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Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques

Em entrevista à Política Democrática Online, superintendente executivo afirma que Ministério da Educação deveria ter mais força reguladora

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação”, afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista exclusiva à 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online. De acordo com ele, o país avançou numa definição genérica de um regime de colaboração. “Só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, afirma ele. Todos os conteúdos da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

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Na entrevista, o superintendente do Instituto Unibanco diz que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba. Além disso, ele afirma que o país acumulou, ao longo da história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil.

Na avaliação de Ricardo Henriques, o Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. “Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio”, ressalta.

Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.

O superintendente do Instituto Unibanco cita também, ao longo da entrevista concedida à revista Política Democrática Online, a necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e o papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

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Paulo Ghiraldelli Jr.: Em defesa da filosofia e da sociologia na universidade

Disciplinas são, sim, altamente profissionalizantes

A filosofia é importante porque é "a mãe das ciências". A sociologia é essencial porque nos dá modelos de "como funciona nossa sociedade". Esses jargões fáceis contêm verdades simples que todo ministro da Educação deveria saber, até mesmo aqueles nomeados por presidentes com pouca aptidão cognitiva.

No Brasil atual, no entanto, parece que não temos mais como dizer essas coisas evidentes para os que estão no poder. Não escutam. Não sabem o básico e não querem aprender. Então, podemos tentar contar o correto para os outros, os que não são autoridades, mas que não lidam com filosofia e sociologia, e que caíram no velho engodo de que tais disciplinas são improdutivas.

A filosofia e a sociologia são disciplinas altamente profissionalizantes no mundo atual. Na universidade, elas são mais profissionalizantes que computação ou outros ensinamentos tecnológicos. São disciplinas que permitem ao universitário se tornar um profissional diferenciado, que por lidar com os fundamentos de outras ciências, ganha condições de aprender mais rapidamente as técnicas de diversos afazeres. Os que sabem só as técnicas ditas profissionais --facilmente obtidas, não raro, no próprio trabalho-- têm uma dificuldade imensa de trocar de emprego. Nessa situação atual, em que todos são postos para se reinventar a cada dez anos, os filósofos e sociólogos levam vantagem.

Cursos técnicos profissionalizantes são de rápida confecção. Todos que fizeram o Senac sabem disso. Mas se são filósofos e sociólogos, além de terem a abertura para a vida universitária, estão sempre aptos a se dar bem nos empregos em que seis meses ou mais de treinamento os põem em vários serviços. Falo por experiência própria e por observar outras pessoas.

A ideia do ministro da Educação, de que um filho de agricultor formado em humanidades volta para casa e não tem qualquer utilidade, é um erro. Vem de alguém que não tem noção de economia. Não sabe como o capitalismo funciona. Imagina que vivemos em uma economia rural de subsistência, sem a máquina, e que o filho do agricultor vai voltar para casa para ajudar o pai.

É uma visão de uma economia rural do século 19 e vigente só em alguns rincões descobertos pelo "Globo Rural" quando o programa quer provocar nostalgia. Na modernidade atual, os filhos fazem cursos superiores exatamente para se diferenciarem dos pais, e isso mesmo quando, sendo mais ricos, possuem pais que já passaram pela universidade.

Assim, do ataque do ministro da Educação atual à sociologia e à filosofia, resta concluir que isso se faz por incultura e, em grande parte, por querer obedecer ao presidente, que não tem outro programa de governo senão atacar tudo que ele imagina que vem "das esquerdas".

O presidente do Brasil disse que o critério para ser ministro da Educação de seu governo era estar disposto a destruir Paulo Freire. Ora, este ministro aí veio sob encomenda; ele põe a mão no coldre diante de qualquer manifestação da cultura mais sofisticada.

*Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo e autor, entre outros livros, de 'Para Ler Sloterdijk' (ed. Via Verita, 2017)


José Goldemberg: Uma Lava Jato para a educação?

É na gestão que está o problema, não na busca de culpados ou em discussões filosóficas...

Uma das mais surpreendentes propostas de membros do novo governo da República é a de começar a enfrentar os notórios problemas da educação no País por meio de uma investigação do tipo da Lava Jato. Essa investigação, graças à coragem e firmeza do então juiz Sergio Moro, teve sucesso em identificar a corrupção na administração pública e em estatais – principalmente na Petrobrás –, que teve sérias consequências no desempenho dessas empresas.

Contudo atribuir à corrupção todos os males da República e a profunda recessão econômica que o País atravessou é um exagero. O que provocou a crise foi a adoção de políticas equivocadas e demagógicas, que causaram danos às empresas públicas e ao País muito maiores do que as comissões cobradas por corruptos para enriquecimento pessoal ou para alimentar campanhas políticas.

Um exemplo na área de educação é o programa Ciência Sem Fronteiras, do governo Dilma, em que foram gastos mais de R$ 10 bilhões enviando ao exterior milhares de estudantes despreparados e pagando às universidades estrangeiras elevadas taxas de inscrição. Esse programa ignorou o profícuo trabalho que o CNPq e a Capes fazem há muitos anos no envio de estudantes de pós-graduação e pesquisadores ao exterior. Não houve corrupção no programa, ao que se saiba, mas ele provocou sérios prejuízos desvirtuando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que afetou todas as atividades de pesquisa no País.

É por essa razão que tentar melhorar a educação brasileira procurando “culpados” pelos problemas que enfrenta tem um caráter policialesco primário que pode produzir manchetes nos jornais, mas não vai resolvê-los.

Não há grandes obras que interessem aos empreiteiros no Ministério da Educação, que gasta mais de 90% dos seus recursos com salários, a maior parte nas universidades federais. O Ministério da Educação é, na prática, um “ministério das universidades”, tendo abandonado, na prática, o ensino fundamental e o médio, que são de responsabilidade dos municípios e dos Estados, mas que não conseguem fazê-lo de maneira adequada.

Atualmente, mais de 25% dos recursos da União, dos Estados e municípios são, por dispositivo constitucional, destinados à educação em todos os níveis (pré-escola, ensino fundamental, médio e superior). Esses recursos são vultosos, cerca de R$ 500 bilhões por ano, e aumentaram substancialmente desde o ano 2000. Representam cerca de 5% do produto bruto nacional, o que é igual ou até mais do que a fração que os outros países colocam em educação, mas, evidentemente, não resolveram os problemas: apenas cerca de metade dos jovens que ingressam no ensino fundamental aos 7 anos chega ao ensino médio aos 15 anos; destes apenas 60% chegam ao fim do ciclo aos 18 anos.

A baixa renda das famílias brasileiras obriga muitos jovens a abandonarem a escola para trabalhar. Este é um verdadeiro genocídio aplicado aos jovens do nosso país. Os problemas do ensino fundamental refletem-se no acesso às universidades públicas. A maioria tem de ir para universidades privadas, que cobram altas mensalidades. É isso que dá origem aos problemas com cotas e toda uma falsa discussão sobre equidade social no País.

A quase totalidade dos recursos é gasta com pessoal, mas o salário médio mensal dos professores do ensino fundamental e do médio é cerca da metade do que ganham profissionais em funções comparáveis em outras atividades. Não é de surpreender, portanto, que a carreira docente nesses níveis não seja atrativa do ponto de vista salarial. Isso tem consequências sérias, porque levou ao desprestígio da profissão de professor, que foi elevada no passado, quando o sistema educacional era muito menor.

O que fazer, então, em curto prazo para melhorar a educação fundamental com os orçamentos limitados dos Estados e municípios, já que dificilmente eles poderão aumentar a não ser retirando recursos de outras áreas também carentes, como saúde e segurança?

Só a racionalização no uso dos recursos e a melhoria das condições da economia poderiam fazê-lo.

Apenas para dar um exemplo, no Estado de São Paulo a evolução demográfica mostra que seria possível aumentar o número de alunos por sala de aula. O número de jovens que frequenta a escola fundamental no Estado caiu à metade, de 3,8 milhões para 1,9 milhões, do ano 2000 para 2017, mas o número de professores manteve-se praticamente o mesmo. Além disso, muitos se encontram em licença médica ou fora das salas de aula, nas áreas administrativas da secretaria, que é uma forma de melhorar sua situação salarial o que não beneficia o aprendizado dos alunos.

Aumento salarial geral para os professores, que é a reivindicação permanente dos sindicatos, só pode dar resultados positivos na melhoria do ensino se for associado ao desempenho dos professores. Experiências em outros países onde apenas os salários dos professores foram aumentados significativamente não melhoraram o aprendizado.

Medir esse desempenho é tarefa complexa, como experiências prévias em outros países indicam. Existe, porém, uma variedade de instrumentos para fazê-lo, como a observação da qualidade das aulas, entrevistas pessoais, relatórios do diretor da escola, pesquisas com os alunos e as famílias e até autoavaliação. Isso foi feito no Chile, no Equador, no México e no Peru com excelentes resultados. Nesses países o aumento salarial foi feito associando aumentos ao desempenho dos alunos e professores.

Não é a busca por corrupção ou uma mudança cosmética dos currículos que vai resolver os problemas educacionais no País. É na gestão do sistema que está o problema, e não na procura de culpados ou em discussões filosóficas sobre teorias educacionais.

*PROFESSOR EMÉRITO E EX-REITOR DA USP, FOI SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E MINISTRO DA EDUCAÇÃO


Bernardo Mello Franco: Novo ministro é um Vélez sem sotaque

Com Abraham Weintraub, o MEC deve continuar refém da guerra ideológica. O novo ministro repete chavões contra o “comunismo”. Falta um plano para melhorar o ensino

O ex-ministro Ricardo Vélez queria reescrever livros didáticos para falsificar o passado. Seu sucessor quer usar o cargo para turbinar o bolsonarismo no futuro. Com Abraham Weintraub, a Educação deve continuar refém de cruzadas ideológicas. O novo ministro promete ser um segundo Vélez, sem o sotaque colombiano do original.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Weintraub insistiu na pregação contra o “marxismo cultural”, um mantra dos olavetes. Disse que é preciso “tomar cuidado com tudo o que sair do MEC, como livros didáticos”. “Estamos preocupados com vazamentos, com sabotagens”, confidenciou, em tom de paranoia.

O novo ministro rejeitou o título de “caçador de comunistas”, mas disse que buscará a “redenção” de quem pensa diferente. “A pessoa não é má pura e simplesmente. Está envolvida numa mentira e aquilo é uma realidade para ela. Precisamos explicar que é uma ideologia errada”, dissertou.

Ele também sugeriu catequizar estudantes para evitar a volta da esquerda ao poder. “Uma pessoa que sabe ler e escrever e tem acesso à internet não vota no PT”, disse. A declaração equivale a chamar de ignorantes mais de 47 milhões de brasileiros, petistas ou não, que votaram no rival do chefe dele.

A exemplo do antecessor, Weintraub estimula o revisionismo histórico para bajular o presidente Jair Bolsonaro. Ele chamou o golpe de 1964 de “contrarrevolução” e disse que não concorda “em chamar de ditadura” o que veio a seguir. Também defendeu “tirar o Bolsa Família” de alunos envolvidos em agressões, o que só condenaria seus pais e irmãos a mergulhar mais fundo na pobreza.

No primeiro dia à frente do MEC, Weintraub distribuiu cargos a outros economistas sem experiência em educação. Ele prometeu destravar a gestão da pasta, o que não será difícil na comparação com a era Vélez. Falta saber se tem algum plano para melhorar a qualidade do ensino. Os desafios do setor são grandes e complexos. Não serão resolvidos com lições do curso online de Olavo de Carvalho.


Vera Magalhães: Males do aparelhamento

Se novo ministro conseguir livrar MEC do aparelhamento sempre tão condenado pela direita, mas praticado sem moderação quando ela assumiu o poder, estará no caminho virtuoso

O fiasco da curta passagem de Ricardo Vélez Rodríguez pelo Ministério da Educação poderia ter ensinado uma importante lição ao governo de Jair Bolsonaro, que hoje completa 100 dias: o aparelhamento ideológico, sempre tão combatido e associado à esquerda pelo hoje presidente ao longo de sua carreira na oposição, é, de fato, deletério para a administração pública.

Balcanizado entre “olavetes”, militares e evangélicos, com um núcleo técnico espremido nessa maçaroca ideológica, o MEC produziu uma sucessão de episódios grotescos numa pasta que, no curto mandato de Michel Temer, tinha colhido avanços concretos na área mais crucial para que o País almeje algum futuro mais promissor.

O substituto de Vélez na pasta, Abraham Weintraub, é identificado com a mesma matriz ideológica que endossou a nomeação do seu antecessor. Tem um histórico de declarações voltadas a defender o combate ao tal “marxismo cultural” como missão da Educação.

Encontrará agora, no entanto, um transatlântico para pilotar e um iceberg no caminho, que o desastre Vélez tratou de aproximar.

As tarefas da Educação são tão concretas e urgentes que, se Weintraub quiser entregar números melhores que os antecessores – os tais “esquerdistas” – terá de se dedicar a elas, e não à guerra cultural, sob pena de ir à deriva.

O ministro parece ter se dado conta da realidade que enfrentará. Tanto que seu discurso de posse foi focado na defesa de uma gestão técnica na pasta. Repetiu o mesmo à Coluna. Questionado sobre se readmitirá os “olavetes” demitidos por Vélez e promoverá um expurgo dos militares, negou que pretenda fazê-lo. Também refuta a análise de que sua assunção representará uma derrota para os militares. “O momento é de serenidade, pacificação e GESTÃO”, me disse ele, assim mesmo em maiúsculas, numa troca de mensagens ontem.

Se conseguir livrar o MEC do aparelhamento sempre tão condenado pela direita, mas praticado sem moderação quando ela assumiu o poder, estará no caminho virtuoso.

O mesmo deveria ser feito urgentemente na Apex, agência que tem a missão de promover as exportações brasileiras, mas se transformou num antro de intrigas e favorecimentos da corte olavista, em que diretores que gozam da intimidade do chanceler Ernesto Araújo recebem dele prerrogativas à revelia da direção do órgão.

A Apex é financiada com recursos de uma fonte que os bolsonaristas adoram fustigar: a chamada “farra do Sistema S”. Recebe fartos repasses – algo como R$ 500 milhões ao ano para custear feiras e viagens de seus diretores –, oriundos da contribuição compulsória das empresas. Como está parcialmente paralisada pela guerrilha interna, tem muito dinheiro “entesourado” em caixa e pouca ação prática.

A Apex já era um prêmio de consolação para aliados no governo Dilma Rousseff. Um dos seus presidentes foi o fiel Alessandro Teixeira, um dos coordenadores da campanha da petista. Na gestão Temer, passou para o guarda-chuva do Itamaraty apenas para engrossar o poder de José Serra na pasta. Agora, vira parquinho ideológico da juventude olavista.

Pelo receituário liberal do governo, uma agência financiada dessa forma e gerida na base do compadrio deveria ser extinta, em nome da eficiência. Ou ter sua gestão profissionalizada, com mandatos para os diretores e metas a serem atingidas.


Marco Aurélio Nogueira: Guinada não é líquida e certa

A demissão de Vélez Rodríguez não pegou ninguém de surpresa. Dada como certa, abriu uma janela de oportunidade para o governo Bolsonaro. Antes de tudo, porque limpou um território minado. O governo se desgastava ao permanecer sancionando o despreparo de Vélez e deixando-se contaminar pelas disputas entre “olavetes” e militares – e agora pode começar a pensar a Educação como dimensão estratégica, dando a ela um mínimo de atenção.

A guinada, porém, não é líquida e certa. O novo ministro, Abraham Weintraub, um bolsonarista de primeira hora, também é jejuno em gestão educacional, ensino médio e educação básica. Não se trata de um técnico da área, um intelectual ou um articulador político, qualidades sempre preciosas no complicado mundo da Educação. Além disso, gosta de se apresentar como adversário do “marxismo cultural”, o que poderá levá-lo a alimentar a guerra ideológica de Olavo de Carvalho, de quem se diz um admirador e um “adaptador”.

A decisão presidencial puxa um freio de arrumação no MEC, mas não se sabe se esfriará a influência de Olavo. Se o novo ministro, à diferença de seu antecessor, apresentar um plano para gerir a Educação no País, ajudará a dar ao governo um eixo que até agora não foi encontrado. Se permanecer agarrado ao doutrinarismo, a janela de oportunidade não passará de uma fresta, que logo se fechará.

*É cientista político do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp


El País: Abraham Weintraub, um segundo ‘olavete’ no MEC para gerir a “terra arrasada”

Economista e professor, novo ministro da Educação prega contra o "marxismo cultural" e terá desafio de romper paralisia na pasta e encontrar solução para impressão do ENEM 

Um professor universitário contra o “marxismo cultural”, que trata seus opositores como inimigos, especialista em Previdência social, que passou pelo mercado financeiro, mas nunca gerenciou nada na área educacional. Foi aluno de Olavo de Carvalho – o ideólogo do bolsonarismo. Esse é o novo ministro da Educação, o economista Abraham Weintraub. Ao lado de seu irmão, o advogado e professor Arthur Weintraub, administrou o Centro de Estudos em Seguridade e prega a bandeira ideológica e conservadora do Governo Jair Bolsonaro (PSL). Chega ao cargo com o desafio de administrar uma “terra arrasada” deixada por seu antecessor Ricardo Vélez. Entre idas e vindas,  Vélez demitiu mais de dez assessores e quatro secretários-executivos, além de não conseguir dar andamento a quase nenhum projeto em pouco mais de três meses de gestão.

Aos 47 anos de idade, Abraham Weintraub é professor universitário da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desde 2014. Dois de seus colegas consultados pela reportagem disseram que ele teve uma passagem discreta pela universidade porque parecia se dedicar mais aos seus projetos pessoais do que à academia. Em 2014, apoiou a campanha presidencial de Marina Silva (REDE). Antes de abraçar a carreira acadêmica, Abraham atuou no Banco Votorantim e na Quest Corretora.

A aproximação dos irmãos Weintraub com presidente se iniciou há quase dois anos, por intermédio de Onyx Lorenzoni (DEM), o ministro da Casa Civil. Ao mesmo tempo ganhou a confiança do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho mais novo do presidente. Em princípio, Abraham atuaria no ministério da Economia como um dos responsáveis por elaborar a reforma da Previdência. Mas o ministro Paulo Guedes preferiu nomear alguém com experiência legislativa para a função de secretário especial de Previdência e Trabalho. Afinal, era necessário convencer parlamentares sobre a necessidade de se aprovar a reforma. Assim, a vaga ficou com o ex-deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN). Abraham acabou, então, na secretaria executiva da Casa Civil. Enquanto isso, o irmão dele, Arthur, tornou-se chefe da assessoria especial da Presidência da República.

Na Cúpula Conservadora das Américas no ano passado, evento promovido pelo deputado Eduardo, Abraham chamou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de sicofanta (mentiroso), disse que o ex-ditador cubano Fidel Castro era um playboy e que o petismo não estava morto, por isso teria de ser combatido. “Quando caiu o muro de Berlim, teve um monte de goiaba que falou: agora o comunismo acabou. Agora, que o Jair Bolsonaro ganhou, tem muita gente dizendo que o PT está derrotado, que podemos ficar tranquilos. Não, não podemos”. Ressaltou, ainda, lições de Carvalho, caso seus colegas professores passassem criticá-los por serem de direita. “A gente adaptou a teoria do Olavo de Carvalho de como enfrentar eles [comunistas] no debate intelectual. Não precisa mandar pastar. Quando eles falam, a ciência é burguesa, então vá embora daqui porque aqui é o templo da ciência, seu religioso”.

Nessa segunda-feira, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que não precisa seguir na íntegra o que o ideólogo sugere. “Ele tem ideias muito boas, mas não sigo ipsis litteris tudo o que ele fala. Não é porque gosto de música clássica que não escute rock and roll de vez em quando”. Dentro do MEC, contudo há a expectativa do retorno de boa parte dos olavetes que foram demitidos nas últimas semanas por Ricardo Vélez. Outras declarações do ministro também já provocam repercussão negativa, como a de que "crack foi introduzido de caso pensado no Brasil". "Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociologia, fazendo filosofia no agreste, [devem] fazer agronomia, em parceria com Israel", disse ele no ano passado, em uma transmissão ao vivo citada no UOL. 

Os desafios na pasta

Entre seus desafios na pasta está a impressão e organização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), já que a gráfica que faria o trabalho declarou falência, e a definição de uma agenda na área de educação básica e a aproximação de áreas sensíveis, como ciência e tecnologia.

Desde que Vélez começou a perder força no cargo, há quase duas semanas, uma lista de nomes foi sugerida ao presidente. Além de Abraham, outros dois corriam por fora. O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) foi defendido pela bancada evangélica e o empresário e consultor em educação Stravos Xanthopoylos foi sugerido por membros do mercado educacional. O que pesou na escolha do presidente foram seus dois padrinhos Olavo e Onyx. Ambos foram consultados por Bolsonaro e a decisão anunciada nesta segunda-feira.

A troca foi vista de maneira positiva por apoiadores de Bolsonaro. “O MEC precisa de um bom gestor e não de um ideólogo do atraso, que defenda a revolução contramarxista do século XIX”, afirmou o cientista político Antonio Testa, um antigo colaborador do presidente na área de educação. Segundo ele, Abraham é um técnico capaz de gerenciar a pasta com o segundo maior orçamento do Governo, com 115 bilhões de reais.

Outros especialistas, contudo, entendem que a troca não deverá surtir efeito no Governo. Entendem, por exemplo, que é necessário empossar alguém com experiência na área educacional. “Todo esse jogo de cena, trazendo para o MEC pessoas completamente alheias ao sistema educacional tem como objetivo o desmonte”, afirmou o sociólogo César Callegari, ex-membro do Conselho Nacional de Educação e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada.

Na opinião de Callegari, o papel de Abraham será o de defender os planos do ministério da Economia de desvincular a educação do orçamento da união. Conforme a Constituição, o Governo federal tem de investir 18% de seu orçamento em educação, enquanto que as gestões estaduais e municipais são obrigadas a gastar 25%. Uma proposta de emenda constitucional deverá ser enviada nas próximas semanas revisando esses percentuais.


Ricardo Noblat: Bye, bye, ministro!

Mudança na Educação

É com um travo na alma que o presidente Jair Bolsonaro deverá demitir, hoje, o ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodrigues. Não porque goste particularmente dele. Gosta de suas ideias. Reprova seu desempenho. O ministério está uma zorra e não pode continuar assim.

O travo tem a ver com a cobrança feita pela mídia para que o ministro seja dispensado. Bolsonaro detesta a mídia. Ou melhor: grande parte dela. E não gostaria de lhe dar esse gostinho. Se ele pudesse – ou se puder – adiaria a demissão outra vez.

Será o segundo ministro a cair em menos de 100 dias de governo – ou de desgoverno, como preferirem. Gustavo Bebiano, da Secretária-geral da Presidência da República, foi demitido primeiro pelo vereador Carlos Bolsonaro, e só depois pelo pai dele.

Veléz Rodrigues foi indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro e de milhares de devotos do presidente. Mas desde a semana passada que Olavo largou de mão o ministro. Só não quer que seus discípulos percam os empregos.

Em troca de alguma recompensa, do tipo uma vaga em outro lugar qualquer do governo com um salário bastante razoável, o ministro irá embora sem se queixar. Ele nunca imaginara ser ministro. Foi surpreendido com o convite. Vida que segue.

Por enquanto, a vida do ministro do Turismo, Marcelo Antônio, também irá adiante. Ele está enrolado até o talo no escândalo das candidaturas falsas do PSL de Bolsonaro em Minas Gerais. Dinheiro público foi desviado, e isso é crime. Mas Bolsonaro o protege.

Afinal, o ministro foi escolha dele e de mais ninguém. Estava ao seu lado em Juiz de Fora quando Bolsonaro acabou esfaqueado. Ajudou a transportar seu corpo para o hospital. Dali só saiu quando soube que o então candidato a presidente havia sobrevivido.

Não se abandona um amigo no meio do caminho. Para Bolsonaro, ex-paraquedista, confiança é essencial. Quem está atrás confia em quem está na frente na hora de saltar. E quem está na frente confia em que está mais à frente. O primeiro da fila confia nele mesmo.

Sobre isso Bolsonaro dissertou em Israel para uma atenta e perplexa plateia de empresários, todos interessados em saber o que ele queria dizer com tudo aquilo. Foram embora sem entender direito, mas tudo bem. Culpa da tradutora que tampouco entendeu.

O show de Mourão em Harvard

Aplaudido de pé
Foi o contraponto da visita recente do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Enquanto Bolsonaro fez questão de se apresentar aos americanos como um líder belicoso e de extrema direita, o vice-presidente Hamilton Mourão fez o inverso.

Talvez tenha sido por isso que acabou sendo aplaudido de pé pela plateia da Brazil Conference, evento organizado pelos estudantes brasileiros das universidades Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Quando fala dos problemas da segurança pública, Bolsonaro dá ênfase às medidas duras contra o crime e à necessidade de armar a população para que se defenda. Mourão não foi por aí quando perguntado como encara a questão.

Defendeu que o governo faça um trabalho “persistente” na área social para resolver a criminalidade. “Com as pessoas vivendo amontoadas em favela, sem acesso a água e luz” e a mercê dos traficantes, ele disse, “nós não vamos resolver o problema”.

Fez questão de separar as Forças Armadas do governo. Disse que elas continuarão cumprindo seu papel tal como definido pela Constituição. Alegou que os militares empregados no governo deixaram a farda. E que Bolsonaro é político há mais de 30 anos.

Mas admitiu, sim, que a imagem das Forças Armadas será afetada caso o governo fracasse. “Se o nosso governo errar, errar muito, não entregar o que prometeu, a conta acabará sendo paga pelas Forças Armadas”, afirmou sem tergiversar.

Um professor de Harvard manifestou sua preocupação com a excessiva vinculação dos militares ao governo. E lembrou que o ex-presidente Ernesto Geisel concluíra no final do seu governo que os militares deveriam devolver o poder aos civis.

Resposta de Mourão: “Geisel não foi eleito. Eu fui”. De certa forma, Mourão contrariou a história oficial contada pelas Forças Armadas de que os generais presidentes do ciclo de 64 foram eleitos pelo Congresso, o que garantiria a legitimidade dos seus mandatos.

Mourão reconheceu que não deu certa a ideia inicial de Bolsonaro de desprezar os partidos e negociar o apoio das bancadas temáticas dentro do Congresso. E que ele agora tentará montar “maiorias transitórias” para aprovar cada projeto do governo.

Mas para que a “nova estratégia” possa ser bem sucedida haverá que se ter “muita paciência e diálogo”. Mourão espera que Bolsonaro, hoje, resolva o que fazer com o ministro da Educação. “Não vou negar: estamos com um problema na Educação”, disse.

Só houve um momento durante o debate com professores e estudantes de Harvard em que Mourão pareceu embaraçado. Foi quando lhe perguntaram o que teria feito de diferente nesses primeiros 100 dias de governo se fosse ele o presidente.

– Escolheria, talvez, outras pessoas para governar comigo – respondeu.


Demétrio Magnoli: Pare (mesmo) de acreditar no governo

A sala de aula não é pátio de diversões de ideólogos ou doutrinadores

Bruno Garschagen, o assessor do (até agora) ministro Ricardo Vélezexonerado pela Casa Civil, tem ao menos uma qualidade: a capacidade de produzir uma autocrítica devastadora, ainda que involuntária. "Quando os antissocialistas mimetizam a mentalidade e a ação política do inimigo, tornam-se o espelho da perfídia", escreveu o "olavete" num artigo de jornal velho de quase dois anos. Seria preciso acrescentar que, quando tentam utilizar o poder de Estado para escrever uma "história oficial", os autointitulados liberais revelam a sua face autoritária e antiliberal.

Descubro que o mesmo Garschagen é autor do livro "Pare de Acreditar no Governo". Não o li, mas concordo com o comando do título, que tem validade geral e serve como advertência de singular relevância no caso do governo Bolsonaro. Esses "antissocialistas" não só mimetizam a "ação política" do "inimigo" como a conduzem para além de limites que o PT jamais ultrapassou. O MEC é a prova disso.

Vélez saltou da mera bufonaria —a solicitação de vídeos propagandísticos de escolares entoando o hino nacional— ao exercício abusivo da autoridade. O ministro, que oscila entre o apego canino ao cargo e a fidelidade ao Bruxo da Virgínia, anunciou uma revisão "progressiva" dos livros escolares talhada a apagar a ditadura militar do registro histórico. A missão do MEC, explicou, é "preparar o livro didático de tal forma que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história".

O governo exige que acreditem nele. Para isso, usará o poder de distribuir livros escolares, a palavra legitimada do professor e a prerrogativa de produzir o exame nacional de acesso às universidades federais.

Os poderes estatais adoram moldar as crianças de modo que elas repitam as palavras e os gestos dos governantes. A "história oficial" tem longa história escolar, que se estende das narrativas nacionalistas do século 19 até o contemporâneo revisionismo separatista catalão, passando pelos sinistros artigos de fé dos totalitarismos stalinista e nazista. O Brasil não ficou imune à politização da escola.

Sob o lulopetismo, o MEC engajou-se a fundo numa revisão "progressiva" dos manuais escolares com a finalidade de adaptá-los aos dogmas da doutrina racialista. A nação deveria ser descrita, nas aulas de História e Geografia, como uma confederação de etnias ou "raças". Nossas extensas miscigenações precisariam ser reinterpretadas como uma lenda criada para ocultar um racismo mais letal que os dos EUA da discriminação oficial ou da África do Sul do apartheid. O movimento abolicionista, uma ampla luta social que abrangeu brancos e negros, teria que escorrer pelo ralo destinado aos mitos. Vélez mimetiza o PT, mas sem a tintura "bondosa" do revisionismo racialista.

A operação lulopetista fluiu suavemente, prescindindo de rudes declarações ministeriais, maquiada como releitura acadêmica do passado. Obteve algum sucesso, graças à cumplicidade de comissões de docentes universitários militantes e à bovina obediência de editoras sempre prostradas diante da pilha de dinheiro das compras públicas. Vélez, porém, fracassará. A "verdade" estatal que ele tenta veicular choca-se com a resistência da opinião pública, dos historiadores e dos professores. Só um regime de força conseguiria impor a negação do caráter golpista do 31 de Março e da natureza ditatorial dos governos militares.

As democracias aprenderam a respeitar a autonomia das escolas. Nelas, há muito, os governos se abstêm de formular a "ideia verídica, real" da história que deve ser ensinada. O sucesso relativo do PT e o inevitável fracasso de Vélez funcionam como sinais de alerta: a sala de aula não é pátio de diversões de ideólogos ou doutrinadores. Pare (mesmo) de acreditar no governo, pois o pior professor ainda é melhor que o discurso do poder estatal.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Bruno Boghossian: Humilhação pública do ministro da Educação respinga em Bolsonaro

Presidente dá poder a Olavo de Carvalho enquanto área sensível do governo fica parada

Jair Bolsonaro decidiu submeter mais um auxiliar a um espetáculo de humilhação. Nos últimos dias, ele drenou os poderes de Ricardo Vélez (Educação), forçou a demissão de pessoas de sua confiança e deixou o ministro pendurado no cargo como um morto-vivo. A campanha de degradação pública respinga no próprio presidente.

A crise começou quando Vélez resolveu demitir seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, responsável por sua indicação para a pasta. O padrinho não gostou e incitou um motim. Ele atacou militares e técnicos e, a certa altura, propôs que o ministro fosse posto para fora se não seguisse suas recomendações.

Bolsonaro interveio e acabou aniquilando Vélez. Primeiro, obrigou o ministro a demitir um assessor próximo que era criticado pelos olavistas. Depois, forçou a saída do número dois da pasta, alvo do mesmo grupo.

Na última semana, Bolsonaro disse que dera “carta branca” aos ministros para formar suas equipes, mas combinou que teria “poder de veto” sobre essas escolhas. Parece que, no caso da Educação, essa competência foi terceirizada para seu guru.

O presidente estendeu cordéis de marionetes entre prédios de Brasília e a casa de Olavo, na Virgínia (EUA). Publicações do ideólogo nas redes sociais se transformaram em portarias do Diário Oficial. Antes de derrubar inimigos no MEC, ele conseguiu que o Itamaraty demitisse um embaixador que o havia atacado.

Convencido de que Bolsonaro precisa destruir seus rivais e promover uma guerra cultural alucinada contra a esquerda, Olavo insiste que o presidente deve preservar o personagem desvairado da campanha eleitoral. Além de rejeitar qualquer moderação política, ele quer reduzir a influência dos militares no governo.

Enquanto a disputa de poder na Educação se desenrola, uma das áreas mais sensíveis do país fica paralisada. Uma compra de obras literárias aprovada no governo passado não foi realizada e um edital para livros do ensino médio, previsto para janeiro, ainda não foi publicado.


Míriam Leitão: A educação longe do foco

Foi uma semana difícil, a que termina. Difícil pelo que houve e pelo que não houve. A tragédia de Suzano jogou na cara do país uma emergência para a qual nunca estivemos preparados. O Ministério da Educação passou a semana imerso numa crise entre olavistas e não olavistas, tema totalmente estranho à realidade. A gestão do ministro Vélez Rodriguez esgotou-se nessa briga intestina e na sua incapacidade de olhar os verdadeiros problemas da área.

O que houve em Suzano não é culpa evidentemente do MEC. A relação entre os dois fatos se dá pela total alienação das autoridades federais, em um país onde a educação deveria ser a prioridade absoluta.

Não é a primeira vez que acontece uma tragédia como a de Suzano, mas ela mostrou que não foram estudados os ataques anteriores a escolas como os de Realengo e da creche de Janaúba, Minas, em que morreu heroicamente a professora Heley de Abreu Silva Batista. Sobre esse assunto que repete os macabros e frequentes atentados em escolas nos Estados Unidos, o país precisa se debruçar para compreender o fenômeno em todos os seus aspectos, em vez de simplificar a rota do entendimento das causas.

Foi equivocada e desconcertante a reação do governo. Nos primeiros momentos, governistas como os senadores Major Olímpio e Flávio Bolsonaro tentaram fortalecer as teses favoráveis ao porte de armas, quando, claramente, essa pauta se enfraquece. Olímpio defendeu que professores se armassem como solução, e Flávio culpou o “malfadado estatuto do desarmamento”. O presidente Bolsonaro demorou seis horas para manifestar uma simples solidariedade às famílias das vítimas, e o ministro só se moveu quando já estava ficando constrangedor seu silêncio e sua alienação.

O problema é complexo e tem sido estudado profundamente em outros países. Há pesquisas internacionais que podem ajudar o Brasil a tentar compreender esses eventos que são muito difíceis de prever. A abordagem terá que ser multidisciplinar, pela multiplicidade de fatores que podem ocasionar tragédias assim. É devastadoramente triste ver adolescentes sendo atacados por dois jovens, um deles menor de idade, no momento em que estavam estudando. Uma das alunas do 3º ano do Ensino Médio, que havia passado a manhã em aulas de sociologia e filosofia, falou a frase síntese: “em um momento a gente estava feliz e, no outro, implorando pra viver.”

O Brasil expõe os adolescentes a riscos excessivos. Este é extremo e não está no nosso radar. Mas há os perigos mais frequentes como os da gravidez precoce, do aliciamento pelo tráfico, da violência, do altíssimo índice de abandono e evasão do ensino médio. Há ainda a dificuldade de as escolas prepararem as crianças e jovens para um mundo que está em transformação vertiginosa.

Apesar da distribuição de tarefas entre os níveis federativos, o Ministério da Educação sempre vai liderar essa política pública no Brasil. E o MEC está à deriva. Basta ver o noticiário da semana. Durante todos os dias o Ministério foi assunto, mas era sobre quem era demitido e a quem o exonerado era ligado. Se era um militar, se era um olavista. Ou os ataques de Olavo de Carvalho ao ministro que indicou para o cargo. Enfim, nada relevante.

Recentemente, o presidente Bolsonaro estimulou os pais a rasgarem cartilhas que traziam desenhos anatômicos do corpo humano com explicações sobre educação sexual. É óbvio que isso é matéria de estudo, ao contrário do que pensa o presidente, numa carolice tardia e incoerente com sua própria história de vida. Não são vestais dos costumes os que nos governam. Os jovens precisam ser protegidos dos riscos de doenças e da gravidez precoce. Ignorar isso é aumentar os perigos a que estão submetidos. É medieval rasgar livros e tentar impedir a preparação de crianças e jovens para a vida sexualmente saudável.

O governo navega em uma realidade paralela correndo atrás da sua agenda de campanha, tolhido por ela e incapaz de reagir diante de emergências, ou de ter foco na pauta real do país. O Brasil precisa urgentemente de um ministro da Educação que conheça os assuntos do setor. É impossível ter esperança de que Vélez Rodriguez vá um dia encontrar a agenda educacional brasileira. Ele continuará prisioneiro das facções que levou para o Ministério.


O Estado de S. Paulo: Guerra política derruba número 2 e paralisa MEC

Luiz Tozi, secretário executivo do Ministério da Educação, é exonerado em meio a uma disputa entre técnicos, militares e seguidores de Olavo de Carvalho; permanência de ministro é incerta

Por Renata Cafardo, Isabela Palhares e Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A disputa política instalada no Ministério da Educação (MEC) levou à demissão do número dois da pasta, o secretário executivo Luiz Antonio Tozi, nesta terça-feira, 12. A saída foi determinada pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Desde a semana passada, o ministério já teve sete funcionários afastados, está com editais paralisados e programas sem definição. Não há garantia de que Vélez, que tem sido criticado por apostar em ações de cunho ideológico e dar declarações polêmicas, vá continuar no cargo.

Tozi tinha perfil técnico, havia trabalhado para o governo de São Paulo e fazia parte de um grupo que vinha aconselhando Vélez a dar um novo direcionamento para o ministério. Outros dois grupos brigam por poder no MEC: os chamados “olavistas”, ligados ao escritor Olavo de Carvalho – considerado guru do “bolsonarismo” – e os militares.

Estado apurou que a “reformulação” na pasta pode chegar a 20 nomes. Entre os atingidos estariam outros seguidores de Olavo e integrantes do grupo do coronel Ricardo Roquetti, apontado como braço direito de Vélez e que foi desligado nesta segunda-feira, 11. Funcionários ligados a Tozi também devem pedir para deixar o MEC. Não está descartada ainda a saída de Vélez logo depois da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, mesmo com o presidente tendo dito nesta terça-feira que ele “continua no cargo”.

Conta a favor do ministro o fato de o governo não ter um nome forte para substituí-lo rapidamente. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, já trabalha para indicar um parlamentar para o posto. Outra opção cogitada pelo governo é mantê-lo no cargo, mas num papel de “fachada”. Os poderes ficariam concentrados em um novo secretário executivo, ainda a ser definido. Nesta terça-feira, Vélez avisou pelo Twitter que o novo número dois da pasta será Rubens Barreto da Silva, que era secretário adjunto e amigo de Tozi.

A guerra interna foi exacerbada depois da repercussão negativa da carta enviada pelo ministro a escolas de todo País, pedindo que fosse lido o slogan da campanha de Bolsonaro e que as crianças fossem filmadas cantando o Hino Nacional, noticiada pelo Estado. Como consequência, Vélez acabou demitindo parte do grupo ligado a Olavo, que defendia políticas mais conservadoras.

A reação dos “olavistas” e do próprio escritor foi imediata. Tozi foi chamado de “tucano” e acusado de não ser alinhado às ideias do presidente. Olavo pediu a cabeça do secretário executivo ontem pelo Twitter, assim como já tinha feito com o coronel Roquetti.

Para a presidente do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, a demissão de Tozi “não é um bom sinal”. “Essa gestão precisa entender a missão do ministério, que é enfrentar a crise de aprendizagem dos alunos brasileiros e deixar de diversionismos.”

 

Programas
Enquanto isso, programas estão paralisados e servidores temem tomar decisões. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pela transferência de recursos a Estados e Municípios para a compra de livros didáticos, merenda e transporte escolar, é um dos que mais afetados. O órgão tem um orçamento de R$ 58 bilhões e também está dividido – é presidido por Carlos Alberto Decotelli, indicado pelos militares, mas duas diretorias foram entregues a “olavistas”.

A compra de livros literários, que já estava aprovada desde o ano passado, ainda não foi feita. Também não foi alterado o edital de livros didáticos para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, que precisa ser adequado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O edital para os livros do ensino médio, que deveria ter sido publicado em janeiro, ainda não saiu. O mesmo ocorre para a compra de dicionários para as escolas. Sem a garantia de que permanecerão no cargo, os diretores não querem assumir a responsabilidade de assinar editais. E se preocupam em validar documentos que possam conter erros ou regras polêmicas.

Secretários
Entidades também estão preocupadas com a falta de clareza sobre o futuro de programas do MEC. Segundo a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cecília Motta, não há informações sobre continuidade das avaliações ou verbas que o ministério repassava para implementação da BNCC. O órgão está preparando um documento para entregar ao ministério em que pede que políticas sejam continuadas.

O grupo que reúne os secretários municipais também tem a mesma preocupação com relação a repasses para programas de alfabetização, por exemplo. “Não há uma definição e as secretarias já estruturaram seu planejamento pensando nesses recursos”, diz Aléssio Costa Lima, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Procurada nesta terça-feira pela reportagem, a assessoria de comunicação do Ministério da Educação (MEC) afirmou que não tinha tempo hábil para responder a todos os questionamentos.

Olavo
A demissão de Luiz Antonio Tozi, e o agravamento da crise interna no ministério foram precedidos por uma série de postagens de Olavo de Carvalho. As críticas seriam uma retaliação “ao expurgo” promovido contra ex-alunos de Olavo dentro do Ministério da Educação.

Em suas redes sociais, Olavo publicou nos últimos dias dezenas de mensagens com recados ao governo, a Vélez e a apoiadores de Bolsonaro. Após a demissão de Roquetti, Olavo publicou que era necessário “concluir a limpeza”. “Diante de uma operação de infiltração como essa, ninguém pode ser poupado. É preciso mandar todos para a rua”, escreveu em seguida.

Olavo também já fez ameaças ao próprio ministro Vélez Rodríguez, dizendo que um acordo com grupos que tiveram influência antes da eleição seria um “crime”, e chegou a sugerir a demissão do ministro. “Recomendei o ministro Vélez, mas se ele cair no erro monstruoso que mencionei (acordo com quem estava na pasta antes), ponham-no para fora”, diz a mensagem publicada na segunda.

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