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Ricardo Noblat: Governo ignora o que lhe cabe e se mete onde não deve
E segue o baile
Talvez o presidente Jair Bolsonaro não chegue ao ponto de ter vontade de sacar do revólver quando ouve falar em Cultura. Numa peça antinazista de Hanns Jost, encenada em Berlim em 1933, ano em que Hitler assumiu o poder, um personagem dizia: “Quando ouço alguém falar em Cultura, saco o meu revólver”.
Mas Cultura não é lá do agrado do ex-capitão, que já confessou que nunca leu um livro. “Tem muita letra”, queixou-se. “Precisa ter mais figuras”. Por extensão, Educação também não é. Em pouco mais de um ano e meio de governo, dois tristes nomes passaram pelo Ministério da Educação. E o terceiro começou mal.
O pastor presbiteriano Milton Ribeiro revelou-se um homofóbico logo em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo. Disse que a homossexualidade é uma “opção”, que ele atribui ao que chamou de “famílias desajustadas”. “Normalizar isso e achar que está tudo certo é uma questão de opinião”, declarou. Não é.
Pediu para receber uma dura resposta de qualquer dos seus antagonistas, e a recebeu do youtuber Felipe Neto (33 milhões de seguidores nas redes sociais), recém-incluído na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2020, segundo a insuspeita revista americana “Time”. Neto perguntou ao ministro:
“Se família desajustada gera homossexuais… Que tipo de família gera envolvimento com milicianos e desvio de verba de gabinete para compra de imóveis, além de lavagem de dinheiro?”
Ribeiro pensa o que disse, mas fez questão de dizer para reconciliar-se com Bolsonaro, irritado desde que ele recebeu em audiência um grupo de deputados federais da oposição – entre os quais, Tabata Amaral (PDT-SP). Foi na quarta-feira da semana passada, segundo contou Igor Gadelha, repórter da CNN Brasil.
Bolsonaro orientou Ribeiro a filtrar mais quem recebe no ministério. E, se tiver que receber opositores do governo por obrigação, que não saia divulgando positivamente esses encontros. Que não fosse ingênuo e não se auto sabote. Ribeiro explicou que os deputados integravam uma comissão da Câmara. E daí?
Além de preconceituoso, Ribeiro revelou-se ignorante ao sugerir na entrevista que seu ministério não está interessado em aperfeiçoar a tecnologia nas escolas. Para ele, por exemplo, a dificuldade do ensino a distância durante a pandemia do coronavírus é problema dos outros, dele não:
– A sociedade brasileira é desigual, e não é agora que a gente vai conseguir deixar todos iguais. Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil.
É possível que um problema do país, tanto mais o do ensino à distância, não seja também problema do Ministério da Educação? A verdade fugiu à boca de Ribeiro. Por muito menos, ao falar sobre impostos em uma entrevista recente, o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi arrancado de cena por um dos seus colegas.
Este é um governo que fecha os olhos ao que lhe compete e se envolve com o que nada tem a ver. A opção sexual de cada um é assunto privativo de cada um – ao governo só cabe respeitar. A destruição do meio ambiente é um problema de todos, mas incumbe ao governo liderar os esforços para combatê-la.
Ribeiro não se auto sabota quando aceita reunir-se com deputados da oposição – é dever do homem público porque o governo foi eleito por uns, mas governa para todos. Bolsonaro se auto sabota e, pior, sabota o país quando em meio a uma pandemia com mais de 140 mil mortos é capaz de dizer, como disse ontem:
“Fico vendo Brasília, não posso falar nomes aqui, mas a alta cúpula do poder, alguns do Executivo, Judiciário, Legislativo também, com máscara 24 horas por dia. Dormiam com máscara, cumprimentavam assim [com ombro], pegaram o vírus agora. Não adianta isso aí”.
Bons tempos para Bolsonaro graças aos mais pobres
Aproveite o quanto possa
De janeiro do ano passado quando tomou posse e até dezembro, a popularidade de Bolsonaro só fazia cair, bem como a confiança dos brasileiros nele e a aprovação do seu governo, segundo pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria.
O que aconteceu de lá para cá que justifique o crescimento exponencial de Bolsonaro conferido pela mais recente pesquisa Ibope? Certamente não foi a alta da inflação, nem a saída de Sérgio Moro do governo, nem o aumento do desemprego.
Tampouco o desempenho desastroso do governo durante a pandemia que já matou quase 140 mil pessoas e infectou mais de 4.650.000. Foi basicamente o pagamento do auxílio emergencial de 600 reais para os brasileiros mais pobres.
Entre os eleitores com renda familiar de até um salário mínimo, a popularidade de Bolsonaro subiu de de 19% em dezembro para 35%. Entre os eleitores com menor grau de instrução, a avaliação de ótimo ou bom saltou de 25% para 44%.
Aproveite Bolsonaro o tempo das vacas gordas. Em breve elas poderão emagrecer quando ao invés dos 600 reais, os contemplados com o auxílio passarem a receber só 300, e quando depois o auxílio cessar por falta de dinheiro.
Hélio Schwartsman: Zumbis existenciais
Para o filósofo Martin Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor
Para o ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo o religioso, a ausência de absolutos e de certezas faz com que vivam uma vida sem propósito nem motivações.
Será? Em “This Life” (esta vida), um dos melhores livros que li na pandemia, o filósofo Martin Hägglund (Yale) defende o avesso da posição do ministro. Para Hägglund, são as incertezas e a precariedade da vida que lhe dão valor. Se pessoas e coisas fossem eternas, aí sim é que não encontraríamos a motivação para nos ocupar delas ou nos importar com seu futuro. A própria ideia de futuro depende da possibilidade de corrupção. A eternidade seria um presente sem fim.
Há, sim, um elemento de fé, já que nos importamos com as coisas que nos são caras mesmo sabendo que elas desaparecerão, mas é o que Hägglund chama de fé secular, que não é compatível com a fé religiosa. Para o filósofo, a fé religiosa tenta nos fazer abandonar a fé secular, convencendo-nos de que nosso objetivo deve ser o de transcender à finitude. Como consequência, esta vida perde seu valor, convertendo-se em estado transicional do qual precisamos ser salvos.
Seria fácil desconstruir a tese de Hägglund como reflexões de um ateu. Mas o fascinante no livro é que ele chega a essas conclusões a partir de textos de autores insuspeitos para os religiosos, como santo Agostinho e C.S. Lewis, com pitadas de Charles Taylor e Paul Tillich.
O livro, aliás, é um banquete intelectual, que nos faz provar porções, às vezes generosas, às vezes só uma entradinha, de autores tão variados como Kierkegaard, Aristóteles, Dante, Proust, Marx e Knausgaard, além dos já citados.
Depois de ter fustigado os religiosos, Hägglund, na parte final da obra, bate forte no capitalismo. Ler “This Life” nos deixa com uma irresistível vontade de nos tornar zumbis existenciais.
Cristovam Buarque: Falta Nabuco
Educação no Brasil continua entre as piores no mundo
No século XIX, adotamos políticas em favor dos escravos — fim do tráfico, ventre livre, liberdade a sexagenários — sem defesa da Abolição. A maldade no tratamento aos escravos ficou mitigada, mas a barbaridade do regime continuou, amarrando a economia e comprometendo a decência. Em 1888, os abolicionistas venceram a luta pelo fim do sistema escravocrata, mas até hoje mantemos uma trincheira da escravidão: a reserva da educação de qualidade para poucos.
Desde 1980, diversas medidas beneficiam a educação — Emenda Calmon, merenda, livros didáticos, Fundef, Fundeb, PNE-I e II, BNCC, piso salarial — mas ela continua entre as piores e mais desiguais no mundo, emperrando a eficiência da economia e dificultando a justiça social.
Quando imaginamos a tragédia que ocorreria se o Fundeb fosse extinto, em 31/12 próximo, sua prorrogação deve ser comemorada. Mas, ao lembrar que já está em vigor há dez anos, imaginamos que, apesar de alguma melhora, a educação ainda não dará o salto de que precisamos. Devemos parabenizar os que não deixaram o Fundeb acabar e até conseguiram ligeiro aumento de recursos. Parabenizá-los como a Rio Branco, pelo ventre livre; Eusébio de Queiroz, pela proibição do tráfico, Saraiva e Cotegipe, pela Lei dos Sexagenários. Mas nenhum deles foi um Nabuco, e o Fundeb está longe de ser nossa “Lei Áurea do século XXI”: educação entre as melhores do mundo e com qualidade da escola igual para todos.
Para concluir a Abolição, será necessário mais do que leis, uma estratégia com a meta de colocarmos nossa educação entre as melhores do mundo e igual para todos os brasileiros, independentemente da renda e do endereço da criança. Para isso, tratar educação de base como questão nacional, implantarmos um Sistema Unificado Nacional de Educação, com carreira federal para os professores, definição de padrões nacionais para edificações e equipamentos, todas as escolas em horário integral, todas como concessão federal. Uma estratégia educacionista que derrube a última trincheira da escravidão, rompa as amarras ao nosso desenvolvimento e construa justiça social.
*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília
Bruno Boghossian: Governo reforça seu projeto para sucatear a educação
Corte de orçamento proposto pelo MEC é novo capítulo de uma ruína premeditada
Enquanto Jair Bolsonaro e seus aliados tentam arrumar um dinheirinho para turbinar sua operação política, o Ministério da Educação preferiu afiar a tesoura. A pasta anunciou a intenção de cortar 18% de suas despesas não obrigatórias no ano que vem. A proposta facilita os esforços do Palácio do Planalto para sucatear o ensino público.
A ruína é premeditada. Obcecado pelo fantasma de um aparelhamento nas universidades, o presidente faz de tudo para esvaziar a área. Manteve dois titulares desqualificados para comandar a pasta e incentivou um estrangulamento de pesquisas e da educação superior, principais pontos de atuação federal no setor.
O próprio Bolsonaro e seus assessores nunca esconderam a intenção de usar o orçamento como arma política. Ao chegar ao MEC, Abraham Weintraub avisou que fecharia os cofres para instituições que fizessem o que ele chamava de “balbúrdia”. A ideia era asfixiar aqueles que contrariassem a agenda do governo.
O presidente nunca se interessou em apresentar projetos para a educação. Ele preferiu explorar o tema como parte de sua cruzada ideológica e usou o desempenho do país em exames internacionais para fustigar adversários políticos.
Quando o Congresso começou a discutir a ampliação do fundo que financia a educação básica, Bolsonaro decidiu ignorar o assunto. Depois, trabalhou contra a medida e foi obrigado a ceder para evitar uma derrota política humilhante.
Agora, o MEC reconheceu o papel de coadjuvante. Sensibilizada pela crise econômica, a pasta se antecipou ao arrocho de Paulo Guedes e disse que pretende gastar menos R$ 4,2 bilhões no ano que vem. O Orçamento só será fechado no fim do mês, mas o ministério jogou a toalha.
Ao explicar o corte, a pasta disse que a pandemia exige um esforço de “priorização das despesas”. Os filhos feios de Bolsonaro devem sofrer mais com a tesourada. Já o Ministério da Defesa, favorito do presidente, pediu um aumento de 37% nos investimentos do ano que vem.
Marcus Pestana: Novo Fundeb e o futuro da educação
Desnecessário reafirmar a centralidade da educação de qualidade para a sociedade e a economia de um país, preparando crianças e jovens para o exercício da cidadania e a sua inserção no mercado de trabalho e na vida social e política. Como disse certa vez o ex-senador Cristovam Buarque: “o berço da desigualdade é a desigualdade do berço”. E só a educação pode democratizar as oportunidades.
O compromisso com a educação povoa todos os discursos políticos, mas muitas vezes não transborda o nível da simples retórica. Para a construção de um grande país temos que arregaçar as mangas e agir para superarmos o terrível passivo que temos na área educacional.
Em 1996, o Governo FHC criou o FUNDEF, que foi responsável por garantir uma fonte de financiamento estável para o ensino da 1ª. à 8ª. séries e pela universalização do ensino fundamental. Em 2007, o Governo Lula ampliou o financiamento para o ensino infantil e médio com o FUNDEB. A complementação do Governo Federal cresceu de 1% para 10%. Foram avanços, mas os resultados que temos hoje são claramente insuficientes.
O Senado Federal votará na próxima semana a Emenda Constitucional No. 26/2020, que já foi aprovada na Câmara relatado pela Deputada Professora Dorinha (DEM/GO), renovando o FUNDEB e promovendo mudanças.
O texto altera critérios de distribuição dos recursos; procura aprimorar a equidade social privilegiando municípios mais pobres; pretende aumentar a transparência, a avaliação de resultados e os controles; intenciona estimular o aumento da qualidade e amplia a complementação federal dos atuais 10% para progressivamente alcançar 23% em 2026. A extinção do FUNDEB, que se daria em 2021, seria um desastre e o aumento de investimento é importante, desde que os recursos sejam bem gastos. Mas há problemas.
Primeiro, a nossa desconfiança histórica em relação ao caráter perverso e excludente de nosso modelo de desenvolvimento e à qualidade da ação dos gestores locais, nos leva a constitucionalizar tudo e a criar vinculações detalhistas que resultam em um modelo rígido demais para uma realidade em constante mutação. A revisão é prevista para daqui a dez anos. Mudanças constitucionais são difíceis e complexas. Quais serão os impactos no sistema educacional e nas políticas públicas da transição demográfica com cada vez mais idosos e menos crianças, da reforma tributária, da crise fiscal, da revolução da tele-educação?
Segundo, a exclusão do pagamento de aposentados da educação dentro dos cálculos, conceito correto, mas sem uma transição, colocará muitos estados brasileiros em extrema dificuldade em cumprir o texto constitucional. Vamos criminalizar esses governadores?
E por último, há estudos e evidências que comprovam não haver associação obrigatória de aumento de recursos com a ampliação da qualidade e a obtenção de resultados.
Se não introduzirmos mais flexibilidade para os gestores locais e regionais, não superarmos o corporativismo, não estimularmos o empreendedorismo das diretoras de escola, não introduzirmos a remuneração variável premiando desempenho e resultados e não envolvermos profundamente a comunidade e as famílias no processo educacional das crianças e dos jovens, poderemos aplicar preciosos recursos escassos e não promover a tão necessária revolução educacional. Intenção e gesto nem sempre caminham juntos.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Hélio Schwartsman: O futuro das universidades
Será que chegou a vez da educação superior?
A primeira vítima foi a indústria fonográfica. Depois vieram setores como o hoteleiro, o de mídia, transporte de passageiros, entretenimento etc. A conjunção de novas tecnologias com um espírito mais faça-você-mesmo por parte dos consumidores causou um terremoto nessas áreas. Será que chegou a vez da educação superior?
A pandemia paralisou as atividades presenciais na maioria dos cursos e causa um empobrecimento geral da sociedade. Isso está levando muitos alunos, especialmente os das caras universidades de elite dos EUA, a repensar o valor de seu investimento. Muitas instituições se preparam para o pior, e algumas já até começaram a demitir professores.
É claro que a educação é importante. Você não forma um médico sem ensinar-lhe uma série de conteúdos específicos. Ainda assim, o que as universidades vendem são pacotes que não oferecem apenas o acesso a um corpo de conhecimentos. Fazem parte do conjunto a experiência universitária, que inclui a oportunidade de travar relacionamentos com os futuros líderes do país, e, mais importante, o prestígio (e a empregabilidade) que um diploma de Harvard, por exemplo, confere a seu portador.
O problema é que, por ora, a experiência universitária está suspensa e o acesso a conteúdos é de certa forma um bem fungível, podendo ser adquirido em livros ou escolas mais baratas. Aliás, no que constitui uma daquelas ironias do destino, muitas das mais conceituadas instituições já disponibilizavam na internet, gratuitamente e para todos, algumas de suas melhores aulas.
Resta, é claro, a questão do diploma. Suas bases, porém, não são das mais sólidas. Por que um canudo de Harvard vale mais do que o de um community college? Isso ocorre porque empregadores utilizam o diploma das universidades mais concorridas como uma espécie de teste de QI. O ponto é que existem formas muito mais baratas de aferir a inteligência de alguém.
Ricardo Noblat: O mistério que cerca a fuga de Weintraub para os Estados Unidos
Trama com as impressões digitais do Itamaraty
O que fez Abraham Weintraub sair do Brasil às carreiras quando sua demissão do cargo de ministro da Educação sequer tinha sido consumada? Foi o medo de ser preso de uma hora para outra por decisão do Supremo Tribunal Federal?
No dia 22 de abril último, durante a reunião ministerial que selaria o seu destino, Weintraub chamou os ministros do Supremo de “bando de vagabundos” que mereciam estar presos. Começou então a ser processado e até depôs à Polícia Federal.
No dia 18 de maio, em vídeo gravado ao lado do presidente Jair Bolsonaro, anunciou que acabara de pedir demissão, mas que participaria “nos próximos dias” do ato de transmissão do cargo para o novo ministro que ainda não fora escolhido.
Aqui começa a trama da qual participou o Itamaraty, que não chama de trama o que trama foi. O Itamaraty informa que naquele mesmo dia Weintraub ligou para o embaixador Ernesto Araújo dizendo que gostaria de viajar “rapidamente” a Washington.
No telefonema, contou a Araújo que assumiria o cargo de diretor do Banco Mundial destinado ao Brasil. De imediato, Araújo pediu à embaixada americana um visto de entrada para que Weintraub realizasse o seu desejo. Não se sabe se o visto foi concedido.
Sabe-se, agora, que o Itamaraty não registrou a devolução do passaporte diplomático a que Weintraub tinha direito como ministro. À época, devido ao agravamento da epidemia, os Estados Unidos fecharam seus aeroportos a brasileiros. Seguem fechados.
No dia 19, à noite, Weintraub voou para o Chile e, de lá para Miami, onde desembarcou sem embaraço na manhã do dia 20. Uma vez que estava seguro em território americano, no mesmo dia uma edição extra do Diário Oficial publicou sua demissão.
Weintraub não participou do ato de transmissão do cargo como havia dito que faria. E não assumiu ainda o cargo de diretor do Banco Mundial porque seu nome depende da aprovação por nove países. Por que a pressa em deixar o Brasil? O mistério continua.
O complô para destruir a imagem do youtuber Felipe Neto
Gabinete do ódio em ação
Engana-se quem acha que o gabinete do ódio vai acabar. Não acaba porque, na prática, é um “modus operandi”, não são pessoas. Um “modus operandi” criado para assassinar reputações nas redes sociais. E apesar das investigações patrocinadas pelo Supremo Tribunal Federal, o mecanismo de proliferação de mentiras e de teorias absurdas segue operando normalmente.
O alvo da vez é o youtuber @felipeneto. Desde que deixou claro que faz oposição ao governo, os ataques à sua imagem aumentam a cada dia. Nas últimas duas semanas, após vídeo divulgado pelo site do jornal The New York Times, e o anúncio de uma live junto com o ministro Luís Roberto Barroso marcada para a próxima quinta-feira, a situação do youtuber só se agravou.
Nas últimas 24 horas, diversos perfis bolsonaristas/conservadores tentaram publicar mais de 600 vídeos contra Felipe Neto no Facebook e no Instagram. Acusam-no, sem provas, de estimular a pedofilia. Além dos vídeos, postagens fakes atribuem a ele frases que nunca disse. Uma delas: “Criança é que nem doce, eu como escondido”. Não há limites para essa gente!
Com um público de quase 39 milhões de assinantes em seu canal, Felipe Neto virou uma pedra no sapato dos bolsonaristas acostumados a nadar de braçada no ambiente nas redes sociais. É por isso que, apoiados por robôs e falsos perfis, os deputados federais Carlos Jordy, Carla Zambelli e Daniel Silveira, do PSL, e Eduardo Bolsonaro batem em Felipe Neto da cintura para baixo.
Desde de o início dos ataques, ele já moveu sete processos contra seus detratores, quatro deles parlamentares. O deputado federal carioca Carlos Jordy foi o primeiro a ser condenado e agora recorre da sentença que o obrigou a pagar R$ 35 mil reais de indenização. Nada que uma cota entre amigos não resolva.
El País: Bolsonaro nomeia pastor ligado ao grupo Mackenzie para o MEC
Quarto titular da pasta no atual Governo, Milton Ribeiro é advogado é membro do Conselho Deliberativo da Universidade Mackenzie e integrante da comissão e ética da Presidência da República
O presidente Jair Bolsonaro indicou o professor, advogado e pastor evangélico Milton Ribeiro para assumir o Ministério da Educação. Ele será o quarto ministro a ocupar o cargo no Governo. Ribeiro é vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Presbiteriano Mackenzie, que é o mantenedor da Universidade Mackenzie, de São Paulo. Desde maio de 2019 também ocupava um dos postos na Comissão de Ética da Presidência da República. O anúncio foi feito pelo presidente em suas redes sociais. Logo na sequência, a nomeação foi publicada em edição extra no Diário Oficial da União
A função é uma das mais estratégicas de toda a Esplanada. O ministro é o responsável por gerenciar um dos maiores orçamentos do país, de 103,1 bilhões de reais. A pasta estava sem comando desde 30 de junho, quando o economista Carlos Alberto Decotelli deixou a função porque causou constrangimentos ao Governo por ter mentido ao menos duas informações em seu currículo, a de que tinha concluído um curso de doutorado na Universidade de Rosário, na Argentina, e outro de pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Decotelli ficou na função apenas cinco dias e substituiu o também economista Abraham Weintraub, que pediu demissão após se envolver em uma série de polêmicas com ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem chamou de vagabundos.
Entre os desafios de Ribeiro na pasta estão a corrida para aprovar o novo Fundo da Educação Básica (Fundeb), principal fonte de financiamento da educação brasileira que vence neste ano, e a coordenação dos esforços para o retorno das aulas em todo o país em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
O padrinho político de Ribeiro é o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, que também é pastor presbiteriano. Eles se conheceram quando Ribeiro era pastor na cidade de Pederneiras (SP) na igreja que era frequentada pela família de Mendonça. Assim que se tornou advogado-geral da União, Mendonça indicou Ribeiro para o cargo na Comissão de Ética da Presidência da República. Ambos se formaram em direito na mesma universidade, o Instituto Toledo de Ensino. Ribeiro diz em seu currículo que tem mestrado em direito pelo Mackenzie e em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).“Deus abriu as portas para eu poder contribuir de alguma maneira com a minha pátria, com o Brasil”.
Em uma entrevista que concedeu ao portal gospel Guiame logo após assumir um cargo na Comissão de Ética, Ribeiro queixou-se da cobertura que a mídia fez de sua indicação para a função, por vinculá-la à sua opção religiosa, e não à sua qualificação profissional. “Eu estou nessa comissão, não porque eu sou pastor, ali não é uma capelania, ali é um ambiente técnico”, afirmou em junho do ano passado. Na mesma entrevista ainda afirmou que não era “ministro do Supremo do Brasil”, mas um “ministro do Supremo Deus”. E reforçou sua religiosidade: “Deus abriu as portas para eu poder contribuir de alguma maneira com a minha pátria, com o Brasil”.
Em nota após ser indicado para o cargo, Ribeiro afirmou que dará atenção especial para a educação básica, fundamental e o ensino profissionalizante. Também sinalizou que terá uma gestão diferente da de Weintraub, marcada pelo radicalismo, pela falta de diálogo com o Legislativo e por discursos conservadores. “É hora de um verdadeiro pacto nacional pela qualidade da educação em todos os níveis. Precisamos de todos: da classe política, academia, estudantes, suas famílias e da sociedade em geral.”
Azarão
Milton Ribeiro não era a primeira opção de Bolsonaro. Depois da saída de Decotelli ele chegou a convidar Renato Feder, secretário de Educação do Paraná, para o ministério. Mas após ser alvo de intensos ataques nas redes sociais por bolsonaristas vinculados ao escritor Olavo de Carvalho, Feder decidiu não aceitar o convite. Outro cotado era o economista e cientista político Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB). Todos são evangélicos.
A nomeação não agradou dois grupos de sustentação de Bolsonaro, os extremistas vinculados ao guru do bolsonarismo, Olavo de Caralho, que preferia alguém com características mais militantes, assim como parte da bancada evangélica, que defendia a nomeação de Anderson Correia, reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e membro da Igreja Batista. Quem comemorou a nomeação foi a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, uma evangélica alinhada com parte dos bolsonaristas. Em sua conta no Twitter, ela publicou a notícia com a nomeação de Ribeiro e a citação: “Que alegria!”
Apontada como um dos expoentes no Legislativo na área de educação, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), disse estar preocupada que o novo ministro “tenha sido escolhido por sua religião”. “Espero que Milton Ribeiro saiba dialogar, atue com base em evidências e priorize a educação”, afirmou a parlamentar.
Andrea Jubé: A briga de poder que travou a educação
Divisão na base tumultua sucessão no MEC
A base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro transformou-se em uma miscelânea formada por militares, ideológicos (seguidores do escritor Olavo de Carvalho), evangélicos e políticos tradicionais ligados ao Centrão, representantes da “velha política”.
Essa base difusa e cujos interesses colidem internamente não pode ser receita de sucesso de nenhum governo. O exemplo mais evidente de que esse cabo de guerra interno conturba mais a gestão já atolada em problemas é a rocambolesca sucessão no Ministério da Educação (MEC).
A pasta que por definição deveria ser o coração de qualquer governo sério é, desde o início da gestão, palco de embates turbulentos entre militares e olavistas. Agora os políticos do Centrão entraram na briga.
A rejeição por duas vezes consecutivas do nome do secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, para o comando da pasta expôs o aliado e gerou ruído desnecessário com o Centrão, num momento em que Bolsonaro ainda não cimentou a base no Congresso.
Feder era referendado pelo PSD, por meio do governador do Paraná, Ratinho Jr., e do ministro das Comunicações, Fábio Faria, e ainda pelos empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mas a intervenção da ala ideológica, com o reforço da bancada evangélica, tumultuou a escolha e abriu novas fissuras na base.
Em paralelo, verificou-se que a passagem abreviada de Carlos Alberto Decotelli pelo cargo resultou de uma escolha pautada pelo improviso e açodamento. A equipe competente falhou na checagem do currículo do quase doutor.
O improviso tem se revelado a tônica da gestão. Em outro exemplo, não houve falha de checagem, mas, sim, de atenção: Bolsonaro soube somente depois de assinar a nomeação que o novo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi, havia sido secretário-executivo do então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.
Em outro capítulo da novela da sucessão no MEC, um dos nomes mais reconhecidos até agora entre os cotados para a pasta, o reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anderson Correia, teria sido rejeitado porque pediu carta branca para nomear a própria equipe, segundo informou uma fonte palaciana.
Para isso, Correia teria que demitir nomes caros à ala ideológica, como o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, discípulo de Olavo, ou até mesmo apadrinhados do Centrão, como o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte, que foi chefe de gabinete do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).
“O MEC, assim como o governo, é uma composição de forças”, explicou à coluna um empresário da área de educação. Ele afirma que ninguém receberá o ministério de porteira fechada, porque os olavistas, os militares e os políticos do Centrão e da bancada evangélica reivindicam seus quinhões.
A contragosto dos militares, desde o começo o MEC esteve sob o controle de discípulos de Olavo: primeiro, Ricardo Vélez Rodríguez, depois, Abraham Weintraub. Decotelli era um perfil que não romperia com o olavismo, mas buscaria uma postura não radical para dialogar com os militares, os evangélicos e os políticos.
A briga interna no MEC explica a alarmante rotatividade na pasta, que exigiria em teoria um mínimo de estabilidade para implantação e eficiência das políticas públicas. Somente pela presidência do FNDE - espécie de “tesouraria” do ministério - já passaram quatro nomes em um ano e meio - um gestor a cada quatro meses. O orçamento do órgão para este ano é de cerca de R$ 30 bilhões.
O primeiro gestor do fundo foi justamente Decotelli, que ficou de fevereiro a agosto de 2019. Foi sob a gestão dele que a Controladoria-Geral da União (CGU) viu inconsistências em um edital liberando R$ 3 bilhões para a compra de 1,3 milhão de computadores.
Em agosto, Decotelli foi afastado do cargo para dar lugar ao advogado Rodrigo Sergio Dias, indicado pelo DEM de Rodrigo Maia. Na ocasião, Decotelli foi remanejado para a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação, onde estava quando foi nomeado ministro em 25 de junho.
Voltando ao FNDE, Rodrigo Dias ficou quatro meses no cargo, até ser exonerado em dezembro, em meio a atritos de Bolsonaro com Maia. Em seu lugar, entrou a diretora de Ações Educacionais, Karine Silva, funcionária de carreira. Karine ficou quase sete meses no cargo. Saiu no começo de junho, para dar lugar a Marcelo Ponte, indicado de Ciro Nogueira, e quarto gestor do fundo.
Com igual rotatividade é a Secretaria-Executiva, segundo posto na hierarquia da pasta, e que desde o início foi disputada por militares e olavistas. O primeiro titular foi Luiz Antônio Tozi, que ficou pouco mais de dois meses. Depois dele, Vélez chegou a anunciar dois nomes que nunca assumiram.
Em 29 de março, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira tomou posse, contemplando os militares, mas ficou menos de 15 dias. Em 10 de abril, assumiu Antônio Paulo Vogel, atual secretário-executivo, que entrou com Weintraub e continua no cargo.
Também com alta rotatividade, a Secretaria de Educação Básica já teve quatro titulares em 18 meses: Tânia Almeida, de janeiro a março de 2019; seguida de Alexandro Souza, que ficou até abril; nesse mês, entrou Janio Macedo, que ficou um ano na função; em abril de 2020 entrou Ilona Becskeházy, hoje cotada para o cargo de ministro.
Enquanto as diversas alas se enfrentam por nacos de poder no MEC, é no mínimo simbólico que um nome resista incólume: o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, ex-aluno de Olavo, e cotado para o ministério, é o único nome entre os secretários que assumiu em janeiro de 2019 e sobreviveu a todas as mudanças. Pelas demais secretarias, passaram pelo menos dois ou três nomes. Ponto para os olavistas.
Hélio Schwartsman: A nova face do racismo
Racismo contemporâneo se materializa principalmente no chamado racismo implícito
O texto que escrevi sobre a possibilidade de o racismo ter contribuído para a queda do professor Carlos Alberto Decotelli do comando do MEC ensejou vários questionamentos de leitores, de modo que volto ao tema hoje.
O racista clássico, do tipo que xinga negros, diz que são uma raça inferior e veste um lençol na cabeça para caçá-los, é, felizmente, uma espécie em extinção —exceto, talvez, em alguns departamentos de polícia. Aliás, a rapidez com que, no Ocidente, passamos de um contexto em que a discriminação estava sacramentada nas leis de vários países para um em que é vista como falha moral intolerável representa uma grande conquista da civilização, que nem sempre é reconhecida como tal.
Não obstante, o racismo continua aí, como se pode verificar em uma miríade de estatísticas sociais e experimentos psicológicos. Uma explicação para o fenômeno é dada por Mahzarin Banaji (Harvard) e Anthony Greenwald (Universidade de Washington), autores do excelente “Blindspot” (ponto cego), que já comentei aqui.
Para a dupla, o racismo contemporâneo já não se materializa tanto em atos explícitos de discriminação (o que não significa que nunca ocorram), mas principalmente no chamado racismo implícito, que é aquele do qual os próprios autores não se dão conta, mas que pode ser acessado através de testes psicológicos.
Na vida prática, isso se traduz não numa rejeição aberta ao negro, mas em sua exclusão dos gestos de benevolência que as pessoas reservam àqueles aos quais se sentem de alguma forma próximas.
Estamos falando da professora que deixa de dar uma atenção extra ao aluno negro por percebê-lo, ainda que inconscientemente, como um caso perdido, ou do policial que não alivia as coisas para o adolescente negro pego com alguns cigarros de maconha, mas livra a barra do garoto branco flagrado na mesma situação. No agregado, esses detalhes fazem enorme diferença.
Elio Gaspari: Decotelli poderá explicar o edital do FNDE
Empossado, ministro poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério
Como ministro da Educação o doutor (?) Carlos Alberto Decotelli poderá contar como foi concebido o edital 13/2019, que licitava a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks para a rede pública de ensino, coisa de R$ 3 bilhões. Afinal, ele presidia o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação no dia 21 de agosto de 2019, quando o edital foi publicado.
Tratava-se de um imenso e silencioso jabuti. O próprio FNDE havia anunciado no dia 8 de agosto que Decotelli deixaria o cargo. Ele saiu semanas depois, e o novo presidente suspendeu o edital.
A Controladoria-Geral da União havia estudado o jabuti e descobriu o seguinte:
Armava-se uma despesa de R$ 3 bilhões sem que o Ministério da Economia tivesse sido ouvido.
Trezentos e cinquenta e cinco colégios receberiam mais de um laptop por aluno. A Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia 30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.
Duas das empresas que encaminharam orçamentos ao FNDE mandaram cartas com o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessária”. Noutra coincidência, as duas empresas pertenciam à mesma família.
A CGU interpelou o FNDE e recebeu respostas pífias, até que em novembro ela emitiu um relatório de 66 páginas. Como o jabuti andava sem fazer barulho, o caso ficou no escurinho da burocracia e o edital foi cancelado. Em dezembro o repórter Aguirre Talento expôs o caso. Seria natural que viesse alguma explicação do governo. Passaram-se sete meses e nada. Abraham Weintraub, aquele que propôs botar os “vagabundos” do Supremo Tribunal na cadeia, trocou mais três vezes o presidente do FNDE, mas nunca tocou no assunto.
Decotelli tem uma peculiaridade no Ministério de Bolsonaro, ele ri. Empossado, poderá acabar com o silêncio oficial, desvendando o mistério do edital 13/2019. Um governo que se diz comprometido com o combate à corrupção deveria se orgulhar do que aconteceu, pois a CGU viu o jabuti, alertou a administração, detonou a compra e poupou a Viúva de uma facada.
Falta responder a mais elementar das perguntas: Como esse edital foi montado? À época, Decotelli estava na presidência do Fundo. Fica combinado que é falta de educação perguntar por que o governo nunca tocou nesse assunto.
Aviso
Se o Planalto e os agrotrogloditas pressionarem a ministra da Agricultura para que ela se empenhe na aprovação do projeto de lei da grilagem, Tereza Cristina coloca o segundo pé fora do governo.
Weintraub no Banco
O governo buscava uma saída honrosa para Abraham Weintraub e conseguiu um episódio desonroso com um ministro escafedendo-se. Em condições normais ele assumiria seu cargo no Banco Mundial, mas quando a burocracia da instituição mostra-se contrariada com sua presença, é bom que se preste atenção.
Em 2007 os burocratas derrubaram o presidente do banco. Paul Wolfowitz era uma espécie de Weintraub de luxo do governo de George W. Bush. Como subsecretário da Defesa, foi uma dos ideólogos da desastrada ocupação do Iraque. Premiado com a presidência do banco, arrumou uma boquinha para sua parceira. Um protesto interno detonou-o em apenas três meses. (O doutor lambia o pente antes de passá-lo no cabelo.)
Novembro vem aí
Jair Bolsonaro deveria conversar com veteranos do Itamaraty para decidir como conduzirá as relações com os Estados Unidos, caso Joe Biden vença a eleição presidencial de novembro.
Se a diplomacia brasileira persistir na sua postura aloprada, consolidará sua posição de saco de pancadas do mundo.
Em 1976, quando o democrata Jimmy Carter ganhou a eleição, a ditadura brasileira passou pelo mesmo constrangimento. O novo presidente tinha uma agenda de defesa dos direitos humanos e pretendia sedar o acordo nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Houve tensão e momentos de crise, mas profissionais dos dois lados impediram que a emoção agravasse as divergências.
(O presidente Ernesto Geisel detestava Carter. Anos depois, quando os dois estavam fora do poder e o americano visitou o Brasil, recusou-se a recebê-lo. Carter ligou para sua casa e ele não atendeu.)
Quitanda caótica
Se um general no comando de uma brigada fizesse as trapalhadas que o palácio do capitão faz com atos administrativos elementares, perderia o comando. A saber:
O ato de demissão do diretor da Polícia Federal tinha a assinatura do ministro Sergio Moro, mas ele não havia tocado no papel.
No dia 20, uma edição extra do Diário Oficial informou que o ministro da Educassão Abraham Weintraub havia sido demitido. No dia 23, em outra edição, disse que ele deixou o governo no dia 19.
Na quinta-feira, o ministro Luiz Eduardo Ramos anunciou novas parcelas do benefício emergencial para os invisíveis e pouco depois apagou a mensagem.
Bolsonaro é inocente
Defensor da cloroquina e inimigo do isolamento, Jair Bolsonaro já tem o lugar assegurado na história da pandemia da “gripezinha”. Mesmo assim, ele nada tem a ver com os repiques da Covid que estão acontecendo em diversos estados. Eles são da responsabilidade de governadores e prefeitos oportunistas e fracos que cederam diante da impopularidade da medida e da pressão de comerciantes e empresários.
Na semana passada o Ministério da Saúde admitiu que o tal “platô” de contágios não aconteceu e que a curva continua subindo. Em nove estados a rede pública tem 80% dos leitos de UTIs ocupados.
Cidades que relaxaram a quarentena estão pagando o preço, em vidas.
Estátuas
Em vez de se sair por aí destruindo estátuas, pode-se lidar com o passado de forma mais civilizada. É sabido que os russos resolveram a questão colocando os monumentos dos comunistas num parque de Moscou. (Stalin, com o nariz arrebentado.)
A universidade Harvard mostrou outro caminho, menos destrutivo e mais edificante. Puseram uma placa na porta da casa dos presidentes da instituição, homenageando os escravos Titus, Venus, Bilhah e Juba, que lá trabalharam no século XVII.
Tomara que a estátua de Theodore Roosevelt que está na entrada do Museu de História Natural de Nova York seja colocada num lugar onde possa ser observada. O branco, poderoso, está num cavalo, embaixo dele um índio e o negro, dominados, ficam a pé. Ela foi um monumento à supremacia branca e a ideia tornou-se uma caricatura, como a dos heroicos arianos do escultor Arno Breker, o queridinho de Hitler.
Os dias futuros
Bolsonaro teria entrado num modo conciliador. Resta saber qual é a carga dessa bateria. Isso é vital, porque o pacificador referiu-se a dias melhores que vêm pela frente. O que vem pela frente são dias piores.