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Vinicius Torres Freire: Baderna no Ambiente e no Renda Brasil são sintomas de que país afunda na vala

Brasil vai cair no buracão, pois verba de investimento míngua a cada ano; dinheiro para obra nova praticamente não há

O vice-presidente Hamilton Mourão disse, em outras palavras, que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) mente ou é incapaz de ler uma planilha do governo. É mais um sintoma da baderna do governo e um exemplo da mixórdia orçamentária, que vão levando o país para o buraco.

Na sexta-feira (28), Salles anunciara o cancelamento dos trabalhos restantes de combate à destruição da Amazônia. Teria sido informado pelo Ministério da Economia de que os ministros-generais do Planalto haviam decidido que ele perdera a verba para apagar incêndios. Mourão disse que não era nada disso, que o ministro criara caso à toa e que mandara Salles pensar no que havia feito, não se sabe se ajoelhando no milho.

Essa turumbamba se deve a uma disputa por R$ 60,7 milhões, a verba que, sabe-se lá, teria sido tirada do Meio Ambiente. Esse dinheiro equivale a 0,004% do Orçamento de R$ 1,48 trilhão do governo federal (excluídos os gastos extraordinários com a pandemia).

Salles foi uma brasinha soprada pelo esquecido Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo. Um dia expoente do Partido Novo, o ministro espalhou-se como um incêndio no Ambiente de Jair Bolsonaro. Generais do Planalto e Mourão, que tutela Salles desde janeiro, querem apagar o fogo dele.

O motivo fundamental da confusão nem é esse. O sururu se deve à falta geral de dinheiro e do desejo de Jair Bolsonaro de criar um Bolsa Família Verde-Amarelo. Assim indicou Mourão, ao tentar explicar de onde teria saído a ideia de que houvera corte no Ambiente. “O governo está buscando recursos para poder pagar o auxílio emergencial, é isso que eu estou chegando à conclusão”, disse o vice-presidente.

Foi o segundo pito ministerial da semana. Bolsonaro passara um sabão público em Paulo Guedes por causa do Renda Brasil. Também na sexta, o ministro da Economia disse, meio brincando, que a bronca bolsonariana foi “um carrinho”, jogada perigosa, quase “dentro da área” (se fosse pênalti, era cartão vermelho?).

Em suma, não há dinheiro para bancar políticas públicas, caso existissem, ou para a política assistencial de Bolsonaro. Todo o mundo deve se lembrar daquelas cenas de estradas interrompidas por crateras, abertas pelos aguaceiros das chuvas de verão. Os temporais vão levar rodovias, e a coisa pode ficar assim, caindo aos pedaços, assim como em hospital, na universidade e na ciência.

O Brasil vai cair no buracão, pois a verba de investimento (em obras, equipamentos etc.) míngua a cada ano. Dinheiro para obra nova praticamente não há.

O investimento, com R$ 43 bilhões previstos para 2020, fica com apenas 2,9% do Orçamento. As maiores obras levam apenas R$ 300 milhões cada uma; 17% do investimento é despesa militar (avião, submarino etc.).

Quase todo o gasto federal vai para benefícios previdenciários, assistenciais e salários. Mas, mesmo com cortes aí, não haverá dinheiro bastante para investimento, ainda menos se houver um Renda Brasil gordo.

O establishment não quer tributar e gastar mais (reformar o teto).

Os reformistas liberais dizem que sobra capital privado no mundo (verdade); que, com boa regulação e bons projetos, haveria dinheiro privado para investimento (mesmo para aqueles com retorno social alto e retorno privado baixo?), que não se precisa do Estado.

Mas o partido reformista está no poder desde 2016 e não fez nada disto: nem bons projetos, nem nova regulação, nem abertura comercial, nem outros liberalismos. Sua grande obra, no momento, é escorar o governo de baderna desaforada de Jair Bolsonaro.


Míriam Leitão: Escolhas trágicas na economia

O tumulto da sexta-feira com o afastamento do governador Wilson Witzel ajudou a afastar a atenção da área econômica, que vivia o constrangimento de um ultimato dado pelo presidente para ter em mãos o novo Renda Brasil. Foi mais uma semana ruim para o ministro Paulo Guedes. No mercado, a dúvida sobre a sua permanência; no Ministério, a corrida atrás do dinheiro para cumprir outra ordem do presidente: ter recursos para as obras dos ministros Tarcísio Freitas e Rogério Marinho. Por isso a verba do combate ao desmatamento e aos incêndios quase foi usada para outros fins.

A pasta do Meio Ambiente, como se sabe, é ocupada por um inimigo do meio ambiente. É do seu feitio sabotar as ações dos órgãos de fiscalização, ou não dar os meios para que as missões se realizem. O Ministério da Economia conseguiu fazer Ricardo Salles parecer um ambientalista. Na sexta-feira, o MMA comunicou que estava suspendendo 100% das ações porque o dinheiro do Ministério fora congelado. Com o susto, o orçamento foi descongelado, e restou ao vice-presidente dizer que Salles havia se precipitado.

Os dias têm sido pesados na área ambiental. Estudos mostram o avanço do desmatamento, e o efeito da queimada na saúde humana. O movimento das empresas e bancos contra essa deterioração tem crescido. No exterior, as notícias confirmam os temores dos investidores. O vice-presidente Hamilton Mourão vinha ouvindo com atenção os empresários, executivos, banqueiros e administradores de fundos. Mas mostrou na quinta-feira que, se ouviu, não entendeu. Segundo ele, os 24 mil focos de incêndio em um mês na Amazônia são “agulha no palheiro”. A notícia de que o Brasil tiraria a verba do combate ao desmatamento e incêndio seria arrasadora.

Há outro complicador. O dinheiro do Fundo Amazônia não está sendo utilizado, mesmo quando há disponibilidade e projeto, por causa do teto de gastos. Lá estão parados hoje R$ 200 milhões, de acordo com o site oficial. O Fundo não consegue executar os projetos contratados e com recursos porque a despesa bate no teto. O dinheiro do MMA quase foi tirado para atender às ordens do presidente que nunca se importou com o futuro da floresta. Ao mesmo tempo, os recursos de um fundo formado por doações de outros países, mesmo quando há projetos aprovados, não podem ser usados. As autoridades já foram avisadas pelo BNDES e pelos doadores, mas não tomaram qualquer providência.

Não faz sentido que o dinheiro de fora do orçamento tenha que enfrentar esse impedimento. “O ente executor, seja o Ibama ou o Ministério da Justiça, em operações de comando e controle, fica no dilema: usar os recursos do Fundo e bater no teto, ou usar recursos próprios e não conseguir utilizar o dinheiro do fundo”, me contou um funcionário que acompanha a kafkiana situação em que a área ambiental está, e da qual estão a par todas as autoridades, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão.

Na Economia, esta foi a semana de anunciar um outro enorme rombo nas contas públicas, de R$ 87 bilhões em julho. Nos sete meses, o buraco é de R$ 505,2 bilhões. O ministro Paulo Guedes tem que administrar esse mar vermelho e ainda engolir os ataques do presidente Jair Bolsonaro. A crítica ao seu projeto foi feita pelo presidente no religamento de um alto-forno da Usiminas, em ato público e demagógico, quando poderia ter sido dita diretamente ao próprio ministro e à sua equipe. Todo mundo entendeu como um ato de fritura que de fato foi. Mas numa reunião do Instituto Aço Brasil, Paulo Guedes mostrou que do presidente tudo suporta.

– Eu falei para o presidente: carrinho fora da área não dá. Se fosse na área era pênalti.

Em rápida passagem pelos microfones da imprensa, Guedes repetiu as palavras do presidente, de que “R$ 200 é pouco”. Mas foi esse o número que a equipe econômica havia apresentado, tanto na primeira versão do auxílio emergencial quanto no valor que cabia no orçamento para o Renda Brasil.

Segundo Guedes, “é perfeitamente legítimo” o presidente querer outro valor. Querer pode. O problema é que há limites fiscais, e cabe ao ministro apresentá-los ao governo. Em vez de conter o ímpeto gastador dos colegas que ele alcunhou de “fura-teto”, o ministro Paulo Guedes mandou a equipe sair procurando dinheiro em outras áreas. Os recursos da proteção da Amazônia quase foram vítimas das escolhas trágicas do Ministério da Economia.


Situação da Amazônia pode contaminar relação entre Brasil e EUA, diz Rubens Barbosa

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, embaixador analisa reflexos de possível eleição de Joe Biden

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Diante de uma provável vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata. “O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Trump seja derrotado”, analisa o presidente do Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior), o embaixador Rubens Barbosa, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de agosto.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de agosto!

A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da instituição. De acordo com Barbosa, “o tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais”.

No artigo publicado na revista Política Democrática Online, o embaixador diz que o Brasil vai ter de decidir se fará uma opção, evitada pela maioria dos países europeus e asiáticos, por um dos lados ou se preferirá permanecer equidistante nessa disputa.

Barbosa também questiona: “Eventual oposição à tecnologia chinesa no 5G e apoio à proposta dos EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre a participação apenas de países de economia de mercado – o que excluiria a China – indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado. Os EUA convencerão o Brasil a ficar contra a China?”.

De acordo com o presidente do Irice, levando em conta que a disputa entre as duas potências está apenas começando e durará por muitas décadas, manter-se equidistante parece ser a melhor atitude na defesa do interesse nacional.

O alinhamento com os EUA, segundo Barbosa, nem sempre explicitado nas relações bilaterais, torna-se automático quando se trata de votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde) e OMC.

“Em muitos casos, o Brasil fica isolado com EUA e Israel e, na questão de costumes, apenas com países conservadores (Arábia Saudita, Líbia, Congo, Afeganistão)”, escreve o autor. “O tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais.

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O Estado de S. Paulo: Retomada verde pode evitar metade do aquecimento global previsto até 2050

Se é preciso recuperar economias, que isso seja feito de modo a tornar as sociedades mais resilientes à mudança do clima, defendem os especialistas

Giovana Girardi, O Estado de S.Paulo

No auge da pandemia de covid-19, um meme das redes sociais fazia um alerta de que os trágicos impactos do coronavírus são só a primeira onda a nos atingir. Na ilustração, logo atrás vinha uma segunda onda maior, da recessão, e depois dela, uma maior ainda, das mudanças climáticas.

Não era uma brincadeira. Cientistas afirmam que os danos da pandemia e da crise econômica são só uma fração do que se pode esperar das mudanças climáticas que já estão em curso – essa sim considerada a mãe de todas as crises. 

Mas se há alguma boa notícia nesse cenário é que as três crises podem ser enfrentadas de modo interligado. Se é preciso recuperar economias, que isso seja feito de modo a tornar as sociedades mais resilientes à mudança do clima, defendem os especialistas, o que de quebra pode torná-las também mais preparadas para eventuais novas pandemias.

Não é à toa que as mudanças climáticas são o principal motor por trás do movimento de retomada verde em todo mundo. O conceito prevê que os necessários novos investimentos sejam direcionados para setores que dialogam com as políticas de combate ao aquecimento global e para empreendimentos sustentáveis com baixo impacto socioambiental. 

Um estudo publicado no início do mês na revista Nature Climate Change – que analisou como a paralisação da economia por causa das políticas de isolamento e quarentena reduziu temporariamente as emissões globais de gases de efeito e de poluentes  –, projetou que incluir medidas de políticas climáticas como parte da recuperação econômica pode trazer resultados mais permanentes e de fato desacelerar o aquecimento do planeta.

O trabalho, liderado por pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido, comparou um cenário em que a recuperação econômica seja feita com base nos mesmos níveis atuais de investimento em combustíveis fósseis com outro em que haja fortes estímulos verdes e redução de carbono. 

No primeiro, calcula o grupo, o aquecimento médio do planeta provavelmente vai exceder 1,5°C já em 2050, na comparação com a temperatura pré-Revolução Industrial. Já no segundo, seria possível evitar um aquecimento de 0,3°C até aquele ano. Como o planeta já está cerca de 1°C mais quente, os cientistas indicam que há um potencial de reduzir pela metade o nível de aquecimento nos próximos 30 anos.

“As escolhas feitas agora podem nos dar uma grande chance de evitar 0,3˚C de aquecimento adicional até meados do século, reduzindo pela metade o aquecimento esperado com as políticas atuais. Isso pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso quando se trata de evitar mudanças climáticas perigosas”, afirmou Piers Forster, principal autor do trabalho.

O trabalho destaca medidas como incentivo a veículos de baixa emissão, transporte público e ciclovias. “A melhor qualidade do ar terá efeitos importantes na saúde – e começará a esfriar o clima imediatamente”, complementa Forster.

Não deixar o aquecimento do planeta superar 1,5°C é um marco dos esforços mundiais de combater as mudanças climáticas. Mas o plano é segurar esse aumento da temperatura até o fim do século. Este é o objetivo estabelecido pelo Acordo de Paris, compromisso estabelecido por quase 200 países, por ser considerado o mais seguro para evitar impactos mais dramáticos à vida no planeta. 

Reduzir emissões e gerar empregos

Algumas pesquisas já mostram vantagens também para o Brasil. Um estudo publicado em meados de agosto pelo WRI Brasil e a aliança global New Climate Economy calculou que adotar princípios de retomada verde em ações de infraestrutura, inovação industrial e no agronegócio podem reduzir 42% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil até 2025, na comparação com o que era emitido em 2005. E ainda gerar 2 milhões de empregos, além de acrescentar R$ 2,8 trilhões ao PIB.

Essa redução de emissões é mais até do que o País prometeu fazer no Acordo de Paris, que é cortar as emissões em 37% até aquele ano.

Para chegar a isso, indica o estudo “Uma Nova Economia para uma Nova Era”, é preciso avançar na implementação de veículos elétricos ou híbridos, ter maior eficiência do setor de construção, mais energias renováveis e uso de materiais de baixo carbono e uma agropecuária de maior produtividade. Além de também investir em restauração florestal e reduzir as pressões de desmatamento ilegal. 

Hoje, a devastação da Amazônia é a principal fonte no Brasil de emissões de gases que provocam o aquecimento global. Para reduzir sua contribuição ao problema, o País se comprometeu, no âmbito do Acordo de Paris, a zerar o desmatamento ilegal até 2030, além de adotar uma série de outras medidas que possam reduzir suas emissões.

Um grupo de pesquisadores ligados ao Instituto ClimaInfo, ao Observatório do Clima e ao GT Infraestrutura elaborou uma análise de como algumas das metas nacionais, assim como outras ações relacionadas com uma retomada verde inclusiva, podem ser uma resposta à crise econômica legada pela pandemia e à crise climática.

O trabalho, que será lançado em um webinar na próxima quinta-feira, 3, foi passado com exclusividade ao Estadão. O grupo calcula que medidas como restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 geraria 250 mil postos de trabalho. 

Também são particularmente boas fontes de emprego as metas de aumentar a eficiência energética e a presença de fonte solar na nossa matriz energética. “Alcançar 10% de ganhos de eficiência energética no setor elétrico até 2030 exige um investimento anual da ordem de R$12 bilhões até 2030 que, por sua vez, geram 408 mil empregos nos próximos dez anos”, aponta o grupo em relatório que será divulgado junto com o webinar.

Ainda em energia, eles citam um cálculo da Absolar, que representa o setor de fonte fotovoltaica no Brasil. A entidade calcula que a cada megawatt de energia solar instalada no Brasil são gerados 30 empregos, contra 2,6 empregos de grandes hidrelétricas, como Belo Monte, e menos de 1 emprego em termelétricas a gás. Empregos verdes também tendem a ser mais bem remunerados.

Outra possibilidade nesse setor, defende o grupo, é instalar placas solares em residências. Além de ser uma fonte mais limpa, o trabalho calcula que investir R$ 1,05 milhão no período de três meses em energia solar distribuída permite instalar sistemas fotovoltaicos completos em mais de 260 mil residências de baixa renda, criando 6.300 empregos no curto prazo. 

“Priorizar investimentos em alguns setores-chave gera empregos, crescimento econômico e melhora da qualidade de vida da população, além de reduzir as emissões dos gases responsáveis pela crise climática”, escrevem os autores. Eles buscaram identificar ações que podem começar a ser implementadas já no curto prazo. E que impactem a maioria.

A proposta, explica o físico Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do ClimaInfo, é que os recursos públicos que já estão sendo liberados para recuperar a economia e empregos não sejam direcionados apenas para algumas empresas e setores. “Em vez de dar dinheiro para salvar atividades econômicas que nos trouxeram à atual situação, a ideia é poder salvar as pessoas e ainda ter benefício climático”, afirma o coordenador do trabalho.

O documento cita, como exemplo, o setor de resíduos: “Menos da metade do que é gasto atualmente com a coleta de resíduos sólidos, algo entre um ou dois bilhões de reais, seriam suficientes para organizar meio milhão de catadores a mais em cooperativas. Os novos catadores representam cerca de 7% do número de desempregados no país e significam maior movimentação na economia local”.

Considerando mais uma vez a interface com a crise sanitária da pandemia de covid-19, o trabalho também recomenda investimentos em saneamento. Um dos fatores crueis que mais contribuiu para a disseminação da covid em populações de baixa renda foi a impossibilidade de elas fazerem a higienização adequada para barrar o coronavírus.

Os pesquisadores lembram as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), que prevê investimentos da ordem de R$ 30 bilhões por ano. “Como cada bilhão investido em saneamento gera 10 mil empregos apenas em obras, cumprir a meta do Plansab gera 300 mil empregos ainda este ano”, escrevem. 

Impactos atuais e futuros

O tamanho do impacto climático está diretamente relacionado ao quanto vamos deixar o planeta aquecer ao longo dos próximos. Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado há dois anos apontou que 0,5°C a mais já pode fazer uma grande diferença. 

Se o planeta aquecer 1,5°C até o fim do século, os impactos já existem, mas ainda são relativamente manejáveis. Se o aumento for de 2°C, a situação já fica mais dramática. Veja infográfico que mostra diferentes cenários conforme o aquecimento.

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Diversos efeitos já são sentidos em todo o mundo, como o aumento da ocorrência de eventos extremos Foto: Infografia/Estadão

Recuperar a economia pós-pandemia é a oportunidade para deixar a sociedade mais resiliente, tanto para ser capaz de combater as mudanças climáticas quanto para lidar com o que seja inevitável delas.

Isso porque ela pode atingir praticamente todos os aspectos da nossa vida e os vários setores da economia. Um clima mais quente, por exemplo, pode levar a secas e enchentes mais extremas, que podem afetar a produção de energia e a agricultura, a segurança hídrica e a alimentar. 

São esperadas grandes migrações humanas a partir de locais que vão se tornar inadequadas para a vida. Doenças transmitidas por mosquitos podem mudar sua área de distribuição e o próprio aumento da temperatura pode levar a mortes em situações de ondas de calor.

Um estudo recente de economistas norte-americanos estimou que se não forem adotadas medidas para conter as emissões de gases que aquecem o planeta, as taxas globais de mortalidade por causa do calor poderão chegar a 73 mortes por cada 100 mil pessoas até 2100. O número supera o total anual de mortes causadas por todas as doenças infecciosas no mundo, incluindo tuberculoseHIV/Aidsmaláriadengue e febre amarela.

Com o aquecimento que temos hoje, diversos efeitos já são sentidos em todo o mundo, como o aumento da ocorrência de eventos extremos. Um trabalho divulgado recentemente pelo climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), revelou que chuvas intensas concentradas em poucos dias, separadas por longos períodos de seca estão sendo cada vez mais frequentes na Região Metropolitana de São Paulo. 

Analisando ocorrências dos últimos 60 anos, Marengo e equipe observaram que situações que levam a deslizamentos, inundações repentinas ou secas vêm aumentando, assim como os seus impactos socioeconômico e ambientais.

Na semana passada, a Nasa divulgou que o derretimento da Groenlândia atingiu níveis recordes em 2019. Foram 532 bilhões de toneladas de massa perdidas, o maior volume desde 1948, quando começaram os registros. “Isso é água suficiente para elevar o nível médio do mar em 1,5 mm, o que é como cobrir toda a Califórnia em mais de 1,2 m de água”, afirmou a agência espacial norte-americana.

“Os mais vulneráveis são sempre os que estão perdendo, os primeiros a morrer. Na covid, vimos esse número de mortos, que é um horror. Mas quem trabalha com clima sabe que com as mudanças climáticas o número de mortes vai ser muito maior, infelizmente”, resumiu Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, em live realizada no Estadão na última segunda-feira.

“Vai ser com muito mais dor e quem vai estar na frente dessas mortes novamente são os negros, os que moram em periferia, os que estão mais vulneráveis em termos de pobreza. Então tanto a política de segurança pública, a de saúde, e a de clima, mostram que o tema da desigualdade é absolutamente fundamental. Promover resiliência, a adaptação nas cidades vai ser fundamental para a agenda climática brasileira”, alerta a economista e cientista política. 


Bernardo Mello Franco: O voo do garimpo nas asas da FAB

Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado, decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.

A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956. Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.

Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para Brasília com sete garimpeiros a bordo.

“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de cumplicidade do governo”, acrescenta.

Na véspera do voo para Brasília, os garimpeiros se reuniram com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, o governo suspendeu a Operação Verde Brasil 2, que deveria reprimir os crimes ambientais na Amazônia.

Em ofício ao MPF, o Ministério da Defesa afirmou que a Aeronáutica transportou “lideranças indígenas” para “tratativas com o Ministério do Meio Ambiente”. A versão é contestada por associações que representam os munduruku. As entidades afirmam que o cacique-geral da etnia não autorizou a viagem e que o grupo não fala em nome dos povos locais.

“Os passageiros do voo não eram líderes indígenas, eram garimpeiros. Os índios estão frustrados com o fracasso da operação. Muitos deles já sofreram ameaças de morte”, conta o procurador Oliveira. Ele afirma que os donos das máquinas são brancos e aliciam parte dos locais com a distribuição de dinheiro e de cestas básicas.

O clima na região é tenso. Há duas semanas, a Polícia Federal apreendeu veículos e computadores usados pelos mineradores. Agentes do Ibama chegaram a destruir equipamentos da quadrilha. Em represália, garimpeiros ameaçaram derrubar um helicóptero usado pelos fiscais.

“Estamos falando de uma milícia que cooptou indígenas e se sente estimulada pelo governo”, diz o ambientalista Danicley de Aguiar, do Greenpeace. “O garimpo compromete o modo de vida dos povos tradicionais, destrói a floresta e contamina os rios da região. E tudo está sendo feito com a omissão do Estado brasileiro”, critica.

O presidente Jair Bolsonaro não disfarça. Já assinou projeto para abrir as terras indígenas à exploração mineral. Enquanto o Congresso faz cara de paisagem, o ministro Salles tenta passar sua boiada ao arrepio da lei. Falta explicar por que a Aeronáutica aceitou se misturar a essa agenda de destruição.


José Goldemberg: As teorias conspiratórias e o meio ambiente

Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia

Apelar para teorias conspiratórias é uma arma usada frequentemente para desacreditar adversários, até mesmo governos.
Alguns exemplos mais recentes de teorias conspiratórias são os seguintes:

• O governo americano oculta até hoje a existência de discos voadores que trouxeram seres extraterrestres para nosso planeta.

• O lançamento de astronautas à Lua em 1969 foi uma montagem de Hollywood e nunca houve voos espaciais.

• O atentado terrorista que destruiu as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, foi orquestrado pelo serviço secreto americano para justificar a “guerra ao terror” e a invasão do Iraque e do Afeganistão.

• O assassinato de John F. Kennedy foi promovido pelo governo de Cuba ou por grupos políticos americanos preocupados com as políticas liberais do presidente, e não por um assassino isolado como Lee Oswald.

Característica comum de todas elas – por mais inverossímeis que pareçam – é que são baseadas em suposições que contrariam os fatos ou a compreensão dominante dos eventos históricos e são imunes a argumentos racionais: uma verdadeira questão de fé. Só para dar um exemplo, existem estimativas do número de pessoas que teriam de fazer parte da conspiração de que o homem não pousou na Lua: cerca de 400 mil, contando os cineastas envolvidos, técnicos da Nasa, jornalistas e políticos de todo tipo e outros.

As origens das teorias conspiratórias são predominantemente psicológicas ou políticas. As psicológicas decorrem do fato de que para algumas pessoas a insegurança diante de eventos catastróficos é tal que as leva a criar paranoias conspiratórias. As políticas são mais concretas e têm que ver com vantagens políticas ou econômicas.

Um problema de natureza ambiental que foi objeto de teorias conspiratórias é o uso da fluoretação da água para reduzir a carie dentária, que é adotada em todos os países, mas ainda é contestada por alguns grupos como uma trama para dominar o mundo, provocar esquizofrenia e outras doenças. Afora isso, proteção ambiental em nível local e regional (basicamente para garantir qualidade do ar e da água) nunca foi contestada por teorias conspiratórias. Lamentavelmente, porém, problemas ambientais globais como o aquecimento da Terra e a proteção das florestas tropicais têm sido vítimas frequentes desses ataques.

Os que nos afetam mais de perto são os que dizem respeito à Região Amazônica. Esse é um problema antigo, começou na década dos 70 do século 20, quando a “ocupação” da Amazônia por colonos vindos do sudeste do País se tornou a política pública dominante para garantir a soberania nacional sobre aquela área, o que levou ao desmatamento da floresta. “Ocupar para não entregar” era o mote vigente, que tinha componentes de paranoia.

Participei em 1991, como secretário especial de Meio Ambiente da Presidência da República, de reuniões com outros membros do governo (ministros do Exército e da Justiça) que manifestavam, na época, preocupações com propostas de criação de uma área protegida internacionalmente na Amazônia para assegurar a sobrevivência dos ianomâmis, no extremo norte do Brasil.

Perguntei qual era a origem dessa informação, que eu ignorava, apesar de participar intensamente de todos os preparativos internacionais da Conferência sobre o Clima que se realizaria em dezembro de 1992 no Rio de Janeiro.

A informação que recebi era baseada num panfleto distribuído aos passantes no aeroporto de Houston, nos Estados Unidos, preparado por alguma obscura organização ambientalista americana. No aeroporto de Houston distribuíam-se panfletos de toda espécie. A fragilidade da informação era tão óbvia que o assunto foi abandonado.

Passados 30 anos, esse tipo de paranoia volta a circular em altas esferas do governo, apesar de não haver nenhuma evidência concreta de interferência na soberania nacional sobre a Amazônia. O que há são governos interessados nos problemas ambientais mundiais, como a Noruega e a Alemanha, que se ofereceram para ajudar financeiramente na implementação de programas do governo brasileiro na região que protejam a floresta. Imaginar que isso faça parte de um complô para nos tirar a Amazônia está claramente na categoria de teoria conspiratória.

Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia. A ameaça vem daqueles que não obedecem às leis em vigor e enfraquecem o poder do Estado.

Somente recursos do exterior não resolveriam todos os problemas do desmatamento nessa região, onde a carência fundamental é a ausência do poder público, como ocorre também nas favelas da Baixada Fluminense e do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico.

O fortalecimento do Ibama e a implementação gradativa da legislação fundiária é que levariam a cercear a ação dos “grileiros” e desmatadores da região. A crescente produção agrícola e de carne no País não necessita desse desmatamento predatório e da retirada clandestina de madeira. Há melhores métodos de utilizar a floresta.

*Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente


Celso Lafer: Meio ambiente e desenvolvimento sustentável

Defesa ambiental é um princípio imperativo que não pode ser ignorado num Estado Democrático de Direito

O século 20 foi um século de rupturas. Caracterizou-se pelo ineditismo da transposição de barreiras antes tidas como usuais. Nessa linha, a partir da década de 1970 foi ficando evidente que a natureza deixou de ser um dado da permanência da ordem cósmica e passou a ter o componente de um construído/destruído pela ação humana.

Hoje é inequívoca a vulnerabilidade da natureza por obra da atuação dos seres humanos. Ela deixou de ser concebida como um horizonte quase infinito, aberto à exploração humana. Tornou-se um horizonte de vulnerabilidade, comprometedora da rede global dos ecossistemas que sustentam a vida na Terra.

Responsabilidade provém do verbo latino respondere, responder. No campo jurídico, o termo foi sendo elaborado como resposta do Direito a fatos e situações provenientes de desordens e injustiças causadoras de dano. No caso das situações oriundas da vulnerabilidade da natureza, o assumir de responsabilidades políticas e jurídicas coloca o problema não só do dano causado no passado e no presente, mas também do dano no presente que se projeta no futuro.

O novo contexto passou a exigir novos conceitos. O aprofundamento crescente do conhecimento científico permitiu desvendar os riscos para o meio ambiente. Ampliou-se o escopo operativo da gestão de riscos necessária para analisar o impacto ambiental da ação humana. Daí novos conceitos como o princípio da precaução. Ciência e conhecimento se tornaram fonte material das normas do direito ambiental.

A dinâmica das mudanças econômicas, políticas e intelectuais adensadas no século 20 tornou o mundo finito e interdependente. Aprofundou a porosidade das fronteiras, particularmente relevante em matéria ambiental, pois se a maioria dos ecossistemas se situa em territórios nacionais, o impacto do seu uso tem efeitos transfronteiras. Basta pensar nas múltiplas dimensões da mudança climática. Isso faz do meio ambiente um tema global.

A Conferência da ONU de 1972 em Estocolmo foi a primeira tomada de consciência no plano diplomático mundial da vulnerabilidade da natureza. Abriu caminho para a inserção do meio ambiente na agenda internacional. Identificou o potencial de preocupações compartilháveis, desvendadas pelo conhecimento gerado de maneira crescente pela ciência. Enfrentou as dificuldades de encontrar conceitos e meios para operacionalizá-las num mundo estratificado pela polaridade Norte-Sul, como a de compatibilizar as legítimas aspirações ao desenvolvimento e à preservação do meio ambiente.

O caminho para equacionar essa dificuldade foi a “ideia a realizar” do desenvolvimento sustentável. O conceito, que é heurístico, proposto pelo Relatório Bruntland, de 1987, contribuiu para a vis directiva da Conferência da ONU no Rio de Janeiro, em 1992, na qual foi consagrado. Sob a égide da Declaração da Rio-92, adquiriu notável irradiação, que permeia o contemporâneo direito do meio ambiente na interpenetração do interno e do internacional.

O paradigma de desenvolvimento sustentável trouxe profunda mudança no entendimento do como lidar com o inter-relacionamento de atividades econômicas, sociais e meio ambiente. Este não é uma “externalidade”. Daí o imperativo da “internalização” da avaliação dos custos da sustentabilidade ambiental – que tem efeitos erga omnes em função da vulnerabilidade da natureza – nos processos decisórios públicos e privados, locais, nacionais e internacionais. O desenvolvimento sustentável contrapõe-se a padrões insustentáveis de produção e consumo, como o desmatamento predatório. Alcança a mudança da lógica das matrizes energéticas. Vem levando à busca da economia de baixo carbono e à generalizada validade de padrões de ecoeficiência, exigíveis na certificação da atuação de empresas. É critério de atração de investimentos.

O desenvolvimento sustentável aponta para a responsabilidade coletiva – global, nacional e local – consolidar os seus pilares mutuamente interdependentes e, nesse âmbito, os imperativos solidários de cooperação internacional. Dá realce à obrigação das normas nacionais e internacionais de tutelar o escopo da responsabilidade jurídica por dano ambiental, incluída a que provém do seu impacto transfronteiras. Destaca o direito de acesso adequado às informações relevantes ao meio ambiente, que é hoje um componente de transparência democrática do poder.

O desenvolvimento sustentável não é uma preferência entre outras preferências, como as do “achismo irresponsável” e da cobiça sem freios. Possui a força legitimadora da tutela do direito à vida das gerações presentes e futuras, como estipula o artigo 225 da Constituição federal. É uma obrigação de todos. Por isso a Constituição, ao listar os princípios gerais da atividade econômica em nosso país, estabelece no artigo 170, VI, a defesa do meio ambiente. É um princípio imperativo de alcance geral, que não pode ser ignorado e desconsiderado num Estado Democrático de Direito.

*Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)


Ricardo Noblat: No país do presidente capitão a Amazônia está intacta

Apologia da mentira

As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa: ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso não aconteceu.

Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.

Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de 28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.

Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não pega fogo”.

Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou: “Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.

O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história.

Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.

Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.

A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das multas ambientais.

Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do impeachment

O apagão do ex-Posto Ipiranga

De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia, admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.

Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1, tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente. Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número 1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em ascendência.

O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.

Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.

Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será “avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o alto:

– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que aconteceu.

Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários: “Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:

– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.

Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava. Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.

E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada. Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.


O Estado de S. Paulo: Itamaraty reduz atuação em políticas ambientais

Ministério ‘rebaixou’ tema em sua estrutura interna e focou na luta contra ‘ambientalismo ideológico’; País perdeu recursos e importância no cenário mundial

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Itamaraty desmobilizou a frente diplomática brasileira que usava a preservação ambiental como trunfo para atrair recursos e influenciar decisões em fóruns econômicos internacionais. Numa sequência de mudanças políticas, o governo Jair Bolsonaro desistiu de sediar a Conferência do Clima (COP) 25, no ano passado, e rebaixou o tema na estrutura interna do Itamaraty. Agora, é alvo de ameaças de perda de investimentos externos e bloqueio a exportações, além da desconfiança de seu real empenho em levar adiante negociações preservacionistas.

Logo ao assumir o cargo, o chanceler Ernesto Araújo promoveu o que chamou de “agenda de luta contra o ambientalismo ideológico”. Reduziu a equipe dedicada a temas ambientais e rebaixou a chefia do setor na estrutura do ministério. A antiga Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia foi extinta. O órgão tinha um Departamento de Sustentabilidade Ambiental e quatro  divisões dedicadas a Mudança do Clima, Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Mar, Antártida e Espaço. Ao todo, eram 10 diplomatas em cargos de confiança. No lugar, Araújo criou o Departamento de Meio Ambiente, sem o mesmo poder. Agora são seis diplomatas em funções comissionadas.

Além da mudança organizacional no Itamaraty, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, trocou em março um nome com experiência diplomática em organismos das Nações Unidas, Roberto Castelo Branco, pelo ruralista Eduardo Lunardelli Novaes, no posto de secretário das Relações Internacionais da pasta. A diretoria que cuida de Temas Globais e Organismos Multilaterais segue vaga.

Sem o poder econômico de países como Estados Unidos e China, o Brasil fazia do fato de concentrar a maior biodiversidade do mundo, com 20% da fauna e flora, uma arma de seu soft power (termo usado para descrever a capacidade de um país de influenciar os outros por meio de cultura ou ideologia). Liderava negociações multilaterais e formulava mecanismos para atrair verbas de países desenvolvidos – parte do dinheiro de livre alocação.

A delegação brasileira era consultada e seguida nas principais decisões globais por países em desenvolvimento, como vizinhos sul-americanos e nações africanas. A perda desse poderio ocorre em paralelo à alta no desmatamento, considerado no exterior como principal problema ambiental brasileiro.

A mudança na estrutura do Itamaraty é criticada pelo embaixador Everton Vieira Vargas. Em 43 anos de carreira, Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Teve participação direta nas tratativas para sediar a ECO-92, conferência histórica que ajudou a colocar o Brasil entre os protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o País era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em Berlim, Buenos Aires e Bruxelas.

Vargas tinha voltado a Brasília para comandar a Subsecretaria de Meio Ambiente, mas acabou ficando sem função na gestão de Araújo. Foi cedido para assessorar o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que faz oposição a Bolsonaro. “A atual administração do Itamaraty não gosta muito de gente experiente e fiquei a ver navios”, disse o diplomata.

O embaixador aposentado Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, considera que o Brasil sofreu uma “perda total” de protagonismo na arena ambiental. “Até o governo passado, o Brasil era um dos players principais, claro que não no mesmo nível dos Estados Unidos e da China”, afirmou. “O Brasil se anulou internacionalmente, não tem mais nada a dizer.” Procurado, o Itamaraty não se manifestou.

Colômbia

No vácuo deixado pelo Brasil, a Colômbia se movimenta. O segundo país mais biodiverso do mundo assumiu um papel de articulação continental, quando o presidente Iván Duque promoveu um encontro com líderes de países vizinhos em Letícia, principal cidade da amazônia colombiana. Foi no auge das queimadas no Brasil, na Bolívia e no Paraguai.

Com apoio da Alemanha, a Colômbia sediou ainda o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, e está envolvida na próxima COP 15 de Biodiversidade. Também recebeu US$ 360 milhões de países como Alemanha, Noruega, e Reino Unido – os dois primeiros financiavam o Fundo Amazônia e suspenderam repasses por divergências com Bolsonaro sobre a gestão dos recursos.


José de Souza Martins: Amazônia em transe

Das pranchetas do economismo ideológico nunca saiu nada socialmente inteligente

Dirigentes de três dos maiores bancos brasileiros apresentaram, ao vice-presidente da República, um plano para a Amazônia. Mas um plano que está muito longe de reconhecer e enfrentar os aspectos mais graves da problemática realidade econômica e social da região, de seus habitantes e do país, no que a Amazônia nele é ou pode ser.

Convém lembrar que, na perspectiva do que já foi chamada de Amazônia Legal, aquela região constitui bem mais da metade do território brasileiro. As personagens e os destinatários da proposta, no entanto, nela correspondem a muito menos do que é a população da Amazônia problemática e em crise.

Nada diz de significativo aos nossos compatriotas indígenas e aos desvalidos da economia tradicional e camponesa, cuja situação de risco e abandono é o que tem motivado as restrições econômicas ao que da Amazônia devastada e excludente buscam os mercados dos países ricos. Das pranchetas do economismo ideológico nunca saiu nada socialmente inteligente, embora lucrativo para poucos a curto prazo e destrutivo para a nação a prazo longo.

Num país como este, suas peculiares características sociais e humanas são muito diferentes do que se pode ver, compreender e interpretar desde as estreitezas neoliberais e monetaristas de Chicago. A boa vontade dos bancos ganharia sentido se temperasse o poder dos economistas dessa corrente com o bom senso investigativo e interpretativo dos cientistas sociais, que há mais de meio século têm estudado sistematicamente a Amazônia e os problemas sociais dos amazônidas.

São esses cientistas que podem apontar na realidade social e econômica o que de fato é problema para o país. Além do que, sem ouvir e compreender as vítimas, dificilmente se chegará a uma proposta que convença os inquietos e desconfiados lá fora e aqui dentro. O Brasil está sendo colocado diante do falso dilema de civilização ou lucro.

Os que dizem agora que querem salvar a Amazônia, com as ciências sociais enxergariam uma Amazônia também indígena, cuja cultura é estigmatizada pelos leigos e improvisadores que menosprezam os seres humanos e suas alternativas para as estreitezas mentais do primado do lucro e da lucratividade. Os que menosprezam porque pensam o mundo e a vida na perspectiva estéril da mentalidade das classes ociosas, como as definiu Thorstein Veblen (1857-1929).

A proposta apresentada é para acalmar os que, nos países desenvolvidos, inquietam-se com os desdobramentos políticos na opinião pública interna de restrições significativas, de natureza social e moral, à importação de produtos originários de uma economia suspeita porque delinquente e socialmente incorreta.

Faltou na proposta o remédio para as ilegalidades na realidade amazônica, da grilagem ao trabalho análogo ao do escravo. Os poderes das economias dominantes têm medo das consequências políticas da consciência social crítica comprometida com a primazia da condição humana.

O que os proponentes, aparentemente, não perceberam é que as objeções e restrições aos produtos da Amazônia não têm a ver somente com queimadas e com o modo de produzir de uma economia retrógrada, ainda que aparentemente moderna.

Fala-se na necessidade de uma boa propaganda que diga ao mundo que o Brasil cuida do ambiente e cuida dos indígenas. A fumaça da floresta queimada e o grito dos que padecem os efeitos da predação e da iniquidade lucrativas dizem que não. O interesse pela Amazônia tem sido, historicamente, limitado aos imediatismos do capitalismo rentista. Não se trata de usar a terra e a natureza, mas de consumi-las, o que é a negação do próprio capitalismo.

O problema da Amazônia já havia chegado à consciência das pessoas esclarecidas de diferentes países há meio século. A questão indígena, a da violência fundiária e a ambiental brasileiras já estavam em debate na Europa e mesmo nos anos 1970, quando a voracidade da economia neoliberal tentou impor-se com base na falsa premissa de que a Amazônia estava disponível para ser ocupada predatoriamente.

Há décadas, indígenas brasileiros têm comparecido a debates, conferências e manifestações na Europa para expor a situação em que se encontram. O eminente e lúcido cacique Raoni Metuktire, do grupo linguístico kaiapó, tem sido ali recebido como herói da humanidade, com seu imponente e belo diadema plumário e seu solene batoque labial e ritual, impondo respeito e acatamento. Coisa que o governo atual não consegue.

Raoni é um dos melhores diplomatas populares brasileiros, porque entre os que têm poder tem o que falar e sabe falar a quem sabe ouvir O interlocutor do verdadeiro Brasil. Significativamente, foi depreciado pelo presidente brasileiro na assembleia-geral da ONU em 2019.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP, Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Fronteira - A degradação do Outro nos Confins do Humano" (Contexto).


Bernardo Mello Franco: A antidiplomacia ambiental de Guedes e Bolsonaro

Paulo Guedes, quem diria, também tem seu lado nacionalista. Em videoconferência com um centro de estudos americano, o ministro se irritou ao ser questionado sobre o desmatamento na Amazônia. “Vocês querem nos poupar de destruir nossas florestas como vocês destruíram as suas”, retrucou.

Entusiasta da abertura econômica, Guedes apelou à soberania nacional para se esquivar de perguntas incômodas. “É como os militares dizem: agradecemos sua preocupação, mas a Amazônia é nossa”, afirmou.

A rispidez surpreendeu os entrevistadores do Aspen Institute. Mais cedo, Guedes já havia engrossado em evento da Fundación Internacional para la Libertad. Ele se queixou das críticas de países europeus à ausência de uma política de proteção à floresta.

“É como acusarmos a França de queimar catedrais góticas. Foi um acidente”, afirmou, numa tentativa de comparar o incêndio da Notre-Dame à devastação criminosa da Amazônia.

O falatório do ministro ecoa o discurso de Jair Bolsonaro, acostumado a ofender estrangeiros que se preocupam com a mata brasileira. O presidente já se referiu à Noruega, que doou R$ 3,2 bilhões ao Fundo Amazônia, como “aquela que mata baleia no Polo Norte”. Em outra ocasião, acusou o ator Leonardo DiCaprio de distribuir dólares para “tacar fogo” na floresta.

A antidiplomacia ajuda a afugentar investidores e queimar o filme do Brasil no exterior. Não basta aproveitar a pandemia para passar a boiada. É preciso deixar claro que quem manda na queimada somos nós.

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Em 2002, houve escândalo quando se soube que o ex-torneiro mecânico Luiz Inácio Lula da Silva ganhou uma garrafa de Romanée-Conti do marqueteiro Duda Mendonça. Ele disputava a Presidência com José Serra, mais acostumado a degustar vinhos da Borgonha.

Ontem a CNN Brasil revelou que a Odebrecht presenteou o tucano com 66 garrafas que não frequentam qualquer adega. De Romanée-Conti, foram seis, cada uma avaliada em R$ 21,5 mil.


Vera Magalhães: Passando a boiada

Bolsonaro e seus soldados estão fazendo de bico fechado aquilo que alardearam com gravadores ligados na reunião dos círculos do inferno

Não se pode dizer que quem permaneceu no governo depois da dantesca reunião ministerial de 22 de abril não seguiu as ordens do chefe.

Escancarar a questão das armas, dar acesso a Jair Bolsonaro a relatórios de inteligência, criar um serviço de arapongagem paralelo e “passar a boiada” na desregulamentação ambiental prescindindo do Congresso. Foi tudo dito, sem medir as palavras. Está tudo sendo feito.

André Mendonça ganhou o lugar de Sérgio Moro pela sua lealdade ao presidente e agora terá de explicar ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso se e com que intenção mandou produzir dossiês sobre funcionários públicos, acadêmicos e sabe-se lá mais que supostos “adversários” do presidente.

Parlamentares como Alessandro Molon (PSB) e Randolfe Rodrigues (Rede) também acionam o STF e apresentam projetos de decreto legislativo para que Bolsonaro explique um decreto que mexe na estrutura da Abin e cria um Comitê de Inteligência Nacional destinado a planejar, coordenar e implementar ações de “enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade”. Vago e amplo o suficiente para virar um SNI bolsonaresco.

O silêncio de Bolsonaro e seus malabarismos com emas e caixas de cloroquina deram a alguns incautos a impressão de que ele teria se moderado. O capitão e seus soldados, no entanto, estão apenas fazendo de bico fechado aquilo que alardearam com gravadores ligados na reunião dos círculos do inferno.

CONGRESSO
Sem Maia, plano de reeleição de Alcolumbre perde força

Rodrigo Maia (DEM-RJ) pode esperar a insistência de Davi Alcolumbre, seu correligionário e presidente do Congresso, para que embarquem juntos na tentativa de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição para que possam se reeleger em fevereiro do ano que vem. Maia repetiu que não quer novo mandato (o quarto consecutivo) na segunda-feira no Roda Viva. Mas, diante de um pedido de Alcolumbre e diante de um apelo de que seria o único nome de “consenso” em partidos agora fragmentados, não faria esse “sacrifício”? Dividir o blocão pode ter sido uma jogada de mestre para não deixar nenhum nome ganhar musculatura.

NO PALANQUE
Eleição municipal será 'teste' do poder de voto do auxílio emergencial

Ninguém no Congresso ou mesmo no governo tem ilusões de que será possível simplesmente interromper o auxílio emergencial quando se encerrar a sua prorrogação, neste mês. Já se discutem novos valores e novas regras para a concessão de um valor decrescente, que ajude as famílias num momento em que a pandemia ainda come solta e a economia está longe de se recuperar.

Mas a principal razão a ditar a sobrevida da transferência de renda é político-eleitoral. Vitaminado após o “banho de povo” da ida ao Nordeste, Jair Bolsonaro não vai desmamar de uma vez esse novo eleitor potencial.

Quer testar o efeito do auxílio nas eleições municipais e seu potencial de beneficiar candidatos aliados do Planalto, para projetar o efeito que uma turbinada na transferência direta de recursos, seja pelo tal Renda Brasil ou como venha a se chamar o programa, pode ter em 2022, quando precisará de todo combustível que puder estocar para se reeleger.