meio ambiente

Mariliz Pereira Jorge: Bolsonaro é a raposa

Não adianta tirar Salles se Bolsonaro vive com a boca cheia de penas

Jair Bolsonaro, que não tem o dom da oratória, terá que se esforçar ao discursar na Cúpula de Líderes sobre o Clima, na tentativa de provar que o governo brasileiro não está destruindo o próprio quintal. O presidente apresentará um plano cheio de nomes bonitos, como "zoneamento ecológico e econômico", "comando e controle", "regularização fundiária", "promoção da bioeconomia".

Na prática, a agenda do dia é acabar com o Ibama e o ICMBio e substituí-los pelo que já vem sendo chamado de "milícia ambiental", permitir que reservas possam ser exploradas pela iniciativa privada, travar as demarcações de terras indígenas, derrubar árvores, transformar a floresta em pasto e deixar passar a boiada. É a festa do gado.

A prova de que Bolsonaro não está preocupado com as cobranças é que Ricardo Salles ainda é titular do Meio Ambiente, porque apenas faz o que o chefe manda. Nesta quarta (21), véspera da abertura da cúpula, em que o Brasil já deveria chegar pedindo desculpas, o ministro falou a empresários como se fôssemos um exemplo a ser seguido.

Pela sua disponibilidade de tempo, parece estar sem muito serviço. Com o filme mais queimado que a floresta Amazônica, Salles passou horas no Twitter arranjando confusão e retuitando mensagens de apoio que recebeu. Tretou com a cantora Anitta, desdenhou de Sônia Guajajara, importante líder indígena, alisou políticos governistas. Prioridades.

Cuidasse dos interesses da biodiversidade do país da mesma forma que se engajou em tentar mostrar que tem apoio político e popular, não teríamos que provar ao mundo que o governo brasileiro não é a raposa tomando conta do galinheiro. Mas a verdade é que não adianta tirar Salles se Bolsonaro também vive com a boca cheia de penas. Resta saber se não vai se engasgar numa delas a cada mentira que contar sobre os crimes que comete contra um de nossos maiores patrimônios.


Gabriela Prioli: Disfarçando a passagem da boiada

O risco do discurso sem prática

Era abril de 2020 quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu "passar a boiada" e mudar regras ambientais enquanto a atenção da mídia e da população estava voltada para a Covid-19. Manter o descontrole da pandemia, por esse raciocínio, parecia ser bom negócio para o nosso desgoverno --no meio da gritaria, ninguém ouve os segredos ditos pelos cantos.

Se, no ano passado, o contexto internacional favorecia os arroubos de Bolsonaro, o mundo mudou. E não mudou só no Brasil, onde a CPI da Covid, ao enfraquecer Bolsonaro, aumenta o preço do centrão: o novo presidente americano, Joe Biden, fez da questão ambiental uma de suas principais plataformas. A preocupação é, em especial, com o Brasil. Poucos países foram citados nos debates presidenciais nos EUA.

O Brasil e a Amazônia apareceram como motivo de grande inquietação. O Itamaraty, recentemente livre de Ernesto Araújo, aconselha que a Cúpula do Clima seja uma virada de discurso e de prática. Nada mais difícil para um governo que se recusa a melhorar.

A preocupação, entretanto, não pode ser compreendida no singular. Há "preocupações" distintas quando se fala em meio ambiente. Há quem esteja de fato aflito com a preservação. Há, entretanto, aqueles para os quais a aparência de preservação vale mais do que a preservação em si. Para esses, uma mudança de discurso sem prática pode já ser suficiente, desde que convença os gringos.

Essa distinção entre ser e parecer é o que permite acomodar interesses e manter intacto o núcleo mais sensível das políticas de governo. A eventual mudança de tom assim, como em relação à pandemia, pode se dar na teoria para disfarçar a permanência na prática, desde que a aparência dure até o próximo ciclo eleitoral.

A aceleração das mudanças climáticas é um assunto multifacetado e de longo prazo, que depende de uma compreensão que leve em conta a realidade, o que não parece ser o caso da gestão Bolsonaro, o nosso exemplo de negacionismo.


Bruno Boghossian: Presidente é visto com desconfiança porque se orgulha de sua agenda antiambiental

Presidente é visto com desconfiança porque se orgulha de sua agenda antiambiental

Numa tarde de quarta-feira, Jair Bolsonaro enviou ao americano Joe Biden uma carta em que o Brasil se comprometia a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. À noite, a Polícia Federal acusou o ministro do Meio Ambiente de dificultar uma operação contra a extração ilegal de madeira na Amazônia. No dia seguinte, o delegado que fez aquela investigação foi demitido.

Bolsonaro tenta convencer o mundo de que tem algum apreço pela preservação ambiental. Enquanto isso, ele mantém dentro de casa seu projeto para facilitar a devastação. O presidente pode até levar à Cúpula de Líderes sobre o Clima um discurso para tentar amenizar sua imagem de vilão internacional, mas o que se pode esperar é uma conversa para uma boiada inteira dormir.

O governo brasileiro é visto com desconfiança porque sempre se orgulhou de sua agenda antiambiental. Na campanha de 2018, Bolsonaro estudava subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura, dizia a empresários que era preciso "vencer os problemas ambientais" e prometia afrouxar fiscalizações para acabar com uma tal "indústria da multa".

O Bolsonaro que agora deve apresentar compromissos genéricos para conter a devastação é o mesmo que já disse ser impossível acabar com o desmatamento ilegal. "É cultural", teorizou, quando a Amazônia queimava. Em seu discurso na ONU no ano passado, o presidente mentiu ao fazer propaganda de uma suposta "política de tolerância zero com o crime ambiental" em seu governo.

Às vésperas do encontro do clima, o governo faz questão de manter a reputação. Nas últimas semanas, o ministro Ricardo Salles defendeu madeireiros e dificultou a aplicação de multas ambientais em ações de fiscalização. Nesta quarta (21), ele tirou a tarde para bater boca com a cantora Anitta nas redes sociais.

Bolsonaro se sentiu protegido enquanto Donald Trump esteve no poder e aceitou cultivar a fama de pária global. O jogo mudou, mas o presidente continuará a ser esse pária.


Maria Hermínia Tavares: Na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, só promessas, nem pensar

Se depender do ex-capitão, os compromissos serão menos palpáveis do que a fumaça das queimadas

Sob pressão, o governo mudou o discurso. O mesmo mandatário que, em 2019, afirmou ser a questão ambiental de interesse exclusivo de "veganos que só comem vegetais" [sic], escreveu ao homólogo Joe Biden dizendo-se disposto a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Colaborou na redação o assim chamado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, unha e carne dos madeireiros que namoram a ilegalidade, com os quais, por sinal, confraternizou logo depois de terem organizado violenta manifestação contra o Ibama.

Em dois anos e tanto de mandato, o negacionista da mudança climática disparou uma enxurrada de medidas que enfraqueceram os organismos e instrumentos de monitoramento, controle e penalização de crimes ambientais. Ibama, Inpe, CNBio, Funai, todos perderam lideranças, quadros e recursos financeiros, enquanto as multas despencaram vertiginosamente.

Estudos mostram que acordos internacionais —de variada natureza— podem ser instrumentos aptos a induzir governos a fazer a coisa certa: sempre e quando logrem impor condições aos participantes, estabelecer mecanismos que estimulem o seu cumprimento e tornem crível a ameaça de punição aos transgressores. Ou seja, quando são capazes de criar os chamados mecanismos de trancamento (lock in), facilitando o respeito aos compromissos negociados e sua defesa diante dos opositores domésticos.

A cláusula democrática na União Europeia é sempre citada como poderoso exemplo de trancamento que ajudou a institucionalizar sistemas livres e competitivos na Espanha, em Portugal e na Grécia, recém-emersos de longas e sangrentas ditaduras.

Perversamente, a adesão a acordos internacionais pode ser uma cortina de fumaça para governos mal-intencionados, piorando o que era já um horror. Há uma década, os cientistas políticos americanos Peter Rosendorff e Peter Hollyer mostraram que as violações de direitos humanos cresciam quando ditadores assinavam pactos multilaterais contra a tortura.

Se depender do ex-capitão, as seis páginas enviadas a Biden e as promessas que fará nesta quinta e sexta serão ainda menos palpáveis do que a fumaça das queimadas. Não é demais lembrar que o agronegócio mais atrasado, os desmatadores ilegais e os invasores de terras indígenas são adeptos do ex-capitão e com ele compartilham as mesmas crenças retrógradas de como lidar com o patrimônio ambiental do país e os povos da floresta.

Deste governo só se pode aceitar —e olhe lá!— compromissos definidos, prazos e metas claras e mensuráveis que possam ser monitoradas pela sociedade e seus representantes políticos.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Vinicius Torres Freire: Realidade ruim da fome, do ambiente e do Orçamento testam mentiras de Bolsonaro

Não será fácil ocultar realidade no preço da comida, no ambiente e do Orçamento

As mentiras de Jair Bolsonaro sobre a epidemia de Covid-19 até aqui foram de algum modo toleradas por cerca de 30% do eleitorado, que considera o desempenho do presidente “ótimo” ou “bom”. A inflação anual da comida passou de 20%, a maior desde 2003, mas a carestia também parece não ter abalado o ânimo daqueles 30%. Mesmo em assuntos de vida e morte, a realidade dura não afeta o prestígio de Bolsonaro para 3 de cada 10 brasileiros adultos ou algo assim.

Haverá em breve mais testes, o que em outro ambiente mental ou político seriam choques de realidade: inflação persistente, desastre ambiental, penúria e rolos derivados da gambiarra do Orçamento, a CPI e o meio milhão de mortos. Bolsonaro ainda vai passar com nota 30%?

Cúpula do Clima será o começo do teste do programa de destruição ambiental do governo e mentiras associadas. Bolsonaro não vai conseguir enganar o governo americano, que de resto não está sozinho nisso. Clima é um raro assunto em que EUA e China estão em acordo razoável. Caso não tome atitude alguma, Bolsonaro terá problemas na política mundial, com repercussões econômicas crescentes, o que vai incomodar boa parte dos donos do dinheiro grosso daqui.

A alternativa é demitir Ricardo Salles, vulgo “Boiada”, e mudar a política. Bolsonaro entraria assim em conflito com seus amigos grileiros, desmatadores, mineradores ilegais etc. Teria também de inventar desculpa para suas falanges fanáticas por ter cedido ao globalismo ambiental.

O governo e o Congresso-centrão acertaram uma gambiarra no Orçamento de 2021 (aliás, o que vale um Orçamento aprovado depois de transcorrido 30% do ano?). Essa mumunha evita o risco de conflito político maior e de processo imediato contra Bolsonaro. Mas mumunhas não cobrem buracos. O governo vai cortar no osso. Já corta: ora dizima as bolsas de pesquisa. Vai ser pior. Se não fizer a mutreta de transferir o pagamento de certas despesas para 2022, vai paralisar alguns serviços. Talvez a maior parte da população nem note, dado o estado de miséria ou obnubilação em que já vive. Mas a gambiarra e seus efeitos vão ficar evidentes para quem tem o luxo de poder prestar atenção no buraco em que o país vai se enfiando cada vez mais.

A inflação da comida anda em torno de 19% por ano desde o trimestre final de 2020. Ou seja, quem receber o auxílio emergencial, já reduzido, ainda por cima perdeu um quinto do poder de compra em alimentos, em um ano. Além do mais, milhões não receberão ajuda alguma e a recuperação do emprego (muito bico) vai ser retardada pelo afundamento da economia pelo menos em março e abril.

Bolsonaro não é responsável por boa parte dessa carestia, mas ajudou a piorar a coisa, pois a baderna de seu governo mantém o dólar nas alturas. O atraso do pagamento do auxílio emergencial e o fato de que ainda não foram renovados os auxílios de emprego e para pequenas empresas, no entanto, são resultados da incompetência e da negligência de Paulo Guedes e do presidente. Para os dois, a epidemia estava “no finzinho”, em fins de 2020.

Há uma chance nada desprezível de a epidemia refluir bem a partir de julho, se a zona infecta que é o Brasil não produzir alguma nova variante assassina do vírus. Haverá dezenas de milhões de pessoas com sequelas da Covid, da educação arruinada e da miséria ampliada. Pode bem ser que os 30% não se importem com isso também. Até lá, pelo menos, a mentira perversa e lunática que é Bolsonaro vai passar por testes.


Celso Ming: O pária e a cúpula do Clima

Política ambiental desastrosa do governo Bolsonaro é alvo de críticas e pode produzir efeitos negativos para o País

O presidente Jair Bolsonaro comparece na condição de presidente de um país pária do clima à Cúpula de Líderes sobre o Meio Ambiente convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que vai reunir líderes mundiais. Depende exclusivamente de Bolsonaro deixar essa condição e reconduzir o Brasil à linha de frente no combate ao desmatamento ilegal e à redução das emissões de dióxido de carbono (CO2), responsável pelo efeito estufa.  

O encontro virtual será realizado nestas quinta e sexta-feira e terá por objetivo a preparação da 26ª Conferência das Partes sobre a Mudança Climática, a ser realizada em Glasgow, em novembro deste ano, com o objetivo de atualizar o Acordo de Paris, de 2015.

Há certa mudança na postura do governo brasileiro no enfrentamento dos problemas ambientais. A posição prevalecente nestes dois anos foi a de que as pressões internacionais para o combate ao desmatamento ilegal, mais do que motivação ideológica, são alimentadas por interesses comerciais e geopolíticos.

Como desculpa para deixar que continuassem as ações predatórias de garimpos, da derrubada de florestas e invasões de terras indígenas, Bolsonaro repetia que aqueles que destruíram impunemente fauna e flora da Europa e dos Estados Unidos não têm moral para agora cobrar a preservação da Amazônia e do Pantanal. Que governos, ONGs e instituições ambientalistas não se metessem em questões de soberania do Brasil.

Nas últimas semanas, Bolsonaro mudou de tom, pediu US$ 1 bilhão para reduzir em até 40% o desmatamento ilegal no prazo de 12 meses. Assim, o governo, que justificava com alegações soberanistas sua omissão nas questões ambientais, agora não vê mais inconveniente em receber dinheiro de potências estrangeiras para cobrir despesas no cumprimento de metas ambientais.

Por trás dessa mudança de postura está a influência de empresários da indústria e do agronegócio que vêm advertindo que o Brasil corre o risco de continuar perdendo grandes negócios e investimentos se continuar permitindo a destruição ambiental.

Relatórios e imagens sobre os desastres no Cerrado e na Amazônia correm o mundo e acirram as pressões para que países adotem represálias econômicas ao governo brasileiro. O desmatamento na Amazônia em março foi o maior em dez anos, segundo o Instituto Imazon.

As pressões de governadores brasileiros e de personalidades mundiais contra o desleixo ambiental do governo Bolsonaro também crescem todos os dias e pode produzir seus efeitos.

Por enquanto, nenhuma promessa sobre mudança concreta da política ambiental do governo merece credibilidade. Com as bênçãos de seu chefe, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, continua permitindo que os desastres ambientais se multipliquem. Dia 14, o superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Alexandre Saraivaacusou o ministro de acobertar os interesses dos responsáveis pela maior apreensão de madeira ilegal já acontecida no País e, por isso, foi exonerado de sua função.

Mais do que com discursos, Bolsonaro terá agora de convencer o mundo e também os brasileiros de que a preservação da Amazônia passou a ser objetivo de seu governo. Mas isso não acontecerá enquanto Ricardo Salles continuar passando sua boiada para o outro lado da cerca já desmatada. 


Adriana Fernandes: Pontes ambientais fora de Brasília

'Boiada' de Bolsonaro e Salles deu protagonismo a governadores na política ambiental

A política antiambiental do governo Jair Bolsonaro, liderada pelo ministro do Meio AmbienteRicardo Salles, arrastou o Brasil para o isolamento no cenário internacional, mas acabou servindo para fortalecer as pontes e o canal direto de diálogo dos Estados e municípios com os financiadores internacionais. A turma lá de fora, que tem o dinheiro na mão, e quer apostar em projetos de desenvolvimento sustentável e locais, via governos locais e agências de fomento regionais.

Esse movimento de articulação já estava em gestação antes de Bolsonaro, mas cresceu muito nos últimos dois anos no Brasil, no vácuo deixado pelo governo federal, que preferiu ignorar todos os alertas do prejuízo para a imagem do País e a economia do desmonte da política ambiental.

Bolsonaro e Salles, ao contrário, insistiram no plano de passar a “boiada” na legislação ambiental e, agora, com a troca de presidente dos Estados Unidos tentam contornar o prejuízo ao buscar dinheiro internacional para o combate ao desmatamento.

Só que ninguém acredita na mudança. A ponto de o presidente norte-americano, Joe Biden, ter sido bombardeado por cartas de governadores, ex-ministros, artistas brasileiros, americanos e britânicos que pediram o endurecimento da posição da Casa Branca com Bolsonaro na área ambiental, como mostrou reportagem do Estadão.

Os governadores foram ao ponto: têm fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação dos recursos internacionais. Antes, era o governo federal o protagonista e principal catalisador de atração do dinheiro internacional para o meio ambiente. 

Um bom termômetro da força desse novo ambiente de financiamento pode ser testado, ao longo da próxima semana, no fórum internacional de desenvolvimento, organizado pela ABDE, a associação brasileira que reúne 31 dessas agências de fomento e bancos de desenvolvimento presentes em todo território nacional.

São bancos conhecidos como “de última milha”, que estão mais próximos dos problemas locais e atuam em parceria numa espécie de cascata em que o recurso vem dos financiadores internacionais e do setor privado nacional para uma aplicação direta na ponta.

Será uma reunião de cúpula das instituições de desenvolvimento do País e certamente o principal evento do ano sobre desenvolvimento, tanto do ponto de vista das lideranças políticas (alguns presidenciáveis), com participação de grandes nomes internacionais da área. Governadores, bancos de desenvolvimento do mundo inteiro, organismos multilaterais e economistas renomados. Mais do que nunca, a área precisa de dinheiro, mas também de bons projetos.

A número dois da ONU e ex-ministra do Meio Ambiente da Nigéria, Anima Mohammed, também falará no fórum. 

A criação recente da Aliança Subnacional de Bancos de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe fortaleceu essa ponte. “É importante cuidar das emergências do presente, mas também planejar e preparar o futuro”, diz Sergio Gusmão Suchodolski, organizador do evento e presidente da ABDE.

Gusmão é hoje um dos principais nomes brasileiros lançando mão de ferramentas inovadoras de financiamento na área, utilizando modelos que fazem um mix de diferentes fontes de capital de maneira a mobilizar recursos para projetos atrelados ao tema da sustentabilidade. Ele coordenou, no ano passado, a primeira emissão de bônus sustentável, com DNA ambiental e social, no mercado externo feita por um desses bancos de “milha”, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.

Para Gusmão, o Brasil está atrasado: “O que eu sinto falta é uma estratégia de País com consistência. De começo meio e fim para o tema de desenvolvimento sustentável. Um caminho com ações concretas e que tragam recursos para o financiamento”.

Os Estados estão buscando se articular internacionalmente não só porque veem a urgência da agenda climática e de desenvolvimento sustentável, mas também pela preocupação com o impacto negativo do risco reputacional.

Os governadores querem se aproveitar da agenda positiva que Biden está liderando nessa área, catalisando contrapartidas concretas e linhas específicas para investimentos que usam instrumentos adequados para cada região do País. Esse tipo de articulação aconteceu em alguns Estados e capitais americanas durante o governo Trump.

Ninguém quer ficar parado e sofrendo com impacto negativo das políticas que saem de Brasília e afetam a todos. Está todo mundo “correndo atrás do prejuízo” porque ninguém acredita na capacidade de Salles, chamado pelos críticos de ministro do desmatamento, em conseguir atrair dinheiro de Biden. Os americanos sabem o que o governo brasileiro fez no verão passado e continua fazendo para prejudicar o combate pelos órgãos de fiscalização dos crimes ambientais.


Zeina Latif: O presidente não sabe surfar

Não há mais contraponto no governo para defender a disciplina fiscal, e cada grupo corre para garantir sua parte no latifúndio

Empolgados com a expressiva alta dos preços de commodities, analistas apostam em um ciclo robusto adiante, em boa medida por conta das perspectivas de vacinação em massa no mundo. Os países emergentes se beneficiariam com o influxo de capitais estrangeiros, para além da melhora do saldo exportador.

Haveria mais investimento nesses setores e em ativos de risco, pela própria percepção de redução do risco nos países - como sugerem as elevadas correlações entre preços de commodities e o custo (spread) da dívida soberana ou o preço do seguro contra calote (credit default swap) de emergentes.

O otimismo tem contribuído para sustentar preços de ativos. Convém, no entanto, conter o entusiasmo, especialmente para o caso brasileiro.

O principal combustível para a alta das commodities é o comércio mundial, que exibiu recuperação em formato de “V” e embalou a alta de 68% nos preços de commodities entre o colapso de abril passado e março último, pelo índice do FMI. Certamente a elevada liquidez mundial tem sua contribuição, por se tratar de um preço de ativo.

A tendência, porém, é de desaceleração do comércio mundial, pois fatores transitórios explicam em boa medida sua recuperação: a recomposição de estoques de commodities pela China, os estímulos monetários no mundo e própria normalização de cadeias de valor.

Avanços adicionais dependerão de mais elementos, sendo que a superação da pandemia significará muito mais a reativação do setor de serviços do que de setores intensivos no uso de commodities, mais preservados na crise.

Vale lembrar que o comércio mundial estava estagnado antes da crise, em função do protecionismo no mundo e da desaceleração na China.

A China acelerou seus planos de rebalanceamento do modelo de crescimento voltado a setores intensivos em tecnologia, em detrimento da indústria tradicional -, aliás, a disputa tecnológica está no cerne da guerra comercial entre China e Estados Unidos. Esses segmentos, no entanto, não são intensivos na utilização de commodities e tampouco o retorno do maciço investimento estatal está garantido, ainda menos de forma tempestiva.

 A complexidade da implementação e da maturação de projetos de tecnologia não se compara à de investimentos tradicionais em capital fixo. É natural, portanto, que ocorra uma desaceleração na China, inclusive pela acomodação na oferta de crédito após os estímulos recentes.

Em relação a agendas globais, ainda não chegou o momento do multilateralismo no comércio. O foco tem sido muito mais na questão ambiental, que ganhou ímpeto com Joe Biden. Mantém-se o quadro de protecionismo comercial, inclusive com risco de recrudescimento, por conta das exigências da agenda ambiental.

Mesmo que o ciclo de commodities perdure, é improvável que o Brasil consiga “surfar a onda” como no passado.

No primeiro governo Lula, isso foi possível. A política macroeconômica herdada de FHC foi fortalecida e houve avanço em políticas públicas que contribuíram para aumentar o potencial de crescimento de longo prazo do País e a emergência da nova classe média.

Apesar da crise política que interrompeu precocemente as reformas, o Brasil conseguiu se beneficiar do vento de popa do exterior, decorrente da entrada da China na OMC no final de 2001, e caminhou para conquistar o grau de investimento em 2008.

O quadro atual é outro. Já assistíamos à redução da participação do Brasil no investimento direto estrangeiro mundial e à saída de empresas do País. A má gestão da crise da pandemia agravou bastante a situação, sendo que a deterioração do regime fiscal em curso traz mais incertezas para o comportamento do dólar, das taxas de juros e da própria carga tributária no futuro.

Tudo somado, o cenário eleitoral ganha maior relevância no radar de empresários e investidores.

O governo está em um círculo vicioso de decisões equivocadas. O imbróglio do orçamento reflete erros passados na gestão da crise e sua suposta solução - que amplia os gastos públicos praticamente sem constrangimento, pendurando tudo na conta da covid-19 - produz outros tantos.

Não há mais contraponto no governo para defender a disciplina fiscal e cada grupo corre para garantir sua parte no latifúndio.

Esse quadro reduz as opções para correções de rumo. Mesmo se houvesse interesse, o esforço teria de ser enorme diante da perda de credibilidade. As saídas se estreitam e o Brasil perde a onda.


Elio Gaspari: De Zappa@edu para Bolsonaro@gov

O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente

Presidente,

O senhor implica com os diplomatas profissionais e chega a ironizar suas boas maneiras. Como disse um colega, alguns arrumam melhor os talheres numa mesa que os pronomes numa frase. Escrevo-lhe com a autoridade de quem, no século passado, serviu como embaixador em postos para os quais o creme de barbear chegava por mala diplomática (Pequim, Hanói, Maputo e Havana). Eu evitava usar smoking, porque seria confundido com garçom.

Amanhã o senhor começará a participar da Cúpula do Clima e terá momentos difíceis. Acho que posso ajudar com uma ideia simples: deixe a diplomacia com os diplomatas profissionais. Teste-os, enunciando uma tolice. Quem concordar, profissional não é.

Na diplomacia, não há lugar para ganhadores nem para perdedores. Isso é coisa de militares. Às vezes o vencedor finge que perdeu e dá ao perdedor a chance de dizer que ganhou. Conversa de diplomata? Talvez o senhor esteja entre aqueles que consideram o americano Henry Kissinger um grande diplomata. Ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz, mas abandonou o Vietnã à própria sorte depois de massacrar parte de sua população numa guerra perdida. Eu vivi lá e sei o que houve. Grande marqueteiro, isso sim.

O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente. Depois de delirar na virtude de ser um pária, seu governo não deve apresentar contas. Sua carta ao presidente Joe Biden foi longa demais porque muita gente meteu a colher.

Nós já compramos causas perdidas. Apoiamos o colonialismo português na África, ficamos com os chineses de Taiwan, mesmo depois que os americanos se acertaram com a China. Votávamos nas Nações Unidas com Portugal por causa da pressão de meia dúzia de comendadores do Rio de Janeiro. Saímos dessa encrenca. Mais difícil foi aguentar as implicâncias com o restabelecimento de relações diplomáticas com a China. O senhor implicou com a vacina chinesa. Para quê?

Diplomatas consertam vasos quebrados desde os tempos coloniais. Eles sabem lidar com o ritmo e o tom nas crises. Na questão da Amazônia, o Brasil precisa apenas voltar a ser ouvido. Deixamos de sê-lo porque deliramos. A irracionalidade não é invenção nossa. Veja o caso dos Estados Unidos na Amazônia. No século XIX, eles queriam mandar para lá seus negros. No início do XX, Henry Ford delirou querendo transformar um pedaço da floresta em seringal particular. Décadas depois, o bilionário Daniel Ludwig teve uma ideia parecida. Deliraram, deram-se mal e foram-se embora.

Existe um espaço enorme para negociarmos projetos relacionados com a Amazônia. Para um exportador de grãos que compete conosco no mercado internacional, vossa política ambiental é um presente.

Pelo que sei, há malandraços oferecendo pontes com a Casa Branca. Não caia nessa. O presidente Biden tem um jeitão de vovô, mas conhece Washington. Para seu caderno de notas: em abril de 1975, as tropas do Vietnã do Norte estavam entrando em Saigon, e discutiam-se recursos para resgatar os vietnamitas que haviam ajudado os americanos. O então senador Biden avisou:

— Voto qualquer quantia para tirar os americanos, mas não quero me meter com operações para retirar vietnamitas.

Eu servi lá e nos Estados Unidos. Sei quanto isso custou aos dois povos.

Atenciosamente,

Ítalo Zappa.


Vera Magalhães: Campeonato do fim do mundo

“Nesse campeonato do fim do mundo, quando você é muito bem-sucedido, você acrescenta meio grau na temperatura do planeta”, disse, de forma contundente, o escritor e líder indígena Aílton Krenak na última segunda-feira no centro do Roda Viva.

Para ele, é este campeonato que o Brasil, tendo Jair Bolsonaro e Ricardo Salles como técnico e auxiliar, resolveu jogar. E é na condição de líder da tabela desse torneio macabro que o país chega à Cúpula de Líderes pelo Clima, proposta por Joe Biden, que será anfitrião virtual de 40 chefes de Estado a partir desta quinta-feira para marcar a volta dos Estados Unidos à mesa das negociações climáticas, depois de quatro anos de abandono desta agenda por Donald Trump.

Todos os olhos do mundo antes da reunião estão postos sobre o Brasil. Os sucessivos recordes de desmatamento da Amazônia, as queimadas na floresta e também no Pantanal, o desmonte da estrutura de fiscalização ambiental e a reiterada disposição de Bolsonaro de liberar a exploração mineral e de madeira em reservas indígenas, rever demarcações e legalizar terras ocupadas ilegalmente na região amazônica são apenas alguns dos "feitos" pelos quais o presidente brasileiro deverá ser questionado por seus pares.

Embora mantenham a absoluta falta de compreensão a respeito da importância econômica central da agenda climática e ambiental em qualquer fórum global hoje, Bolsonaro e seus auxiliares terão mais uma mostra de sua inadequação para esse debate, pois as cobranças para que se endureça com eles vêm não apenas dos adversários de sempre, como lideranças ambientalistas como Krenak ou a jovem Greta Thunberg, ou artistas como Leonardo di Caprio ou Wagner Moura, mas dos empresários.

Escrevi a esse respeito aqui na coluna na semana passada, e retomo o fio desta meada: Salles só será ameaçado no cargo quando Bolsonaro sentir na pele o risco de mantê-lo, ainda que ele sempre tenha feito exatamente o que o chefe mandou.

Grandes empresas brasileiras sabem o quanto de prejuízo reputacional e de negócios enfrentarão quando se tornar um imperativo para vendas a certificação ambiental de produtos, algo cada vez mais comum. Vale sobretudo para o poderoso agronegócio, até aqui ainda um reduto de apoio ao bolsonarismo, mas que não rasga dinheiro.

A pressão mundial é para que Biden endureça o jogo com o Brasil, não aceitando fazer nenhum acordo com o governo do capitão a não ser que o país reveja sua doutrina ambiental e se comprometa com metas objetivas e mensuráveis de redução de desmatamento e de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa.

Bolsonaro ficará ainda mais exposto pelo fato de que os anfitriões querem marcar sua “volta ao jogo” com a assunção de metas ousadas e o anúncio de investimento pesado em conter o aquecimento global, para além da mera retórica.

Sabemos como o presidente brasileiro costuma se comportar em eventos mundiais como a Assembleia Geral da ONU ou o Fórum Econômico Mundial de Davos: como um peixe fora d’água, alguém que sabe que não tem o que dizer para além das quatro linhas das redes sociais e do cercadinho do Alvorada, onde fica seguro na companhia dos seus seguidores fanáticos.

Sem o “amigo" Donald Trump a chancelar o desdém e o discurso negacionista em relação ao Meio Ambiente, Bolsonaro ficará completamente isolado na cúpula. O discurso proferido nesta terça-feira pelo ministro da Defesa, Braga Netto, na linha “a Amazônia é nossa”, mostra que o nacionalismo mofado é a tônica em todas as áreas do Executivo, não só na pasta de Salles. 

Parece ingênua, portanto, qualquer esperança de que o Brasil vá ao encontro munido de novos propósitos para deixar a liderança da peleja do fim do mundo. Só fará isso se levar um cartão vermelho de Biden.


Pedro Fernando Nery: Novo IDH verde expõe hipocrisia dos países ricos

É justo que haja clareza sobre o quanto do desenvolvimento dos países ricos se baseia na destruição do planeta

Esta é a semana do Dia da Terra: vale aproveitar a ocasião para conhecer o novo IDH, que ajusta o tradicional índice de desenvolvimento humano para “pressões planetárias” (IDHP). Assim, além de informações sobre renda, educação e saúde, o novo IDH contempla a emissão de carbono e a pegada ecológica por habitante. Mensura então o quanto o desenvolvimento de um país pressiona a Terra, expondo vários países ricos – que despencam no ranking do IDH.

Peguemos o exemplo da Noruega, diversas vezes considerado o país de maior qualidade de vida, número 1 na classificação do indicador. As ruas de suas cidades têm ciclovias e estações para carregamento de carros elétricos. Sua política externa é preocupada com a mudança climática, sendo marcante o episódio da suspensão das doações ao Fundo Amazônia com o aumento do desmatamento no governo Bolsonaro. O novo IDH a constrange.

É que a Noruega perde nada menos do que 15 posições no indicador com os ajustes feitos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Não deve voltar ao topo do ranking tão cedo: em parte porque o país é um grande produtor de petróleo. Digamos que os painéis solares de Oslo são viabilizados pela riqueza de suas exportações, que vira por exemplo combustível fóssil queimado em outros países.

Dessa forma, o novo IDH expõe de forma clara uma certa hipocrisia que já era criticada. Sobre a convivência da agenda verde dos noruegueses com a venda de petróleo de suas gigantescas reservas para o resto do mundo, o jornalista Michael Booth comparou a Noruega ao “traficante de drogas que não usa seus produtos”.

O vexame também é de outros países, o que talvez explique a baixa cobertura da imprensa internacional para o novo IDH, ou a tímida divulgação do próprio Pnud (que embora disponibilize os dados, optou por não divulgar o ranking reclassificado). O rico que mais perde é Luxemburgo, caindo mais de 130 posições.

Brasil ganha dez posições no novo IDH, menos do que vários países latino-americanos, muitos dos quais são os que mais ganham posições no IDHP entre países do mundo todo. Vários vizinhos nossos ganham mais que 20 posições. Seriam, para usar a definição oficial, países cujo desenvolvimento humano atual não pressiona o planeta e a desigualdade entre gerações. Segundo a ONU, esse IDH verde “deve ser visto como um incentivo para transformação. Em um cenário ideal, em que não houvesse pressões no planeta, o IDHP seria igual ao IDH”.

Vale frisar que o novo indicador, como o tradicional, tem limitações. Pode-se alegar que medidas sintéticas perdem a utilidade quando incorporam informações demais. E sempre haverá informações a incorporar. Por exemplo, a nova número um é a Irlanda, cuja prosperidade está em algum grau associada ao seu papel cada vez mais relevante de paraíso fiscal – em prejuízo de outros países. 

Assumidamente experimental, o novo IDH verde gera um ranking com curiosidades. Quando a sustentabilidade entra na conta, o Brasil é considerado mais desenvolvido que a Austrália, o México desbanca os Estados Unidos, o Sri Lanka ultrapassa a Coreia do Sul. A Costa Rica, que mais ganhou posições, supera em desenvolvimento humano a IslândiaPortugal ganha da Finlândia. E o Panamá surge na frente do Canadá no novo IDH.

A diplomacia dos países desenvolvidos poderia ser desafiada com a nova abordagem. Além da Noruega, os Estados Unidos é outro país que cai muito na reclassificação. Por mais desastrosa que seja a atual política ambiental brasileira, por que deveria se dar tanto status às críticas de países cuja emissão por habitante é, respectivamente, quatro vezes ou oito vezes maiores que a nossa? 

O IDH verde poderia ser um trunfo então para os países mais pobres, que deram menos causa à mudança climática e podem sofrer mais com ela (por conta dos efeitos na agricultura, por exemplo). Se vão ter seu crescimento econômico limitado pelos esforços de mitigação nos próximos anos, é justo que haja clareza sobre o quanto do desenvolvimento dos países ricos se baseia na destruição do planeta.

*DOUTOR EM ECONOMIA 


Míriam Leitão: Os vários pontos de atrito em Brasília

O governo usou ontem a tática de tentar adiar a instalação da CPI para continuar seu bombardeio ao possível relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL). O grupo dos sete senadores, de oposição e independentes, já está trabalhando na estrutura dos trabalhos e na lista de possíveis convocados. O ex-ministro Pazuello pode ir até mais de uma vez. Primeiro, como testemunha, depois, como investigado. Em outra frente, parlamentares e embaixadores se reuniram para discutir a cúpula do clima. O cantor Caetano Veloso compareceu, como representante da sociedade civil, e deu um recado direto aos diplomatas dos Estados Unidos e países europeus. “Salles é o antiministro e este governo ataca a Amazônia.”

Os dias estão intensos em Brasília nesta semana, com um feriado no meio e uma agenda lotada. A instalação da CPI se desdobra em várias reuniões e negociações sobre a ordem dos trabalhos e dos convocados. “Não temos tempo a perder”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele acha que tem que começar pelos ex-ministros da Saúde. Mas há na CPI quem defenda que se chame primeiro os cientistas para mostrar, com dados, como chegamos até aqui e quais são os riscos. A convocação de Paulo Guedes é a dúvida do momento. O ex-ministro Pazuello pode ser convocado mais de uma vez, explicou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Ele pode falar primeiro como testemunha. Depois, com o andar da CPI, pode ser novamente convocado, mas como investigado.

Neste início de semana, em que ocorrerá a cúpula do clima, o procurador Lucas Furtado, do MP junto ao TCU, fez uma representação para que o tribunal requeira junto à Casa Civil o afastamento do ministro Ricardo Salles. Essa seria uma medida cautelar até que o tribunal decida sobre várias representações já apresentadas mostrando os erros, desvios de função e políticas danosas ao meio ambiente impostas pelo ministro.

Numa terceira frente o governo negociava o Orçamento. Ou melhor, era pressionado. Se adotasse a estratégia proposta pelos técnicos do Ministério da Economia, ficaria mais fraco no Congresso. A saída arquitetada é vetar partes, preservar a maioria das emendas parlamentares e liberar despesas do controle do teto. Ou seja, está sendo feita uma operação no Frankenstein orçamentário de 2021, para preservar emendas, com medo de uma reação dos parlamentares em ambiente já tenso com a CPI. Ontem, em uma live da XP Investimentos, a ministra Flávia Arruda, da Secretaria de Governo, falou em R$ 100 bilhões a mais fora da meta de primário. Depois, recuou e disse que não havia recebido as contas.

No próprio grupo de oposição mais os independentes há dúvidas. O senador escolhido para ser o presidente da CPI é definido por um senador como “imprevisível”. Esse parlamentar diz que o grupo dos sete na verdade é seis mais um. Sobre o possível relator, Renan Calheiros, ontem foi dia de ataques da milícia digital contra ele. O argumento dos bolsonaristas de que ele seria suspeito por ser pai do governador de Alagoas é fácil de ser rebatido, segundo me disse um dos parlamentares. “A CPI desde o começo foi para investigar as origens, causas e omissões do governo que fizeram o país chegar onde está. O foco é esse”, disse.Ouvi também o senador Randolfe Rodrigues. Ele diz que não há razão para adiar o início dos trabalhos e afirma que o ataque contra Calheiros veio de endereço certo:— O ataque vem das milícias bolsonaristas nas redes sociais e é coordenado diretamente do gabinete do ódio por Carlos Bolsonaro. Eles querem atrasar para tentar desgastar ao máximo o senador Renan Calheiros.

Randolfe esteve em reunião com os embaixadores dos EUA, da União Europeia, Alemanha, Noruega e do Reino Unido para discutir a cúpula do clima e os acordos com o Brasil. Além dele, estavam o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) e o senador Jaques Wagner (PT-BA) e representantes da sociedade civil. No meio, Caetano Veloso.

— A reunião era para deixar claro que somos a favor de recursos para o Brasil, mas queremos acompanhar a aplicação desse dinheiro, e que o dinheiro pode ir também para estados e municípios. Mas quem falou de forma mais clara foi o Caetano. Ele definiu Salles como o antiministro do Meio Ambiente, lembrou que este governo é negacionista e tem o objetivo de devastar o meio ambiente — disse o senador.

Esses mesmos embaixadores se reuniram com autoridades do governo brasileiro. Uma dessas autoridades me disse que nunca viu Estados Unidos e Europa tão unidos numa questão como nesta cúpula do clima.