meio ambiente
Marcelo Godoy: Heleno chefia contra-ataque bolsonarista no meio ambiente e na diplomacia
Depois de defender ações contra o Congresso, o ministro do GSI agora concentra seus ataques aos críticos da política ambiental do governo
Caro leitor,
Depois de dois anos de governo, Jair Bolsonaro criou uma base no Congresso. Parece ter compreendido como lidar com o Supremo Tribunal Federal, depois de integrantes do bolsonarismo terem defendido um putsch, que seus expoentes designavam como "intervenção militar", para fechar o tribunal e o Parlamento, silenciar a oposição e defender as boquinhas no governo. Se o presidente pôs cera nos ouvidos para não ouvir o canto dos blogueiros inconformados, só o tempo dirá. Só o tempo dirá se trocou a uso da força pela força da cooptação de adversários.
Bolsonaro pode obter sua détente, mas não significa que tenha abandonado sua guerra fria. Como diz Spinoza em seu Tratado Político, "a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia". Esta o bolsonarismo parece ser incapaz de construir. A começar dentro do próprio governo, como mostram Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro, Luiz Mandetta, Santos Cruz etc. O problema é anterior à paz armada com as outras instituições da República. Ele surge não apenas quando há desorganização e ausência de etiqueta no Planalto, mas também quando não se compreende a liberdade.
Bolsonaro já esbravejou em reuniões contra a falta de unidade de princípios e atropelos de ministros. Em governos organizados, somente o presidente da República manifesta-se sobre os mais variados temas. Mas alguns dos generais do Planalto parecem desconhecer a subordinação ao presidente ou acham suas estrelas mais reluzentes do que as do capitão. Isso já foi percebido por oficiais ouvidos pela coluna. Não se trata aqui apenas daquele que não pode ser demitido, por ser o vice-presidente da República.
Para esses militares, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como assessor do presidente não deveria expressar opiniões sobre temas que não são de sua responsabilidade no governo, como o Meio Ambiente. Ou será que Ricardo Salles – goste-se ou não dele – não é o responsável pela área, ainda que sob a vigilância de outro general, Hamilton Mourão, e seu Conselho da Amazônia? Ora, qualquer general chamaria de desleal a ação de um hipotético comandante militar da Amazônia que resolvesse dar palpites públicos sobre o Comando Militar do Sul.
Por que então Heleno se comporta de forma diferente no governo? Por que deixou os padrões militares para trás para adotar os da política? Ou será que Heleno ocupará o papel de ideólogo de seu grupo, antes reservado a Olavo de Carvalho? Foi para o canal do YouTube de Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente que acredita que sua propaganda substitui o jornalismo independente, que ministro do GSI resolveu dizer que o governo ainda não teve tempo para executar a sua política para a Amazônia. E as pessoas de bom senso podem imaginar o que isso significa, quando o general afirma que a floresta tropical suporta "maus tratos".
"Nós sabemos exatamente o que temos de fazer na Amazônia brasileira e no Pantanal, só que não houve tempo ainda de colocar em prática, de colocar gente para fazer isso", diz Heleno. Mas o governo não mudou normas e regulamentos na área, impediu a queima de máquinas de garimpeiros, passou quase dois anos afastando fiscais e punindo quem tentava coibir a desordem e foi acusado de leniência com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros, enfim, com desmatadores e incendiários de toda ordem para pôr a culpa do que acontece na floresta e no pantanal em ONGs, índios e caboclos? Quem planta ideologia colhe incêndios.
Mas não é isso o que pensa Heleno. Ele prefere pôr a culpa nos governos da Nova República, os tais 40 anos de intervalo entre o reino dos militares e a redenção bolsonarista. O sorridente Heleno se transforma no Bandarra do bolsonarismo, levando aos seus compatriotas a miragem de um Quinto Império. Em vez de d. Sebastião, oferece ao povo a figura de Jair Bolsonaro. Diz o ministro: "Nós temos 80% da cobertura florestal da Amazônia preservada. A Europa tinha 7%, hoje tem 0,1%. Mas agora ganharam a condição de nos criticar diariamente, nós somos os 'grandes vilões' do meio ambiente no mundo."
Às ameaças dos anos 1970, o Movimento Comunista Internacional e as ONGs a serviço de poderes estrangeiros, Heleno acrescenta potências europeias que cobiçam nossas riquezas. O Bandarra do governo, que já foi o tradutor-mór de Bolsonaro, adverte que a Amazônia é "o destino manifesto do Brasil" e afirma que "integrar a região é a prioridade nacional". A professora Adriana Barreto de Souza, da Universidade Federal Rural do Rio, mostra em A Defesa Militar da Amazônia, entre história e memória, como a defesa da região se articula com a batalha de Guararapes nas representações militares. E como a doutrina da resistência ao agressor externo vincula a luta contra o invasor holandês ao presente da floresta.
É o passado que não passa na floresta. Heleno ainda afirma: "Agora, gente fora do Brasil que não tem moral para nos criticar, que acabou com suas florestas, criticar com a veemência que critica, querer nos colocar como vilões do meio ambiente, não dá para aceitar". E conclui, reclamando da imprensa, pois “notícias ruins trazem prejuízo”. Ou seja: culpa o carteiro pelo aviso de cobrança. Por fim, diz que pretende convidar embaixadores estrangeiros para sobrevoar a Amazônia e, assim, pararem de "falar bobagens". Eis o que o Brasil precisaria saber...
Há duas semanas, Heleno defendeu sanções contra produtos da Alemanha e da Suécia em caso de boicote a produtos brasileiros. Depois, disse que não queria citar países, pois poderia ser injusto e até causar um problema diplomático. Ainda bem que se tratava apenas de entrevista para uma rádio e, certamente, nenhum representante desses países escuta o que o ministro diz a jornalistas. Por fim, se Salles pode ser tratorado, por que Ernesto Araújo iria reclamar sobre os pitacos de Heleno na diplomacia brasileira? Por achar que os defensores do meio ambiente eram gente mal-intencionada, o governo teve de fazer as Operações Verde Brasil 1 e 2.
Para ser justo, Heleno não é o único oficial general a pensar assim. Um importante brigadeiro consultado pela coluna sobre as declarações do ministro e suas consequências para a diplomacia e a economia brasileiras, disse: "Acho muito mimimi por parte de países, ONG’s , intelectuais e artistas estrangeiros sobre um assunto interno do Brasil. Isso é antigo e extremamente suspeito. A soberania brasileira tem que ser respeitada. Nenhum desses organismos tem que se intrometer nisso. Como brasileiro de bem, é o que penso!" Do jeito que o governo vai, alguém ainda vai sugerir a prisão de índios e caboclos para, enfim, pacificar a floresta.
Bernardo Mello Franco: A segunda morte de Chico Mendes
Na semana em que removeu a proteção a manguezais e restingas, o ministro Ricardo Salles avançou mais uma casa no desmonte dos órgãos ambientais. Na sexta-feira, ele criou um grupo de trabalho para estudar a fusão do Ibama com o Instituto Chico Mendes. O objetivo é extinguir o último, conhecido pela sigla ICMBio.
A comissão terá sete integrantes. Cinco deles são PMs nomeados no lugar de técnicos. Em portaria publicada no “Diário Oficial”, Salles disse que a mudança poderá trazer “potenciais sinergias e ganhos de eficiência administrativa”. Quem atua nos dois órgãos enxergou outra coisa. “É para não haver a aplicação da legislação ambiental”, resumiu a Ascema, associação nacional dos servidores do meio ambiente.
O ICMBio cuida de 334 unidades protegidas. Elas ocupam quase 10% do território nacional, da Amazônia ao Pampa. A criação do órgão liberou o Ibama para se concentrar nas tarefas de fiscalização e licenciamento.
Ao defender a separação das atividades, em 2007, a então ministra Marina Silva enfrentou protestos e greve. “Daqui a alguns anos, os servidores vão estar tão apegados ao Instituto Chico Mendes quanto são hoje ao Ibama”, ela previu. As reações à ofensiva do governo mostram que o tempo lhe deu razão.
O discurso tecnocrático de Salles esconde o verdadeiro problema: a asfixia deliberada dos órgãos ambientais. Sem concurso há oito anos, o Ibama sofre uma redução acelerada em seus quadros. Só no ano passado, um quarto dos funcionários se aposentou. O órgão terminará 2020 com mais cargos vagos do que ocupados.
A penúria tem consequências. Em 2019, o governo aplicou o menor número de multas ambientais em 16 anos, de acordo com levantamento do Observatório do Clima.
A destruição da governança ambiental é parte do projeto de Jair Bolsonaro. Na quinta-feira, ele anunciou, em tom de comemoração: “O Ibama não atrapalha mais”. “Antigamente o Ibama servia, com todo o respeito, para multar os caras, mais nada”, prosseguiu. Os “caras” no discurso do capitão são grileiros, madeireiros e ruralistas que o apoiam.
A tentativa de extinguir o ICMBio parece embutir outro desejo: eliminar o nome de Chico Mendes da estrutura do governo. Ao completar um mês no cargo, Salles chamou o seringueiro, símbolo da luta ambiental no país, de “irrelevante”. “Que diferença faz o Chico Mendes neste momento?”, desdenhou.
A comparação de biografias não favorece o ministro. Ele já foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraude para favorecer uma mineradora. Em abril, anunciou o plano de aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na legislação ambiental.
Chico Mendes era um herói da floresta, reconhecido pela ONU como líder global na defesa do meio ambiente. Foi assassinado em 1988, a mando de um fazendeiro. Ao propor o fim do instituto batizado com seu nome, Salles ameaça matá-lo pela segunda vez.
‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, economista cita que país prioriza defesa do orçamento durante pandemia
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O economista Benito Salomão diz que, “no Brasil, há claros estímulos ao desmatamento com vistas a beneficiar setores de baixa produtividade e irrelevantes do ponto de vista dos retornos de escala”. A análise dele está publicada em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), e que tem todos os conteúdos disponíveis, gratuitamente, no site da entidade.
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Em seu artigo, Salomão lembra que, mesmo na Ásia, emergentes como a China e o Vietnã estimulam reformas para reeditar o modelo sul-coreano, educando a população e investindo em ciência de auto impacto. “No Brasil, crianças ainda estão sem aulas, e se dá prioridade à defesa no orçamento em detrimento da educação”, lamenta.
Os países desenvolvidos e alguns emergentes, como China e Vietnã, estabeleceram seu próprio padrão de recuperação da crise econômica decorrente do coronavírus. “Na Europa e outros países desenvolvidos de alinhamento ocidental, como Canadá e Austrália, decidiu-se que o novo padrão de desenvolvimento se dará com base na sustentabilidade, na recuperação de biomas e ecossistemas com vistas a frear o aquecimento global”, observa o economista.
Salomão estima que o mundo deverá crescer a uma determinada taxa média superior à do Brasil, o que, segundo ele, equivale dizer que o país estará mais pobre não só do ponto de vista absoluto, mas também em termos relativos. “A população brasileira, salvo um percentual cativo da elite, não terá acesso, no médio prazo, ao padrão de renda e consumo dos países desenvolvidos. É preciso reverter esta trajetória de estagnação”, alerta.
O governo brasileiro, segundo o artigo publicado na revista Política Democrática Online, optou pela adesão à narrativa cretina de que as recomendações de isolamento social derrubariam a atividade e os empregos. “Ignoraram o fato de que o colapso do comércio internacional derrubaria as economias mundo a fora, e que nossa atividade econômica seria prejudicada, mesmo que não ocorresse isolamento social. Optou-se por um modelo capenga, em que nem o isolamento social se deu em plenitude, nem as atividades produtivas funcionaram a todo vapor”, critica.
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Bernardo Mello Franco: Salles passou outra boiada
O inferno ecológico do Brasil não se limita às queimadas na Amazônia e no Pantanal. Ontem o Conselho Nacional do Meio Ambiente revogou regras que protegiam manguezais, restingas e reservatórios de água. “Foi um descalabro”, resume a procuradora Fátima Borghi, que representou o Ministério Público Federal na reunião.
O Conama é presidido por Ricardo Salles, o ministro que prometeu aproveitar a pandemia para “ir passando a boiada” sobre a legislação ambiental. Sob o comando dele, o conselho derrubou quatro resoluções que vigoravam desde o governo Fernando Henrique Cardoso.
Salles não teve dificuldades para tocar o gado. No ano passado, um decreto de Jair Bolsonaro alterou a composição do Conama. O órgão tinha 96 integrantes e passou a ter apenas 23. O objetivo da mudança foi reduzir a participação da sociedade civil e ampliar a maioria do governo nas votações.
Mutilado, o conselho se tornou um carimbador das vontades do Planalto. Ontem suas decisões beneficiaram o setor hoteleiro e a especulação imobiliária, que pressionavam para construir condomínios e resorts em áreas protegidas.
“As regras do Conama não podem ser revogadas ao bel-prazer do governo, sem estudos prévios. Os conselheiros votaram sem levar em consideração as inconstitucionalidades que apontei. Estão acabando com tudo”, lamenta a procuradora Borghi.
Esta não é a primeira boiada que o antiministro consegue passar na pandemia. Em abril, ele anistiou desmatadores da Mata Atlântica e demitiu um diretor do Ibama que combatia a mineração ilegal. Em agosto, organizou um voo de garimpeiros em jatinho da FAB.
A Justiça poderia freá-lo, mas tem se recusado a fechar a porteira. Uma ação contra as mudanças no Conama repousa há mais de um ano no gabinete da ministra Rosa Weber. Em outro processo, o Ministério Público pediu ontem que Salles seja afastado do cargo. Os procuradores afirmam que sua permanência pode produzir danos irreversíveis à Amazônica. Pelo que se viu até aqui, não parece exagero.
Elio Gaspari: A vanguarda da elite
Documentário sobre Libelus, organização de estudantes contra a ditadura, ajuda a refletir sobre elite brasileira
Na quarta-feira, estará no ar o documentário “Liberdade e luta — Abaixo a ditadura”, do cineasta Diógenes Muniz. Trata da Libelu, organização política de estudantes surgida em 1976 e extinta em 1985. Os libelus podem ter sido 800, mas fizeram um barulho danado. Iam para a rua gritando “abaixo a ditadura” (coisa que raramente acontecia desde 1968). Afastavam-se do MDB e da velha esquerda. Eram radicais com senso de humor, gostavam mais de rock do que de samba, mais de Caetano Veloso do que de Chico Buarque. O Serviço Nacional de Informações dizia que eram uma “dissenção” do Partido Comunista e da “linha trotsquista”. Os libelus eram jovens, num tempo em que o filósofo francês André Glucksman dizia que “Brejnev é Pinochet”. Um governava a União Soviética; o outro, o Chile.
As coisas são assim desde 1786, quando o estudante José Joaquim Maia (codinome Vendek) procurou Thomas Jefferson, embaixador dos Estados Unidos na França, pedindo-lhe ajuda para uma conspiração que se armava em Minas Gerais. Os estudantes foram a vanguarda da elite brasileira. Mais tarde, eles se tornam a própria elite, e a vida segue.
No documentário de Diógenes Muniz há uma doce viagem à alma dos jovens dos anos 70, na voz de 20 sexagenários lembrando-se da aurora de suas vidas. Só eles falam, um de cada vez. Em todos os idiomas há o provérbio segundo o qual quem não é de esquerda aos 20 anos não tem coração, e quem continua de esquerda depois dos 50 não tem cérebro. Dos 20 libelus entrevistados, cada um tomou seu caminho e foram para todos os lados. Poucos ficaram mais ou menos no mesmo lugar. Aí está o valor dos depoimentos e do documentário.
As entrevistas com os libelus foram gravadas no cenário da Universidade de São Paulo. Só “Pablo”, um militante que estudava Medicina em Ribeirão Preto falou na sala de sua casa. Isso não ocorreu por deferência ao ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, mas porque Antonio Palocci está em prisão domiciliar. Seu depoimento fecha o ciclo de um pedaço da amostra. Quando foi perguntado se ainda se considerava um homem de esquerda, Palocci não vacilou: “Claro”.
Não se mostrou arrependido de ter dançado “conforme a música”, mas ponderou: “Os que não se meteram em caixa dois não se elegeram… Talvez eu fosse uma pessoa melhor…”
A estudantada é a vanguarda da elite brasileira. Vendo-se o documentário de Diógenes Muniz, pode-se refletir sobre os jovens, o que é fácil. Desde 1786, difícil é refletir sobre a elite. Até nisso os libelus ajudam.
Serviço: “Liberdade e luta” faz parte do festival “É tudo verdade” e para vê-lo bastará entrar no site às 21h. É grátis, mas é preciso fazer um cadastro.
Mito histórico
Outro dia o vice-presidente Hamilton Mourão lembrou mais uma vez que os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer independência do Brasil.
Mourão tem gosto pela História, e faltam menos de dois anos para o bicentenário do Grito do Ipiranga. Talvez tenha chegado a hora de se esclarecer esse mito. Em 2017, num estudo publicado pelos Cadernos do Centro de História e Documentação Diplomática, Rodrigo Wiese Randig mostrou que o primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foi a Argentina, que à época atendia pelo nome de Províncias Unidas do Rio da Prata.
A Argentina reconheceu o Império do Brasil no dia 25 de junho de 1823, e em agosto seu representante apresentou suas credenciais ao chanceler brasileiro. Os Estados Unidos só reconheceram o Brasil um ano depois, e o embaixador José Silvestre Rebelo entregou suas credenciais ao presidente James Monroe no dia 26 de maio de 1824.
O governo tem feito pouco, quase nada, para comemorar o Bicentenário da Independência. Arrisca atolar numa patriotada estéril, como aconteceu em 1972, no Sesquicentenário, quando a ditadura passeou os ossos de D. Pedro I pelo país até colocá-los numa cripta nos jardins do Museu do Ipiranga. Anos depois, ela virou mictório.
Dois meses depois da entrega de credenciais pelo embaixador brasileiro a James Monroe, D. Pedro I recebeu o embaixador do reino africano do Benin, na Quinta da Boa Vista. O Benin estava mais para entreposto de escravizados do que para reino.
A unanimidade esperta
Nelson Rodrigues já ensinou que toda unanimidade é burra.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade avançar com o processo de impedimento do governador Wilson Witzel. A unanimidade pode também ser esperta, muito esperta.
Trapaça
Apareceu mais um juiz terrivelmente evangélico na fila do guichê para a indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal. É o juiz William Douglas dos Santos.
Numa trapaça da História, William Douglas (1898-1980) foi um desassombrado juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos. Comprou todas as brigas em defesa da liberdade e ainda por cima defendia o meio ambiente numa época em que pouco se falava disso. Certa vez, encarou uma trilha de três mil quilômetros.
Aguentou-se na Corte tendo se metido com um dono de cassinos. Pediu para sair quando, depois de um acidente vascular, estava trocando as bolas.
Aviso
A popularidade do capitão, o surgimento de Celso Russomanno nas pesquisas paulistanas e a promessa de Paulo Guedes de elevar a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física, beneficiando 15 milhões de pessoas, deveriam levar a oposição a pensar na vida. O que mais se ouve é que esse mar de rosas acabará quando o auxílio emergencial for suspenso. Pode ser.
Não custa repetir uma lição do mestre Marco Maciel, quando um marqueteiro lhe disse que, segundo as pesquisas, o candidato adversário estava em queda e o dele, em ascensão:
“Ainda assim, o senhor acha que a intersecção dessas duas retas ocorrerá antes ou depois da eleição?”
Sede ao pote
As guildas dos procuradores precisam controlar a sede da corporação.
Numa festa catarinense, os doutores conseguiram uma equiparação que colocou a prêmio os mandatos do governador Carlos Moisés e de sua vice.
A Advocacia-Geral da União promoveu 606 doutores com um golpe de caneta e foi obrigada a esquecer o assunto diante da grita.
Eremildo, o idiota
Até um idiota como Eremildo pode entender que o Ministério da Educação nada tem a ver com o reinício das aulas.
Néscio, ele não sabe explicar se o doutor Milton Ribeiro também acha que seu ministério não tem nada a ver com o escalafobético edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que, há mais de um ano, tentou torrar R$ 3 bilhões num edital viciado para a compra de equipamentos eletrônicos.
A Controladoria-Geral da União travou o jabuti, mas até hoje não se sabe de onde ele saiu.
Luiz Carlos Azedo: Chauvinismo e xenofobia
Além do preconceito étnico, há um viés de intolerância religiosa muito forte na fala de Bolsonaro, porque o caboclo é uma “entidade” do sincretismo religioso entre africanos e índios
Nicolas Chauvin foi um soldado francês condecorado por Napoleão Bonaparte por sobreviver a vários combates, severamente mutilado, depois de ser ferido 17 vezes. Tornou-se uma lenda para os franceses, até que as comédias escrachadas de vaudeville começaram a ridicularizar sua ingenuidade e fanatismo, dando origem ao termo que hoje é muito utilizado para caracterizar o sentimento ultranacionalista que leva os indivíduos a odiar as minorias e perseguir os estrangeiros. Na década de 1970, as feministas dos Womens`s Lib deram uma conotação mais abrangente ao termo, ao chamar os machistas de “porcos chauvinistas”.
Por causa de seu discurso de ontem na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Jair Bolsonaro entrou para o rol dos líderes políticos chauvinistas da atualidade, o que não é bom para nenhum chefe de Estado nem para o Brasil, em particular. Seu discurso nacionalista não chegou a ser histriônico, mas fugiu à verdade e ignorou a realidade, sendo muito contestado interna e externamente. Além do chauvinismo, Bolsonaro revelou certa xenofobia, ao culpar os caboclos e índios pelos incêndios na Amazônia e Pantanal.
Xenofobia é outra palavra muito feia. Refere-se ao sentimento de hostilidade e ódio manifestado contra pessoas por elas serem estrangeiras ou serem enxergadas como estrangeiras. Trata-se de um preconceito social muito comum no mundo por causa do fluxo de migrações. Árabes e muçulmanos sofrem com isso na Europa, mexicanos e latinos nos Estados Unidos. Geralmente, a xenofobia está associada ao racismo. A forma como Bolsonaro trata os índios no Brasil sempre teve essa conotação xenófoba; a novidade é o preconceito que revelou na ONU em relação aos caboclos brasileiros.
Certos fenômenos da vida brasileira não se explicam pela sociologia ou pela ciência política, somente podem ser compreendidos quando nos socorremos da antropologia. A eleição de Bolsonaro, por exemplo, sua capacidade de se amalgamar aos evangélicos e capturar o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal nas camadas mais pobres da população, ameaçada pelas dificuldades econômicas e as mudanças de costumes. Em contrapartida, Bolsonaro não consegue entender o nosso sincretismo religioso e o peso da miscigenação na formação da identidade brasileira. Se entendesse, não trataria com tanto preconceito os indígenas e os caboclos da Amazônia.
Miscigenação e sincretismo
O caboclo tem uma cultura de selva adquirida dos índios. Porém, manteve a língua, a religiosidade e certos costumes dos portugueses, ao longo de secular abandono. É um comportamento semelhante ao do moçambicano branco, mas muito diferente do bôer sul-africano, que renegou as origens, inventou uma nova língua e se considera a grande tribo branca da África. Todos ficaram insulados após a expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro. Explico: quando os holandeses chegaram ao Recife, em 1630, para controlar o açúcar, perceberam que o que dava dinheiro não era só plantar cana e produzir açúcar, mas também vender africanos para os senhores de engenho. Saíram do Recife em 1641 para atacar Angola e dominar o tráfico negreiro para o Brasil. Quando começou a guerra de guerrilhas em Pernambuco para expulsá-los, Salvador de Sá organizou uma expedição do Rio de Janeiro para expulsar os holandeses de Angola, em 1648. Cerca de 2 mil portugueses, porém, ficaram largados na Amazônia, para onde haviam sido enviados em 1637, para explorar o cacau e a castanha, produtos de grande valor comercial.
Apesar dos esforços portugueses para manter o controle da região, notadamente do Marquês de Pombal, após o Tratado de Madri (1750), por meio da fortificação de suas fronteiras — Belém, Gurupá, Manaus, Santarém, Almeirim, Óbidos, Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira, Guaporé, Macapá e outros —, a integração à economia nacional somente veio a ocorrer no século XIX, com o Ciclo da Borracha (1870-1912), quando aproximadamente 300 mil nordestinos migraram para seus seringais. Mas a cultura amazônida do caboclo já estava dada.
Além do preconceito étnico, há um viés de intolerância religiosa muito forte na fala de Bolsonaro, porque o caboclo é uma “entidade” do sincretismo religioso entre africanos e índios. Nas religiões ou seitas afro-brasileiras, é a designação genérica dos espíritos de ancestrais indígenas brasileiros que supostamente surgem nas cerimônias rituais e que foram idealizados, já no século XX, segundo os modelos de orixás da teogonia jeje-nagô e do indianismo literário romântico. Na Umbanda, são guerreiros enérgicos, procurados pelos conselhos sensatos e passes poderosos. Bolsonaro mexeu com Ubirajara, Tupiara, Cobra Coral, Pena Branca, Sete Flechas, Águia Dourada, Sete Espadas, Espada Flamejante, Sete Lanças, Tabajara, Tamoio, Sete Ondas, Sete Matas, Caboclo Pantera Negra, Tupuruplata, Rompe-Mato, Caboclo Apeiara, Araribóia, Rompe-Ferro, Pena Vermelha, Beira Mar, Caiçara e Sete Caminhos.
Pablo Ortellado: Política do avesso
Política ambiental de Bolsonaro faz sempre o oposto do que indicam a ciência e o bom senso
Os incêndios que podem ter destruído 15% do Pantanal tiveram origem em queimadas para fazer pasto —pelo menos é o que apontam as investigações da Polícia Federal.
Não são apenas a irresponsabilidade dos fazendeiros e a maior seca na região em 60 anos as causas dos incêndios. A atroz política ambiental do governo Bolsonaro é componente central do colapso ambiental, tanto na Amazônia como no Pantanal —não importa o que o presidente diga hoje na Assembleia-Geral da ONU.
Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro não abraçou uma postura pró-mercado, pragmática, descuidada com a pauta ambiental —adotou uma postura abertamente antiambiental. Nessa matéria, como noutras, a ardorosa adesão às guerras culturais o tornou surdo às críticas e cego às consequências das ações.
Quando o desastre no Pantanal já não podia mais ser minimizado, Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuíram os incêndios não às queimadas criminosas dos pecuaristas, que a PF agora investiga, mas a uma suposta redução da atividade pecuária na região.
A tese, conhecida como a do "boi-bombeiro", é a de que os bois consumiriam a vegetação seca acumulada, reduzindo o risco dos incêndios. O presidente e o ministro insistem na tese contra as evidências de que o aumento dos incêndios é acompanhado do aumento da pecuária —não da sua redução.
Salles também alega que os incêndios se devem não às queimadas, como as investigadas pela polícia, mas à excessiva regulamentação das queimadas, que impediria os fazendeiros de fazer o controle do excesso de vegetação seca, o chamado "fogo frio".
Em resumo, enquanto cientistas e especialistas orientam a reduzir a atividade pecuária e a controlar as queimadas na região, a política ambiental do presidente quer ampliar a atividade pecuária e desregulamentar ainda mais as queimadas.
Tudo com o nosso presidente está de trás para a frente, de pernas para o ar, é do avesso.
Como todas as ações do governo são orientadas pelas paranoias delirantes das guerras culturais, ele acredita que orientações de cientistas e de ONGs ambientalistas são informadas por planos secretos de conquista da Amazônia e que hiperpolitizados são os críticos. Ele, claro, é um capitão sensato --e um patriota.
Como não há esperança de fazer o presidente e seus ministros olharem para as evidências empíricas, tudo o que nos resta é torcer para que a péssima imagem ambiental do país atrapalhe as exportações e crie constrangimentos econômicos que ponham limite às maluquices ideologizadas da turma verde-oliva.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Merval Pereira: Sem explosão
O discurso do presidente Jair Bolsonaro hoje, na abertura da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), não terá surpresas, pois continuará defendendo suas teses sobre meio ambiente, preservação da Amazônia (na foto), e também sobre a pandemia da Covid-19, mas não será agressivo em relação direta aos críticos dessas mesmas políticas.
A denúncia do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) General Augusto Heleno, na audiência pública do STF para tratar do atraso na aplicação de recursos do Fundo do Clima, de que as críticas de nações estrangeiras sobre a Amazônia têm o objetivo de “prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, não deve ser a linha do discurso, mesmo porque, segundo o senador Nelsinho Trad, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, “ali não é lugar para essa política”.
O senador diz que tem alertado o Palácio do Planalto para a crítica generalizada que ele ouve de delegações de diversos países europeus sobre nossa política de meio ambiente, e acredita que o presidente Bolsonaro vai aproveitar seu discurso para tentar melhorar a imagem do país no exterior.
Não será um discurso de conciliação, mas uma tentativa de mostrar números e dados que sustentem sua afirmação de que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente, ou que o país se saiu bem na pandemia da Covid-19, tanto na proteção dos mais vulneráveis, quanto na recuperação econômica.
Pelas informações que circulam, a estratégia do governo será não confrontar as nações que criticam o Brasil, a não ser indiretamente, na defesa de seus pontos de vista, que continuarão sendo combatidos por organismos internacionais e ONGs. É uma boa ideia, porém, apresentar seus argumentos sem acusar os outros.
Parece que Bolsonaro já entendeu que precisa conviver com organismos multilaterais, mesmo que não goste do que representam. Por isso nos últimos dias o Brasil apoiou os Estados Unidos no BID, abrindo mão de indicar um candidato ao posto, e em outros organismos interfere nas nomeações.
Mesmo assim, em temas fundamentais como mudança climática, preservação da Amazônia, as posições do Brasil continuarão confrontando a visão majoritária na ONU, que dias atrás debateu uma proposta do relator especial Baskuit Tunkat para que o Conselho de Direitos Humanos enviasse uma equipe para verificar a situação da política ambiental e de direitos humanos.
O governo brasileiro reagiu duramente, embora, dias antes, tenha aprovado igual proposta em relação à Venezuela. Tal proposta não tem viabilidade de ser aprovada, mas sinaliza uma posição crítica dos gestores da ONU ao governo brasileiro.
Nada indica, porém, que o presidente Bolsonaro leve para seu discurso um embate direto, embora a defesa de suas posições represente uma resposta a essas críticas. Outro ponto relevante de seu discurso deve ser a defesa da atuação de seu governo no combate à pandemia da Covid-19, refutando acusações de que teria provocado um genocídio ao não atuar com firmeza logo no início da pandemia.
O discurso de Bolsonaro será afetado pela discussão interna sobre a visita do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a Roraima, fronteira com a Venezuela, para atacar a ditadura de Maduro.
Um manifesto de ex-chanceleres brasileiros apóia o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na crítica à visita do secretário americano, que foi mesmo completamente absurda. O Brasil aceitou fazer parte de uma manobra política dos EUA contra um país vizinho, às vésperas da eleição presidencial americana. Não importa que não se concorde com a Venezuela, e até ache que ela é uma ditadura, mas não se pode autorizar o território nacional para, militar ou politicamente, atacá-la.
Há quem tema que o presidente Bolsonaro use seu discurso para mandar apoio à reeleição do presidente Trump.
Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro na ONU
Desde que assumiu o poder, o governo brasileiro é alvo permanente de críticas de artistas, intelectuais, personalidades, empresários e governos engajados na causa ambientalista
Qualquer que seja a narrativa do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da ONU, hoje, em Nova York, a política externa brasileira será sempre um prolongamento da nossa política interna. Por isso mesmo, pode ser que a sua narrativa caia completamente no vazio, se insistir na retórica de que somos o país que melhor cuida do meio ambiente no mundo, ou provocar mais ojeriza internacional ao governo atual, caso adote o discurso do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
Ontem, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal(STF) sobre a aplicação dos recursos do Fundo do Clima, paralisado desde 2019, Augusto Heleno fez um discurso alarmista: “Não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso no seu objetivo principal, obviamente oculto, mas evidente para os não inocentes, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, disse.
Bolsonaro falará por videoconferência, numa oportunidade privilegiada, que existe desde 1947, sem que nenhuma norma escrita nos estatutos da ONU, criada em 1945, no imediato pós-guerra, assim determine. Há três versões para que isso ocorra: a primeira é de que resultou de o Brasil se inscrever primeiro nas sessões de 1949, 1950 e 1951; a segunda, de que teria sido o reconhecimento pelo papel do chanceler Oswaldo Aranha, que presidiu a Assembleia Geral Especial que criou o Estado de Israel, em 1947; a terceira, de que seria um prêmio de consolação, por termos ficado de fora do Conselho de Segurança da ONU.
Somente nos anos de 1984 e 1985 a regra foi quebrada, pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. O general João Batista Figueiredo, durante o regime militar, foi o primeiro presidente brasileiro a falar na ONU, em 1982, para anunciar a abertura política que resultou na perda do poder pelos militares; até então, a tarefa cabia ao chanceler. A presidente Dilma Rousseff, em 2011, foi a primeira mulher a abrir a Assembleia-Geral.
Amazônia
A Amazônia deverá ser um dos temas da fala de Bolsonaro. Esse discurso de defesa da Amazônia pode ser bom para coesionar sua base ideológica e mobilizar o espírito patriótico militares brasileiros, porque o nacionalismo sempre sensibiliza esses segmentos; porém, para a imagem do Brasil no mundo e, principalmente, a captação de investimentos, será um fiasco. A retórica chauvinista em relação à Amazônia sensibiliza a opinião pública mundial com sinal trocado: a ideia-força é de que a região é o pulmão do mundo, e de que a humanidade corre perigo por causa do aquecimento global.
Negacionista ao extremo, Bolsonaro é visto no mundo como um governante exótico, que se equipara aos governantes mais reacionários e folclóricos do planeta. Desde que assumiu o poder, por causa de sua política ambiental, é alvo permanente de críticas de artistas, intelectuais, personalidades, empresários e governos engajados na causa ambientalista. Surpreenderia a todos se fizesse uma autocrítica, demitisse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e resgatasse o prestígio dos órgãos de pesquisa, controle e fiscalização ambiental. Mas essa não é a sua política.
Por causa das queimadas na Amazônia e no Pantanal, uma tragédia ecológica, as críticas dentro e fora do país se intensificaram. Foi fatal para a credibilidade do discurso do governo a declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que aproveitaria a pandemia da covid-19 para “passar a boiada”, em plena reunião ministerial, cujo vídeo foi divulgado por ordem judicial. Desde então, a pressão de países europeus e grupos empresariais sobre o governo brasileiro tem aumentado. O pouco compromisso do governo brasileiro com o meio ambiente é um entrave à efetivação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.
Nesse aspecto, o depoimento de Augusto Heleno no Supremo não ajudou. Quem se posicionou corretamente foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): “O artigo 225 do texto constitucional não deixa espaço para dúvidas: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Portanto, aqueles que ocupam mandatos ou cargos públicos não têm a opção de negligenciar essa obrigação, extensivamente detalhada na própria Constituição, imposta ao poder público e à sociedade. Ela se traduz em verbos como preservar, proteger, restaurar e educar.”
Janio de Freitas: Governo Bolsonaro deve ser principal processado por política de devastação no Pantanal
Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas.
É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas.
“Amazônia tem 2º pior agosto de desmate, atrás só de 2019” (já governo Bolsonaro). “Em 14 dias, Amazônia queimou mais que em setembro de 2019.” Títulos como estes recentes, da Folha, sucederam-se desde a posse de Bolsonaro. E, por consequência, a do executor do projeto de desmonte da proteção ambiental, Ricardo Salles —já condenado por improbidade na secretaria do Meio Ambiente de um governo paulista de Geraldo Alckmin.
A indiferença de Bolsonaro ao clamor interno e internacional, a cada pesquisa de desmatamento e queimadas, só não foi completa por suas provocações e represálias administrativas. Entre elas, a demissão escandalosa do cientista Ricardo Galvão, conceituado presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que divulgou, como de hábito e do seu dever, o crescimento alarmante da devastação amazônica no então novo governo.
Constatado que o fogo no Pantanal tornava-se incontrolável, a explicação foi imediata: não era tanto pelo fogo, mas pela falta de equipes habilitadas para combatê-lo. Explicação complementar: a verba deste ano para combatentes a queimadas, em comparação com a de 2019, foi cortada em mais de metade. A dimensão da tragédia pantaneira não estava prevista, mas o fogaréu na Amazônia já exigia maior investimento, e não perda de verba.
Acima das necessidades está a política contra a Amazônia e a riqueza ambiental. Com mais provas oferecidas pelo próprio governo. O Orçamento para 2021 mandado por Bolsonaro ao Congresso, por exemplo, corta ainda mais os recursos dos setores de monitoramento, defesa e pesquisa visados pela destruição programada.
Essa política transgride a legislação. É criminosa. Proporciona a apropriação de terras do patrimônio da União, o desmatamento e o contrabando de madeira valiosa. Protege o garimpo ilegal e se incorpora a toda essa criminalidade. Bolsonaro e seu governo são passíveis de processo criminal — e o merecem.
VOZ SÉRIA
A esquerda brasileira está chamada a refletir sobre o apoio incondicional a Nicolás Maduro e ao regime venezuelano. O mais recente relatório a pedir “investigações imediatas” do governo Maduro, sobre torturas e execuções extrajudiciais, saiu sob a responsabilidade de Michelle Bachelet. Alta comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile não se confunde com instrumentos da guerra de propaganda e outras guerras dos Estados Unidos contra o governo Maduro.
Conquistas proporcionadas à maioria desde sempre desvalida, mantidas ou mesmo ampliadas por Maduro, não se confundem com criminalidade política.
EM CENA
Durante alguns dias, as notícias foram inflando: a equipe econômica quer congelar aposentadoria por dois anos, governo quer cortar R$ 10 bilhões do auxílio a idosos e pobres com deficiências, senador bolsonarista (Márcio Bittar, MDB-AC) quer congelar salário mínimo. Então Bolsonaro saca a espada e salva os ameaçados. Com a TV devidamente preparada para o ato. Quem de nada desconfiou tem, ainda, uma chance. O que Abraham Weintraub fez para receber cargo precioso, quando deveria ser excluído do governo pelos insultos vagabundos ao Supremo e seus ministros? Nada. A menos que alguém lhe devesse uma compensação, por se dar mal em um gesto, como diziam, a pedidos.
Luiz Carlos Azedo: Senhor da guerra
Mike Pompeo, o secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro
A inusitada visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a um campo de acolhimento de venezuelanos refugiados em Boa Vista (RR) foi uma evidente provocação política, cujo objetivo é escalar as tensões entre a Venezuela e seus vizinhos. E, com isso, dar uma mãozinha para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump, que está perdendo a reeleição para o candidato do Partido Democrata, Joe Biden. O Brasil armou o circo porque interessa ao presidente Jair Bolsonaro a vitória de seu amigo republicano. A eleição de um democrata provocaria o colapso da política externa desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo, considerada um desastre por seus colegas mais experientes do Itamaraty.
O que o Brasil ganhará em troca? Em princípio, 30 moedas, ou seja, US$ 30 milhões para auxiliar a assistência social aos imigrantes. Não chega nem perto do que estamos perdendo em investimentos em razão da política ambiental de Bolsonaro, embora o presidente da República diga que é a melhor do mundo. Só no Fundo da Amazônia, Noruega e Alemanha, que suspenderam seus investimentos, foram responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões destinados à proteção da Amazônia. Voltemos à visita de Pompeo. O secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente Nicolas Maduro. Todo presidente dos Estados Unidos que está perdendo as eleições gosta de exibir seus músculos na política externa.
Do Brasil, Pompeo viajou para a Colômbia, cuja fronteira com a Venezuela é o ponto mais quente das tensões na América do Sul. O presidente Ivan Duque é outro aliado incondicional de Trump, que mantém assessores e aviões norte-americanos em território colombiano. Antes, Pompeu havia estado no Suriname e na Guiana, que também vive um estresse com a Venezuela, com o agravante de que sua fronteira nunca foi reconhecida pelos venezuelanos. Na Guiana, Pompeo voltou a criticar Maduro: “Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo da Venezuela e que o próprio Maduro é um traficante de drogas acusado. Isso significa que ele tem que partir”, afirmou. Para a situação política no país vizinho, a provocação só teria consequência prática se houvesse uma intervenção. Afora isso, fortalece a unidade das Forças Armadas venezuelanas e endossa a narrativa de Maduro para reprimir a oposição.
Operação Amazônia
Entretanto, vejam bem, a declaração que Pompeo deu em Boa Vista (RO) foi enigmática quanto ao que os Estados Unidos pretendem realmente fazer. Questionado sobre quando o ditador Nicolás Maduro deixará o poder, respondeu que em casos como a Alemanha Oriental, Romênia e União Soviética, todo mundo fazia a mesma pergunta. “Quando esse dia vai chegar? Ninguém imaginava, mas aconteceu”. Pompeo é ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, que se especializou em fomentar conflitos entre países vizinhos e guerras civis.
Republicano, Pompeo é um político reacionário do Kansas, que se destacou no Congresso norte-americano por combater o movimento LGBTQIA+. Também foi um dos proponentes de um projeto de lei que proibiria o financiamento federal de qualquer grupo que realizasse abortos, e outro que incluiria nascituros entre os categorizados como “cidadãos” pela 14ª Emenda. Ele também votou a favor da proibição de informações sobre o aborto em centros de saúde escolares e pela proibição de financiamento federal à Planned Parenthood e ao Fundo de População das Nações Unidas.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em razão das declarações de Pompeo, emitiu uma nota com duras críticas à visita do secretário de Estado. Deve saber de mais coisas sobre a conversa entre secretário norte-americano e o chanceler brasileiro. A visita também coincide com a mobilização de tropas, equipamentos e armamentos para a Operação Amazônia, que faz parte do Programa de Adestramento Avançado de Grande Comando (PAA G Cmdo), envolvendo mais de 3.000 militares, de cinco comandos diferentes. A operação será realizada nas proximidades de Manaus, até 23 de dezembro, portanto, bem longe da fronteira com a Venezuela.
O Ministério da Defesa e os comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica nunca foram favoráveis à escalada de tensões com a Venezuela, embora tenhamos mais homens, tanques, embarcações e aviões do que o país vizinho. As vantagens venezuelanas são os 24 caças SU-30, os helicópteros Mi-17, os tanques T-92 e os mísseis S-300, capazes de atingir com precisão alvos a 250km, todos de fabricação russa e entre os melhores do mundo. Mas, o grande trunfo de Maduro é o apoio ostensivo do presidente Vladimir Putin, da Rússia, que adora jogar uma boia para ditadores que estão se afogando, e a discreta, mas robusta, ajuda econômica da China. Na proposta de atualização da Política Nacional de Defesa, enviada pelo governo ao Congresso, pela primeira vez, desde a Guerra Malvinas, o Brasil admite a possibilidade de um confronto militar com um país vizinho.
Míriam Leitão: Desmatamento e esperança
A defesa do meio ambiente recebeu, esta semana, reforços importantes. Empresas unidas a ambientalistas foram dizer ao governo que este é o momento de mudar de rumo. E, mais do que apelos, levaram propostas concretas de como fazer essa mudança. O governo, contudo, dobrou a aposta no seu descaminho. O vice-presidente se atrapalhou nas declarações, o presidente Bolsonaro piorou o seu negacionismo. Foi ao Pantanal e não viu a queimada, mas a fumaça o buscou até no avião. Os dois lados foram claros. Eles estão bem distantes um do outro.
A coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura já seria importante só pela parceria inédita que representa, mas além disso levou uma lista de coisas práticas a fazer. Eles acham que é preciso punir quem comete crime ambiental, na mesma linha da entrevista do executivo da Marfrig, Roberto Waack, ao GLOBO, ontem. Propõem a suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural que estão em florestas públicas. Parece incrível que se tenha que propor que não se legalize o roubo da terra pública, mas assim é o país. Eles sugeriram uma ação superimportante: criar unidades de conservação e de uso sustentável em 10 milhões de hectares próximas às áreas que estão sob maior pressão. Foi exatamente assim que se conseguiu, no passado, inverter a curva do desmatamento.
Querem que haja total transparência — e isso de fato é o mínimo — nas autorizações de desmatamento. Sugerem a suspensão de todos os processos de regularização fundiária em terras nas quais tenha havido desmatamento ilegal depois de julho de 2008, data do Código Florestal.
O vice-presidente Hamilton Mourão, sobre quem está depositada a expectativa de que o governo entenda do que está se falando, deu sinais mistos. Ele recebe e ouve de forma polida. Mas acusou um “opositor” de dentro do Inpe de divulgar os dados. Erro crasso, porque os dados são públicos, uma conquista de governos passados. Democracia, como se sabe, combina com transparência. Qualquer pessoa pode buscar esses dados no site do Inpe. Na sexta-feira, ele deu um estranho sinal. Defendeu a criação de uma nova agência de governo, que concentre os sistemas de monitoramento por satélite na Amazônia. Citou como exemplo a ser copiado o NRO (Escritório Nacional de Reconhecimento) dos Estados Unidos. Ou seja, o governo tentará tomar dos cientistas para entregar aos militares o trabalho que hoje é executado pelo Inpe. Já que não pode controlar a agência de controle, que tal desmontá-la? Tem sido assim em outras áreas do governo.
O presidente em seu desvario disse que o Brasil está de parabéns em sua política ambiental mesmo numa semana em que se acumularam evidências de que está tudo errado, que o crime está avançando e destruindo um bem coletivo. Ontem em Sinop foi a mais um ato de campanha muito antes do seu tempo. Falou com produtores agrícolas do Mato Grosso repetindo a ideia de que as críticas que fazem ao Brasil são de competidores internacionais. Uma sandice porque, ainda que fossem, o mais inteligente seria não lhes dar motivo, até porque estaríamos, antes de tudo, defendendo nossos próprios interesses.
É muito mais que apenas uma briga comercial. Esta semana houve também uma carta de oito embaixadores de países europeus entregue ao governo Bolsonaro. Dizem que está difícil importar alimentos do Brasil por causa do desmatamento. Eles são compradores de produtos brasileiros. Minimizar os alertas, alegando que a Europa importa relativamente pouco do Brasil, é não entender a lógica da economia atual. Os consumidores pressionam as empresas que tomam decisões que nos afetam. O que acontece na Europa certamente se espalhará por outras regiões. Se o projeto é fazer do Brasil um país pária, é por aí mesmo o caminho.
Sob os gritos de “mito”, Bolsonaro entregou títulos de regularização fundiária. A verdade sobre o assunto já escrevi aqui para os leitores. Este governo, no ano passado, distribuiu apenas seis títulos. Nos governos anteriores, a média era de três mil por ano.
O Brasil vive uma tragédia ambiental de enorme dimensão. Há pressões internas e internacionais para que o governo mude sua desastrosa política ambiental. Esta semana os recados foram mais claros. E mais uma vez o governo não deu qualquer motivo para se ter esperança.