meio ambiente
RPD || Leandro Consentino: O ideologismo irresponsável
Brasil corre o risco de ficar de fora das principais mesas de negociações por conta da política externa do Governo Bolsonaro, isolando-se da futura governança global. Estados devem reconstruir os organismos internacionais quando a pandemia tiver fim
O breve governo de Jânio Quadros, inaugurado e concluído em 1961, não costuma trazer grandes lembranças sobre suas iniciativas políticas internas para além das folclóricas proibições do uso de biquinis, lança-perfumes e rinhas de galos. No flanco externo, contudo, o legado é evidente, com a emergência da chamada Política Externa Independente.
Buscando diversificar os contatos externos e não se alinhar a nenhum dos dois lados da Guerra Fria, evitando a bipolaridade reinante por meio de princípios como a não-intervenção e a auto-determinação dos povos, o novo paradigma de política externa brasileira foi conduzido brilhantemente por nomes como Afonso Arinos de Melo Franco e San Tiago Dantas, durante os governos de Quadros e de seu vice, João Goulart.
Com a ruptura democrática e a ascensão do Regime Militar, a Política Externa Independente foi brevemente substituída por um alinhamento automático aos Estados Unidos e, consequentemente, ao bloco capitalista. O interesse nacional acabou, então, subordinado ao interesse norte-americano, o que ficou patente pelas palavras do então embaixador brasileiro em Washington, Juraci Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.
O alinhamento, contudo, não durou muito tempo e, na década seguinte, esta postura subserviente cedeu espaço, paulatinamente, para uma espécie de reedição da Política Externa Independente, cujo ápice ocorreria em pleno governo do general Ernesto Geisel. Sob a batuta do então chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira, o novo modelo foi batizado de Pragmatismo Ecumênico e Responsável, apontando exatamente para uma política exterior pautada em uma postura realista e pouco afeita a constrangimentos de natureza ideológica, sobretudo no que diz respeito às negociações econômicas e comerciais.
O pragmatismo responsável, como ficou mais conhecido, orientava-se pelo significado semântico de seu título e buscava assegurar, sem maiores preocupações com a orientação política dos governos com quem travava acordos, a primazia de nosso interesse, sobretudo em um ambiente internacional desfavorável, atingido pela escalada da Guerra Fria e pelo primeiro choque do petróleo. Os resultados não tardaram e aprofundaram nossos laços com regiões e países bastante diversos, com especial destaque para a África, o Leste Europeu e o Oriente Médio, além de nos garantir importante participação e até protagonismo em organismos internacionais.
Com o fim do governo Geisel e posteriormente do próprio regime ditatorial, o advento da Nova República não abandonou tais princípios universalistas e legitimou, ao longo dos sucessivos governos democráticos, a inserção do país nos regimes internacionais, sempre pautado pela autonomia quanto às superpotências, em especial os Estados Unidos da América.
Não obstante seus diversos problemas internos, o Brasil logrou posição de destaque na esfera multilateral, principalmente marcada pela continuidade de sua política externa, independente da disputa entre as forças políticas. As conquistas consolidadas por um governo – seja na esfera econômica, comercial, ambiental ou de direitos humanos - alicerçariam as bases para as conquistas posteriores, ainda que o presidente seguinte fosse de oposição ao anterior.
Este círculo virtuoso foi bruscamente interrompido com a vitória de Jair Messias Bolsonaro, em outubro de 2018, e a subsequente nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de Ministro das Relações Exteriores. Com uma visão que preconizava completo alinhamento com os Estados Unidos, à época governados por Donald Trump, e outros países governados por populistas conservadores, a política externa brasileira esposou a antítese do paradigma de Azeredo da Silveira, pautando-se por um ideologismo irresponsável.
De maneira cada vez mais alheia aos anseios brasileiros, o governo de turno prefere privilegiar suas convicções políticas e ideológicas em detrimento do interesse nacional, colocando em risco os esforços de política externa, conquistados nas últimas décadas e prejudicando a economia e a sociedade brasileira em um momento tão grave como o atual. Foi dessa forma que ficamos para trás na corrida pelas vacinas e que tivemos os insumos atrasados por algumas semanas, perdendo centenas de vidas pelo caminho.
Assim sendo, quando a pandemia tiver fim e os Estados decidirem a reconstrução de organismos internacionais pautados na questão sanitária e na recuperação da economia, o Brasil pode não ser convidado às principais mesas de negociações, isolando-se da futura governança global. Eis o risco que ora enfrentamos e que precisamos evitar a todo custo.
Como disse o próprio Azeredo da Silveira: “a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se”. Ainda que sem grandes esperanças para o curto prazo, esperemos que essa renovação venha em breve, retirando a viseira ideológica que nos tolda a visão para buscar os reais interesses de nosso país.
* Leandro Consetino é bacharel em Relações Internacionais, Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é professor no Insper e na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD || Sérgio C. Buarque: O Brasil foi intubado ... e o oxigênio está acabando
Sem medidas para o isolamento social e a vacinação em massa, calamidade sanitária que o país enfrenta leva diretamente ao desastre humano e econômico, avalia Sérgio C. Buarque
No primeiro trimestre do ano, o Brasil viveu o maior desastre sanitário da sua história com o colapso do sistema de saúde e número assustador de vítimas do Covid-19. Em março, foram 66.868 óbitos, cerca de 21% de todas as mortes pelo vírus no ano passado e o dobro do que foi registrado em julho, no auge da pandemia em 2020. O Brasil tornou-se grave ameaça internacional, sendo responsável hoje por cerca de 27% das mortes diárias no planeta e pela propagação de uma nova cepa mais contagiante e de maior agressividade. Esta dramática situação é o resultado direto da nefasta atuação do presidente da República na desqualificação das medidas de prevenção, no atraso da compra de vacinas e na tentativa de quebra das iniciativas de confinamento social dos governadores. Difícil imaginar mudança do comportamento e das decisões do presidente Bolsonaro no futuro imediato.
A calamidade sanitária leva diretamente ao desastre humano e econômico. A economia brasileira já estava patinando no primeiro trimestre, mesmo antes das modestas restrições implantadas em março, quando os casos e mortes pelo Covid-19 explodiram. Segundo o IPEA, o PIB dos três primeiros meses deste ano registrou queda de 0,5% em relação ao trimestre anterior. A dimensão do desastre sanitário e as incertezas em relação aos desdobramentos da contaminação e às decisões governamentais comprometem a economia e desestimulam os investimentos. Além disso, a nova variedade do vírus tem tido maior taxa de contaminação e de letalidade na população jovem[1] (qualificada para o trabalho) com a destruição de capital humano de efeito estrutural negativo na economia.
Para frear a cadeia de transmissão do vírus nos próximos meses, moderando a dimensão da trágica calamidade sanitária, será imperiosa a implantação de medidas drásticas de isolamento social. Como resultado, forte retração da economia: aumento do desemprego, da falência de empresas e da vulnerabilidade social. Entretanto, diante da gravidade da pandemia, se não forem adotadas medidas duras e impopulares, mantido o ritmo atual de mortos pelo Covid-19, até o final do semestre, o Brasil vai registrar a dolorosa marca de mais de meio milhão de vítimas do vírus. A implantação de um confinamento mais profundo demanda medidas compensatórias do Estado mais amplas do que foi aprovado na PEC emergencial. As quatro parcelas de R$ 250,00 em média para 45,6 milhões de famílias e os R$ 10 bilhões para o BEM-Programa de manutenção do emprego e renda[2] serão claramente insuficientes, para o enfrentamento dos efeitos econômicos e sociais negativos de algum nível de lockdown.
Não se pode ignorar, contudo, que as restrições fiscais deste ano são mais graves que as de 2020, em grande parte por conta das medidas de proteção e incentivos adotadas pelo governo, que gerou déficit fiscal de R$ 844,6 bilhões e ampliou a dívida pública para cerca de 100% do PIB. Mesmo com os gatilhos de redução das despesas correntes aprovados na PEC 109[3], o aumento do auxílio emergencial e do apoio ao emprego e às empresas para compensar o confinamento social deve agravar o quadro fiscal do Brasil. Mas, apesar dos riscos fiscais, o Brasil não tem alternativa de curto prazo. A calamidade permite suspender, transitoriamente, o Teto de Gastos e empurrar os compromissos para o futuro, ao passo que são concebidas e negociadas mudanças estruturais que viabilizem a recuperação das finanças públicas e a reanimação da economia.
O primeiro semestre já está perdido. O desempenho econômico do segundo depende das decisões atuais sobre a intensidade do confinamento e a velocidade do processo de vacinação. E, claro, da ação compensatória do Estado. Se não conseguir acelerar o ritmo de vacinação, até o final do semestre, o Brasil terá vacinado cerca de 84,4 milhões de brasileiros, apenas 40% da população, muito abaixo dos 70% considerados necessários pelos infectologistas para a imunização de massa. Embora muito mais grave do que o ciclo do ano passado, a nova onda do Covid-19 pode ser mais curta se forem adotadas medidas rígidas que quebrem a cadeia de transmissão do vírus e aceleram o processo de vacinação. O custo muito alto no presente, inclusive político, teria resultados mais rápidos e consistentes na recuperação da economia brasileira[4] no restante do ano.
- [1] Em São Paulo, a idade média dos pacientes internados nos hospitais caiu de 65 anos, em julho de 2020, para 37 anos em fevereiro de 2021; em Minas Gerais, 20% das mortes por Covid são de pessoas com menos de 60 anos; e, no Rio Grande do Sul, este percentual chega a 27,8%.
- [2] Muito abaixo do auxílio emergencial do ano passado que custou cerca de R$ 50 bilhões mensais e dos incentivos do BEM-Programa de Manutenção do Emprego e Renda que chegou a R$ 33 bilhões.
- [3] Os gatilhos aprovados pelo Congresso reduziram em muito a capacidade de manobra do governo, tanto nas despesas com pessoal (impedindo a suspensão das promoções), quanto na redução da renúncia fiscal de 4% para apenas 2% do PIB.
- [4] O crescimento da economia internacional, que poderia favorecer o desempenho econômico do Brasil, também estará sofrendo as consequências de novas ondas da pandemia, neste primeiro semestre, embora deva se beneficiar da recuperação da China e dos elevados investimentos do governo americano (US$ 1,9 trilhões) para combate aos efeitos da propagação do vírus, combinados com a aceleração da vacinação.
*Sergio C. Buarque é economista, com mestrado em sociologia, professor aposentado da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local.
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD || Editorial: A fadiga das instituições
No cenário de incerteza em que o país mergulhou após as eleições de 2018, apenas uma percepção clara se consolida mês a mês, para um número crescente de observadores: a progressão acelerada da crise, em suas diferentes dimensões.
No plano sanitário, a pandemia avança de forma galopante e, com ela, o número de óbitos evitáveis. Ultrapassamos a marca de trezentas e cinquenta mil mortes, a média de falecimentos ao dia segue em curva ascendente e não dispomos ainda de uma previsão confiável a respeito do ponto aproximado de reversão dessa situação. Devemos essa situação de catástrofe exclusivamente à omissão do governo federal na contratação das vacinas e sua oposição sistemática às práticas recomendadas pelo consenso da ciência na sua falta: uso de máscaras e distanciamento social.
A expectativa do caos sanitário no curto prazo empurra, por sua vez, a perspectiva de retomada da economia para o médio e longo prazo. A redução concomitante do valor e abrangência do auxílio do governo aos mais necessitados abre as portas para o aprofundamento da insatisfação popular, com consequências imprevisíveis no momento.
Finalmente, temos a dimensão política da crise. Está claro hoje que a hipótese de enquadramento do Poder Executivo por parte de sua base parlamentar, fundamentalmente o grupo conhecido como “centrão”, não passou de esperança vã, alimentada por alguns dos atores do processo e seus apoiadores na esfera pública. Crises continuam a ser provocadas; as instituições, tensionadas; as práticas formais e informais da democracia, erodidas.
No espaço de poucos dias, assistimos à fabricação de uma crise militar, à retomada da ofensiva contra os Poderes Legislativo e Judiciário, e ao inacreditável chamamento de manifestações em favor das “liberdades” de culto e de locomoção, liberdades que, cumpre esclarecer, jamais sofreram até o momento qualquer ameaça.
As instituições encontram-se sob forte fadiga: seu desenho não incorporou a hipótese de mandatários de má fé democrática, em postos de relevância política.
Às oposições resta perseverar na clareza quanto a suas tarefas fundamentais, na cooperação cada vez mais indispensável na sua consecução, na resiliência democrática permanente. A hora é de concentrar o esforço de todos no combate às ameaças que rondam a democracia.
Monica de Bolle: O plano Biden
Nada mais em linha com o papel indutor do Estado no desenvolvimento de longo prazo do que o plano recém-anunciado pelo atual presidente
Diretamente de Washington D.C., vejo com curiosidade a maneira como a imprensa brasileira tem repercutido o plano do presidente Joe Biden para aprimorar a infraestrutura do país e deslanchar sua dupla agenda de proteção social e combate às mudanças climáticas. Curiosidade e também alguma graça. Persiste no Brasil a ideia de que os Estados Unidos são o exemplo de país em que o desenvolvimento se deu pela iniciativa privada, sem protagonismo do Estado. A ideia é errada e mostra um profundo desconhecimento da história do país. E o desconhecimento histórico, nesse caso, não é inofensivo, porque acaba servindo para afastar os aspectos positivos do Estado indutor, em argumentos simplórios, que apresentam apenas seus aspectos negativos, que de fato existem. Tenta-se revitalizar, com esse tipo de construção, a noção de que o Estado protagonista só traz ineficiências, como se o mundo pudesse ser simplificado para caber no que tenho chamado de “liberalismo à brasileira”.
Os Estados Unidos se industrializaram tardiamente, assim como a Alemanha e o Japão, quando se tem o Reino Unido como termo de comparação. A industrialização americana aconteceu na segunda metade do século XIX e foi extremamente rápida: no fim do século, os EUA já rivalizavam com o Reino Unido no comércio internacional. A industrialização no país seguiu alguns dos princípios estabelecidos por Alexander Hamilton — o primeiro secretário do Tesouro — no final do século XVIII. Em sua obra Report on the subject of manufactures, publicada em 1791, Hamilton elabora os princípios da industrialização destacando que o desenvolvimento nacional requeria medidas que discriminassem a favor dos produtores locais.
Portanto, argumentava Hamilton, o processo de industrialização teria de se ancorar em dois eixos principais: o protecionismo e a substituição de importações. Alguns anos mais tarde, Friedrich List iria se valer de argumentos semelhantes para tratar da industrialização alemã. O interessante é que List o faria a partir de suas observações em relação ao que se passava nos Estados Unidos, onde residira antes da publicação de Sistema nacional de economia política, em 1841. Tanto Hamilton quanto List exerceram grande influência sobre o papel do Estado na industrialização americana. Ao final do século XIX, os grandes conglomerados industriais deveriam sua existência ao Estado indutor do desenvolvimento.
Para o desgosto de alguns no Brasil, o “desenvolvimentismo” marcou, assim, a ascensão da economia americana e continuaria a se fazer presente, em maior ou menor intensidade, nas muitas décadas que se seguiram. Em 1934, estaria lá o Estado para socorrer o país da Grande Depressão. A corrida espacial e o complexo tecnológico que a possibilitou durante a Guerra Fria não teriam sido possíveis sem o papel do Estado. Nos anos 1980 e no início dos anos 1990, a internet foi concebida e desenvolvida pelo governo americano. Todo o setor de tecnologia de informação hoje existente não teria se formado sem o financiamento do Estado. Por fim, e essa não é uma lista exaustiva, os Estados Unidos não seriam dominantes na área de biotecnologia sem o papel do Estado. Esse domínio, hoje, está mais visível do que nunca no desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19: as vacinas gênicas da Pfizer e da Moderna, que usam tecnologia mais sofisticada, foram possíveis graças a financiamento e contratos de compra no âmbito da Operação Warp Speed.
É nesse contexto que se insere o Plano Biden. Nada mais em linha com o papel indutor do Estado no desenvolvimento de longo prazo do que o plano recém-anunciado pelo atual presidente.
Ele prevê investimentos maciços em áreas diversas e seu tamanho — todo o PIB do Brasil — deixou alguns assombrados. É curiosa essa reação. Trata-se do país emissor da moeda de reserva internacional, o dólar, anunciando um plano ambicioso e caro, como fez em diferentes momentos ao longo de sua história. Mas, para muitos, parece que essa história não existe, ou foi reinterpretada à luz de um punhado de anos em que reinou suprema a ultraortodoxia da Escola de Chicago, que não mais existe aqui nos Estados Unidos.
Os “liberais à brasileira” vão ter de se conformar com o “desenvolvimentismo” de Biden. O mais saboroso? Serão testemunhas do quão acertado o plano é para o momento atual.
*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkin
Bernardo Mello Franco: Plano de desmonte
No início da pandemia, Ricardo Salles expôs um plano para desmontar o sistema de proteção ao meio ambiente. Segundo ele, era preciso aproveitar as atenções voltadas para o coronavírus e “ir passando a boiada”. O ministro pode ser acusado de muita coisa, menos de não fazer o que prometeu.
Desde a célebre reunião de abril de 2020, Salles revogou normas de licenciamento, perseguiu servidores e se aliou abertamente aos devastadores da Amazônia. O resultado foi o maior desmatamento da floresta em dez anos, de acordo com os dados do Imazon.
Encorajado pelo chefe, o ministro continuou a tabelar com os algozes da floresta. Em março, ele se solidarizou com os alvos da maior apreensão de madeira da história do Brasil. A atitude revoltou os investigadores que comandaram a operação. “Na Polícia Federal não vai passar boiada”, reagiu o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva.
O delegado não se limitou a protestar. Apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma notícia-crime contra Salles e o senador Telmário Mota. O documento acusa a dupla de advocacia administrativa, participação em organização criminosa e infração contra a lei de crimes ambientais.
Para Saraiva, o chefe do Ministério do Meio Ambiente atacou a PF “de forma parcial e tendenciosa, comportando-se como verdadeiro advogado da causa madeireira”. A descrição também serve para ilustrar as relações do ministro com grileiros de terra e garimpeiros ilegais.
A ousadia de Salles mostra que ele não age sozinho: cumpre tarefas combinadas com Jair Bolsonaro. Ontem o presidente deu mais um sinal de apoio à devastação. Em vez de demitir o ministro, mandou afastar o superintendente da PF que o acusou.
Saraiva fez o que o procurador Augusto Aras se recusa a fazer: denunciou o desmonte ambiental e tentou laçar a boiada de Salles. O Congresso também tem sido cúmplice do ataque à Amazônia. Agora, o Supremo tem uma chance de frear as motosserras.
A Corte ainda ganhou novos elementos para o inquérito que apura a interferência do presidente na PF. A investigação completa um ano no próximo dia 28. Ao derrubar o superintendente, Bolsonaro escancarou, mais uma vez, o plano de capturar a polícia para defender seu grupo político.
Vera Magalhães: Salles não é Ernesto nem Weintraub
Quem imagina que a pressão internacional pela adoção de políticas mais firmes no combate ao desmatamento, a demissão do superintendente da Polícia Federal no Amazonas ou os sucessivos indicadores de aumento dos desmates e das queimadas colocam em risco imediato a permanência de Ricardo Salles no governo deve atentar para uma diferença importante: Salles não tem nada a ver com Abraham Weintraub ou Ernesto Araújo.
A começar pela origem. Salles não é um fanatizado seguidor de Olavo de Carvalho, nem mesmo um cultor da imagem de Jair Bolsonaro como um “mito”. A associação entre ambos é uma conveniência de agenda, pragmática para ambos os lados.
O ministro não era o preferido do presidente eleito na transição. As primeiras reuniões entre eles foram cercadas de desconfiança, pelo fato de Salles ter integrado o governo de Geraldo Alckmin.
O paulista ganhou o posto ao se comprometer a implementar à risca a agenda de Bolsonaro, que logo nas primeiras conversas reclamou do excesso de fiscalização e de multas aplicadas por órgãos como o Ibama a madeireiros e produtores rurais. Disse que seu ministro teria a incumbência de acabar com a “indústria da multa” e enfraquecer o papel das ONGs, inclusive suas conexões no Inpe, no Ibama e no ICMBio.
Este é um ponto fulcral: diferentemente de Araújo e Weintraub, cujo comportamento caricato e cuja mente persecutória não permitiam que cumprissem nenhum planejamento de desmonte de seus órgãos sem que isso naufragasse como um plano infalível do Cebolinha, Salles sabe planejar e executar a agenda de Bolsonaro. Tem feito isso com extrema eficácia ao longo de dois anos e três meses.
O que ele propugnou na famosa reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, aproveitar a pandemia para “passar a boiada” do desmonte da estrutura de fiscalização e a legislação ambiental, inclusive do arcabouço legal, está sendo implementado à risca. Basta pegar a lista de normas revogadas nos últimos meses, inclusive as concernentes à concessão de licença ambiental.
Salles não se furta a defender a agenda de Bolsonaro em entrevistas, reuniões com outros países e fóruns internacionais. Faz isso sem alterar a voz ou a fisionomia, supostamente esgrimindo dados, que distorce sem nem corar. Aperta os botões certos para demitir ou mandar afastar quem cruza seu caminho, como acaba de acontecer com o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva — algo “já planejado”, segundo os envolvidos.
A queda de Salles dependeria de alguns fatores combinados. Primeiro, uma evidência que o ligasse à defesa dos interesses de empresas privadas que agem ilegalmente nos ramos de madeira, extração mineral ou agropecuária, como acusou Alexandre Saraiva na notícia-crime que enviou ao Supremo Tribunal Federal.
Portanto, se o STF abrir mais um inquérito para investigar um ministro de Bolsonaro, e exigir, como Alexandre de Moraes garantiu no caso das denúncias de Sergio Moro, um delegado da PF destacado para isso que não possa ser removido pelo diretor-geral Paulo Maiurino, a situação do titular do Meio Ambiente poderia se complicar.
O segundo fator que pode atrapalhar a permanência do extremamente eficiente (para Bolsonaro) Ricardo Salles é uma sanção mais concreta da União Europeia, da China ou dos Estados Unidos às exportações brasileiras pela nossa trágica gestão ambiental.
Isso faria com que o prejuízo pela manutenção do ministro se fizesse sentir no bolso daqueles que apoiam Bolsonaro: o agronegócio, o setor da mineração e os madeireiros. O presidente já perdeu sustentação em segmentos importantes, como o mercado financeiro e o empresariado industrial, em razão do desastre na resposta à pandemia e da economia que não decola. Se sentir que a própria cabeça estará na guilhotina, não se furtará a colocar a de seu dileto ministro no lugar.
Luiz Carlos Azedo: O favoritismo de Lula
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, ontem, a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por 8 a 3, com base no princípio do “juiz natural”, pedra basilar do chamado devido processo legal, invocado pela defesa do petista desde quando o processo começou a andar na 13a Vara Federal de Curitiba, sob a batuta do então juiz Sergio Moro. Quando a revisão do caso do ex-presidente da República começou a ser ventilada nos bastidores do Supremo, o presidente Jair Bolsonaro imaginava que Lula como adversário seria meia reeleição garantida, mas a vida está mostrando, com a pandemia da covid-19, que a roda da Fortuna girou em favor do petista.
Como já era de se esperar, a reação de Bolsonaro e seus aliados será na direção de contestar a decisão do Supremo e desacreditar os integrantes da Corte, além de intensificar a narrativa de que houve fraude nas eleições passadas e de que o voto eletrônico não é seguro. Os propósitos golpistas dessa narrativa são conhecidos, porém não têm encontrado eco nos meios políticos, nem mesmo entre os aliados do Centrão, e também nas Forças Armadas, apesar das insatisfações com a decisão. A ideia de que a polarização com Lula seria a chave da vitórianas eleições de 2022 está furada.
A decisão do Supremo anulou as condenações de Lula por um aspecto formal, o foro de seu julgamento deveria ser o Distrito Federal, e não Curitiba. Isso não significa que Lula tenha sido inocentado, porque o processo terá que ser reiniciado (há controvérsias sobre a anulação de provas). Entretanto a narrativa de que Lula foi injustiçado por Sergio Moro é cada vez mais robusta, pela revelação de suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato e, também, por causa da decisão da Segunda Turma que aprovou a suspeição do ex-juiz na condução do processo, por 3 a 2. Esse é outro assunto que terá de ser examinado pelo plenário do Supremo, podendo ter sérias consequências para o ex-magistrado, um pré-candidato à Presidência ainda encabulado.
Mudança de cenário
A presença de Lula na disputa mudou completamente o cenário eleitoral de 2022. A expectativa de poder que a possibilidade de reeleição garante aos ocupantes do Palácio do Planalto, no caso de Bolsonaro, está sendo volatilizada pela pandemia da covid-19, a recessão econômica e o mau desempenho do governo federal em muitas frentes. As políticas públicas que contavam com certo consenso nacional e reconhecimento internacional foram substituídas pela improvisação, pelo obscurantismo e pela incompetência administrativa, além de um viés ideológico reacionário. Isso correu na política externa, no meio ambiente, nos direitos humanos, na cultura e na educação, mas é na saúde pública que o desastre pôs no telhado a reeleição de Bolsonaro em 2022.
Cada dia que passa, as consequências da má gestão do ex- ministro da Saúde Eduardo Pazuello mostram-se mais graves, com o agravante de que o novo ministro, Marcelo Queiroga, embora tenha flexibilizado a narrativa governista, está capotando na área administrativa da pasta. Hoje, é o principal responsável pelo colapso do fornecimento de insumos para tratamento dos casos graves da doença, principalmente os kits de intubação. Como o Ministério da Saúde requisitou toda a produção nacional e não consegue atender à demanda, hospitais de vários estados estão entrando em colapso. Pacientes estão sendo amarrados nas UTIs para não retirarem os tubos de respiração ou deixando de ser intubados, por falta de analgésicos adequados e outros recursos, o que acaba aumentando o número de óbitos.
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo e se prolongará para além da pandemia, por causa do grande número de mortos. Isso significa que Bolsonaro está derrotado e Lula com o caneco na mão? Não, ninguém ganha eleições de véspera. Lula já foi favorito antes e perdeu a eleição, em 1994, para Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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Ao negociar com o extremista de direita que governa o Brasil, o presidente democrata se arrisca a cometer a maior interferência no destino do Brasil desde a ditadura
O apoio decisivo dos Estados Unidos às ditaduras da América Latina na segunda metade do século 20 é conhecido e bem documentado. O que não se esperava é que, justamente neste momento da história, em que os Estados Unidos acabaram de enfrentar o maior e mais traumático ataque à sua própria democracia, Joe Biden possa decidir fortalecer o autoritário Jair Bolsonaro. Os governos de Bolsonaro e de Biden conversam a portas fechadas sobre um bilionário investimento na Amazônia que poderá ser anunciado na Cúpula de Líderes sobre o Clima promovida na próxima semana, em 22 e 23 de abril, pelos Estados Unidos.
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Amplos setores da sociedade brasileira veem na negociação um movimento inaceitável para legitimar Bolsonaro no momento em que ele é tratado pelo mundo democrático como “ameaça global” e amarga uma queda na sua popularidade devido à media de mais de 3 mil mortes diárias por covid-19. Quem conhece Bolsonaro também tem certeza de que, se Biden botar dólares na conta do Governo brasileiro, o presidente e sua quadrilha encontrarão um jeito de abastecer os bolsos dos depredadores da Amazônia, uma importante base eleitoral para catapultar as chances de uma reeleição em 2022.
O impasse não é confortável para o Governo do democrata Joe Biden. Em seu discurso de posse, ele anunciou o combate à emergência climática como uma de suas maiores prioridades. Ainda na campanha eleitoral, já havia anunciado a intenção de investir 20 bilhões de dólares na proteção da Amazônia. Não há possibilidade de controlar o superaquecimento global, bandeira cara à ala mais progressista do Partido Democrata, sem a maior floresta tropical do mundo. Por outro lado, a deliberada inação do Congresso brasileiro, sentado sobre mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro, torna difícil qualquer ação por parte do líder americano: por um lado, a proteção da Amazônia já se tornou emergencial, dada a crescente savanização da floresta; por outro, a premência obriga o Governo americano a negociar com o principal responsável pela aceleração da destruição.
O que fazer, então? Certamente não negociar a portas fechadas com um Governo que, apenas entre agosto de 2019 e julho de 2020, desmatou mais de 11 mil quilômetros quadrados, o equivalente a riscar do mapa uma área de floresta do tamanho de sete cidades de São Paulo. Os índices de desmatamento de março de 2021, o último mês fechado, já são os maiores dos últimos seis anos, com a extinção de 367 quilômetros quadrados de mata. E, também, não negociar com um extremista de direita denunciado por povos indígenas e outros setores da sociedade brasileira e internacional como “genocida”, em comunicações ao Tribunal Penal Internacional. E, ainda, não negociar com um governante apontado por pesquisas internacionais como o pior gestor da pandemia, cujas ações para disseminar o novo coronavírus com o objetivo de atingir imunidade por contágio ameaçam hoje o controle global da covid-19, ao converter o Brasil num criadouro de novas variantes.
O primeiro a propagandear a surpreendente amizade com o Governo de Biden foi justamente o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, um fraudador ambiental condenado. Salles, que anunciou com orgulho num programa de TV que assumiu a pasta sem nunca ter visitado a Amazônia nem saber quem era Chico Mendes, tem entre suas credenciais uma condenação por fraudar documentos e mapas para beneficiar mineradoras quando era secretário do meio ambiente do Estado de São Paulo. Quando a covid-19 atingiu o Brasil, defendeu numa reunião do governo que deveriam aproveitar que a imprensa estava distraída com a pandemia “para passar a boiada”, o que significava afrouxar ainda mais a legislação ambiental sem se arriscar à reação da sociedade. Em sua gestão, o marco legal de proteção, assim como os órgãos de fiscalização, foram enfraquecidos.
Chamado no Brasil e em parte do mundo de antiministro do meio ambiente ou ministro contra o meio ambiente, Salles estava tão afoito para divulgar as negociações com os americanos que deu uma entrevista à jornalista Giovana Girardi, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, na casa da sua mãe. Fez questão de alardear que estava pedindo aos americanos 1 bilhão de dólares a cada 12 meses para reduzir o desmatamento da Amazônia em 40%. A trucagem de Salles não agradou aos negociadores americanos, que foram propositalmente expostos, e moveu uma forte reação contrária de amplos setores da sociedade brasileira.
Na semana passada, 199 organizações, de indígenas a cientistas, de ambientalistas a jornalistas, assinaram uma carta na qual afirmam: “O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”. Entre as várias surpresas da negociação entre os governos Biden e Bolsonaro está o fato de que nenhum dos protagonistas da sociedade civil, os que vêm lutando e morrendo pela Amazônia há décadas, foram chamados para participar.
Na segunda-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou um vídeo em inglês direcionado ao presidente estadunidense: “Caro Joe, nós sabemos que a Casa Branca está fazendo um acordo climático secreto com Bolsonaro. Nós, brasileiros, precisamos te alertar: não confie em Bolsonaro. Não deixe esse homem negociar o futuro da Amazônia. Ele declarou guerra contra nós. Contra os povos indígenas. Contra a democracia. Ele está espalhando covid-19, mentiras e ódio”. E finaliza: “É a Amazônia ou Bolsonaro. Não dá para conciliar os dois. De que lado você está?”.
Diante da reação crítica, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, o texano Todd Chapman, se apressou a tentar virar a maré de constrangimento, afirmando, durante uma reunião virtual privada no domingo, da qual participaram políticos, diplomatas e empresários brasileiros convidados, que o Governo Bolsonaro vai precisar “mostrar preocupação ambiental para recuperar a confiança dos americanos e ampliar as relações com a Casa Branca”. Segundo a Folha de S. Paulo, o embaixador estadunidense classificou a cúpula do clima como “uma oportunidade” para o Brasil virar o jogo e resgatar a preocupação ambiental diante dos olhos do mundo. E aí vem a parte mais interessante. O embaixador afirmou que o país vai “se tornar herói” se fizer uma “declaração contundente”, retomando seu papel de protagonista no debate sobre o meio ambiente.
Como o Brasil hoje é governado e representado por Jair Bolsonaro, Chapman, uma escolha de Donald Trump para a embaixada brasileira, está acenando com um Bolsonaro herói da Amazônia. O problema é que nem na cabeça dos roteiristas mais imaginativos da HBO ou da Amazon essa transmutação soaria remotamente verossímil. O que está se desenhando, ao contrário, é mais um enredo no estilo de Al Capone. Bolsonaro e seu fiel lobista Salles desmontam a legislação ambiental e enfraquecem os órgãos de proteção, estimulam grileiros, madeireiros e garimpeiros a invadir as áreas públicas da floresta, deixam a covid-19 se alastrar pelos territórios indígenas e, quando a pressão internacional aperta, fazem um show pirotécnico com Exército e/ou Força Nacional, escanteando mais uma vez os fiscais do Ibama.
Os resultados estão aí para qualquer americano ver. Com a decisiva colaboração de Bolsonaro e de Salles, as pesquisas mais recentes mostram que áreas da floresta amazônica já começam a emitir mais carbono do que absorvem. Se a destruição da floresta que ainda está em pé continuar e se a floresta degradada não for recuperada, isso significa que em breve a Amazônia vai se tornar parte do problema e não mais parte da solução.
Bolsonaro e Salles destroem a Amazônia e atacam os povos da floresta em proporções só vistas na ditadura civil-militar (1964-1965) e depois pedem dinheiro para parar. Há ainda mais uma malandragem na proposta do também chamado “sinistro do meio ambiente”: apenas um terço dos recursos iriam diretamente para a proteção da floresta. Os outros dois terços seriam investidos em “desenvolvimento econômico” da região. Alguém já viu esse modus operandi em algum lugar? Pois é. Não para por aí o comportamento de gângster. Para alguns negociadores experientes, os Estados Unidos podem estar pagando também para que Bolsonaro não destrua qualquer possibilidade de acordo nas próximas cúpulas do clima.
Ricardo Salles, como alfineta um ambientalista, não levanta da cama pela manhã se não for para botar a mão em dinheiro que possa controlar. Esse foi justamente o problema dele com o Fundo Amazônia, que garantia ao Brasil um volume de recursos na casa dos bilhões da Noruega e também da Alemanha e que acabou sendo congelado porque Salles tentava desvirtuá-lo. Salles queria o que ele mesmo definiu como “uma mudança no modelo de gestão de recursos”. Os europeus desviaram da casca de banana.
Pode ser um tanto inusitado negociar com tal personagem. A repórter Marina Dias, da Folha de S. Paulo, conta que num dos slides apresentados por Salles em uma reunião com integrantes da equipe de John Kerry, Enviado Especial para o Clima do Governo Biden, havia a imagem do que os brasileiros chamam popularmente de “TV de Cachorro”: um vira-lata esfomeado olhando os frangos assando e girando numa máquina. As aves de Salles tinham cifrões estampados no corpo. Acima, estava escrito: “Payment Expectation” (expectativa de pagamento). É fácil imaginar quem é o cachorro e quem é o franguinho.
Poderia se cogitar que Biden e sua equipe não tenham aprendido o suficiente sobre como funciona a corja de populistas de extrema direita que corroem a democracia mundial, da qual Bolsonaro, depois da derrota sofrida por Trump, é o exemplo mais vistoso. Mas ninguém é ingênuo o suficiente para acreditar na ingenuidade de negociadores americanos. Nessa mesa há ainda muitas cartas nebulosas: entre elas, o temor da China avançando várias casinhas sobre a Amazônia brasileira e outras partes do planeta, o que já está acontecendo, os impasses em torno da tecnologia 5G e também a pressão das grandes corporações, que querem seguir lucrando sem sofrer boicotes por usar matérias-primas originadas no desmatamento. Nesse jogo, o mais lento voa.
É compreensível, necessário e desejável que Biden queira investir na proteção da Amazônia também pelas mais corretas e louváveis razões. É, porém, inacreditável, inaceitável e abjeto que Biden faça isso dando dinheiro ao maior inimigo da Amazônia e de seus povos. Em sua defesa, negociadores americanos têm dito que Bolsonaro foi eleito democraticamente e que é urgente proteger a Amazônia.
Sim, como Donald Trump, Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente. Bolsonaro, porém, assim como Trump, não é um democrata, em nenhum sentido que esse termo possa ter. Bolsonaro e sua quadrilha só permanecem no Governo depois de todas as atrocidades que cometeram porque o Congresso é dominado por um grupo de parlamentares de aluguel chamado de “Centrão”. Também porque a massa de pessoas que clama pelo impeachment não pode ir às ruas porque o país está tomado pela covid-19 e, graças à diligência de Bolsonaro, sem garantia de vacinas em número suficiente.
Os olhinhos ávidos de Bolsonaro sempre brilharam diante de Donald Trump. Junto com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, o brasileiro foi um dos governantes do mundo que mais demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden sobre seu ídolo do topete laranja. Também justificou a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, sustentando a mentira trumpista de “fraude” na eleição. Trump, porém, sempre afagou a cabeça do seu garoto, mas jamais cogitou dar o que os americanos chamam de “serious money” ―uma quantia decisiva de dinheiro―ao seu Governo. O investimento na Amazônia pretendido por Biden, nos moldes em que está sendo negociado, poderá significar um apoio ao governo Bolsonaro que nem o próprio sonhou.
Se a urgência de proteger a Amazônia não pode esperar o fim do governo predatório de Bolsonaro, é necessário garantir a participação nas negociações de quem realmente protege a floresta ―contra as agressões de Bolsonaro. Como as lideranças indígenas e as organizações socioambientais, essas que Bolsonaro chama de “câncer”. É também obrigatório condicionar a liberação do dinheiro a ações reais e resultados concretos. Fundamentalmente, nos campos da ética, da decência e dos direitos humanos, pouco populares em negociações internacionais, o desafio de Biden é dar uma resposta coerente à pergunta para lá de espinhosa: é possível negociar com um extremista de direita chamado de “genocida” por grande parte do seu povo, responsável por milhares de mortes evitáveis e pela aceleração do desmatamento da Amazônia?
Se as negociações seguirem na toada atual, Biden poderá sujar as mãos logo na arrancada de sua pretensão a liderar o mundo democrático no enfrentamento da crise climática. E, com a justificativa de proteger a Amazônia, realizar a mais decisiva interferência no destino do Brasil por um governo americano desde a ditadura. A Amazônia, cada vez mais perto do ponto de não retorno, precisa ser protegida pela sociedade global com urgência. Mas não se fará isso dando bilhões de dólares para seu maior predador e sua quadrilha de destruidores ambientais.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
Gil Alessi: Governadores preparam carta a Biden para driblar protagonismo negativo de Bolsonaro
Com presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de críticas pelo aumento do desmatamento no país, chefes dos executivos estaduais querem acesso aos recursos dos EUA
Em meio à lentidão do processo de imunização contra a covid-19 no Brasil, e com o pedido feito por ONGs para que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não negocie “a portas fechadas” questões ambientais com Jair Bolsonaro, governadores brasileiros lançarão nos próximos dias iniciativas nestas duas frentes em busca de protagonismo —e de resultados concretos. Chefes de 23 Executivos estaduais formaram um bloco chamado “Coalizão Governadores Pelo Clima”, que assina uma carta endereçada ao mandatário americano.
O documento será entregue ainda este mês ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Na mensagem de três páginas eles divergem de Bolsonaro ao defender o Acordo de Paris —que o presidente já falou em abandonar— e “o cumprimento do Código Florestal para a conservação das florestas e da vegetação nativa” —outro contraste com o Planalto, cujo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende a flexibilização das leis para “passar a boiada”.
A carta é assinada por governadores de oposição a Bolsonaro, como João Doria (SP), Flávio Dino (MA) e Fátima Bezerra (RN), mas também por simpatizantes do presidente, como Romeu Zema (MG) e Cláudio Castro (RJ). Na mensagem eles se dizem preocupados com a situação e “conscientes da emergência climática global”. Também se colocam como atores capazes de contribuir com a solução caso tenham acesso aos recursos necessários, preenchendo um certo vácuo diplomático deixado pelo Governo Federal. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, diz o texto.
A articulação acontece às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, que será realizada de forma virtual em 22 e 23 de abril e para qual o Governo Joe Biden convidou Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral em 2020 Biden chegou a dizer que poderia aplicar sanções contra o Brasil caso o país não controlasse o desmatamento. Depois de eleito, o tom de ameaça foi suavizado apesar dos recordes de devastação da floresta, e o enviado especial do Clima da Casa Branca, John Kerry, chegou a realizar uma videoconferência com o ministro Ricardo Salles e o então chanceler Ernesto Araújo para tratar do tema.
Todo o interesse não é em vão. A proteção dos biomas brasileiros é um negócio que movimenta bilhões de dólares. Desde o início do Governo Bolsonaro diversos fundos europeus ameaçaram suspender repasses destinados à preservação da floresta até que o Brasil mostrasse comprometimento com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e também em outros biomas. Noruega e Alemanha, por exemplo, bloquearam no final de 2019 o envio de recursos para o Fundo Amazônia, um dos principais do setor. Até o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, assinado em junho de 2019, tem sua implementação arrastada à medida em que países como França e Áustria resistem a que ele saia do papel alegando preocupações ambientais.
O anúncio do contato dos governadores com Biden também ocorre uma semana após um grupo com mais de 200 ONGs ligadas a questões ambientais ter enviado ao presidente americano uma carta na qual criticam eventuais negociações “a portas fechadas” feitas entre os dois mandatários sobre a Amazônia sem a inclusão da sociedade civil. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo [Bolsonaro]”, afirmam em um trecho da mensagem, que também defende a participação dos Estados e comunidades locais nas tratativas. “Bolsonaro (...) compromete os Acordos de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população”, conclui o texto.
Novos focos de atrito entre governadores e Planalto
A iniciativa dos governadores de contactar diretamente Biden tem potencial para provocar ainda mais atrito entre eles e o presidente. Ambas as partes já vivem uma relação bastante conturbada, erodida desde o início da pandemia quando Bolsonaro passou a atacar os executivos estaduais por tentarem controlar a crise sanitária com isolamento e restrições. Posteriormente, acusou os governadores de fazerem uso político da covid-19 e desviar recursos do Governo Federal destinados à Saúde.
Indagado sobre a possibilidade de conflitos com o Planalto, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos signatários da carta, é taxativo: “Não estamos defendendo uma posição política individualista, e sim a posição do Brasil. Ela não foi alterada, apesar de verbalização [de Bolsonaro] no sentido diferente, as regras continuam as mesmas, não houve alteração da Constituição ou no Legislativo e Judiciário com relação à necessidade de proteger o Meio Ambiente”. Segundo ele, a ideia é que “Biden atente ao fato de que a posição no Brasil precisa ser uma posição que envolva os três poderes, e não apenas um”.
A carta dos Governadores pelo Clima não é a única iniciativa destes políticos que pode afrontar Bolsonaro. Nesta sexta-feira integrantes do Fórum Nacional de Governadores irá realizar por videoconferência uma reunião com a secretária-geral adjunta da Organização das Nações Unidas, Amina Mohammed. Na pauta, o pedido por “ajuda humanitária ao Brasil” em função da situação de descontrole da pandemia do novo coronavírus no país. “Queremos a sensibilização da ONU para que a Organização Mundial da Saúde agilize a entrega de vacinas para o Brasil”, afirmou Dias, referindo-se às doses do consórcio capitaneado pela entidade.
O protagonismo dos governadores na pandemia é uma questão crucial para Bolsonaro. Até o momento o Planalto ficou a reboque de iniciativas estaduais quando o assunto é imunização: boa parte das doses aplicadas nos mais de 23 milhões e brasileiros até esta terça-feira foi produzida no Instituto Butantan, em uma iniciativa do Governo paulista. Desde fevereiro outros governadores já iniciaram tratativas com laboratórios estrangeiros em busca de mais vacinas —algumas ainda sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como é o caso do imunizante russo Sputnik V, adquirido por Camilo Santana (CE) e Flávio Dino (MA).
Folha de S. Paulo: Em carta, entidades pedem a Biden que não faça acordo ambiental com Bolsonaro
Manifesto é assinado por ONGs ambientais, indígenas, sindicatos, coletivos negros e LGBTs
Rafael Balagos, Folha de S. Paulo
Um grupo de cerca de 200 entidades brasileiras enviou uma carta, nesta terça (6), ao governo de Joe Biden com um pedido para que os EUA não façam nenhum acordo climático com o governo de Jair Bolsonaro a portas fechadas, pois consideram que a gestão federal não tem legitimidade para representar o Brasil.
A carta foi enviada aos gabinetes do presidente americano e da vice-presidente, Kamala Harris, à embaixada dos EUA em Brasília, a parlamentares democratas, a membros do gabinete de John Kerry, assessor especial de Biden para o clima, além de organizações internacionais de preservação ambiental.
As instituições consideram a gestão Bolsonaro uma inimiga da preservação da natureza. "Sua política antiambiental desmontou órgãos de fiscalização, promoveu o enfraquecimento da legislação e incentivou a invasões de territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas protegidas", afirmam.
A lista de signatários inclui a Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), a ONG Conectas, a CUT (Central Única dos Trabalhadores), a Frente Favela Brasil, a Fundação Tide Setubal, o Greenpeace Brasil, o Instituto Pólis, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o MNU (Movimento Negro Unificado) e a SOS Mata Atlântica. A íntegra da carta e a lista de adesões estão no final desta reportagem.
O manifesto pede que a ajuda estrangeira ao Brasil seja debatida com a participação de órgãos da sociedade civil, governos locais, universidades, parlamentares e as populações afetadas diretamente pelas questões ambientais, como indígenas e quilombolas.
"Não estamos criticando os projetos de colaboração internacional em meio ambiente no Brasil, que sempre foram muito importantes. O que queremos é que o governo americano ouça também a sociedade civil, para que não se deixe enganar pelo governo Bolsonaro", comenta Marcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, rede de entidades ambientais que também assina o manifesto.
O temor dos ativistas é o de que o governo federal consiga recursos estrangeiros sem destinação específica. "Isso abre margem para que o dinheiro seja usado de forma eleitoral, com finalidades que passam longe de ajudar a proteger a natureza", aponta o secretário.
"Planejamos fazer mais ações até o dia 22. Uma das propostas é organizar um evento no Congresso americano, no dia 15, para debater meio ambiente e Amazônia", diz ele.
A Casa Branca marcou, para os dias 22 e 23 de abril, uma reunião de cúpula sobre o clima e convidou 40 líderes mundiais, incluindo o presidente Jair Bolsonaro. Durante o encontro, os EUA devem anunciar uma nova meta de emissões de carbono para 2030, como parte de seu retorno ao Acordo Climático de Paris.
Como mostrou a Folha, o governo Bolsonaro pediu ajuda aos EUA para atingir novas metas em energia limpa —área em que o Brasil se destaca historicamente. Do outro lado, Kerry já teve reunião com o ministro do Meio Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, e tem pedido em público que as nações se comprometam com metas mais objetivas para combater o aquecimento global.
O desmatamento na Amazônia cresceu 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, segundo dados do governo brasileiro. Foi o maior percentual em uma década. A derrubada da mata é acompanhada por um crescimento das queimadas na região. Bolsonaro e membros de sua equipe costumam minimizar o problema, além de fazer críticas ao trabalho de ONGs. Em 2019, Bolsonaro disse que elas eram suspeitas de incendiar a floresta, sem apresentar provas.
ÍNTEGRA DA CARTA
CARTA DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA AO GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Brasil, 6 de abril de 2021.
Em 20 de janeiro, em seu discurso de posse, o presidente Joe Biden elencou como principais desafios de seu governo a luta contra a pandemia, o combate ao racismo estrutural, a mudança climática e o papel dos EUA no mundo. O país, afirmou Biden, deveria liderar não pelo exemplo da sua força, mas pela força do seu exemplo.
Tal discurso está sob teste agora, enquanto a administração Biden trava conversas com o governo de Jair Bolsonaro, do Brasil, sobre a agenda ambiental. As negociações ocorrem longe dos olhos da sociedade civil, que o presidente brasileiro já comparou a um "câncer". O governo brasileiro comemora tais negociações, que envolveriam recursos financeiros. O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos.
O líder extremista do Brasil justificou o putsch de 6 de janeiro nos EUA repetindo as mentiras de Donald Trump sobre fraude na eleição. Dentro de casa, ele ataca os direitos humanos e a democracia. Cooperar com tal governante seria um ato inexplicável. Bolsonaro está promovendo a destruição da floresta amazônica e outros biomas, aumentando as emissões do Brasil. Compromete o Acordo de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população.
Sua política antiambiental desmontou órgãos de fiscalização, promoveu o enfraquecimento da legislação e incentiva invasões de territórios indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas protegidas. A presença de invasores leva ao aumento da violência e de doenças como a Covid junto aos habitantes da floresta. Recentemente, Bolsonaro foi denunciado por indígenas ao Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.
Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo. Qualquer projeto para ajudar o Brasil deve ser construído a partir do diálogo com a sociedade civil, os governos subnacionais, a academia e, sobretudo, com as populações locais que até hoje souberam proteger a floresta e todos os bens que ela abriga. Nenhuma tratativa deve ser considerada antes da redução do desmatamento aos níveis exigidos pela legislação brasileira de clima e o fim da agenda de retrocessos encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional. Negociar com Bolsonaro não é o mesmo que ajudar o Brasil a solucionar seus problemas atuais.
Negociações e acordos que não respeitem tais pré-requisitos representam um endosso à tragédia humanitária e ao retrocesso ambiental e civilizatório imposto por Bolsonaro. A eleição de Joe Biden representou a vontade dos EUA de estar do lado certo da história. Fazer a coisa certa pelos brasileiros seria uma grande demonstração disso.
Assinam esta carta:
Coletivos nacionais
Agentes de Pastoral Negros do Brasil - APNs
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Associação Brasileira de Imprensa - ABI
Associação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib
Associação Nacional de Pós-graduandos - ANPG
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Coalizão Negra por Direitos
Conselho Nacional de Seringueiros - CNS
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas - CONAq
Fórum da Amazônia Oriental - Faor
Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros - Fonatrans
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto - MTST Brasil
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Movimento Negro Unificado - MNU
Observatório do Clima
RCA - Rede de Cooperação Amazônica
Rede GTA
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
Uneafro Brasil
Entidades da sociedade civil
342Amazonia
342Artes
350.org Brasil
Abpes - Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária
Ação Educativa
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - Afes
Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica - Aganju
Articulação Negra de Pernambuco - Anepe
ASSIBGE-RR
Associação Alternativa Terrazul
Associação Brasileira de Imprensa
Associação Brasileira de Reforma Agrária
Associação Cultural Educacional Assistencial Afro Brasileira Ogban
Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade - MG
Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente na Amazônia
Associação de Jovens Engajamundo
Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo Curiau
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - Apremavi
Associação dos Moradores e Amigos da Praia Grande (Penha-SC)
Associação Evangélica Piauíense - AEPI
Associação Interdenominacional de Pastores - Assip
Associação para a Gestão Socioambiental do Triângulo Mineiro - Anga
Associação Paulista de Cineastas - Apaci
Atelier Tuim
Avaaz
Baía Viva
BVRio
Carta da Terra Brasil
Casa 8 de Março - Organização Feminista do Tocantins
Casa das Pretas - RJ
Católicas pelo Direito de Decidir
Centro de Convivência É de Lei
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - Cedenpa
Centro de Formação da Negra e do Negro da Transamazônica e Xingu - CFNTX
Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo
Centro de Trabalho Indigenista - CTI
Centro Franciscano de Defesa de Direitos (Belo Horizonte-MG)
CESE Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Coletiva DIVERSAS
Coletivo Amazônico LesBiTrans
Coletivo Cara Preta
Coletivo de Mulheres Negras Maria-Maria - Comunema
Coletivo Feminista Classista Maria vai com as Outras - Baixada Santista
Coletivo Filhas do Vento
Coletivo Leste Negra
Coletivo Negro Universitário da UFMT
Coletivo Raízes do Baobá Negras e Negros (Jaú-SP)
Coletivo 660
Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz
Comissão Justiça e Paz da Diocese de Macapá
Comissão Pastoral da Terra - CPT-MG
Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
Comitê Repam Xingu
Comunidade de Roda de Samba Pagode Na Disciplina
Conectas Direitos Humanos
Consciência em Movimento - Cooperativa de Saberes
Conselho Nacional do Laicato do Brasil - Regional Sul 2
CSP-Conlutas (Roraima)
Cursinho Popular Risoflora
Defensores do Planeta
Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade Amapá
Eugênia Magna Broseguini Keys
Fase - Solidariedade e Educação
FBDS - Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense - FMAP
Fórum Marielles
Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno - FMNDFE
Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
Frente Favela Brasil
Frente Nacional de Mulheres do Funk
Fundação Avina
Fundação Tide Setubal
Gambá
Geema - Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente
Geledés - Instituto da Mulher Negra
Gestos
Greenpeace Brasil
Grupo de Defesa Ecológica Pequena Semente
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Gênero Feminismos e Interseccionalidade
Grupo de Estudos AFETO
GT Infraestrutura
Ile Igbas Axé Oyá Guere Azan
Iniciativa Sankofa
Instituto 5 Elementos - Educação para a Sustentabilidade
Instituto Afro Cultural da Amazônia - Mona
Instituto Afrolatinas
Instituto Água e Saneamento - IAS
Instituto Aldeias
Instituto Aromeiazero
Instituto Augusto Carneiro
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
Instituto Búzios
Instituto Centro de Vida - ICV
Instituto ClimaInfo
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia - Idesam
Instituto de Energia e Meio Ambiente - Iema
Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola - Imaflora
Instituto de Mulheres Negras do Amapá – Imena
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena - Iepé
Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros - Ipeafro
Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ
Instituto de Referência Negra Peregum
Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS
Instituto Ecológica
Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental
Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento - Hivos
Instituto Internacional de Educação do Brasil - IIEB
Instituto Mancala
Instituto Mulheres da Amazônia
Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável - Insea
Instituto Nossa Ilhéus
Instituto Pensamentos e Ações para Defesa da Democracia
Instituto Pesquisa Ambiental da Amazônia - Ipam
Instituto Pólis
Instituto Sociedade, População e Natureza - ISPN
Instituto Socioambiental - ISA
Instituto Soma Brasil
Instituto SOS Pantanal
Instituto Talanoa
Instituto Update
International Rivers Brasil
Justiça e Paz Integridade da Criação - Verbo Divino
Mandata Coletiva Quilombo Periférico de Elaine Mineiro - SP
Mandata Quilombo - Erica Malunguinho
Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
Marcha das Mulheres Negras de São Paulo - MMNSP
Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
Movimento Afrodescendente do Pará - Mocambo
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia - Mama
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado
Movimento Negro Unificado – MNU (Acre)
Movimento Nossa BH
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Núcleo de Educação Popular Raimundo Teis - NEP
Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
Núcleo Estadual de Mulheres Negras do Espírito Santo
Observatório de Justiça e Conservação
ONG Ghata - Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá
PAD – Processo de Articulação e Diálogo Internacional
Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém
Ponto de Cultura Brasil dos Buritis
Pretaria.Org - Coletivo Pretaria
Projeto Hospitais Saudáveis
Projeto Meninos e Meninas de Rua
Projeto Saúde e Alegria
Recanto Sagrado Ubiratan
Rede Brasileira de Conselhos - RBdC
Rede das Mulheres de Terreiro de Pernambuco
Rede de Cooperação Negra e LGBTQI Pretas e Coloridas
Rede de Educação Ambiental de Rondônia - Rearo
Rede de Educadores Ambientais da Baixada de Jacarepaguá
Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica - RMA
Rede Educafro Minas
Rede Fulanas Negras da Amazônia Brasileira
Rede Igrejas e Mineração
Rede Internacional de Pesquisa em Barragens Amazônicas
Rede Nacional da Promoção e Controle Social da Saúde, Cultura e Direitos de Lésbicas e Bissexuais Negras – Rede Sapatà
Rede Pro UC
Rede Ubuntu de Educação Popular
Rede Um Grito Pela Vida-CRB
Renafro Saúde
RPPN Águas Claras I e II
Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação - Província Santa Cruz
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - Sinfrajupe,
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
SOS Amazônia
SOS Mata Atlântica
Tindari
Uiala Mukaji - Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco
Unidos pelos Direitos Humanos Brasil
Unitransd (SC)
Vivat International Brasil
Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente
Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo
Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.
Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.
Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.
Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.
Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.
Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos
Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.
“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.
Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.
Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.
Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.
A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.