meio ambiente

Luiz Carlos Azedo: Entre a águia e o dragão

Candidato a marisco entre EUA e China, faltam ao governo Bolsonaro politica externa independente e pensamento estratégico. O alinhamento com Trump foi o melhor exemplo

— Espera! — exclamou Ega. — Lá vem um “americano””, ainda o apanhamos.
— Ainda o apanhamos!
Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
— Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma…
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atribulando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder…
A lanterna vermelha do “americano”, ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o “americano”, os dois romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.

(Os Maias, Eça de Queiroz, 1888)

Essa alegoria do escritor português que tanto influenciou nossa literatura encerra um grande “afresco” literário sobre a atávica e parasitária elite lusitana e a situação de estagnação de Portugal no final do século XIX. Serve sob medida para a situação em que se encontram o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro das não-Relações Exteriores, Ernesto Araujo, que agora correm atrás do prejuízo como a dupla Carlos Maia e João da Ega, por causa da vitória de Joe Biden, candidato do Partido Democrata nas eleições para a Presidência dos Estados Unidos. O presidente Donald Trump, um demagogo tresloucado que ocupou a Casa Branca por 4 anos e levou muitos a acreditarem no naufrágio da civilização ocidental, foi escolhido por ambos como aliado incondicional. Entretanto, mais uma vez, a democracia americana se recuperou de um desastre político e retomou o seu curso histórico.

No mundo globalizado — traumatizado por uma pandemia que já matou 1,4 milhão de pessoas, a recessão dela decorrente e o aprofundamento das desigualdades —, falta uma autoridade moral, portadora de valores universais capazes de influenciar a marcha da História, à qual a sociedade contemporânea possa recorrer. O Velho Mundo, com suas ideias iluministas e protagonista da história mundial do século XV ao XIX, hoje não é o candidato natural a essa posição. Somente os Estados Unidos podem exercer esse papel de liderança global nos fóruns internacionais, pela universalidade de seus fundamentos políticos, sua composição étnica e multiculturalismo, além do inegável poder que adquiriu no século passado, após vencer duas guerras mundiais e a “guerra fria”. Nenhum outro país reúne, simultaneamente, capacidade de produção industrial, força militar, pesquisa científica, conhecimento, tecnologia e influência política e cultural para isso.

Marisco

Misógino, homofóbico e chauvinista, Trump havia abdicado desse protagonismo, lançando os Estados Unidos na contramão da História. Mas é um erro supor que tudo começou com o republicano. Na verdade, o erro histórico dos Estados Unidos foi continuar a tratar os vencidos na “guerra fria” — a antiga União Soviética e os países do Leste europeu — como inimigos a serem humilhados, espoliados e isolados politicamente. É esse hegemonismo truculento que está na gênese do trumpismo, marcadamente após a Guerra do Iraque, com o seu intervencionismo para derrubar regimes e refundar nações, alterando abruptamente a geopolítica de regiões inteiras. O ponto de inflexão dessa política, porém, foram os fracassos nas tentativas de derrubar os governantes da Síria, Bashar al-Asha,d e da Venezuela, Nícolas Maduro, por subestimar o poder de intervenção militar da Rússia e a emergência da China como potência econômica e diplomática.

No seu livro Sobre a China, Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano, que no governo Richard Nixon negociou com êxito o restabelecimento das relações dos Estados Unidos com os chineses, chamou a atenção para o fato de que as duas guerras mundiais do século XX resultaram de uma disputa pelo controle do comercio mundial no Atlântico por uma potência continental, a Alemanha, e uma potência marítima, o Reino Unido. Agora, o eixo do comércio mundial se deslocou para o Pacífico e a disputa continua sendo entre uma potência continental e uma marítima: China e os Estados Unidos, respectivamente. É preciso evitar que essa guerra comercial não se transforme numa guerra quente, não se cansa de advertir Kissinger, o ex-diplomata hoje nonagenário.

O erro estratégico de Bolsonaro e seu não-chanceler, Ernesto Araujo, foi acreditar que isolamento diplomático em que o país mergulhou, por causa de uma agenda negacionista, reacionária e antiambientalista, seria compensado pela aliança imediatista, não com o Estado norte-americano, mas com o presidente Trump. Deu errado. A águia do Norte novamente alçou voo, em busca da liberdade, mas o dragão chinês, nosso principal parceiro comercial, espreita o processo em curso antes de estrugir labaredas de fogo. A China dispõe de recursos humanos e financeiros, capacidade industrial e tecnologia para sustentar essa disputa por longos anos. O maior desafio para a diplomacia brasileira é não virar marisco nessa disputa, que continuará com Biden, em outros termos. Bolsonaro colecionou agressões aos chineses, que pacientemente observam o curso de nossas relações com os Estados Unidos. Se forem toscamente discriminados, principalmente no caso do 5G, vão se reposicionar política e comercialmente, com um poder de retaliação muito grande. Se tem uma coisa que falta ao governo Bolsonaro é politica externa independente e pensamento estratégico. O alinhamento com Trump foi o melhor exemplo.

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Luiz Carlos Azedo: Aposta de alto risco

Ninguém pode acusar Bolsonaro de incoerência. Como disse o chanceler Ernesto Araujo, com a atual política externa, o Brasil optou por ser “um pária” no cenário mundial

O presidente Jair Bolsonaro ontem, nas redes sociais, voltou a apostar todas as fichas na reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, além de denunciar suposta interferência externa na política norte-americana, sem dizer de quem. Ao mesmo tempo, o mundo aguarda em suspense o resultado do pleito, no qual o democrata Joe Biden é favorito nas pesquisas de opinião. Como escrevo antes da contagem dos votos, vou aguardar o resultado final da apuração; mesmo que, eventualmente, o presidente Trump autoproclame a sua vitória, na festa que organizou na Casa Branca para 400 convidados.

Aqui no Brasil, teríamos o resultado final da eleição, com precisão, no dia de votação, graças à urna eletrônica, à prova de fraudes, nossa melhor jabuticaba política, testada e aprovada. Nos Estados Unidos, com um sistema de votação anacrônico, que leva vários dias, inclusive com voto por correspondência, a apuração é mais complicada. Pode até gerar uma crise institucional, se Trump se declarar eleito e, depois, a contagem dos votos mostrar que o vitorioso é Baden. Como se sabe, o fato de o presidente ser eleito num colégio de delegados dos estados permite, inclusive, que o vitorioso não seja o mais votado nas urnas.

No dia da eleição, a maioria dos chefes de Estado manteve silêncio obsequioso sobre o pleito. Os líderes das democracias ocidentais, porém, torcem pelo democrata Biden, quando nada porque são confrontados pelo republicano Trump em todos os fóruns internacionais, até mesmo na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), o pacto de defesa do Ocidente. Entretanto, ninguém pode acusar Bolsonaro de incoerência. Como disse o chanceler Ernesto Araujo, com a atual política externa, o Brasil optou por ser “um pária” no cenário mundial. Sem Trump, porém, essa linha de atuação se tornará insustentável, devido ao isolamento diplomático quase absoluto. Somente os governos de extrema direita, como o de Victor Orban, na Hungria, e os tiranos árabes mais sanguinários restarão como aliados, do Brasil nos fóruns internacionais, se Biden vencer o pleito.

A não ser que Bolsonaro se reposicione. O alinhamento automático com os Estados Unidos, de imediato, não muda o posicionamento do Brasil nas cadeias de comércio mundial, nas quais nosso principal parceiro é a China. A ideia de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, grande aposta de Araujo e do ministro da Economia, Paulo Guedes, não é exequível a curto prazo. Não era com Trump, muito menos com Biden. No segundo caso, para avançar nessa direção, o Brasil teria que mudar radicalmente sua política interna em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente, além do posicionamento nos fóruns internacionais em relação aos mesmos temas.

Momento difícil

Um momento de viragem na política norte-americana ilustra uma situação desse tipo: a eleição do presidente Jimmy Carter, que governou de 1977 a 1981. No seu governo, o Departamento de Estado deu uma guinada em relação às ditaduras da América do Sul, todas implantadas com forte apoio norte-americano. Carter pressionou muito o governo do general Ernesto Geisel, por causa das torturas e dos assassinatos de oposicionistas nos quartéis, o que ajudou a oposição a vencer as eleições de 1978 e resultou na anistia de 1979. Como naquela ocasião, a vitória de Biden pode ser um momento de viragem na política brasileira. Bolsonaro tem dificuldades para aceitar essa mudança, mas em torno dele esse assunto está em pauta, haja vista as declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, que manteve distância regulamentar das eleições norte-americanas.

Um outro fator recomenda mais cautela de Bolsonaro quanto ao resultado do pleito: a nossa situação econômica. O Palácio do Planalto se prepara para uma segunda onda da pandemia de corona vírus da pior forma possível, ao fomenta dúvidas quanto a eficácia e a necessidade das vacinas contra o COVID-19, o que é péssimo. Também empurra as reformas com a barriga para não contrariar interesses corporativos e empresariais. A base parlamentar do governo retarda a aprovação do Orçamento da União para não ter que anunciar cortes de despesas antes das eleições. O ministro da Economia, Paulo Guedes, sonha com a prorrogação da “economia de guerra” para 2021, com o propósito de agradar o presidente Bolsonaro e criar o Renda Cidadã. É uma aposta de jogador compulsivo, que perde todos os bens e a família, acreditando na sorte grande.

O governo não tem prioridades, se movimenta de forma errática. A dívida publica brasileira, que já se aproxima de 100% do PIB, está sendo rolada a prazo de dois anos, com juros acima de 4,5%, o que é muito perigoso. Se a estratégia do governo for prorrogar a “economia de guerra”” por mais seis meses, a inflação vai disparar e a dívida pública crescerá mais ainda, vertiginosamente. Ontem, houve uma reunião dos governadores com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para discutir uma estratégia de vacinação contra a Covid-19, maneira de evitar uma segunda onda da pandemia no Brasil e a prorrogação da economia de guerra”. Quem deveria estar liderando isso é o Ministério da Saúde.

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Luiz Carlos Azedo: O que está em jogo

A maioria das pesquisas aponta a vitória de Biden, mas há cenários em que é possível a reeleição de Trump, mesmo que a maioria dos eleitores tenha votado no democrata

O mundo acompanha com grande expetativa as eleições norte-americanas, com as pesquisas de opinião apontando o favoritismo do democrata Joe Biden. Entretanto, o presidente republicano Donald Trump não se deu por vencido e trabalha abertamente para melar o resultado das eleições. Faz uma aposta no tapetão da Suprema Corte, cuja maioria é bastante conservadora, prometendo judicializar o pleito. Deseja questionar os votos por correspondência e não pretende aguardar o resultado final da apuração das urnas, declarando-se vencedor, caso nas primeiras 24 horas de contagem dos votos esteja em vantagem em relação a Biden.

Ontem, mais de 90 milhões de cidadãos norte-americanos já haviam votado e são exatamente os votos dos últimos dias, que vão se somar aos de hoje, que retardarão o resultado da contagem. A maioria das pesquisas aponta a vitória de Biden, mas há cenários em que é possível a reeleição de Trump, mesmo que a maioria dos eleitores tenha votado no democrata. Porque eleição do presidente dos Estados Unidos se dá num colégio eleitoral, cujos delegados são eleitos em bloco nos estados, não importa a proporcionalidade de votação dos candidatos. Simplesmente, quem ganha a votação no estado indica todos os seus delegados.

Por isso, a última semana de campanha foi um jogo de xadrez eleitoral, no qual os candidatos se movimentaram mirando eleitores indecisos, para obter resultados que possam alterar a correlação de forças no colégio eleitoral. Por exemplo, na Flórida, que tem 29 delegados, nas últimas cinco eleições os republicanos venceram três vezes e os democratas, duas. Trump tenta reverter a derrota prevista para Biden por este estado, onde a diferença era apenas de três pontos. Além de assegurar a vitória onde é líder — Iowa (+1 ponto nas pesquisas), Texas ( 2), Ohio ( 2), Alaska ( 6), por exemplo —, precisaria vencer em outros estados voláteis, como a Geórgia (0) e a Carolina do Norte (-3). E resgatar o Cinturão da Ferrugem — Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Minnesota —, onde garantiu a vitória contra Hillary Clinton, em 2016. É muito difícil.

Mudança de rumo
Estamos num salto parado no ar. Trump confrontou a agenda mundial, que apostava no cosmopolitismo, no multilateralismo e no desenvolvimento sustentável, com um impacto somente comparável ao de Ronald Reagan, eleito em 1980, cuja aliança com a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher pôs de joelhos o líder comunista Mikhail Gorbatchov. E foi coroada pelo fim da União Soviética e a restauração capitalista no Leste Europeu. É uma situação muito diferente da atual, na qual a guerra fria, pautada pela corrida armamentista, foi substituída por uma guerra comercial com a China, cujo capitalismo de Estado ameaça a hegemonia econômica dos EUA. Ao contrário de Gorbatchov, que sonhava com a democratização do socialismo, o líder comunista Xi Jinping não promete nenhuma abertura política no regime chinês.

Trump deu um cavalo de pau na política mundial: os EUA saíram do Acordo do Clima de Paris, repudiaram o acordo com o Irã, voltaram atrás no relacionamento com Cuba, atropelaram as regras da Organização Mundial de Comércio. Fomentaram uma onda conservadora e nacionalista em todo o mundo, aliando-se aos líderes mais populistas e reacionários do planeta. A derrota de Trump para Biden pode alterar esse curso, com reflexos benéficos para a cooperação internacional, os direitos humanos, as mudanças de gênero e a renovação da cultura, inclusive aqui no Brasil.

Sim, porque a política do presidente Jair Bolsonaro está atrelada à estratégia de Trump, não somente nos fóruns internacionais, mas também internamente, ainda que isso não faça nenhum sentido do ponto de vista da nossa inserção na economia global, pois nosso principal parceiro comercial é a China. Se Biden vencer, a guerra comercial com a China vai continuar, mas focada na questão da democracia, dos direitos humanos e das relações trabalhistas, nos fóruns internacionais. Terá reflexos também no Brasil, sobretudo em relação ao respeito às instituições democráticas, aos direitos civis e ao meio ambiente. Por isso, a permanência do chanceler Ernesto Araujo e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no governo será ainda mais questionada.\

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Carlos Sampaio: Risco ambiental e econômico

Não podemos dar argumentos para países criarem barreiras para nossos produtos

O Brasil sempre atraiu a atenção do mundo na questão ambiental pela sua riqueza. E o fator econômico contribui para elevar as cobranças sobre o nosso país, um dos principais players no disputado mercado internacional de commodities. Ainda mais quando se discute o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado no ano passado, depois de 20 anos de negociação.

O acordo eliminará tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos, mas ainda precisa ser ratificado por cada um dos países-membros. Há, portanto, muitas resistências a vencer.

Assim, não podemos dar argumentos para países criarem dificuldades ao acordo ou barreiras para nossos produtos, alegando que o Brasil não protege o meio ambiente. A França, por exemplo, já expressou essa posição.

Neste momento, em nada ajudam iniciativas ou omissões que possam lançar desconfiança sobre a política ambiental brasileira. A revogação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente de resoluções para a proteção de áreas de restinga, manguezais e outros sistemas sensíveis — derrubada depois pelo STF — é a polêmica mais recente.

A minimização de dados sobre o desmatamento na Amazônia ou de focos de incêndio no Pantanal e a precarização dos órgãos de fiscalização, como o Ibama, alimentam especulações contra o Brasil. Além disso, passam a mensagem de que as regras são abrandadas, o que estimula a prática de crimes.

Se não houver respostas mais objetivas e ações mais efetivas contra o desmatamento e de proteção ao meio ambiente, o Brasil continuará sendo criticado, podendo perder espaço no mercado. E, se o meio ambiente não for, de fato, protegido, as perdas serão incalculáveis para as gerações futuras.

O Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. E, como se diz, o governo já ajuda quando não atrapalha. Ainda mais numa área tão sensível como essa.

*Carlos Sampaio é líder do PSDB na Câmara dos Deputados e procurador de Justiça licenciado


Rosângela Bittar: O discípulo amado

No conflito Salles x Ramos, os nomes não importam. São as alas por trás deles que operam

Vamos invocar logo a Última Ceia, de Leonardo Da Vinci, no detalhe do discípulo amado: ao enterrar a cabeça no peito do presidente Jair Bolsonaro, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) criou, finalmente, um símbolo apropriado a este governo.

A uma semana das eleições presidenciais americanas e a duas das eleições municipais, no 9.º mês de mortes e medo da pandemia, ainda fumegando a Amazônia e o Pantanal, o Brasil se consagra na mediocridade, destemor e escárnio daquela cena trágica fotografada como cômica.

Num momento como este, foi o que sobrou. Desfecho de uma disputa de poder em que o presidente, mais uma vez, encerrou a conversa incômoda com afago ao time que lhe dá a cabeça ao cafuné. O grupo que Salles representa, ao qual, uma vez escolhido, serve seu corpo por encomenda à condução do conflito.

Este é um dos três núcleos que gravitam em torno do presidente e disputam a condição de serem o seu domicílio. Completam o círculo os militares e os políticos.

O mais recente conflito entre eles colocou, de um lado, o ministro Salles e, de outro, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Os nomes não importam, são os grupos por trás deles que operam. Tem explicação racional? Não. O que vai acontecer na sequência? Nada. Apenas aguarda-se o próximo episódio. É a dinâmica do governo Bolsonaro.

Convencionou-se caracterizá-los como alas, tributo ao país das escolas de samba. Denominação que guarda distorções. Da ala dos amigos do peito, definida como ideológica, não se conhece uma única ideia. Assim ficou porque se aglutinou, inicialmente, por obra do guru da direita bolsonarista, o escatológico Olavo de Carvalho.

Sua força, no entanto, vem do combustível principal, os laços de família do presidente. Filhos, ex-mulheres, amigos de toda a vida, assessores parlamentares de pelos menos quatro casas legislativas. Acrescidos, depois da chegada ao poder, de ministros, parlamentares (sobretudo evangélicos), manifestantes fanáticos, com destaque para as locomotivas desgovernadas das redes sociais.

Este é seu governo in pectore. Eles ganham sempre e, quando perdem, caem para cima, geralmente premiados com cargos no exterior. Ou recolhem-se para um discreto retiro de meia semana.

Bolsonaro foi buscar na caserna a mão de obra para levar adiante o governo. Nem durante a ditadura foi possível apreciar, como agora, a relação dos militares com os cargos. Assumiram o poder de maneira voraz, conquistando uma cidadela após a outra. Os dois núcleos se combatem desde o início, na disputa da preferência do presidente.

Supõe-se que no imaginário de Bolsonaro a presença dos militares lhe daria sustentação incondicional, quem sabe lhe possibilitando até ir além. Para ele, poder é poder, sem filigranas ou vãs filosofias. Fechado à realidade, não percebeu que as Forças Armadas se civilizaram. Muitos dos escolhidos tiveram vivência anterior intensiva na política, como assessores parlamentares, estabelecendo um relacionamento camarada com as lideranças no Congresso.

Foi para preservar a política, resgatada para o governo depois de patinarem quase dois anos, que os presidentes da Câmara e do Senado penderam, neste conflito, para o grupo militar. O que pareceu, a princípio, um tiro de bazuca para revidar uma puxada de estilingue, provou-se depois de intensidade excessiva, mas necessária. Os amigos do peito não têm limites.

O núcleo político começou a se consolidar com o Centrão, de reconhecido vazio moral e intelectual. Mas não é só ele. Jair Bolsonaro está dependente da velha política, em gênero, número e grau.

Até para dar a volta completa ao círculo e voltar ao ponto inicial, conquistando a meta de proteger os filhos. A doutrina do Centrão esconde a sentença não pronunciada: se é para salvar, salvemos todos, não apenas um senador membro da primeira-família.


Luiz Carlos Azedo: O cobertor curto

Indefinição em relação às reformas e impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento aumentam a insegurança Dos investidores na nossa economia

O Ministério da Economia anunciou que não pretende pagar o 13º. Bolsa Família neste ano, ao contrário do que aconteceu em 2019, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, talvez o primeiro sinal de que não se sente confortável com o programa social criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, carro-chefe da sua reeleição, em 2006. O cobertor está muito curto e a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro, que virou a principal ação social de enfrentamento da pandemia de Covid-19, já está deixando o governo de língua de fora.

O Bolsa Família é um auxílio para as famílias de baixa renda, que beneficia àquelas consideradas (1) extremamente pobres: com renda mensal de até R$ 89 por pessoa; e (2) pobres: com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, mas que incluam gestantes ou crianças e adolescentes de até 18 anos. No valor de R$ 89 mensais, pode ter parcelas adicionais de R$ 41 para crianças, adolescentes e gestantes; e R$ 48 para adolescentes de 16 ou de 17 anos. O valor total não pode ultrapassar R$ 372 por família, mas a média está em R$ 190, portanto, bem, abaixo dos R$ 300 do auxílio emergencial previsto para este último trimestre do ano.

Se pudesse, Bolsonaro trocaria o Bolsa-Família pelo Renda Brasil (ou outro nome que o governo resolva dar), já a partir de janeiro, mas não tem recursos em caixa para garantir o benefício sem romper a Lei do Teto de Gastos. Entre idas e vindas, o presidente da República acabou cedendo às preocupações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta conter os gastos do governo para evitar um descontrole total da economia. O cenário para o próximo ano é preocupante. O governo está tendo dificuldades para financiar a dívida pública, que deve chegar a 100% do PIB até o final do ano. Em setembro, a dívida aumentou 2,6% e chegou a R$ 4,5 trilhão.

Para financiar essa dívida, o Banco Central vende títulos da União, porém, está pagando juros anuais de 7,6% para os títulos com vencimento em dez anos, portanto, muito acima da taxa Selic, que está em 2%. Para reduzir essa diferença, reduziu o prazo de resgate para dois anos, obtendo taxa de juros de 4,57%, o que continua sendo muita coisa, ainda mais tendo que pagar esses títulos em 24 meses. Os juros no mercado futuro são pressionados pela alta do dólar, que ontem fechou a R$ 5,71, com impacto também nos preços ao consumidor. O IPCA acumulado nos últimos 12 meses está em 3, 14%, acima da meta de inflação, que é de 2,5%. Nesse rumo, o Banco Central terá que aumentar a taxa Selic para conter a inflação.

Orçamento

A economia mundial sofre o impacto da pandemia, mas aqui no Brasil a indefinição do governo em relação às reformas e o impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento da União colaboram para aumentar a insegurança. Além disso, a desastrada atuação do governo na questão ambiental afugenta investimentos. É um um quadro muito preocupante, porque o governo não tem como financiar a dívida pública de curto prazo sem uma política fiscal mais rigorosa.

Há uma certa esperteza do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ), ao não convocar a reunião da Comissão de Orçamento, pois empurra o ajuste fiscal para depois das eleições municipais. Aproveita o impasse criado pela queda de braços entre o líder do PP, Artur Lira (AL), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pela presidência da comissão, para a qual o Centrão indicou a deputada Flávia Arruda (PL-DF). O candidato de Maia é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). A disputa é uma espécie de preliminar para o embate que haverá na eleição da Câmara. Lira pretende suceder Maia, com apoio do Palácio do Planalto, mas o atual presidente da Câmara apoia o líder do MDB, Baleia Rossi (SP).

A criação da Renda Brasil passa pela Comissão de Orçamento, cujo relator é o senador Marcio Bittar (MDB-AC), que tentou antecipar a criação do programa. Não conseguiu por causa das divergências entre a equipe econômica – que quer extinguir outros programas sociais – e o próprio presidente da República, além de algumas impropriedades jurídicas, como a utilização de recursos destinados ao pagamento de precatórios. Quando a Comissão de Orçamento for instalada, a discussão sobre o novo programa social será retomada, mas pode enfrentar mais dificuldades ainda, por causa dos impactos da pandemia na economia.

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Rubens Barbosa: As novas ameaças e o Brasil

País deve acompanhar a evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Grande parte das facilidades da nossa vida no planeta Terra depende, para seu funcionamento diário, de objetos baseados no espaço. Sistemas de comunicação, transporte aéreo, comércio marítimo, serviços financeiros, monitoramento de clima e defesa dependem da infraestrutura espacial, incluindo satélites, estações terrestres e movimentação de dados em âmbito nacional, regional e internacional. Essa dependência apresenta sérios – e frequentemente pouco percebidos – problemas de segurança para empresas provedoras e para os governos.

Nesse cenário, começam a ser examinadas novas ameaças de ataques aos satélites em órbita que podem afetar todos os serviços e facilidades mencionados. Essas ameaças devem estar sendo avaliadas pelo governo brasileiro. Além disso, a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, tornada possível depois de décadas de decisões equivocadas, representa um grande desafio para o governo e as empresas brasileiras. Não só pela necessidade de melhoria na infraestrutura da região e do próprio centro, mas também na legislação interna, sobre uma lei do espaço (que defina as atividades comerciais no espaço, como a utilização de detritos espaciais), sobre o órgão responsável pela negociação com empresas interessadas na utilização do CLA, a definição do contrato de licenciamento de lançamento, a ser assinado com a autoridade nacional e o comércio de tecnologia espacial.

Como qualquer outra infraestrutura digitalizada, satélites e outros objetos baseados no espaço são vulneráveis, em especial, a ameaças cibernéticas. As vulnerabilidades cibernéticas apresentam riscos muito sérios não só para esses objetos, mas também para infraestruturas essenciais terrestres. Se não forem contidas, essas ameaças poderão interferir no desenvolvimento econômico global e, por extensão, na segurança internacional. Cabe registrar que essas preocupações não são meramente hipotéticas. Na última década mais países e atores privados conseguiram adquirir e empregar meios para afetar esses objetos espaciais críticos com aplicações inovadoras que começam a representar uma ameaça real ao seu funcionamento.

A ideia da guerra espacial não é nova, começou com os foguetes V-2 da Alemanha. A eventual atividade bélica no espaço hoje se concentra nos instrumentos utilizados para as guerras na Terra. Os satélites são utilizados nas operações militares para identificar alvos e responder a questões estratégicas, além de localizar as forças militares e bombas e obter informações nos teatros de guerra. Isso torna os satélites alvos atrativos para mísseis terrestres. EUA, China e Índia estão desenvolvendo armamentos destrutivos de objetos no espaço, visando a impedir os sinais para a Terra dos satélites militares com lasers ou mesmo os explodindo, fazendo detritos se espalharem pelo cosmo. Estão também tornando suas Forças Armadas voltadas para o espaço. Em 2019 foi criada pelo governo dos EUA a Força Espacial, serviço militar independente cujos doutrina, treinamento e capacidade estão sendo definidos pelo Pentágono.

Para tentar evitar uma lei da selva espacial começa a ser discutido algum tipo de regime multilateral. No momento não há leis nem normas específicas para uma eventual guerra espacial. O Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, proíbe a utilização de armas de destruição em massa no espaço, mas não trata de armas convencionais. Se dois satélites, por exemplo, ficam muito próximos de maneira ameaçadora, não há respostas adequadas. Em 2008 a União Europeia propôs um código de conduta voluntário para promover “comportamento responsável” nessa área. No mesmo ano, para se contrapor a essa iniciativa, China e Rússia propuseram um tratado que proibiria armas no espaço. O tratado não visava armas antissatélites, mas armas antimísseis baseadas no espaço. A oposição à iniciativa europeia, além da Rússia e da China, veio da América Latina e da África.

Apesar de apoiar a desmilitarização do espaço, os países dessas regiões não aceitaram que os países com objetos no espaço pudessem ter o direito de usar a força para defendê-los. Nenhuma das duas iniciativas prosperou, mas experimentos militares com fins ofensivos continuam a ser feitos visando à eventual destruição de satélites que poderão ter efeitos devastadores para a defesa e as comunicações globais.

O governo brasileiro não poderá perder de vista as transformações positivas que ocorrerão na área aeroespacial pela redução de custos, por novas tecnologias e, sobretudo, pelo aparecimento de uma nova geração de empresários privados operando ao lado dos governos. Turismo para os ricos e mais avançada rede de comunicações para todos, exploração mineral e transporte de massa passarão a ter um impacto nos negócios e tornarão o espaço uma verdadeira extensão da Terra. Com visão de futuro, o Brasil, que passará a ter interesses concretos nesse campo, deveria fazer o acompanhamento da evolução tecnológica e geopolítica da exploração espacial.

Sem descurar das novas ameaças que começam a ser discutidas agora e poderão afetar as facilidades terrestres de que dispomos, o Brasil deveria participar dessas conversações, quando retomadas.

*Presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen)


Míriam Leitão: Crimes no solo da Amazônia

Os grandes números impressionam, a descrição dos crimes encontrados no solo da Amazônia, também. A Operação Verde Brasil 2 aplicou de 11 maio até esta semana multas no valor total de R$ 1,696 bilhão. O Exército em solo e a Marinha nos rios apreenderam carregamentos de madeira suficientes para encher duas mil carretas. E isso foi até a última quarta-feira. Em apenas uma operação contra o garimpo ilegal foram encontrados 45 quilos de ouro. Ao todo nesses meses foram apreendidas oito mil toneladas de minerais ilegalmente extraídos, a maior parte manganês.

Os 45 quilos de ouro têm o valor de R$ 15 milhões. Foram encontrados dentro da Reserva Biológica de Maicuru, entre os municípios de Santarém e Itaituba, numa operação nos dias 9 e 13 de outubro. O local é definido pelos militares como “totalmente inóspito e de difícil acesso”. Foram por ar com a Força Aérea. Junto com os militares, a Polícia Federal e o Ibama. Lá, destruíram também 15 motores estacionários de garimpo.

Eles não saem assim às cegas. Em Brasília um grupo reúne todos os órgãos envolvidos com o tema. Um deles é o Inpe. Com imagens de satélite escolhe-se onde agir. Em videoconferências falam com os comandos militares na Amazônia. No resto é patrulha mesmo por terra, rio e ar.

Na manhã de 2 de setembro, as tropas das Forças Armadas chegaram numa fazenda que fica a leste da Terra Indígena Yanomami, ao norte da Estação Ecológica Niquiá, no município de Caracaraí. Estavam juntos técnicos do ICMBio, policiais militares de Roraima e fiscais ambientais do estado. Era uma atividade de combate ao garimpo ilegal. Eles apreenderam quatro aviões, mas havia outras aeronaves sendo consertadas e uma sendo montada. Havia uma pista de pouso e um hangar com espaço para cinco aviões.

As distâncias são enormes e só podem ser vencidas com o que eles chamam de “uma logística forte”, que apenas as Forças Armadas têm. Os militares dizem que precisam da cooperação dos órgãos ambientais. Na verdade, eles definem a Verde Brasil 2 como uma operação interagências. E a lista inclui, além das três forças, ICMBio e Ibama, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Incra, órgãos ambientais estaduais e polícias locais.

No dia 25 de junho, um navio patrulha da Marinha encontrou carregamento de madeira na foz do Rio Tocantins, no Pará. Havia três empurradores e quatro balsas levando ao todo mil toras de madeira ilegal. A carga era tanta que punha em risco a navegação. Dois dias depois aportaram em Belém e o material foi entregue às autoridades ambientais do Pará.

— Quando a gente não consegue evitar o desmatamento, a gente apreende o resultado do crime para dar um prejuízo ao malfeitor e desestimular a continuidade do crime — disse um militar.

Ao todo, foram 765 os equipamentos inutilizados ou destruídos este ano. São veículos, motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas. Isso, além das mais de mil embarcações apreendidas e 390 dragas. Em Humaitá, pegaram de uma só vez 64 dragas.

— Os garimpos são enormes, muitas vezes em áreas protegidas. Os servidores do Ibama e do ICMBio são poucos. Precisam ser levados, em geral pela Força Aérea. A multa é aplicada pelo Ibama e pelo ICMBio. O papel das Forças Armadas principal é logística, de levar esse fiscal para lugares que ele não conseguiria chegar, e ao mesmo tempo dar proteção a ele. Num garimpo enorme desses, o fiscal vai sozinho? É um perigo. É pouquinha gente (das agências ambientais) para umas coisas enormes e interesses muito grandes por trás — explica um oficial.

A Operação Verde Brasil 2 está prevista para terminar em 6 de novembro. Terão sido seis meses. As multas aplicadas foram muito maiores do que no ano passado.

— Até hoje foram combatidos 7.500 focos de incêndio e foram realizadas 44.900 inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas. É bastante. É o suficiente? Não. Isso tudo é emergencial. A gente está com um problema grande e está aqui combatendo os efeitos para tentar reduzir. É necessário ter uma política de empoderamento desses órgãos ambientais — explicou o oficial.

O discurso do governo confunde, mas a ação do Estado diante da grandeza da Amazônia só dá certo quando há cooperação entre seus vários braços e os objetivos são permanentes.

Com Álvaro Gribel


Desmonte de política ambiental respalda queimadas no país, mostra reportagem

Dimensão exata da destruição do Pantanal ainda é incerta diante da imensidão de incêndios, analisa revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Os impactos das queimadas no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são analisados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de outubro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

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De acordo com a reportagem, além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas deste ano no Pantanal são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia, conforme mostra a reportagem. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal.

O texto também lembra que, em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o "bombeiro do Pantanal" e, segunda ela, as queimadas e o "desastre" na região poderiam ter sido menores, se houvesse mais gado no bioma. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

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Luiz Carlos Azedo: Desinvestimento no futuro

“O governo não se convence de que a floresta em pé, com sua biodiversidade, é uma fonte inesgotável de riquezas. Houve uma mudança de paradigma na economia”

O presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou, ontem, que convidará diplomatas estrangeiros para visitar a floresta amazônica, que não verão “nada queimando ou sequer um hectare de selva devastada”. A afirmação foi feita na formatura dos novos diplomatas do Itamaraty, que aprenderam tudo ao contrário no Instituto Rio Branco e ficaram estupefatos. No fundo, essas declarações de Bolsonaro são pura contra-informação, uma tentativa de criar uma cortina de fumaça para encobrir a nossa crise ambiental, nos dois sentidos: de um lado, protege os predadores das florestas — grileiros, garimpeiros, madeireiros, pecuaristas e fazendeiros inescrupulosos —, que continuam fazendo queimadas e desmatando; de outro, tenta enganar a opinião pública mundial quanto à política antiambientalista de seu governo, o que já não cola mais nem no exterior.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro a setembro deste ano, foram registrados 76.030 pontos de fogo. A última vez em que houve registro de número superior foi em 2010 — 102.409, em igual período. No mesmo dia em que Bolsonaro deu a declaração, o Ibama determinou a interrupção do trabalho de todas as brigadas de incêndio, por falta de recursos financeiros, sendo que alguns contratos estão com pagamentos atrasados há três meses. Na verdade, a estratégia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é inviabilizar o cumprimento da legislação ambiental ainda vigente, que, por enquanto, não teve força para derrubar, e desmantelar seus órgãos de controle, o Ibama e o ICMBio.

As declarações de Bolsonaro sobre a Amazônia estão em contraposição aos fatos. No exterior, isso passa a ideia de um governo descomprometido com a verdade, que tenta mascarar seus atos com uma narrativa insustentável. No plano internacional, é um desastre de grandes proporções, que pode ter a mesma consequência que sequestros, torturas e assassinatos de oposicionistas tiveram durante o regime militar: perda total de credibilidade junto às chancelarias e aos investidores. Com o agravante de que uma eventual derrota do presidente Donald Trump nas eleições norte-americanas, com a eleição do democrata Joe Biden, pode resultar numa invertida semelhante àquela que houve no governo do general Ernesto Geisel, com a eleição do democrata Jimmy Carter.

O Palácio do Planalto é prisioneiro dos velhos conceitos do regime militar sobre a ocupação e a exploração da Amazônia, que se baseavam no binômio integração e desenvolvimento e se traduziam na construção de rodovias, mineração e derrubada da mata para exploração comercial e produção agrícola. Hoje, tudo mudou, são outros os paradigmas, mas o governo não se convence de que a floresta em pé, com sua biodiversidade, é uma fonte inesgotável de riquezas. Além disso, não se dá conta de que houve uma mudança de paradigma na economia mundial, que já registra um grande desinvestimento na economia do carbono. Cada vez mais, as grandes empresas e fundos de investimentos submetem suas decisões ao crivo do politicamente correto do ponto de vista ambiental. E nós estamos fazendo tudo errado.

Mercado
Talvez, o melhor exemplo dessa mudança seja a estratégia adotada pelo Rockefeller Brothers Fund, que, em 2015, deixou de investir no mercado de petróleo e carvão e passou a apostar na economia verde. A fortuna da família Rockefeller foi construída com base no petróleo, mas, agora, está sendo direcionada para um movimento global de investidores interessados em descarbonizar a economia, como estratégia de reduzir os riscos de seus investimentos a médio e longo prazos. Mais de 500 instituições possuidoras de US$ 3,4 trilhões em ativos assumiram compromissos para ações de desinvestimento, ou seja, retirar a aplicação de seu capital de empresas e atividades econômicas intensivas em carbono. E os chamados Investimentos Sustentáveis e Responsáveis (ISR, ou SRI, na sigla em inglês), segundo a Global Sustainable Investment Review, realizados com critérios de sustentabilidade, entre eles, o de baixo carbono, representam mais de 30% dos ativos nos mercados de Europa, Estados Unidos, Canadá, Ásia, Japão, Austrália e África. São mais de US$ 60 trilhões que estão em jogo.

No momento, a grande dor de cabeça do ministro da Economia, Paulo Guedes, é a alta vertiginosa dos juros futuros, que estão três vezes mais caros do que a taxa Selic. Isso significa que o governo está tendo de se endividar muito mais para que o Banco Central (BC) consiga vender os títulos da dívida pública, além de encurtar o prazo de resgate desses títulos de seis para dois anos, o que pode resultar numa crise financeira grave em 2022. Esse fenômeno está sendo atribuído aos gastos públicos com a pandemia do novo coronavírus, porém, não é somente consequência de a dívida pública ter chegado próximo a 100% do PIB, o que aumentou o poder de barganha dos compradores. O outro lado dessa moeda é a fuga crescente dos investimentos produtivos, entre outras razões, por causa da política ambiental.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-desinvestimento-no-futurox/

Por que Bolsonaro cessou política de confronto com Legislativo e Judiciário?

Editorial da revista Política Democrática Online de outubro destaca que estratégia é para ‘ganhar tempo e fortalecer posições do governo’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A política de confronto aberto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o Legislativo e o Judiciário não cessou por alguma mudança nas convicções profundas dele e de seu círculo mais próximo, mas pela ausência das condições mínimas necessárias para levar essa política às últimas consequências. O alerta é do editorial da revista Política Democrática Online de outubro, cujos conteúdos são disponibilizados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

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De acordo com o editorial, a mudança da estratégia de Bolsonaro é para ganhar tempo e fortalecer as posições do governo, com dois objetivos, especificamente. O primeiro deles, diz o texto, é possibilitar o aceleramento da política de destruição nacional em andamento.

“Passar a boiada, na expressão do ministro [do Meio Ambiente, Ricardo Salles], para avançar no rumo da catástrofe ambiental, do isolamento internacional, do desastre sanitário, do retrocesso educacional, bem como da transformação da segurança pública e dos direitos humanos em campos repletos de minas”, afirma o editorial da revista Política Democrática Online.

O segundo objetivo, de acordo com o texto, é criar as condições para revisitar a estratégia do confronto, quando as consequências da crise e a responsabilidade do governo sobre o processo aparecerem de forma mais clara para a opinião pública. “Cenários de popularidade baixa e dificuldades eleitorais crescentes são propícios para investidas populistas contra a legitimidade do processo eleitoral”, diz um trecho.

Por isso, conforme destaca a revista, cabe às oposições não ceder às tentações da divisão, ao conforto ilusório do isolamento. “Urge retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”, destaca. 

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Luciano Huck: Não será possível crescer sem um plano de metas ambiental

Somos um país rico por natureza, e pobre por escolha

Sigo achando que no espaço de uma geração não iremos produzir tênis mais baratos que a China, tampouco componentes eletrônicos mais competitivos que Taiwan. Mas sigo também acreditando que nenhum outro país no planeta tem o potencial natural que o nosso.

Somos um país rico por natureza, e pobre por escolha. Assim sendo, já está mais do que na hora de entendermos que pensar verde, além de fazer bem para nossa consciência, fará ainda mais pelos nossos bolsos. Já cheguei a tratar deste tema em outro artigo aqui nesta Folha, mas o noticiário e a conjuntura exigem que o debate vá adiante.

Minha curiosidade se divide entre os dois séculos e de tudo o que o mundo passou nestas últimas décadas.

Acabo de ler o livro “Brasil, Paraíso Restaurável”, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib. Ele traz posições que permitem ampliar ainda mais o pensamento do futuro do Brasil como potência verde.

Está claro que a bússola mudou depressa na virada do milênio.

Duas décadas atrás, as nações guiavam-se pelas metas de crescimento da produção. Aprendemos a medir sucesso ou insucesso na economia por meio das taxas de crescimento do PIB.

Hoje muito se discute se esta métrica já não deveria ter ficado no século passado. Ainda não temos algo confiável e aceito por todas as economias do planeta como um marcador mais moderno, mais conectado com os anseios e necessidades das sociedades, países e do planeta como um todo. Mas vale registrar o que já esta acontecendo —e refletir sobre isso.

Na Alemanha, por exemplo, o rumo mudou de norte em 2005, quando o governo passou a perseguir o objetivo central de transitar para uma economia limpa. Desde então, todo o planejamento estratégico do país é montado para cumprir metas quantitativas relacionadas a combater o aquecimento global. A União Europeia passou a seguir o modelo a partir de 2007.

O crescimento da produção não foi esquecido. Mas foi inteiramente subordinado ao Plano 20-20-20: 20% de aumento na produção de energia renovável; 20% de diminuição no consumo de energia; 20% menos emissões de gases de efeito estufa.

A meta, adotada em 2007, foi cumprida antes do prazo de 2020. Neste ano, em plena crise da Covid, foi substituída por outra, ainda mais ambiciosa: o Green Deal. Esta meta central da União Europeia já não é apenas um instrumento de planejamento. Foram alocados 2 trilhões de euros —todo o plano de ajuda econômica para vencer a recessão— como instrumento para se alcançar uma economia sem emissões positivas em 2050.

Em pouquíssimas palavras: o futuro da economia da União Europeia está sendo associado à criação de uma economia limpa. Todo o dinheiro, todo o esforço econômico, toda a política social, todo o desenho de organização do mercado.

Mas isso não é só um fenômeno europeu. Vejamos a China. Se nas últimas décadas foi a grande vilã no litígio produção versus sustentabilidade, ela tem agora um objetivo central da ação econômica a que chamaram de “Uma Civilização Ecológica”.

O objetivo norteia o Plano Quinquenal 2016/2021, que centraliza a ação interna do governo: 10 das 13 grandes metas nacionais estão relacionadas ao meio ambiente. Já a política externa tem como norte o programa intitulado “Cinturão e Rota” – com o objetivo central de levar ao mundo a civilização proposta.

Essa nova bússola de grandes governos mostrou-se capaz de dar suporte a uma monumental mudança na avaliação para alocação de capitais privados, em escala planetária. A estimativa atual é a de que existe algo em torno de US$ 30 trilhões (cem vezes as reservas brasileiras) de investimentos privados que só podem ser aplicados em projetos que levem ao equilíbrio ambiental.

O roteiro para aplicação tem o nome de cláusulas ESG (Environmental, Social, Good Governance –Ambiental, Social e Boa Governança, em português). É acatado pelos maiores fundos de pensão, seguradoras, grandes fundos de investimento – e por uma infinidade de bancos e empresas. Todos optando voluntariamente por aportar dinheiro segundo essas cláusulas.

Os frutos das aplicações na economia real são cada vez mais visíveis. A produção de energia solar e eólica foi multiplicada por 150 entre 2000 e 2020. Neste ano, por causa da recessão, a previsão é de que as fontes renováveis como um todo superem o carvão –a fonte de energia mais comum desde o século 18, além de ser a mais poluente– na matriz elétrica mundial.

Nos Estados Unidos a mudança para o planejamento estratégico a partir de metas ambientais foi já adotada em 24 estados. O governo federal, sob Donald Trump, ficou de fora. Mas vale notar que o ponto número um do programa do candidato democrata Joe Biden é fazer exatamente o mesmo que a União Europeia e a China fazem.

E o Brasil? O país vive de opostos. De um lado é o país onde a natureza produz mais vida no mundo —e onde, ao longo dos séculos, empresários, empreendedores e pessoas de todos os estratos sociais moldaram uma matriz energética que é a mais limpa do mundo.

Do outro, é o país mais distante da adoção das metas nacionais de transição para uma economia limpa. O governo federal planeja e –pior– executa na direção contrária. Governos estaduais hesitam em abraçar essa agenda. Os candidatos a prefeito deveriam ter em seus programas como efetivamente pretendem melhorar a situação ambiental de sua cidade —mas em geral não têm.

Andamos na contramão do mundo por gosto, não por precisão. Não na economia real, mas no quadro institucional. A situação só não é pior porque, no setor privado, muitas grandes empresas têm se movimentado, saído da inação para ações concretas na tentativa de proteger nossa imagem mundo afora e a nossa economia.

Assim estamos jogamos pela janela aquela que é uma oportunidade secular para avançar. No século 19, nos faltou carvão. Na maior parte do século 20, nos faltou petróleo. Não falta sol, nem vento, nem plantas que fornecem combustível que não produz efeito estufa. Temos tudo para a economia do século 21.

A matriz energética que a União Europeia, a China e, dependendo das eleições, os Estados Unidos querem para 2050 pode ser alcançada no Brasil em menos de uma década. O país tem a base real para ser a grande economia limpa do planeta.

Mas, no ritmo que a banda toca, corremos um seríssimo risco de sermos enquadrados pelas três maiores economias do mundo como um país irresponsável na luta pelo equilíbrio ambiental. Nos últimos anos, detentores de grandes capitais vêm tentando convencer as autoridades brasileiras que estão fazendo o pior negócio do mundo ao chutar o dinheiro ESG. Se houver união dos governos das três grandes economias nesse jogo de pressão, restrições mundiais à produção brasileira entrarão muito depressa no horizonte.

Temos de mudar, e mudar bem depressa. Não se trata de programa para um governo, mas para a Nação. Um sonho maior, um plano de metas ambiental. De braços dados com o melhor do setor privado para executar seu papel essencial para que a mudança aconteça. Ecoar as boas ideias. Na União Europeia e no programa de Biden, o investimento em transição ambiental surge como fonte de empregos e de uma economia de serviços na área rural. De maior justiça social.

O Estado brasileiro foi montado para resolver os problemas de desenvolvimento de 1950, concentrando capitais para grandes projetos. Este objetivo de futuro já ruiu. Perdemos tempo, mas –graças à nossa natureza fértil, enorme potencial energético renovável e diversidade de biomas– ainda temos oportunidade. Temos a sorte ser donos de um passe fundamental para a nova era. Não podemos desperdiçar. Precisamos mudar –pois nos interessa e nos orgulha– ou seremos mudados à força e com vergonha.

Infelizmente hoje o Brasil não lidera nenhuma agenda global, além da tragédia da Covid-19, mas estou seguro de que, com uma mudança clara de caminho, podemos exercer mais rápido que o período de uma geração o papel de grande Potência Verde do planeta. Um país altamente produtivo, de fato comprometido com o meio ambiente e gerando riquezas para combater suas desigualdades. Eu acredito.

*Luciano Huck, apresentador de TV e empresário