ambiente. Esse é o maior inimigo do meio ambiente.

P. Quais medidas o seu Governo tomou para reduzir o desmatamento?
R. Em primeiro lugar, se propõe resolver a falta de segurança legal pela regularização dos certificados de propriedade. Sem isso é impossível responsabilizar as pessoas. Em segundo lugar, é importante desenvolver o plano de ocupação territorial da Amazônia para organizar a ocupação e o uso da terra. Também propomos o pagamento pelos serviços ambientais prestados pela floresta, não apenas para a população brasileira, mas para o mundo inteiro. Se se reconhece que a Amazônia tem um papel importante, é necessário um apoio financeiro considerável para apoiar a conservação. Por último, apostamos na bioeconomia, com investimentos dos mercados de cosméticos, de medicamentos ou da indústria de transformação de alimentos. Negócios que gerem oportunidades de emprego para que as pessoas que vivem aqui possam fazê-lo de maneira sustentável. Enquanto esses pontos são implementados, temos toda uma estratégia de controle, com fiscalização da polícia e das Forças Armadas. Mas só isso não é suficiente.

P. O que o senhor espera da COP?
R. É o momento de facilitar o comércio de carbono. A Europa fechou seu mercado e não permite a compra de créditos de carbono de outros países, inclusive da floresta amazônica; dessa maneira estão cortando as linhas de financiamento e os próprios europeus pagam um preço mais alto. Não é uma boa alternativa.

P. Existem dúvidas sobre a confiabilidade dos projetos que geram direitos de emissão no Brasil.
R. Eles são auditados por entidades públicas estrangeiras e têm total credibilidade.

P. O Brasil pede financiamento, mas o fundo da Amazônia (instrumento financiado pela Noruega e pela Alemanha para recompensar a redução do desmatamento) está paralisado e o Governo rejeitou o dinheiro oferecido pelo G7 no verão.
R. São assuntos diferentes. Uma coisa é o que foi prometido no Acordo de Paris, 100 bilhões de dólares para a luta contra a mudança climática, uma quantidade de dinheiro quase 100 vezes maior do que o que o fundo da Amazônia aporta em 10 anos. Também é um dinheiro é muito bem-vindo, mas é preciso respeitar a estratégia do Governo brasileiro, que é converter esses fundos em resultados concretos, que possam ser vistos.

P. Isso significa que o Governo quer aumentar o controle sobre esses investimentos?
R. Não necessariamente, mas saber como são implementados. Esses recursos serão investidos em ações, em estratégias. Até agora o Governo estava muito pouco envolvido com o destino desse dinheiro e, portanto, a estratégia pública tinha pouco a ver com esses recursos.

P. Na semana passada seu presidente acusou o ator Leonardo DiCaprio de “incendiar a Amazônia” com suas doações. Ele negou. O Governo tem alguma prova disso?
R. A investigação policial no Estado do Pará apontou que havia uma relação entre pessoas que lidam com organizações internacionais e a origem desses recursos. O que o presidente fez foi repetir o que já havia sido dito. Agora estamos aguardando o fim da investigação e que se tenha uma conclusão.

P. Quatro voluntários da Brigada de Incêndio de Alter do Chão foram presos na semana passada acusados de provocar incêndios. São os únicos presos?
R. Neste caso específico, ninguém mais está preso, mas outras investigações estão em andamento.

P. Existe um confronto com ONGs?
R. O que existe é a necessidade de usar os recursos com transparência, objetividade e resultados e todos devem se submeter a isso.