meio ambiente
COP27: o que significa 'perdas e danos' nas discussões sobre as mudanças climáticas
Navin Singh Khadka*, BBC News Brasil
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras "perdas e danos" ("loss and damage", em inglês) significam. O termo abrange tanto as perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas (mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão das "perdas e danos" na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como "mitigação" nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, a "adaptação".
"As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por tempestades potencializadas, inundações devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do próximo desastre", diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG Climate Action Network International.
"São as comunidades que menos contribuíram para causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos."
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao clima sofreram perdas econômicas de mais de US$ 500 bilhões entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
"Cada fração de aquecimento a mais significa mais impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030", escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo do México.
"A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos. Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica."
O ano passado também registrou o terceiro maior número de tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
"Vários países estão passando por secas mais profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de subsistência", diz o banco.
"No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018."
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de 1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a importância de "evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas". Mas nunca foi decidido como fazer isso.
"Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento", diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
"Havia preocupação entre os países desenvolvidos de que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países desenvolvidos."
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva sobre a questão.
"Exigimos financiamento regular, previsível e sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre quase todos os dias", defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a postura dos países ricos.
"Na verdade, é uma traição à confiança a forma como os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as pessoas e os países vulneráveis", afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1 milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa, argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/geral-63593520/p0dfgsg1/pt-BRLegenda do vídeo,
Perdas e danos: a 'conta climática' que pode recair sobre países ricos
"O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os países que selecionou", disse o principal negociador de finanças climáticas do grupo, Michai Robertson.
*Texto publicado originalmente no site da BBC News Brasil
Boicote ao Fundo Amazônia foi "opção política" da gestão Bolsonaro
Nara Lacerda*, Brasil de Fato
O Brasil tem mais de R$ 3 bilhões de reais parados no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que deveriam ser destinados à preservação da floresta amazônica, mas foram desprezados pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Ao decidir que não iria cumprir as regras para uso dos recursos do Fundo Amazônia, o governo de extrema direita mandava um recado para a comunidade internacional: o país estava fora dos debates globais sobre preservação ambiental.
Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a coordenadora de Política e Direito Socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que o boicote foi uma "opção política".
Em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu os dois comitês responsáveis pela gestão dos recursos. A formação dos grupos, que atuam no controle e na aplicação do dinheiro, é uma obrigação contratual. Sem eles, o fundo deixa de existir.
"Nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês. Foi uma opção política não utilizar esse recurso. Esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável. O governo não conseguiria utilizar esse recurso para outros fins. Então, ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia."
O descumprimento das condições exigidas pelos países financiadores do fundo sabotou um mecanismo importante e estremeceu as relações com outras nações. O estrago foi considerável, porque o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para políticas ambientais.
"Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro. Isso é tão reconhecido internacionalmente, que já no processo eleitoral havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias."
Na semana seguinte à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, Alemanha e Noruega – os dois financiadores do fundo – declararam que vão retomar o aporte de recursos para preservação da Amazônia.
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal retome o mecanismo e recomponha os comitês responsáveis pela gestão dos recursos.
Enquanto o Fundo Amazônia estava parado, as taxas de desmatamento aumentaram em todos os biomas, principalmente na Amazônia. A devastação este ano já é 33% maior do que tudo o que foi registrado em 2021.
Confira abaixo entrevista completa.
Brasil de Fato: O que o Fundo Amazônia representa para a política de preservação ambiental no Brasil?
Adriana Ramos: O Fundo Amazônia foi criado para que o BNDES recebesse um recurso que foi, na época, destinado pelo governo norueguês. Depois teve um aporte também do governo alemão, reconhecendo os esforços na redução do desmatamento, que aconteceu exatamente a partir do primeiro mantado do governo Lula e até o início do primeiro mandato do governo Dilma.
O Brasil foi um dos países que mais reduziu emissões de gases que causam o efeito estufa com a redução do desmatamento. Nesse sentido, se qualificou como país que poderia receber recursos para investimentos nessa área. Como um pagamento por resultados que já tinham sido alcançados pelo governo brasileiro.
Esse fundo é administrado pelo BNDES, mas conta com dois comitês. O primeiro é um comitê técnico que atesta as taxas de desmatamento que estão sendo alcançadas no país para sinalizar quanto o país tem de resultados a aferir financeiramente.
O outro comitê é o comitê orientador do Fundo Amazônia, criado para reunir parte do governo federal, os governos estaduais da Amazônia e a sociedade civil, para discutir as grandes diretrizes de investimentos do fundo. Quais são as áreas que deveriam ser privilegiadas, como os projetos poderiam acontecer e poder ajudar o fundo a direcionar esforços para manter as políticas e ações que ajudam o desmatamento a ficar baixo.
Essa foi a lógica do fundo. Ele funcionou por praticamente dez ano, com muitas dificuldades já nos últimos tempos, em função dessa disputa muito grande de vários setores, como o agronegócio e a mineração, com pressão sobre a floresta.
Obviamente o fundo cumpre um papel fundamental, mas ele sozinho não dá conta do recado. Ele precisa estar ancorado em uma política. Ele foi criado no âmbito de prevenção e combate ao desmatamento, mas a desmobilização desse plano também afetou o fundo. Tendo em vista que não há esforço de investimento suficiente que resista a baixa aplicação da legislação e uma certa leniência com a ilegalidade, que nós vimos nos últimos quatro anos
Como ocorreu a extinção do Fundo Amazônia?
O que temos que entender é que nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês, que eram uma condição contratual dos financiadores pra utilização dos recursos.
Mais de R$ 3 bilhões estão parados nas contas do BNDES desde o início do governo Bolsonaro. Foi uma opção política do governo Bolsonaro não utilizar esse recurso. Porque esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável.
O governo não conseguiria utilizar esse recursos para outros fins, então ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia.
O que aconteceu quando o fundo foi criado é que o contrato dos doadores com o BNDES tem as chamadas salvaguardas, exatamente para não permitir que o dinheiro seja usado para qualquer coisa. Uma delas é a existência desses comitês com a participação da sociedade.
Esses comitês é que definem as prioridades onde o recurso pode ser utilizado. Ao editar uma medida que cancelava o funcionamento desses comitês, o governo fez a opção por não utilizar o recurso.
Talvez eles tivessem a expectativa de que sem os comitês eles poderiam destinar o dinheiro como quisessem. É aí que essas medidas aparecem como salvaguardas, porque foram feitas exatamente para salvaguardar o interesse público diante de algum interesse específico que não fosse adequado aos objetivos do fundo. Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro.
Isso é tão reconhecido internacionalmente que no processo eleitoral já havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias. Agora de qualquer maneira, porque a decisão do Supremo Tribunal Federal manda o governo, seja lá qual for, recompor essas instância.
Os doadores foram além, os resultados das eleições fizeram com que eles sinalizassem a vontade de continuar apoiando o fundo, além desse recurso que já está lá. O que é uma ótima notícia, porque a verdade é que o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para fazer suas políticas ambientais avançarem e, cada vez mais, vamos precisar disso.
Como é possível recuperar esse prejuízo de quatro anos?
Tem muita coisa para fazer. Eu acho que esse primeiro anúncio mostra que o presidente Lula ainda está na memória dos demais dirigentes como o presidente que mais reduziu o desmatamento no Brasil.
O fato de ele ter ao lado dele, nessa campanha de segundo turno, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, trazendo uma proposta que deu mais consistência à agenda ambiental no programa de governo, também é uma sinalização muito objetiva para quem já teve oportunidade de ver que essas pessoas juntas conseguiram fazer a diferença.
Agora, o desmonte é muito grande. Há centenas de medidas revogadas ou editadas que precisam ser revistas, porque todas as estruturas do sistema nacional do meio ambiente e do Ministério do Meio Ambiente foram alteradas.
O Observatório do Clima fez um mapeamento, no âmbito do projeto Brasil 2045, um mapeamento das políticas e das normas que precisam ser revistas. O grupo do Instituto Talanoa, Política por Inteiro, também produziu um material nesse sentido.
Então tem tudo muito sistematizado. São mudanças que vamos precisar que sejam feitas imediatamente, assim como a recomposição das instâncias do comitê do Fundo Amazônia, a recomposição da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), todas as estruturas dos procedimentos de fiscalização e aferição de multas de crimes ambientais, que foram totalmente alteradas para beneficiar aqueles que estavam atuando de forma irregular.
Temos muita coisa que precisa ser refeita e estruturalmente, para que se possa começar a trabalhar no desenvolvimento de novas políticas.
O governo eleito de Lula sinaliza para a possibilidade de derrubar as medidas da gestão atual que representaram desmonte. No chamado revogaço prometido por Lula, quais são os pontos mais urgentes para o meio ambiente?
É muita coisa e muita coisa que é norma infralegal. Portarias, instruções normativas, que organizavam como uma burocracia funcionava e que foram alteradas.
Temos um exemplo no processo de fiscalização. O fiscal vai a campo, autua alguém que ele encontrou agindo de forma irregular e, na área ambiental, foi estabelecido um procedimento de que essa multa, antes de entrar no sistema direto do fiscal, ela tem uma verificação em uma instância acima do fiscal, que seria uma instância política para verificar se aquela multa vai adiante ou não.
Pequenas coisas que fazem muita diferença no sistema como um todo. Foi esse pente fino que as organizações ajudaram a fazer para poder identificar. Então são muitas medidas. Essa eu acho que ela é muito simbólica porque ela mostra como, ao alterar uma rotina de trabalho da fiscalização ambiental, você diminui a responsabilização por aqueles que agem na ilegalidade. Vai diminuir a forma de cobrar multa.
Tivemos, por conta dessas mudanças recentemente, muitas multas que estavam para expirar o prazo e aí é o poder público que perde. É o interesse público que perde quando você abre mão dessa cobrança.
Existem várias instâncias de conselhos que são importantes para definir como a política vai avançar. Medidas que revogaram essas instituições precisam ser revogadas para que as normas voltem a valer.
São coisas que mexem no dia a dia dos órgãos até grandes decisões, como as decisões no caso do Conama. Como você definir o que vai ser regulamentado no âmbito do Conselho, fortalecendo a instância de participação como a instância prioritária da política ambiental.
Já temos, inclusive, uma grande mobilização da sociedade civil. Nesta semana saiu uma carta do pessoal que trabalha com a Rede Brasileira de Educação Ambiental, pedindo a retomada de uma política nacional de educação ambiental. Existe uma legislação, mas foi tudo desmontado também. Tem várias áreas do governo em que isso vai precisar ser refeito.
Quais são as expectativas para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27) e para a participação do presidente eleito no encontro?
O Brasil já vinha sendo representado só pela sociedade civil, com o governo não fazendo questão de se colocar nesse debate, e esse anúncio da ida do Lula gerou muita expectativa. Porque essa é uma COP que discute muito mais implementação do que grandes acordos. Os parâmetros dos acordos da convenção estão mais ou menos dados.
Então, para uma COP que vai discutir implementação, é animador que o país que detém a maior área de floresta tropical - portanto, uma área sensível e relevante para a agenda climática - esteja chegando com uma nova abordagem, com um novo governo e com um compromisso já anunciado pelo presidente Lula de implementação de políticas que são centrais no combate ao desmatamento.
É o caso da retomada da demarcação das terras indígenas, dos territórios, que são elementos centrais em qualquer estratégia de um país como o Brasil para lidar com essa questão. Então, é claro que o mundo se anima com a perspectiva de ter um ator importante nessa conversa, que é o Brasil, se colocando em outro patamar.
Obviamente vai ser uma coisa meio maluca, porque você vai ter a presença de um governo esvaziado e uma presença, que ainda não é governo, ainda é sociedade, mas que obviamente vai ter muito mais o que dizer do ponto de vista de compromissos futuros.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Dia Mundial das Cidades promove mais verde, igualdade e sustentabilidade
ONU News*
A ONU comemora, neste 31 de outubro, o Dia Mundial das Cidades. Desde 2014, a celebração global é realizada em uma cidade diferente a cada ano. Em 2022, Xangai, na China, acolhe as celebrações com o tema "Aja localmente para se tornar global".
O objetivo é compartilhar experiências e abordagens à ação local, o que funcionou e o que é necessário para capacitar os governos locais e regionais a criar cidades mais verdes, mais equitativas e sustentáveis. A ação local é fundamental para alcançar as metas de desenvolvimento sustentável até 2030.
ONU News/Ana Carmo
Jardim Constantino, em Lisboa, Portugal.
Cidades resilientes
Em mensagem, o secretário-geral da ONU afirma que mais da metade de todas as pessoas vivem atualmente em áreas urbanas, e que até 2050, serão mais de dois terços de habitantes. António Guterres destaca que as cidades geram mais de 80% do PIB global e respondem por mais de 70% das emissões de carbono.
Ele ressalta que “muitas cidades já estão liderando a transição para energia renovável, estabelecendo metas líquidas credíveis e construindo infraestrutura resiliente ao clima”.
O chefe das Nações Unidas lembra que o próximo ano marca a metade do prazo para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS. Mas que, apesar disso, no lugar do progresso há retrocessos da pobreza e fome à igualdade de gênero e na educação.
Guterres afirma que “as consequências são dramáticas: caos climático crescente, pobreza crescente, desigualdades crescentes e muito mais.”
Ações nas cidades
Conforme o tema deste ano, o secretário-geral relembra que “as metas são globais em escopo, mas a implementação é local”. Ele disse que encoraja a todos “a trabalhar com seus governos e cidades irmãs em todo o mundo para compartilhar experiências e ajudar a aumentar a ambição.”
Para o secretário-geral, as ações que as cidades realizam localmente para criar um mundo sustentável repercutirão globalmente. E as políticas transformadoras que lançadas atualmente podem catalisar mudanças que salvarão vidas e meios de subsistência em todos os lugares no futuro.
*Texto publicado originalmente no site ONU News
Revista online | Luz (Verde) no fim do túnel?
André Lima e Bazileu Margarido*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
Em que ponto estamos? Naquela situação em que não há nada tão ruim que não possa piorar ou já é possível ver um ponto de luz logo ali, após a eleição?
Há muitos motivos para acharmos que a situação está muito ruim. A política ambiental no governo Bolsonaro tem sido desastrosa. Os órgãos ambientais federais, principalmente o Ibama e o ICMBio, foram sufocados. Estão de joelhos.
Servidores que insistiram em cumprir suas atribuições fiscalizatórias de forma republicana foram afastados de funções de chefia ou deslocados para unidades remotas, onde não poderiam molestar os agressores do meio ambiente.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Além de reduzir drasticamente o número de multas aplicadas, a atual gestão anulou as multas aplicadas entre 2008 e 2019 em que os infratores foram avisados por edital (recurso corrente em órgãos de fiscalização, quando o infrator não pode ser alcançado por outros meios). Segundo o Ibama, devem ser anuladas quase 40 mil multas, com valor aproximado de R$16 bilhões.
O torniquete orçamentário foi uma estratégia aplicada com requintes de crueldade. Dos valores previstos no orçamento de 2021 para a fiscalização ambiental, que já eram insuficientes, menos da metade foi efetivamente utilizada. Infelizmente, o mesmo está ocorrendo neste ano. Com isso, o desmatamento na Amazônia quase dobrou, cresceu de 7,5 milhões de Km² em 2018 para 13 milhões de Km² em 2021.
Essa situação ainda pode piorar, se considerarmos o resultado da eleição de deputados federais e senadores. O Painel Portal Farol Verde avaliou o mandato dos atuais congressistas com base em suas votações em 12 das principais matérias da pauta socioambiental. Entre os 486 parlamentares que concorrem à reeleição, os parlamentares “ambientalistas” caíram de 30% para 27% na nova legislatura, os moderados caíram de 33% para 30% e os contrários à pauta ambiental subiram de 37% para 42%.
No caso dos parlamentares amazônicos, o índice médio de reeleição dos deputados considerados ambientalistas foi de apenas 26%, frente a um índice médio de reeleição de 57% para toda a Câmara Federal. O índice de reeleição dos deputados de estados Amazônicos considerados anti-ambientais foi 126% superior ao índice dos verdes. Esse quadro indica que haverá maior pressão para alteração, para pior, das regras que regulam as atividades predatórias em todos os biomas, mas principalmente na Amazônia.
Não se pode deduzir, a partir dessas informações, que a sociedade brasileira não esteja priorizando as questões ambientais na hora de definir o seu voto. É preciso avaliar, ainda, se houve diferença significativa nas condições financeiras que o grupo de parlamentares “ambientalistas” teve para fazer campanha, comparado aos demais candidatos à reeleição. Como sabemos, a distribuição do Fundo Eleitoral em cada partido é definida centralizadamente e a menor disponibilidade de recursos pode ser decisiva no resultado eleitoral. Além disso, o orçamento secreto beneficiou a base Bolsonarista no parlamento. PL, PP, União Brasil e Republicanos juntos, os piores partidos pela avaliação do Farol Verde, possuirão 48% dos votos na Câmara e 40% no Senado.
Galeria de imagens a seguir:
Mas pode haver uma luz no fim do túnel, uma ponta de esperança. Em 30 de outubro (domingo) haverá o segundo turno da eleição para presidente da República. Além da continuidade da desarticulação da política ambiental do atual governo, a reeleição de Bolsonaro reforçará a pressão à favor das mudanças legais que poderão intensificar a grilagem de terras, a extração ilegal de madeira, o garimpo predatório e o uso indiscriminado de agrotóxicos. Se o Brasil optar por Lula na Presidência da República poderá haver, com muito esforço do governo, um certo reequilíbrio de forças no parlamento em relação às pautas de clima e meio ambiente.
O Brasil pode optar pela criação de emprego e renda a partir de uma economia sustentável e de baixo carbono, aumento da produtividade no campo, desenvolvimento tecnológico e uma matriz energética renovável, limpa e segura. Só a eleição de Lula poderá reposicionar o Brasil no cenário mundial e recuperar a liderança que o País já teve na agenda socioambiental. A alternativa é o atraso e o negacionismo climático, com suas consequências sobre o comércio internacional de nossos produtos.
Sobre os autores
*André Lima é advogado, ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, colunista do Congresso em Foco e coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama, entre 2007-2008, secretário de Fazenda de São Carlos, São Paulo, em 2001 e 2002 e chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: Talvez a pergunta seja “quem perdeu com o debate?”
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Sempre achei muito complicado analisar o resultado de debates entre candidatos a partir da minha própria percepção. O debate da Bandeirantes, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não foge à regra. É possível fazer uma leitura racional dos debates a partir do conteúdo das respostas dos candidatos, mas existe fatores subjetivos que alteram completamente a percepção da imagem dos debatedores pelos eleitores. Tanto é assim que as pesquisas mostram uma divisão de opiniões sobre a atuação dos candidatos que mais ou menos gravita em torno dos índices de intenção de voto. Quando o resultado destoa muito, aí sim podemos afirmar que fulano ou beltrano venceu o debate. Mas não é o caso. Por isso, alguns acham que Lula se saiu bem, outros apontam Bolsonaro como vitorioso.
Como numa luta de boxe, num debate eleitoral todo mundo apanha. Alguém somente vence inequivocamente quando o adversário vai a nocaute. Quando isso não acontece, a decisão é por pontos, depende dos jurados, e nem sempre corresponde ao gosto do público.
No plano das subjetividades, diria que o Bolsonaro entrou no debate em desvantagem por causa do “pintou um clima” no caso das jovens refugiadas venezuelanas que visitou. O assunto virou meme petista nas redes sociais e deixou o presidente na berlinda durante o fim de semana. Entretanto, a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mandando tirar do ar a live do presidente que relatava o caso, por ter sido descontextualizada, resgatou Bolsonaro do canto do ringue. Foi como se o juiz interrompesse a luta por causa de um golpe sujo.
Na troca de socos, Lula manteve a ofensiva no caso da pandemia, responsabilizando o presidente pelas mortes que poderiam ter sido evitadas se o seu negacionismno não tivesse atrasado a compra das vacinas. Mas isso não foi suficiente para abater Bolsonaro, até porque sua falta de empatia com as vítimas também serve de couraça para que esse assunto não abata o seu ânimo.
Mesmo em desvantagem nas pesquisas de opinião, na campanha eleitoral, em nenhum momento, Bolsonaro se sentiu espiritualmente derrotado. Passou à ofensiva num tema em que o petista tem revelado muita dificuldade de se defender: o escândalo da Petrobras. Lula não respondeu à altura e ainda gastou o tempo que tinha desnecessariamente, deixando o presidente em grande vantagem ao final do bloco, porque falou por último, com tempo de sobra. Esses dois momentos influenciaram muito as opiniões dos analistas.
Mas como reagiram os eleitores? Quem tentou responder essa pergunta foi a AtlasIntel, empresa de pesquisas que se destacou por ter o melhor desempenho do primeiro turno. Usou um recurso que as campanhas utilizam para avaliar os debates: pesquisas qualitativas. A AtlasIntel ouviu 100 eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro. A maioria (54%) considera que Lula ganhou o debate, 32% acham que foi Bolsonaro e 14% não souberam responder.
A maioria dos eleitores que votaram em Simone Tebet (60%), Ciro Gomes (60%), outros candidatos (50%), branco/nulo (57%) e também não votaram (57%), em nove grupos, concorda que Lula venceu o debate. Os grupos focais foram formados em Paraná/Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Acre e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Esse tipo de estudo, porém, não tem valor estatístico para avaliar a opinião da população. É um instrumento para avaliar tendências e informar análises, como essa aqui.
Rejeição
A disputa política do segundo turno está se dando em torno de quatro grandes temas: a situação da economia, os serviços prestados à população, a ética na política e a questão democrática. O debate não é programático, voltado para o futuro imediato e/ou o programa do novo governo. O debate está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição.
Lula cresce quando sai em defesa da democracia e das políticas públicas, principalmente na área social; Bolsonaro, quando ataca a corrupção nos governos petistas. Na questão econômica, o petista leva vantagem, mas não mais como no primeiro turno. Um tema subjacente, ora à questão democrática, ora às políticas públicas, é a pauta dos costumes, na qual Bolsonaro tenta surfar para neutralizar o fracasso administrativo do governo em área como a saúde e a educação. De outro lado, a mudança dos costumes serve de linha de resistência para os militantes das causas identitárias, que são pro-Lula.
Nos programas eleitorais, nas redes sociais e nos debates, esses são os eixos da disputa desde o primeiro turno. Em termos de intenções de votos, Lula se mantém na dianteira, mas Bolsonaro encurta a distância. Haverá tempo para uma virada? Uma projeção linear das pesquisas diz que não, mas as eleições são uma caixinha de surpresa e, na reta final da disputa, sempre pode haver alterações.
É aí que os dois outros debates programados, no SBT e na Globo, podem fazer a diferença. Nesse caso, será decisivo o fator subjetivo do desempenho pessoal dos candidatos e sua capacidade de emocionar os indecisos.
Mas quem perdeu com o debate? Todos que esperavam boas propostas para o futuro.
Alertas de desmate na Amazônia são recorde para setembro
Made for minds*
Alta é a maior da série de medições do Inpe iniciada em 2015. Cifra representa crescimento de 47,7% em relação a setembro de 2021 e quase equivale ao tamanho da cidade de São Paulo
Os alertas de desmatamento na Amazônia em setembro foram os mais altos para esse mês na série histórica iniciada em 2015, de acordo com os dados, divulgados nesta sexta-feira (07/10), do monitoramento por satélite do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O acumulado de alertas de desmatamento em setembro foi de 1.455 km², quase a área da cidade de São Paulo. Em relação ao mesmo mês de 2021, houve crescimento de 47,7%. A cifra é ligeiramente maior que o recorde anterior, de setembro de 2019 (1.454 km²), durante o primeiro ano do governo Bolsonaro.
De acordo com o Observatório do Clima, essa devastação pode ter emitido 70 milhões de toneladas de gás carbônico, o equivalente ao que um país como a Áustria emite num ano inteiro.
Com três meses restantes, o desmatamento acumulado para 2022 já superou o registrado de janeiro a dezembro de 2021. As áreas de alerta de desmatamento já somam 8.590 km², cifra 4,5% superior a todos os alertas do ano anterior.
Queimadas
O Inpe também divulgou que o número de queimadas registradas no bioma em setembro foi de 41.282, o maior desde 2010. Na comparação com o mesmo mês de 2021, o crescimento foi de 147%. Ainda no nono do ano corrente, a cifra de 82.872 queimadas já supera o total de 2021, que foi de 75.090.
O Deter produz sinais diários de alteração na cobertura florestal para áreas maiores que 3 hectares (0,03 km²), tanto para áreas já desmatadas como para regiões em processo de degradação florestal.
O Deter não é o dado oficial de desmatamento, mas alerta sobre onde o problema está acontecendo. A medição oficial, feita pelo sistema Prodes, costuma superar os alertas sinalizados pelo Deter.
Texto publicado originalmente no Made for minds.
Revista online | “Brasil precisa de choque para economia de carbono neutro”
O historiador Jorge Caldeira, que também é escritor, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que o país tem uma oportunidade maior do que a descoberta do ouro no século XVII para se desenvolver: ingressar na economia de carbono neutro. Segundo ele, o estímulo à plantação de árvores é a saída mais viável para esse objetivo.
Caldeira é o entrevistado especial desta revista Política Democrática online de setembro (47ª edição). Autor de dezenas de livros, como Brasil: Paraíso restaurável e História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, ele diz que o país reduzirá à metade as emissões de carbono, se parar de desflorestar a Amazônia.
Segundo o escritor, que também é sócio fundador e diretor da editora Mameluco, “a passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento” no país e no mundo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Política Democrática (PD): O senhor vê como viável o Brasil assumir o projeto de carbono neutro?
Jorge Caldeira (JC): O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) é o fracasso que dura até hoje. Até então, o Brasil tinha a economia que mais havia crescido no mundo nos últimos 80 anos. O PIB absoluto do Brasil era maior do que o da China. Então, os 50 anos de fracasso do planejamento levaram à situação em que estamos. Nos planos eleitorais, continua o debate como se o planejamento de desenvolvimento do Brasil fosse ainda o modelo dos anos 1970. De lá para cá, o Brasil perdeu a globalização fase um, que são cadeias produtivas, trocas, comércio internacional crescendo acima da média nos mercados internos. Então, o Brasil se fechou, perdeu esse pedaço. O país tem uma segunda chance agora, que é transformar economia de carbono neutro, cujo preço central não existia na economia tradicional. É o preço do carbono. Era a natureza até bem pouco tempo atrás. A mudança climática transformou em bem escasso a temperatura regulada na vida da Terra e criou um mercado de carbono, que existe no planeta inteiro e tem um preço. Quem emite carbono, portanto, queima combustível fóssil, floresta e paga. Quem fixa carbono recebe. Portanto, não é só um preço. São fluxos de renda, emprego, trabalho, progresso. O Brasil está fora dessa economia porque não se planeja. Esse mercado movimentou, em 2020, US$ 280 bilhões no planeta, o que é quatro vezes o total da exportação do agro brasileiro. O planejamento econômico do Brasil não é feito para que o país esteja nesse mercado por falta de meta de carbono neutro para determinada data. O primeiro ente político a adotar o carbono neutro como meta foi a União Europeia, em dezembro de 2019. Mas, ao longo de 2020, entraram China, Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, as grandes economias do planeta. Hoje o planejamento estratégico delas é feito em referência ao carbono neutro. Os incentivos econômicos para o desenvolvimento, progresso, emprego e renda são dados em função disso, que leva muito mais longe do que as pessoas imaginam. A União Europeia atrelou todo o dinheiro de recuperação da Covid à meta de carbono. A Air France, que é uma companhia aérea francesa, pediu 7 bilhões de euros para sobreviver na pandemia, em troca de se adequar a uma meta de carbono zero em 2050. Isso, que já é realidade de planejamento econômico, estratégico e, especialmente, de mercado nas economias centrais, é absolutamente marginal na vida brasileira. O Brasil, que tem 8% do território planetário, pode ficar perto de 35% a 40% de todo o carbono do planeta. Portanto, é a economia para a qual, obrigatoriamente, deve se dirigir todo o investimento em fixação de carbono e combate ao aquecimento global. Qual é o método para se fazer isso? O que o Brasil precisa para chegar lá? O país é o quinto maior emissor de carbono do planeta. Metade das emissões brasileiras é relacionada à derrubada e queimada de árvores, o que é considerado duplamente na conta de carbono. Se derruba a árvore, você elimina um fixador de carbono. Se queima, você emite. Vai para a conta como emissão de carbono. Se parar de desflorestar a Amazônia, o Brasil reduzirá à metade as emissões de carbono no país. Além disso, só há um método de fixar carbono razoável a médio prazo: plantar árvores. A árvore, quando cresce, fixa carbono. Então, a pessoa que emite paga para a pessoa que planta, que fixa o carbono. Com essa possibilidade, a economia brasileira tem 35% do mercado mundial de qualquer jeito porque não há outra forma de fazer isso. Brasil, Indonésia e África têm 80% desse mercado. Plantar árvores é o gerador de empregos mais barato que existe. Precisa de uma pessoa por hectare. O Brasil tem 500 milhões de hectares disponíveis para plantar árvores sem mexer na agricultura e na pecuária, nas cidades e nas reservas. Se fosse usar todo esse potencial, precisaria importar gente porque não teria trabalhadores suficientes para tocar o projeto. Semente tem. O investimento é mínimo, e esta é a nova realidade da economia. Planejar estrategicamente o futuro da economia nacional, com geração de emprego e renda, além da reinserção do Brasil na economia mundial, é carbono neutro.
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PD: O senhor reconhece, na nossa história, outros momentos em que o Brasil perdeu oportunidades análogas à da economia verde? Se as perdemos, quais foram os motivos?
JC: O Brasil, em 520 anos de contato com a economia ocidental, aproveitou e perdeu oportunidades. O país não é a potência que mais aproveitou a oportunidade de 500 anos, mas está muito longe de ser um desastre. O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo, mas pode ser facilmente a quarta, quinta, terceira, sem grandes problemas. Há dois momentos em que o país não aproveitou as oportunidades, que são graves. O Brasil, em 1800, era do tamanho dos Estados Unidos. Em 1890, era 15 vezes menor. Então, na época, houve perda de oportunidade muito grande em relação ao padrão da economia que mais crescia no mundo. Essa perda foi, basicamente, por causa do tempo que levamos para lidar com a questão da escravidão. Não apenas a libertação dos escravos, mas a adaptação das instituições brasileiras ao capitalismo, o que começou na República, com direito de propriedade, facilidade de fazer empresa, gasto público decente em educação e saúde. Então, o Brasil criou isso por oportunidades próprias, mas perdeu uma oportunidade gigantesca. Desde os anos 1970, se isolou da globalização. Basicamente, esse foi um ciclo de 50 anos perdidos. A economia de carbono neutro é um ciclo diferente, já que a diferença econômica é carbono, preço e mercado, assim como geração e transferência de riqueza. A institucionalização disso na economia está acontecendo agora no resto do planeta. A oportunidade real, que é maior do que a descoberta do ouro no século XVII, é entrar na economia de carbono neutro.
PD: Quais as maiores restrições que o Brasil enfrentou, ao longo dos 200 anos da Independência, para financiar o desenvolvimento e conseguir produzir ambiente de crescimento sustentável da nossa economia? Essas restrições parecem estar mais agudas ou mais frouxas?
JC: O Brasil levou 16 anos, entre 1890 e 1906, para sair de uma estagnação de sete décadas para ir a uma economia que crescia mais do que a dos Estados Unidos. Mudou-se, basicamente, o enquadramento institucional da movimentação de capitais. Além de todos os males pessoais do domínio de uma pessoa sobre a outra e o preconceito, que dura muitos séculos, as pessoas precisam entender que, na economia da escravidão, o escravo era, também, o principal título financeiro dela. O título de propriedade do escravo era empregado pelo proprietário dele. Então, todo o mercado financeiro, no Império, funcionava em torno do título de propriedade do escravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se o título de propriedade. Além de o escravo fisicamente ser libertado, o dono perdeu o título de propriedade, e isso deixou de circular no mercado. Para se manter o título de propriedade do escravo como o principal da economia, foi preciso torná-lo, por meios legais, competitivo, e o jeito que se encontrou de fazer isso, no Império, foi restringir o crédito ao máximo. As políticas econômicas da época eram todas de restrição de crédito, o que permitia que o título de propriedade do escravo ficasse competitivo. Acabou a escravidão. Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu a troco de nada. Existe um livro chamado Nature of Capital, que mostra exatamente como que, em São Paulo, se financiou, com pequeno capital, a ferrovia e a acumulação do capital. Os tropeiros de São Paulo conseguiram financiar a sua passagem para a posição de proprietários de ferrovias antes ainda do fim da escravidão, e isso permitiu uma acumulação de capital que, depois, foi aproveitada na economia. Essa história toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu Tempo, que aborda o período em que a economia brasileira teve um “crescimento chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fazendo o contrário, depois dos anos 1930. Como a base do crescimento não eram os pequenos, mas os grandes projetos – siderurgia, eletrificação, petróleo –, precisava ter capital intensivo para isso. Então, a solução brasileira foi juntar esses capitais no estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND do Geisel era feito para que as ações fossem cada vez mais assim: o estado junta os capitais e os aplica, e o mercado interno cresce por causa dessa aplicação de capitais. Isso deixou de ser relevante em 1970, mas muita gente continua pensando que o desenvolvimento, no Brasil, é um grande projeto estatal. A boa notícia é que a economia de carbono neutro, especialmente no que se refere à energia, é meio como era a dinâmica no século 19. Nos últimos dois anos, foi instalada, no Brasil, uma Itaipu de energia solar, que representa 10% da produção da energia elétrica no país. É um negócio gigantesco, provavelmente, o maior investimento em energia nos últimos tempos. Basicamente, 700 mil pessoas foram colocadas em pequenas instalações, e alguns poucos produtores fizeram instalações maiores. Mesmo assim, ela tem escala tão pequena que dá para ser financiada privadamente. Não precisa ser grande. Então, isto é outra vantagem na área de energia, especificamente, que o Brasil já tem competitividade por causa da matriz energética mais limpa do planeta. O mundo, em geral, é 80% de fóssil; 20% de renovável. Esse é o padrão mundial das economias industrializadas. O Brasil tem cerca de 55% de fóssil e cerca de 45%, de renovável. Então, para se chegar ao carbono neutro, a energia vai ajudar, mas o mais importante é plantar árvores. O país tem tudo para essa economia dar certo e, inclusive, o fato de ser tudo descentralizado. Já está acontecendo tudo isso sem planejamento. Como financiar? Financia com um ambiente onde muitas pessoas podem financiar o seu projeto, mas precisam ter muito mais do que isso. O ambiente de planejamento, para a economia de carbono neutro, é de muita gente pequena fazendo negócio, empreendendo. Essa é a vocação brasileira sociológica hoje como a principal categoria de emprego e renda. É esta gente que faz a transformação. A passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento. Isto é central porque ela não precisa ser feita como ocorreu na passagem da economia escravista para a economia capitalista no tempo da República. O Brasil precisa ter planejamento. Emitiu-se US$ 280 bilhões de título para fixar carbono, mas levou quase zero disso. É preciso instruir os pequenos proprietários para juntarem provas de que estão plantando. Se planta um hectare de floresta, ganha-se um dinheirinho. Se cinco milhões de proprietários fizerem isso em um hectare, o Brasil quintuplicará a capacidade de refazer mata nativa em um ano. Na Amazônia, tem 15 milhões de hectares nas mãos de sem-terra, que se tornaram proprietários e tiveram que desmatar porque não sabiam fazer cultura. Se pagar para plantar, haverá 15 milhões de empregos com um emprego por hectare dentro da Amazônia. Isso é 2% da área da Amazônia. O que falta para o contrato de fixação de carbono é a segurança: a pessoa que põe o dinheiro para financiar um hectare de floresta precisa ter certeza de que o dinheiro foi aplicado em um hectare de floresta como mostra a própria foto de satélite.
PD: O senhor acredita que falta cultura de patente ou algum tipo de institucionalidade do Estado, um plano de país voltado para inovação e empreendedorismo, para estimular essas ações?
JC: Se você comparar as categorias básicas do Censo do século XVIII, vai ver que o Brasil, em 1800, era uma nação em que nove décimos das unidades produtivas eram pequenas unidades familiares, e um décimo era coisa maior do que isso. Nessas unidades, se fez toda a adaptação, toda a criação econômica e toda a produção, porque estavam no sertão. A visão econômica que se tinha disso, na maneira antiga de historiografia, era de unidades de economia de subsistência, ou seja, que não produziam riquezas e que eram incapazes de acumular capital. Esse conceito de economia de subsistência era usado por economistas conservadores, liberais e da esquerda, que achavam que ali não havia riqueza. Isso foi contemplado nos anos 1970, quando viram que a economia dos índios era capaz de produzir excedente, fazer troca, e, portanto, permitia acumulação. No livro Banqueiro do Sertão, mostro como fazer negócios com índios gerava, dentro da economia brasileira, uma cadeia de acumulação de capital gigantesca. Capital era prata contrabandeada do Peru, em 1600, 1700, antes do ouro. Então, esse padrão não era visto pelo conceito antigo. Hoje, para se explicar como que a economia colonial brasileira chegou a ser do tamanho que a dos Estados Unidos, a razão é simples. O chamado mercado interno que, antigamente, era calculado em peso. A economia informal era a economia. No século XVIII, o padre Guilherme Pompeu de Almeida movia negócios em uma área que ia de Buenos Aires, Potosí, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, sem sair de Araçariguama. Ele tinha capital suficiente para fazer isso trocando – ele basicamente fabricava ferro, que era a mercadoria base de troca com os índios. Trocava, fornecia esse ferro, por algodão, madeira, farinha. Vendia isso e acumulava prata nas trocas, que também fornecia para as áreas. Havia grande capacidade empreendedora, mas a economia formal brasileira era realmente pobre para lidar com isso. O que a República fez, e o Brasil precisa fazer agora, é simplesmente diminuir o tamanho do caminho entre economia formal e economia informal para que haja crescimento. Se quiser plantar em cinco milhões de propriedades, você tem que facilitar a vida de cinco milhões de proprietários e fazê-los empregar outras cinco milhões de pessoas que, hoje, estão tudo na informalidade. Vai ter que formalizar para poder prestar conta do contrato de venda de carbono fixado para alguém que veio do exterior. Esta formalização simples permite muito, e o problema do Brasil, para ser uma segunda, primeira economia do mundo, é saber fazer isso direito hoje, o que não é tão difícil. Acho que o que se faz, no país, é vender como não educação o que, na verdade, é cultura e produtividade. Índios sabem reflorestar melhor do que o melhor fazendeiro. Temos que arranjar um jeito também de, nessa economia, chamar um índio para nos ensinar, o que não é feito porque achamos que ele é mal-educado e que nós somos educados. Não é verdade. Todo o Brasil foi feito de adaptação a uma realidade tropical que a Europa desconhecia. Quem se adaptou? Quem conhecia? O índio. Eu sempre dou o exemplo do homem da carrocinha de reciclagem, que é economia circular e a mais moderna que existe. Aquilo lá é trabalho e capital. A carrocinha é capital. Ele é trabalho, e ele, trabalhando, enche a carrocinha, que é capital, e faz renda. Ele não tem emprego. Ele não está no mundo formal, mas ele é, tecnicamente, um empreendedor, uma mistura de trabalho e capital. Para a nossa sorte, a população pobre do Brasil tem esta característica essencial, e ela pode ser aproveitada.
PD: O Brasil já foi mais ou menos inovador, mais ou menos capitalista, o capitalismo chegou à base?
JC: Há uma diferença entre empreendedor e capitalismo. Capitalismo é trabalho assalariado, basicamente. Então, você precisa ter acumulação suficiente de empreendedores para que chegue a uma empresa capitalista. Isso depende de condições institucionais. No Brasil, não é muito bom porque mantém, na informalidade, a população empreendedora, e o país não é muito bom de formalizar a acumulação de capital do informal para o formal. Só foi bom no período do começo da República. Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, baixou um decreto cujo artigo primeiro libera a organização de empresas, no Brasil, bastando registrá-las na junta comercial. Até então, para você organizar uma sociedade anônima no Brasil, precisava juntar as pessoas, fazer o estatuto da empresa, levantar 10% do capital e, quando isso estava pronto, depositava o capital no banco. Mandava a papelada para o Conselho de Estado, que era órgão assessor do poder moderador na Corte do Rio de Janeiro e levava um ou dois anos para autorizar a empresa a funcionar, ou não, dependendo de várias questões, inclusive, saber se a finalidade daquele negócio era lícita ou ilícita do ponto de vista moral. Evidentemente que o Império e eles se orgulhavam que tinham 89 sociedades anônimas em todo o Brasil em 1889, enquanto, na Inglaterra, havia 10 mil. Com o decreto de Rui Barbosa, só no ano da assinatura e apenas na cidade de São Paulo, se fizeram 210 sociedades anônimas. Então, a restrição não é capacidade. Não havia capacidade empreendedora. Não era capital. Não era nada. Era regulação. A regulação era ruim. O Brasil precisa de um choque dessa espécie hoje para entrar na economia de carbono neutro, que é como fazer alguém que tenha um hectare plantar árvore nesse hectare de maneira decente. O Brasil não recebe dinheiro porque isso não está feito. O resto do planeta não tem terra, não tem lugar para pôr árvores, não tem água, não tem nada. Aqui, no Brasil, o problema é que a lei não deixa.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
PD: O Brasil tem eleição desde 1560. Se há um povo, no mundo, que não pode dizer que não sabe votar, é o Brasileiro porque teve chance de aprender na terra de José Bonifácio que, depois, gerou Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Marcos Maciel. Por que a política se degradou tanto no Brasil ultimamente e o que devemos fazer para sair disso?
JC: Em uma economia em declínio, é difícil que apareça gente otimista e capaz de olhar um futuro bom. A tendência é ficar tentando repetir a fórmula que nos levou ao sucesso lá no passado e não ficar enxergando o que mudou e porque temos que fazer diferente. Então, uma das coisas que me preocupa muito na eleição atual é que o grande ambiente e as grandes categorias de debate intelectual estão no mundo da Guerra Fria. O modelo de muito sucesso demora muito para morrer mentalmente. Ficam tentando repetir, insistindo no que já foi e que não é mais. Quanto mais você fizer isso, pior fica a sua situação, e isso pode ir muito longe. Há nações onde essa situação, às vezes, passa a um declínio, a decadência ou a cenários muito complicados sem que se saia dessa disfunção. É como um filme em que você volta todo dia para o mesmo dia. Isso está acontecendo, em alguma medida, no Brasil. A nossa sorte é que um resto de outras coisas funciona. O Brasil tem conexões com o resto do mundo e, no que interessa, é o potencial para a economia de carbono neutro. Então, o mundo vai nos olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por bem ou por mal, o Brasil vai ter que se adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, quando você tem esse tipo de clima, é mais ou menos o que aconteceu no fim do Império com a abolição. Todo o mundo que tinha o mínimo de visão de futuro dizia “temos que fazer abolição porque isso aqui não tem futuro”. Em 1800, quando fizeram as instituições brasileiras para proteger a escravidão, ninguém tinha alternativa para ela. Em 1850, em uma hora, já havia alternativas para ela. Em 1880, aquilo era um atraso monumental, e os escravistas diziam que, se houvesse abolição, faltariam braços para o trabalho porque ninguém quer ser escravo, mas os braços para o trabalho livre sobravam. Então, o Brasil está olhando o mundo um pouco como era no fim do Império, com lentes do passado, da Guerra Fria, de projetos econômicos que já não tem mais sentido porque ninguém vai fazer um poço de petróleo. Esquece. Não tem futuro. É economia morta. O equivalente à defesa do trabalho escravo no tempo do Império é o negacionismo de hoje: negar que não existe uma economia nova nascendo. Mas a economia existe. Então, não tem como escapar disso. A elite brasileira tem muita dificuldade de olhar uma economia com os princípios da economia de carbono neutro. No entanto, o pequeno empresário enxerga isso muito mais depressa que o grande. Por isso que a mudança está acontecendo embaixo. No caso da energia solar, qualquer dono de casa faz a conta e fala: se colocar uma placa solar aqui, pago essa placa solar só na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36 meses. É assim que está sendo feito, apesar de não ter plano nacional para a transição à energia solar. O que era planejamento nos anos 1970 não é planejamento hoje. O que era desenvolvimento econômico não é desenvolvimento econômico hoje. Se não se adaptar a essa mudança, você ficará no tempo passado. A economia do tupinambá é muito mais próxima a dos prêmios Nobel de 2007, 2008, 2010, que foram concedidos a quem lida com a tradição de carbono neutro e a economia circular, e não com a teoria econômica que aplicamos, como a Teoria do Valor, de Karl Marx e do Adam Smith. Isso é uma coisa que pouca gente nota, mas valor em economia, para o Adam Smith ou Marx, é exatamente a mesma definição teórica: o que está na natureza não tem valor, o que só começa na hora em que se arranca a árvore que estava na natureza, porque é trabalho humano, e, com isso, faz-se uma mercadoria. Enquanto ela é útil, tem valor. Quando deixa de ser útil, perde o valor, e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo econômico é só entre arrancar da natureza e jogar de volta para a natureza. Por outro lado, o ciclo econômico do cacique e dos economistas é diferente: você tem que produzir, reciclar e produzir de novo para fazer um circuito de produção econômica. Essas mudanças a gente percebe pouco, mas são essenciais no mundo que corre hoje.
Sobre o entrevistado
Jorge Caldeira é escritor, jornalista, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (47ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo: consultor legislativo do Senado Federal na área de economia e mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Benito Salomão: economista chefe da Gladius Research, doutor em economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).
Carlos Marchi: jornalista e escritor. Trabalhou no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, nos principais meios de comunicação do país – Correio da Manhã, Última Hora, O Globo, TV Globo, O Estado de S. Paulo. Paulo. Entre 1984-1985 foi assessor de imprensa na campanha civilista de Tancredo Neves. Foi secretário geral do Sindicato dos Jornalistas do DF (1977-1980) e vice-presidente da Fenaj (1980-1983).
Cleomar Almeida: jornalista, coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editor da revista Política Democrática online.
Silvio Ribas: jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal.
Vinícius Müller: doutor em História Econômica, professor do Insper e membro do Conselho Curador da FAP.
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Movimentos populares lançam carta-compromisso sociambiental para as eleições 2022
Redação*, Brasil de Fato
Nesta segunda-feira (12), será lançada a Carta Compromisso Socioambiental para as Eleições de 2022. Articulada por dezenas de movimentos populares, coletivos, organizações da sociedade civil e partidos políticos, a carta apresenta um conjunto de propostas e alternativas para superar a crise socioambiental que o Brasil atravessa.
São 16 propostas, organizadas em três eixos: Fortalecer a atuação do Estado, que inclui ações como recompor e fortalecer órgãos públicos socioambientais, valorizar servidores e ampliar a participação popular; Combater vetores de degradação sociambiental, que passa por reverter desmatamento e reflorestar unidades de conservação, proteger a fauna e combater o uso de agrotóxicos; e Construção do presente e futuro, que inclui implantar a transição ecológica justa, promover educação ambiental, universalizar o saneamento básico, entre outras propostas.
“Entre os elementos importantes, estão o cuidado com o solo, com a água, com todos os recursos naturais, cuidado com a alimentação saudável, a agroecologia", explica Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), um dos movimentos que assina a carta.
“O cuidado com o saneamento, com geração de emprego, combate à fome e miséria. Porque, afinal de contas, somos natureza, o ser humano é parte da natureza e cuidar do ser humano é cuidar da natureza.”
A intenção é dialogar com candidaturas aos diversos cargos em disputa nessa eleição para que "assumam coletivamente conosco o compromisso com essas propostas”, explica Mauro.
“Mas também outras organizações populares estão conclamadas a assinar essa carta e fazermos uma luta para que os novos eleitos possam assumir esse compromisso. Mas, mais que isso, que essas organizações assinantes assumam esse compromisso pra lutar para que esses problemas e essa questões sejam resolvidas no próximo período”, afirma o dirigente do MST.
Candidaturas podem aderir à carta por meio deste formulário on-line.
O evento de lançamento acontece às 19h, no auditório do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep/SP), na Rua da Quitanda, 101, região central da capital paulista.
*Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Dia da Amazônia: floresta foi tema ausente em debate presidencial
Maria Eduarda Portela*, Metrópoles
O Dia da Amazônia é comemorado nesta segunda-feira (5/9) e tem como finalidade conscientizar a população sobre a importância desse bioma, que é um dos principais patrimônios naturais da humanidade. Embora existam diversas campanhas de preservação da floresta, a Amazônia continua sob risco de desmatamento e queimadas.
A conservação e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica, no entanto, são temas que foram praticamente ignorados durante o debate entre presidenciáveis em 28 de agosto.
O Metrópoles conversou com especialistas sobre a importância de discutir a preservação da Amazônia e a economia verde desenvolvida na região.
Para o doutor em Ecologia e cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, os candidatos só citaram a Amazônia no contexto do desmatamento na região, que é um grande problema, mas deixaram de lado as soluções para outros problemas enfrentados pela floresta.
“Eu espero que, no Dia da Amazônia, a gente tenha muito o que comemorar, mas também muito com o que se preocupar, e que isso reflita nos discursos e nos debates que os candidatos farão, especialmente no tocante ao clima”, declara Moutinho.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, lembra que a proteção da Amazônia atualmente é muito mais discutida, em comparação a eleições anteriores, mas ainda não é o suficiente.
“Ainda é muito pouco, precisamos de muito mais. Mesmo porque, quando falamos sobre clima, a Amazônia é o principal componente de clima no Brasil”, afirma Astrini.
“É uma floresta importantíssima nesse debate e, quando falamos sobre clima, não estamos falando apenas sobre dados científicos, negociações diplomáticas, acordos feitos em Paris. Nós estamos falando sobre a vida das pessoas”, reforça o secretário-executivo do Observatório do Clima.
Desmatamento na Amazônia
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) apontam que o desmatamento na Amazônia atingiu o maior nível para o mês de agosto nos últimos dez anos. O levantamento mostra que a área desmatada aumentou 7% em relação ao mesmo período do ano passado.
Informações do Imazon apontam que, de agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubadas 10.781 km² de floresta, número equivalente a sete vezes a cidade de São Paulo.
Para Moutinho, a falta de comprometimento dos governos estaduais, municipais e federal é um dos principais fatores para a alta do desmatamento.
“É um desleixo geral dos estados e dos municípios, que ainda acham que a Floresta Amazônica impede um tal progresso, já instalado em uma grande porção da Amazônia, e não traz duas coisas fundamentais: distribuição de renda e distribuição de terra para as pessoas trabalharem”, declara o cientista sênior do Ipam.
Futuro da Amazônia
Para Moutinho, políticos e candidatos atuais não demonstram muita disposição para discutir uma solução de preservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável de uma maneira mais profunda e de longo prazo.
“Isso é extremamente grave, porque a conservação da Amazônia, o uso sustentável dos seus recursos e a necessidade do fim do desmatamento são questões de segurança nacional”, reforça.
O secretário-executivo do Observatório do Clima declara que é possível reverter a situação atual da Amazônia. Segundo o especialista, nesse intuito, é necessário dar autonomia, novamente, para os órgãos ambientais do governo e resolver o problema de caixa das pastas.
“Portanto, é possível reverter o lastimável quadro atual da agenda ambiental no Brasil, mas é preciso tomar algumas atitudes, revogar muitas normas, implementar outras medidas no lugar do que foi revogado, criar novos atos legais e administrativos”, afirma Astrini.
O Metrópoles procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar as ações do governo federal contra o desmatamento da Amazônia; contudo, não obteve respostas até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
*Texto publicado originalmente em Metrópoles.
Revista online | "Não vai ter golpe", diz economista Edmar Bacha
Entrevista concedida a André Eduardo, Arlindo Fernandes de Oliveira, Benito Salomão e Benjamin Sicsú, especial para a revista Política Democrática online (46ª edição: agosto/2022)
Sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças, o economista Edmar Bacha diz que os políticos aprenderam a lição de que “o controle da inflação é eleitoralmente importante”. Ele, que participou da equipe econômica do governo que instituiu o Plano Real, afirma que “o Brasil tem um governo inchado” e “orçamento apropriado por interesses específicos”.
Em entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de agosto (46ª edição), Bacha ressalta a sustentabilidade e o desenvolvimento do país com equilíbrio ambiental. “Temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta”, afirma ele, que é ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Autor do livro No País dos Contrastes: Memórias da Infância ao Plano Real, em que revisita a trajetória acadêmica e profissional que o levou ao mais bem-sucedido projeto de estabilização econômica do Brasil, o economista critica o governo Bolsonaro. “Com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias”, analisa.
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Bacha diz ter assinado a carta em defesa da democracia organizada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que ultrapassou um milhão de assinaturas. “Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral”, destaca. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática (RPD): O país tem hoje déficit fiscal calculado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) de, aproximadamente, R$ 200 bilhões e sofre deterioração cada vez maior no ambiente institucional que deve tratar dessa questão. No campo da política há, também, deterioração do tratamento dessa matéria no Congresso. O senhor acredita que teremos ambiente institucional para colocar este país nos trilhos?
Edmar Bacha (EB): Acredito que sim. Obviamente, sem boas instituições, não se vai a lugar nenhum, mas também acredito, inclusive, por experiência própria, na questão da liderança. Veja a importância que teve a liderança do Fernando Henrique Cardoso para a execução do Plano Real. Com toda a sapiência que os economistas pudessem ter, se não fosse a liderança do Fernando Henrique, não haveria plano Real. Todos nós da equipe estávamos muito relutantes naquelas condições políticas e governamentais tão precárias daquele período, logo após o impeachment de Fernando Collor. Itamar [Franco] entrou. Em sete meses, ele já tinha tido três ministros da Fazenda. O apoio no Congresso era dúbio, e fazer um plano daquela envergadura, com condições institucionais tão ruins, somente funcionou porque havia Fernando Henrique, com aquela capacidade enorme de dialogar, o enorme respeito que ele tinha no Congresso, junto ao presidente da República também, e a liderança que ele exercia sobre a equipe. Depende muito da qualidade da liderança que vamos eleger este ano.
Veja, abaixo, fotos do entrevistado:
RPD: O senhor está otimista ou pessimista quanto à possibilidade de conseguirmos enfrentar definitivamente essa eterna questão fiscal no nosso país?
EB: Estou totalmente integrado na campanha da Simone [Tebet]. Se Simone for eleita, não tenho nenhuma dúvida, dada a qualidade dela e a qualidade da equipe que ela vai levar, que conseguiremos lidar com a situação, inclusive, porque há quadros políticos também de muito boa qualidade, que sabem lidar com o Congresso. Então, depende. Com os dois que estão na liderança das pesquisas, não sei, não.
RPD: O senhor acha, então, que esse rombo de R$ 200 bilhões é difícil de combater?
EB: Não tenho nenhuma dúvida. Se o atual presidente se reeleger, estamos mal. Mas com o Lula, também, não me animo muito, não, dado o que a Dilma fez em termos de descontrole fiscal.
RPD: Como o senhor acha possível conciliar a responsabilidade fiscal com a necessidade de responsabilidade social? Furamos ou não o teto? Como atingir a melhoria da distribuição de renda, hoje o pior problema do Brasil?
EB: Ao lado da questão social, que nos persegue desde a colônia, temos a questão de um governo inchado, que absorve mais de um terço da renda nacional e não entrega serviços. Não entrega serviços por quê? O orçamento está apropriado por interesses específicos. Por exemplo, vê lá os 4,5% do PIB que vão para incentivos fiscais. Rico não paga imposto de renda. A classe média alta está toda pejotizada. Então, temos, realmente, um problema muito sério. Já gastamos demais, gastamos mal demais, e tem essa questão de como fazer caber benefício social para valer no orçamento. A resposta óbvia é: vamos substituir o gasto que está malfeito por um gasto que seja bem feito. Há quem fale: "mas isso está muito difícil, politicamente impossível fazer isso, fazer aquilo. Imagina, se você vai mexer com esse ou aquele, não vai conseguir”. Teria que aumentar imposto, mas o imposto em geral já está muito elevado. Então, como é que faz? Fura o teto? O problema não é tanto furar o teto, mas voltar com o problema da dívida, para, lá na frente, ter inflação. E aí não resolveu nada. Tenta resolver o problema do pobre agora, furando o teto, e deixa de resolver porque aumenta a inflação lá na frente. A solução é ter uma movimentação política forte. Precisamos mobilizar a população para entender o quanto que o orçamento está apropriado por interesses específicos que não são do interesse da população em geral e como é possível – alterando as prioridades no gasto do governo e melhorando a qualidade da receita, seja com uma reforma simplificadora dos impostos indiretos, seja com uma reforma com progressividade do imposto de renda – resolver essa situação de maneira estruturalmente melhor, em vez de ficar discutindo se fura teto ou não fura teto, que é uma maneira errada de colocar o problema. Temos que entender o que é a substância da questão. O teto é apenas um instrumento para tentar forçar uma solução positiva. Se não está funcionando, vamos pensar se há algo melhor que funcione, mas tendo que levar em conta essa questão: o Brasil, além de ter um governo inchado, grande, também tem uma dívida interna enorme para um país de nossa renda. A última coisa que a gente quer é virar Argentina. Então, está difícil, precisa de muita liderança, muita qualidade política, além de qualidade na análise econômica.
RPD: Hoje, com a crise climática e a falta de energia no mundo, especialmente na Europa, a gente vê as vantagens competitivas do Brasil, um país riquíssimo em água, em qualidade de solo, ainda com uma vegetação bastante grande, e que começa, cada vez mais, a fazer contas mostrando que, se simplesmente reflorestar a área degradada e usar isso para produzir hidrogênio verde, o país será um dos principais exportadores do mundo. Essa mudança é possível no Brasil nos próximos anos, dando prioridade para a economia verde, com a qual, além de renda de exportação e de abastecimento de produtos competitivos no mercado interno, haveria também possibilidade de geração de empregos mais qualificados. Gostaria que o senhor comentasse esse tema.
EB: Integralmente de acordo. Nós estamos falando da Amazônia, não? Porque não é só a questão das vantagens do reflorestamento em si, é também a questão dos créditos de carbono que isso pode gerar para o país. Temos o compromisso de zerar a emissão em 2050 para o grosso das atividades econômicas no mundo. Isso só vai ser possível não diretamente, mas por meio da compra de créditos. E quem pode oferecer esses créditos? Somos nós, preservando e reflorestando a Amazônia. Então, tem esse ganho adicional, e podemos pensar que é algo muito importante, em uma estratégia alternativa de desenvolvimento da Amazônia, que não envolva a maluquice de tentar substituir regionalmente importações de bens industrializados. A gente fez uma Zona Franca, que, em vez de exportar, serve para substituir importação. São Paulo manda as peças, eles montam a bicicleta [na Zona Franca] e mandam de volta para São Paulo. Isso é uma coisa louca. E com o custo que isso implica para o país em termos de subsídios fiscais, temos que pensar em uma alternativa, e a alternativa é a floresta. É nessa direção que temos que trabalhar.
RPD: O Brasil, aproximadamente de cinco em cinco anos, apresenta surtos inflacionários que colocam o Banco Central em uma sinuca de bico. Tivemos isso, recentemente, no governo Dilma, na transição do governo Fernando Henrique para o governo Lula e agora, de novo, vemos a inflação batendo na porta. Quais são as reformas necessárias que o Brasil precisa enfrentar para resolver de vez esse problema da inflação, visto que fizemos a reforma monetária no Plano Real, fizemos um conjunto de reformas de saneamento do sistema financeiro nos anos 90 e, mais recentemente, de forma até atrasada em relação ao mundo, demos a autonomia de que o Banco Central necessitava para poder perseguir a meta de inflação, e não conseguimos resolver o problema da inflação? O que falta?
EB: É uma pergunta difícil. Nós nunca mais voltaremos ao regime que tínhamos antes do Plano Real. E por que não? Porque os políticos aprenderam a lição. É uma lição que eles aprenderam, na verdade, não com o Real, mas com o Cruzado, porque, na ditadura, política de contenção da inflação era política de arrocho salarial. Então, a política de controle da inflação, na ditadura, tinha um mau nome, porque queriam apertar o torniquete monetário, segurar a variação de salários, e isso contribuía tanto para desemprego quanto para piora da distribuição de renda. Com certeza, políticas anti-inflacionárias eram impopulares. Agora, no Plano Cruzado, com aquela maluquice que foi o Plano Cruzado, os políticos aprenderam: "Cara, quando a gente para a inflação, a gente se reelege". Eles viram que tinha um jeito de parar a inflação que não era impopular; ao contrário, era muito popular. E aí, no Plano Real, quando a gente fez a coisa certa, de novo os políticos comprovaram: "Cara, a gente para a inflação, a gente se elege, se reelege até quatro anos depois que parou a inflação". Então, essa percepção de que o controle da inflação é eleitoralmente importante é uma lição que os políticos aprenderam. Tanto é assim que, quando a Dilma deixou chegar nos 10%, tiraram ela do poder. Agora, com a inflação de novo acima de 10%, olha o que o incumbente atual está sofrendo nas pesquisas eleitorais. E fazendo essas maluquices, a PEC “kamikaze”, para reduzir temporariamente a inflação agora, para aumentar no ano que vem. Imagina, em 1964, não havia Banco Central, era o Banco do Brasil, e lembro que, quando criaram o Banco Central, o Roberto Campos queria que fosse independente, um daqueles generais-presidente falou, quando contaram para ele: "Mas tem um Banco Central independente, general!". Ele disse: "Presidente aqui sou eu". E demitiu o Dênio Nogueira, que foi o primeiro presidente do Banco Central do Brasil. A gente melhorou muito desde então. Imagina se o PT apoiaria a independência do Banco Central em outros tempos. Há um respeito que é dado por essa consciência de que, se você mexer, se você brincar muito e deixar a inflação subir, você está fora do governo. Por isso, acho, pelo menos esse problema da hiperinflação, nós não vamos mais ter. Agora, tem o problema de que seguimos com uma alta inflação. No Brasil, hoje, estamos com 12% de inflação, os Estados Unidos estão com 9%. O que são os 3% adicionais? O nome é Bolsonaro, são as maluquices dele que, com as suas ameaças institucionais, faz com que o câmbio se deteriore e provoca uma inflação adicional àquela que o resto do mundo experimenta em face das mesmas circunstâncias. Mas o Banco Central brasileiro não está fora da curva do jeito que o banco americano está, eles vão ter que subir muito os juros lá. O desemprego lá está em 3,5%, a pressão inflacionária continua muito forte, e eles vão ter que subir mais os juros. Nós, aqui, não. O Banco Central já pode parar onde está. Se não fossem as maluquices do Bolsonaro, a gente já teria resolvido o problema, com uma trajetória de convergência muito mais forte do que aquela que podemos projetar hoje. Enfim, há também problemas técnicos e essas questões que você menciona são relevantes na discussão econômica.
RPD: Os bancos centrais, de forma geral, não só no Brasil, nos últimos 30 anos, como em boa parte dos países, passaram a buscar metas de inflação, a atuar como 'suavizadores' do ciclo econômico, a fazer política monetária, em grande medida, olhando para preço dos ativos nos mercados financeiros e de capital. São também os gestores da dívida pública dos governos, das dívidas soberanas e têm, talvez, poucos instrumentos. Os bancos centrais não estão assumindo responsabilidades demais com instrumentos de menos? O que o senhor pensa a respeito disso?
EB: Essa questão de ter instrumentos de menos, eu não sei, porque, em última análise, o pessoal que está no Banco Central não foi eleito. Estão lá para fazer um trabalho técnico. Quantos instrumentos você quer colocar na mão de quem não foi eleito? Acho que precisa ter cuidado. Nós, aqui no Brasil, temos o Conselho Monetário Nacional, o popular Cemenê, que é uma coisa boa. Podemos até discutir seu formato, suas funções, mas os ministros que o compõem respondem diretamente ao presidente da República e não têm um mandato fixo como o presidente do Banco Central. Então, são representantes políticos que estão ali respondendo à condução política. A fixação das metas, por exemplo, é muito bom que seja o Cemenê que faça e não o Banco Central. O Banco Central tem que reportar ao Cemenê quando não cumpre as metas. Esse arranjo está legal. No Brasil, o Banco Central é responsável pelas reservas internacionais também. Está funcionando, mas teve uma época que se queria vender reserva, e aí a questão é saber quem é o responsável pela reserva. Porque as reservas são do Tesouro, mas quem determina a política relacionada a elas é o Banco Central. São questões importantes, há muito tempo discutidas. Nos Estados Unidos, essa questão está de novo em debate, o pessoal achando que o Banco Central lá está sendo muito subserviente ao Executivo, com toda a independência formal que tem. Essa questão vai ficar conosco, não vai embora, e temos que ir aperfeiçoando, pouco a pouco, tateando para ver as melhores soluções, consistentes com a estabilidade de preços e a retomada do crescimento. Agora, é verdade, se o Banco Central estiver preocupado com a economia verde, com distribuição de renda, nós vamos entrar por um caminho complicado. O Banco Central, desde a presidência de Ilan Goldfajn, também está fazendo um trabalho maravilhoso, que é de regulação financeira progressista. O Pix é uma invenção extraordinária e de grande potencial para trazer a população para o sistema bancário e desfrutar dele, parar de pagar taxas sobre serviços que não têm custo, porque o Banco Central fez a centralização contra os interesses dos bancos. O Banco Central está nessa questão da liberdade bancária, de você ser o possuidor do seu próprio nível de crédito, que você possa carregar seu crédito de um banco para outro. Nós sabemos que temos aqui um sistema bancário oligopolizado. O Banco Central está dando muita corda para as fintechs para reduzir o poder oligopolístico dos bancos. Tudo isso, esse papel de regulação bancária progressista, é algo que se agrega às funções do Banco Central, mas é algo que precisava e precisa ser agregado.
RPD: Como é que o Brasil pode e que tipos de políticas seriam mais efetivas para sair dessa situação de produtividade estagnada, impedindo nossa saída da armadilha da renda média?
EB: Essa é uma questão central do país hoje. Diria o seguinte, para simplificar: produtividade depende de quatro coisas. A primeira é tecnologia. Você tem que ter acesso à tecnologia mais moderna que existe no mundo, porque você tem que trabalhar na fronteira de produção e com os insumos mais modernos que essa tecnologia oferece. A segunda é economia de escala. Você só consegue baratear produtos e aumentar a produtividade se tiver escala de produção. O terceiro ponto é especialização. Se você é um supermercado, tudo bem, mas, se for um supermercado produzindo porção de pecinhas, uma porção de coisinhas diferentes, não. Você tem que se especializar, isso é Adam Smith e David Ricardo. E o quarto ponto é a concorrência. Isso o Schumpeter já nos dizia. O grande propulsor do crescimento é a inovação, e inovação é concorrência, é você estar permanentemente desafiado em relação aos seus concorrentes, efetivos ou potenciais, para sempre estar aprimorando seu desempenho. Como é que você consegue essas quatro coisas? Com abertura. Tem que participar do comércio internacional. Você não pode ficar como a nossa indústria, olhando para o próprio umbigo e desfrutando de uma situação oligopolística de exploração do mercado interno, que é um mercado relativamente grande, mas, hoje em dia, qual é o PIB brasileiro? 2% do PIB mundial. Ou seja, 98% do mercado mundial está do lado de fora. Então, essa questão é fundamental. O que falei antes, dos interesses que se refletem no orçamento, aqui são os interesses que se refletem na política econômica em geral, que é esse fechamento ao comércio exterior. Porque os interesses dessas entidades que se beneficiam da proteção desbeneficiam o país, impedem o crescimento da produtividade e são muito fortes.
RPD: Uma questão difícil de se encarar, realmente, porque essa situação envolve o que vemos desde o fim da ditadura, que continua presente, os interesses particularistas e corporativos, não?
EB: Sim, mas penso no Plano Real, sabe? Por que deu certo apesar dos interesses a enfrentar? Porque havia boas ideias e muita experiência. Vou marcar aqui o livro do Mario Henrique Simonsen, com o título Inflação: gradualismo X tratamento de choque. Foi um marco para a mudança do pensamento econômico a respeito de como lidar com a inflação no país. Foi o primeiro. Depois, nos reuníamos lá na PUC, desde 1980, pensando sobre o problema. Então, tinha muito pensamento próprio, fundamentado, sobre a questão. Isso estava lá. A outra questão era experiência, porque, quando fizemos o Plano Cruzado, tínhamos experiência nenhuma, éramos um bando de recém-saídos da ditadura, achando que tínhamos que nos livrar do arrocho salarial, que congelamento estava tudo bem, enfim, que não precisava equilibrar o orçamento, que política monetária podia ser passiva. A gente não tinha essa experiência, e foi dura aquela experiência, aqueles oito anos, desde o Plano Cruzado, até que conseguimos fazer as coisas certas, passando por aquela maluquice que foi o Plano Collor.
RPD: Diante das ameaças às eleições, o senhor acredita que as reações da sociedade, que se revelam em manifestos da Faculdade de Direito da USP, da Fiesp e de entidades da sociedade civil, de que o senhor tem participado, seriam bastantes para dar um freio de arrumação nessas ameaças e conduzir o processo até outubro para que as eleições sejam realizadas de forma regular?
EB: O preço da liberdade é a eterna vigilância e, realmente, acho que a liberdade agora está sob ameaça. Nesse sentido, não basta apenas a vigilância. Eu assinei o manifesto, foi uma coisa maravilhosa, e ultrapassou um milhão de assinaturas. Estamos todos dispostos a não somente assinar o manifesto, mas a ir para a rua em defesa das instituições, da democracia e, principalmente, dos órgãos superiores de Justiça, como o Tribunal Superior Eleitoral. É isso que precisamos fazer. É uma coisa importante, que a sociedade civil se manifeste dessa forma que vem se manifestando, o que muito me alegra, mas também sabendo que, quando você olha a situação agora, não se compara com 1964, sabe? Em 1964, os Estados Unidos apoiavam o golpe, na verdade, estavam por trás do golpe, e agora já declararam que não apoiam golpe. Não vai ter golpe principalmente porque a população vai ficar contra. Então, isso vai fazer essa gente pensar duas vezes.
Sobre o entrevistado
Edmar Bacha é sócio fundador e membro do conselho diretor do Instituto de Estudos em Política Econômica/Casa das Garças. Membro das Academias Brasileiras de Ciências e de Letras. Em 1993/94, foi membro da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi também presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid (atual Anbima). Entre 1996 e 2010, foi consultor sênior do Banco Itaú BBA. Foi professor de economia na PUC-Rio e em outras universidades brasileiras e americanas. Tem diversos livros e artigos publicados sobre economia brasileira e latino-americana e sobre a economia internacional. É bacharel em economia pela UFMG e Ph.D. em economia pela Universidade de Yale, EUA.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (46ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Equipe de entrevista
André Eduardo é consultor legislativo do Senado Federal, na área de economia. Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).
Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
Benito Salomão é economista chefe Gladius Research e doutor em economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Benjamin Sicsú é presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazônia Sustentável e vice-presidente de novos negócios da Samsung para a América Latina, por 17 anos.
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Quase R$ 300 mi em multas ambientais podem prescrever em 2022
Luiz Fernando Toledo*, BBC News Brasil
Até o fim de 2022, pelo menos 2.297 multas ambientais podem prescrever e o Estado brasileiro deixar de arrecadar cerca de R$ 298 milhões, segundo estimativa interna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), feita em junho e obtida pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Esse número mostra apenas uma parte do problema, pois o órgão admite que mais de 90 mil multas ainda estão na fila para serem processadas e seus prazos de prescrição são desconhecidos.
As cifras também podem variar de acordo com o tipo de análise, já que há vários tipos de prescrição previstos em lei, que variam entre três a cinco anos. A reportagem considerou dados enviados pelo próprio Ibama, que cita como base lei de 1999 que estabelece prazo de prescrição da ação punitiva do Estado.
A BBC News Brasil conversou com mais de 20 ex-funcionários e especialistas do Ibama para esta reportagem. Também analisou documentos internos do órgão e dados oficiais.
A realidade que se desenha é que infratores não temem as punições pois contam com a prescrição para livrar-se dos malfeitos.
Consequentemente, vêm mantendo práticas ilegais por anos, contribuindo para aumentar o desmatamento e a grilagem de terras, enquanto mantêm negócios com a venda e exportação de produtos, como carne e madeira.
Quatro etapas são necessárias para que a infração ambiental seja punida: identificar o ilícito ambiental, autuar, julgar e cobrar a multa. Se o Estado demorar cinco anos ou mais para realizar qualquer uma dessas etapas ou ficar três anos sem "mover" o processo, a multa prescreve e nenhum dinheiro pode ser recolhido, embora a empresa ainda possa ter de restaurar a área degradada, se assim determinado pela Justiça. Também há possível punição na esfera criminal.
Mais de 10 mil multas ambientais são aplicadas anualmente no Brasil. Mas, segundo diagnóstico do próprio Ibama, a atual equipe que analisa e julga não consegue dar conta desse volume de trabalho, então a papelada se acumula e é repassada para o ano seguinte, situação que se repete até o vencimento das multas. Uma estimativa interna do instituto diz que quase 40 mil multas podem prescrever até 2024.
Falta de pessoal e mudanças frequentes na legislação são os motivos do problema, segundo avaliação interna do Ibama e as fontes ouvidas.
"As pessoas têm a impressão de que o Estado é incapaz de punir", diz Felipe Nunes, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos autores de um estudo que mostra que menos multas ambientais estão sendo aplicadas e julgadas por atual administração do Ibama.
Especialistas apontam que uma das razões que ajudaram a aumentar o risco de prescrições é a chamada audiência de conciliação, uma nova etapa antes do julgamento da multa em que o Ibama oferece ao infrator a possibilidade de chegar a um acordo com a empresa em vez de caminhar por um julgamento.
Criado em 2019, o procedimento acabou retardando o processamento de multas nos primeiros meses. Dados da agência ambiental apontam que houve o menor número de julgamentos de infrações ambientais ao menos desde 2013 no órgão.
O Ibama reconheceu essas audiências como um desafio em uma avaliação interna, mencionando-as em seu memorando interno em uma seção sobre "ameaças ao processo sancionatório".
"A audiência de conciliação foi uma política que veio de cima pra baixo, sem ouvir os servidores. Gastou-se muita energia. Se tivessem priorizado o trabalho para melhorar julgamento e instrução das multas, não teríamos tantas prescrições de multas de valores altíssimos", diz o geógrafo e analista ambiental Govinda Terra, um dos diretores da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA (Ministério do Meio Ambiente) e do Ibama (Asibama-DF).
O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) já se mostrou crítico às multas ambientais por diversas vezes. Ele próprio foi multado por pescar em área protegida em janeiro de 2012 e vem dizendo, desde que foi eleito, que quer acabar com a "indústria da multa" no Brasil. Sua própria multa prescreveu em 2019 e o agente que a escreveu foi removido de seu cargo no mesmo ano.
Multas prescritas não são um problema novo e atualmente há até mais mecanismos para evitá-las do que há alguns anos, como a digitalização de documentos nos órgãos públicos, que ajuda na tramitação da papelada e evita a perda de arquivos.
Mas a perda de arrecadação com as prescrições está aumentando. Registros obtidos por meio da LAI mostram que pelo menos 649 multas ambientais prescreveram no ano passado, a maior perda financeira reconhecida da agência desde 2017, após correção pela inflação, de R$ 144 milhões.
Uma das preocupações mais graves dos servidores é com multas milionárias, cujo trabalho de autuação pode levar meses de preparação, mas que têm se perdido com prescrições.
"As grandes empresas preferem gastar com advogado e estender o processo administrativo ao máximo — muitas enrolam mesmo — e, quando não dá certo, vão brigar na Justiça", diz a ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que ocupou o cargo no governo Temer e hoje trabalha como especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima. O Ibama publicou em julho uma portaria que tenta "organizar" essa fila do passivo, priorizando aqueles com valores mais altos.
Registros internos mostram que o Ibama reconhece o problema oficialmente. "Deficiências administrativas comprometem a apuração e mobilização das fiscalizações, não gerando o efeito dissuasório que a multa deveria ter", diz um documento produzido no ano passado.
Quando uma multa prescreve, o instituto precisa abrir uma apuração para identificar o responsável. Mas nem sempre isso é possível. Em alguns casos, o instituto não consegue nem sequer encontrar o agente responsável pelo julgamento da empresa. Por causa da demora, há servidores envolvidos nos processos que até já se aposentaram.
Autoridades do Ibama disseram, em um plano interno, que o órgão precisa contratar 300 pessoas para preencher cargos administrativos e iniciar uma "força-tarefa" para evitar mais prescrições.
Raoni Rajão, professor de Gestão Ambiental e Estudos Sociais da Ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que as mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro agravam a falta de pessoal no Ibama e geram um obstáculo artificial à fiscalização. "O processo não anda e, com isso, mais multas serão vencidas".
"Seria muito importante que o tratamento das multas fosse feito de maneira estratégica. Isso garantiria que grandes e reincidentes infratores fossem objeto de sistemas de inteligência compartilhados, por meio de uma governança entre órgãos administrativos e penais, de modo que fossem investigados de maneira apropriada e prioritária", disse Andreia Bonzo Araujo Azevedo, que é Diretora Adjunta do Programa de Clima e Segurança do Instituto Igarapé.
O Ibama não respondeu aos pedidos de entrevista após duas semanas.
"É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz o servidor.
A alta no valor prescrito em 2021 foi puxada por um caso emblemático. Em 2009, o Estado brasileiro multou uma empresa agrícola por impedir a regeneração florestal em uma área de mais de 6 mil hectares, no Estado do Pará.
Em vez de permitir que a floresta voltasse a crescer em uma área que tinha sido desmatada, a empresa Agropecuária Santa Bárbara do Xinguara criou gado. Por causa do tamanho da fazenda, a multa estabelecida atingiu o teto previsto em lei, de R$ 50 milhões.
A operação, que envolveu diversas fazendas da empresa, fazia parte de um trabalho do Ibama em diversas regiões do Pará para comprovar a situação do desmatamento em áreas de atividade agropecuária na Amazônia. Os fiscais afirmaram que a empresa vinha comprando áreas já desmatadas para criar gado. Segundo a própria agropecuária, havia 20 mil cabeças no local da autuação.
Servidores da Superintendência do Ibama no Pará que acompanharam a operação em 2009 disseram à reportagem que esta autuação tinha um peso histórico.
"Era a primeira multa dessa empresa, na época a maior agropecuária do Brasil", disse um servidor, que pediu anonimato por não ter autorização para dar entrevistas. "Descobrimos que estavam usando normalmente áreas que já tinham sido desmatadas e estavam embargadas (ou seja, que não tinham autorização para nenhum tipo de atividade produtiva, como a criação de gado)."
Mas o desfecho "histórico" não favoreceu os cofres públicos: a multa nunca foi paga e teve a prescrição reconhecida pelo Estado no ano passado. Isto significa, na prática, que, por causa da demora em agir, o Ibama perdeu definitivamente o direito de cobrar a agropecuária pela infração.
"Temos a sensação de enxugar gelo. Não é só o valor da multa que é perdido. É o trabalho de quem fez a fiscalização, do que se gastou com helicópteros, com pessoal, com tempo de trabalho. É um prejuízo impossível de mensurar. É como se zerasse o efeito de tudo que foi feito", diz Terra, do Asibama-DF.
A multa foi uma das infrações mais altas a prescrever nos últimos 20 anos, segundo dados obtidos pela reportagem e atualizados em março deste ano. Desde 2000, ao menos R$ 1,3 bilhão em multas ambientais já prescreveu.
Além do lado administrativo, casos como esse também podem ser analisados na Justiça, no âmbito civil e criminal. Em junho de 2018, o juiz federal Heitor Moura Gomes, da subseção Judiciária de Marabá do Tribunal Regional Federal da Primeira Região condenou a agropecuária a recuperar a área desmatada, mas a empresa recorreu e, desde então, aguarda decisão definitiva da corte.
Na decisão, o juiz absolveu a empresa do pagamento por danos materiais justamente por causa do alto valor da multa que seria aplicada contra a empresa - e que agora, sabe-se, prescreveu.
Bruno Valente, procurador federal do Pará, diz que é comum casos como esse durarem uma década ou mais na Justiça. "A consequência é ruim, pois não desencoraja os infratores".
A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara se apresenta como uma das maiores do setor na América Latina. Em 2019, o jornal britânico The Guardian informou que eles estavam fornecendo à JBS, a maior empresa frigorífica do mundo, que vende carne bovina para praticamente o mundo todo. O Pará, onde está localizada a fazenda, é o Estado da Amazônia com a maior taxa de desmatamento.
A AgroSB, atual nome da empresa, reconheceu por e-mail que houve dano ambiental na área, mas que o desmatamento tinha acontecido antes da compra da fazenda, e que ela estava invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no momento da autuação.
"O melhor para a AgroSB (e Estado) seria o Ibama ter analisado rapidamente este fato e ter declarado no mérito a nulidade da multa, evitando-se, assim, o arrasto do deslinde do feito por mais de uma década até ser fulminado pela prescrição", disse a empresa à reportagem.
O instituto ainda tentava descobrir, em junho deste ano, quem foi o responsável por ter deixado a multa prescrever, de acordo com um memorando interno obtido pela reportagem.
Um funcionário do Ibama que trabalhou no julgamento administrativo de multas e conhece o caso da AgroSB disse que a estratégia da empresa é comum.
"É modus operandi entrar no processo administrativo e esperar o vencimento da multa. Desde o momento em que a empresa foi multada até agora, ela já lucrou muito mais. Esse é um caso emblemático de falta de punição, que gera mais injustiça."
Multa prescrita no passado, investigação no presente
Em março de 2009, o Ibama multou a empresa Tradelink Madeiras em R$ 161 mil (hoje equivalentes a R$ 355 mil, em valores corrigidos pela inflação) por ter adquirido 4.500 metros cúbicos de madeira serrada de ipê (um dos tipos mais valorizados do Brasil) e outros por meio de uma empresa de fachada, situação parecida com a da atual investigação.
A madeira comprada à época foi apreendida e, segundo o relatório do órgão, ficou guardada por quase uma década em um galpão, a ponto de ficar "com aspecto envelhecido, de cor acinzentada", até que o órgão governamental aplicasse a multa, de fato, em 2018. Por conta do lapso temporal, a punição prescreveu e a empresa não precisou pagar a sanção.
Em uma nota técnica enviada à reportagem por meio da LAI, o Ibama justificou a prescrição por "atrasos na análise quanto à lavratura, possivelmente devido à complexidade da operação".
A Tradelink voltou a ser destaque no ano passado depois que uma operação da Polícia Federal investigar se o ministro Ricardo Salles e o atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, faziam parte de um suposto esquema para facilitar o contrabando de madeira para os Estados Unidos.
Destituído do cargo por 90 dias, Bim voltou ao trabalho e, no relatório anual de 2021 do Ibama, escreveu que o instituto está "firme no combate ao desmatamento ilegal em terras indígenas e nos diversos biomas brasileiros."
Procurada, a Tradelink negou irregularidades, diz que não houve exportação ilegal e que "a documentação comprobatória da exportação desses contêineres foi apresentada ao Ibama e à Receita Federal do Brasil, antes do embarque".
Disse ainda que "nunca comprou madeira de empresas que foram fechadas" e que a ação de março de 2009 "está sendo apreciada pelo sistema judicial brasileiro".
Também afirmou que os autos não tiveram relação com desmatamento, mas com "formalidades administrativas vinculadas com divergências no preenchimento específico da documentação".
Especialistas acreditam que irregularidades ambientais poderiam ser evitadas se o Ibama garantisse as sanções, freando possíveis reincidentes.
"A prescrição desses mais de 2 mil autos de infração ambientais [da planilha obtida pela reportagem] é uma forma de chancelar as condutas ambientais criminosas. Se muitos infratores ambientais já viam nas falhas sistêmicas uma via para cometer ilegalidades, sabendo da predisposição de que, se pegos, suas autuações acabarão sendo alcançadas pela prescrição, serão ainda mais estimulados a continuar a expandir o desmatamento ilegal", disse Daniele Galvão, analista jurídica do Center for Climate Crime Analysis (CCCA), uma organização sem fins lucrativos.
"O CCCA tem se deparado em suas análises com diversos casos em que o desmatamento associado à extração ilegal de madeira, muitas vezes destinada à exportação para o mercado europeu ou norte-americano, poderia ser evitado se o Ibama (e também os órgãos ambientais estaduais) atuasse de forma mais efetiva em campo".
Petrobras: mesmo com alertas de subordinados, multas de R$ 10 milhões prescreveram
Uma investigação aberta pelo Ibama em 2018, a que a reportagem teve acesso, mostra que um agente do órgão teria se "esquecido" de tratar de pelo menos quatro multas emitidas contra a Petrobras, deixando R$ 10 milhões em infrações prescreverem entre 2017 e 2018, apesar de ter sido avisado por seus subordinados. O caso contra o servidor foi arquivado por falta de provas, mas as multas foram perdidas.
A Petrobras é a empresa que mais recebeu multas ambientais no país, com mais de 2 mil sanções desde 2009, de acordo com dados do Ibama, que somam mais de R$ 1 bilhão, mas a maioria ainda não resultou em pagamento. A empresa foi constantemente mencionada nas entrevistas para esta reportagem como um exemplo da dificuldade da agência ambiental em garantir o pagamento de multas.
De acordo com a investigação, um coordenador de exploração de petróleo do Ibama no Rio de Janeiro "reteve deliberadamente" vários autos de infração contra a petroleira estatal.
O documento apontou que um agente da unidade do Rio apresentou mensagens remetidas ao coordenador que pediam a ele para trabalhar na multa, o que indicaria "que não houve negligência, mas sim a intenção de manter a situação como está".
Os servidores que investigaram o caso também constataram vários problemas administrativos naquela unidade do Ibama, como "falta de controle documental do processo" na unidade e falta de controle dos horários dos funcionários.
O caso também foi denunciado ao Ministério Público Federal, que abriu um inquérito. O servidor deixou o cargo comissionado que ocupava na mesma época da denúncia, em 2018, mas segue atuando no Ibama. O caso foi arquivado em 2021, segundo o MPF, por "ausência de indícios de falha funcional por parte dos coordenadores."
A Petrobras informou, em nota, que "atua com responsabilidade social e ambiental, além de transparência e respeito a normas e regras vigentes em sua missão de transformar recursos brasileiros em riquezas."
A reportagem procurou o Ibama, mas não obteve nenhuma resposta após duas semanas.
*Texto publicado originalmente na BBC News Brasil. Título editado.
Amazônia e Cerrado batem recordes de focos de queimadas para mês de junho
Lara Pinheiro*, g1
A Amazônia e o Cerrado registraram recordes históricos no número de focos de queimadas para junho, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe).
Na Amazônia, foram detectados 2.562 focos de calor, o maior número para o mês desde 2007, quando 3.519 focos foram registrados. É o terceiro ano consecutivo de alta no número de focos de calor na floresta.
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Os meses de maio e junho marcam o início da temporada de queimadas e desmatamento na Amazônia, por causa do período de seca na floresta. Em maio, o Inpe detectou 2.287 focos de calor na floresta, também um recorde histórico: foi a maior quantidade para o mês desde 2004.
Segundo os dados históricos, a tendência é que a quantidade de pontos de queimada na floresta aumente em julho e agosto. As medições são feitas desde 1998.
No acumulado do semestre, já são 7,5 mil focos de calor registrados na floresta, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2021. A Amazônia também viu um semestre com a maior área sob alerta de desmatamento em 7 anos, ainda sem os dados dos últimos 6 dias de junho.
Em nota, o especialista em políticas públicas do WWF-Brasil Raul do Valle afirmou que "com Bolsonaro correndo atrás nas pesquisas, os grileiros, os garimpeiros e todos que navegam na impunidade" estão "sentindo que precisam correr para consolidar seus crimes, com receio de que um novo governo possa acabar com essa festa".
"É uma verdadeira corrida contra o Brasil e até o final do ano vamos ver o tamanho desse desastre", disse do Valle.
Nesta semana, um documento obtido pelo g1 apontou que o Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia, criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões geradas pela degradação florestal e pelo desmatamento.
Cerrado
Já o Cerrado registrou ainda mais pontos de queimada em junho do que a Amazônia: 4.239 focos, o maior número para junho desde 2010, quando 6.443 focos haviam sido detectados. Também é o terceiro ano consecutivo de alta nos focos de queimada no bioma.
Assim como na Amazônia, a temporada seca no bioma também já começou: no mês passado, foram registrados 3.578 focos de calor no Cerrado, o maior número para o mês desde que o Inpe começou as medições, em 1998.
No acumulado do semestre, o Cerrado somou quase 11 mil focos de queimadas; o número é o maior para o período desde 2010.
Focos de queimadas no Cerrado no primeiro semestre (2010-2022)
Os dados históricos do Inpe também apontam que deve haver ainda mais focos mensais de queimada no bioma pelos próximos três meses. No ano passado, foram detectados 41.937 focos de calor no Cerrado somente no período de julho a setembro.
*Texto publicado originalmente em g1