MDB
Nas entrelinhas: Ampliação do governo barrará o golpismo
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense
É difícil entender a tese de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ampliou o suficiente a coalizão de governo. Ontem, sinalizou que entregará três ministérios ao PSD e três ministérios ao União Brasil, além dos três que já negociou com o MDB. Igualmente é incompreensível a tese de que “o centro está na periferia do governo”. MDB, PSD e União Brasil estão onde sempre estiveram. Quem está se deslocando em direção ao centro, e até um pouco além, é Lula, tudo com objetivo mais do que justo de garantir apoio no Congresso e neutralizar o golpismo do presidente Jair Bolsonaro.
O petista ganhou a eleição por uma estreita margem de votos, lida com uma oposição de rua enfurecida e perigosa, que já começa a registrar ações terroristas — e enfrenta uma situação econômica delicada, por causa de um governo que gastou o que tinha e o que não tinha para tentar a vencer as eleições. Administra tensões com as Forças Armadas, que surpreendem pela atitude de alguns comandantes — que se recusam a reconhecer o novo comandante supremo, embora tenham se submetido às loucuras de Bolsonaro por uma questão de disciplina e hierarquia. Um deles chegou a dizer aos colegas que bastava uma ordem do atual presidente para impedir a posse de Lula.
Vivemos um ambiente que representa um retrocesso político, o maior desde a redemocratização, com a eleição de Tancredo Neves, em 1985. Lembra o clima político às vésperas da posse de Juscelino Kubitschek, em 1955, quando o general Henrique Teixeira Lott impediu o golpe militar que setores conservadores das Forças Armadas e lideranças da UDN armavam para impedir que o presidente eleito e seu vice João Goulart, vencedores da eleição de outubro daquele ano, assumissem.
Durante a campanha, os ataques do udenista Carlos Lacerda contra JK, chamando-o de corrupto e amoral, não impediram a vitória do político mineiro, com 36% dos votos sobre seus oponentes: o militar Juarez Távora (UDN-PDC-PSB-PL), com 30%, Ademar de Barros (PSP), com 26%, e o integralista Plínio Salgado (PRP), com 8%, em 3 de outubro de 1955. Naquela época, não havia segundo turno, o que abria espaço para questionar a legitimidade de sua vitória, já que seus adversários estavam todos à direita. E juntos tiveram 64% dos votos.
Delirante, Lacerda mentia em seus artigos no jornal carioca Tribuna de Imprensa para deixar a classe média em pânico. Dizia que Jango, com a ajuda do argentino Juan Domingo Perón, do PCB e do dinheiro “espúrio” de JK, contrabandeava um arsenal bélico da Argentina para “implantar a ditadura sindicalista” no Brasil.
Um mês após a vitória da chapa JK-Jango, o coronel Jurandir Bizarria Mamede, ligado à Escola Superior de Guerra, no enterro do general Canrobert Pereira da Costa (chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e então presidente do Clube Militar), defendeu o golpe militar contra a posse dos eleitos, que se realizaria no início de 1956. Mamede questionava a legitimidade das eleições e “a corrupção e a fraude dos oportunistas e totalitários que se arrogam no direito de oprimir a Nação nessa mentira democrática”.
Contragolpe
O vice-presidente Café Filho (PSP) havia assumido o cargo e nomeado Lott como ministro da Guerra, que exigiu a punição de Mamede, mas não foi atendido pelo presidente. Entretanto, Café Filho se afastou do cargo por problemas de saúde. O presidente da Câmara, Carlos Luz, do PSD e próximo aos conservadores, assumiu a Presidência, para ter o mandato mais curto da história: três dias, entre 8 e 11 de novembro de 1955. No dia 12 de novembro, foi empossado na Presidência da República o primeiro vice-presidente do Senado, Nereu Ramos.
Um dia antes da posse de Ramos, Lott comandou 25 mil homens, que, em poucas horas, tomaram os pontos estratégicos do Rio, então Distrito Federal. O general divulgou uma nota direcionada aos comandantes militares exigindo “o retorno da situação aos quadros normais de regime constitucional vigente”. Ele garantia a posse de Ramos, que se comprometeu em assegurar a legalidade.
No dia 11 de novembro, o Congresso votou o impedimento de Carlos Luz, que acompanhado de Lacerda, Mamede e parte do ministério se refugiaram no navio “Tamandaré”.
Os golpistas pretendiam estabelecer um governo paralelo em São Paulo com o apoio do governador Jânio Quadros, mas o plano fracassou. Amedrontado, Lacerda tentou fugir do país mesmo com as garantias de sua imunidade parlamentar. Buscou abrigo nas embaixadas do Peru e de Cuba, que lhe forneceu asilo político. Antes do embarque para Havana, ainda sob o jugo de Fulgêncio Batista — derrubado em 1959 pela Revolução —, o deputado escondeu-se durante três dias em uma caixa-d’água seca.
O presidente assumiu em 1956 e Lott foi seu ministro da Guerra. Em janeiro de 1959, o general abandonou a caserna e foi transferido para a reserva remunerada como marechal. A popularidade conquistada em novembro de 1955 garantiu sua nomeação como candidato na eleição de 1960, com Jango como vice.
Como as eleições a presidente e vice eram separadas, Jânio venceu a eleição — e Jango também. Mas essa já é outra história.
Nas entrelinhas: MDB pleiteia três ministérios, um para Simone Tebet
Luiz Carlos Azedo | Correio Braziliense*
A participação do MDB no governo Lula é assunto resolvido. O presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), pacificou o partido internamente para que integre a coalizão que está sendo formada com o PT e mais 14 partidos. A ex-candidata à Presidência Simone Tebet será a estrela da legenda no novo governo, com apoio integral das bancadas da Câmara e do Senado, que também estarão representadas na ampla coalizão democrática em formação. O martelo deve ser batido no encontro de Rossi com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
Baleia considera Simone Tebet a grande liderança democrática de centro que emergiu da disputa eleitoral, não apenas pela votação que teve no primeiro turno, no qual a chamada “terceira via” foi esvaziada pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Sua atuação no segundo turno, quando se engajou de corpo e alma na campanha do petista, contribuiu decisivamente para levá-lo à vitória. Lula sabe disso.
O excelente desempenho durante os debates entre os candidatos à Presidência e a clareza de suas propostas fizeram de Simone a candidata do MDB com melhor desempenho em disputas presidenciais da História, com 4.915.423 votos — o equivalente a 4,2%. O apoio a Lula no segundo turno não foi por gravidade, mas condicionado à adoção de propostas de seu programa de governo, como o pagamento de uma bolsa de R$ 5 mil para alunos que terminarem o ensino médio. Durante a campanha, Simone se empenhou para transferir o maior número de votos possível para Lula, que obteve apoio de 3,5 milhões de eleitores a mais na segunda votação.
A presença de Simone Tebet no governo Lula, por isso mesmo, muda a natureza da ampla coalizão em formação, que passa a ser claramente de centro-esquerda, independentemente da participação de outras legendas. Mesmo sem a presença do PSDB, que pôs a carroça à frente dos bois ao projetar o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, novo presidente da legenda, como virtual pré-candidato à Presidência da República. É um certo açodamento, porque há um longo caminho a ser percorrido até 2026.
Eleições municipais
A aposta do MDB é construir um forte campo eleitoral de centro democrático nas eleições municipais de 2024, a partir de uma federação formada com Podemos, PSDB, Cidadania e outras legendas. Segundo ele, esse é o caminho para viabilizar candidaturas competitivas no campo de forças que se opõem ao bolsonarismo e apoiam o governo Lula. Não é uma construção fácil. O PSDB derivou para a oposição em razão da aliança entre Eduardo Leite e o deputado Aécio Neves, ex-governador de Minas, que ganhou a queda de braço com o ex-governador paulista João Doria e recuperou sua influência na bancada federal da Câmara.
Além disso, a situação do PSDB é muito delicada em São Paulo, porque o apoio do ex-governador Rodrigo Garcia ao novo governador eleito Tarcísio de Freitas não foi robusto o suficiente para conter a debandada de prefeitos tucanos para o PSD de Gilberto Kassab, que será o braço direito do novo governador paulista.
Até os garçons do Palácio dos Bandeirantes sabiam que o esvaziamento do PSDB paulista seria inevitável, com a ida do ex-governador Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República eleito, para o PSB, e a derrota acachapante de Garcia, que ficou fora do segundo turno. Nesse rastro, deputados do PSDB e outras legendas só não fazem a baldeação por medo de perderem os mandatos.
Orçamento secreto
Independentemente da PEC da Transição, votada ontem no Senado e que ainda precisa ser aprovada pela Câmara, os dias do chamado orçamento secreto estão contados. E não apenas porque a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, que cobra o fim do sigilo sobre as emendas, pôs em votação a ação de PSB, PSol, Cidadania e PV que arguia inconstitucionalidade das chamadas emendas do relator.
Começa a se formar entre as lideranças do Congresso uma opinião majoritária de que as emendas ainda podem gerar muita dor de cabeça para seus autores, devido à farra de distribuição de verbas federais durante a campanha eleitoral e as denúncias de corrupção nos municípios. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já vem conversando com outras lideranças sobre a necessidade de uma alternativa que garanta mais transparência às emendas.
Nas entrelinhas: Manifesto resgata narrativa da luta contra a ditadura
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, lançada ontem nas arcadas da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), na sequência do manifesto de empresários e sindicalistas organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como o mesmo objetivo, resgatou a narrativa da luta pela democracia que aprofundou o isolamento e levou à derrota o regime militar. Organizado por ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), juristas, professores e alunos, o manifesto pode chegar a 1 milhão de assinaturas.
É uma ironia tudo isso. Tanto fizeram o presidente Jair Bolsonaro (PL), os generais que o cercam no Palácio do Planalto e seus apoiadores, saudosistas do regime militar, nos ataque às urnas eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao STF, que o mundo jurídico reagiu em defesa dos postulados básicos da democracia e conseguiu galvanizar o apoio da sociedade civil. Isso ficou muito evidente no Largo do São Francisco e em dezenas de outras cidades brasileiras. Não por acaso, o evento relembrou o manifesto lançado nas comemorações dos 150 anos dos cursos de Direito no Brasil, em 1977.
O evento de ontem reuniu remanescentes da manifestação realizada 45 anos atrás, que contou com a participação de cerca mil pessoas, que saíram em passeata no centro de São Paulo, em pleno regime militar. A leitura da nova carta foi realizada pelas professoras da Faculdade de Direito da USP Euníce de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara (vice-diretora da instituição) e por um dos signatários da carta de 1977, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, com 82 anos, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM).
Em 1977, a motivação dos protestos foi o fato de a celebração oficial ter ficado a cargo do ex-ministro da Justiça Alfredo Buzaid, um dos autores do AI-5. Os juristas Bierrenbach, José Carlos Dias e Almino Affonso decidiram organizar um ato que realmente representasse a comunidade acadêmica e seu entendimento sobre a situação do país. O professor Goffredo Telles Júnior foi encarregado de redigir e ler o manifesto, que entrou para a história.
Outro contexto
O contexto era completamente diferente. O general Ernesto Geisel operava uma abertura política “lenta, gradual e segura”, em resposta à derrota eleitoral do regime, em 1974. Milhares de pessoas haviam sido presas em 1975, a maioria ligada ao antigo PCB. O regime perseguia opositores, censurava meios de comunicação e não permitia a eleição direta de governantes.
Entre junho e agosto, 17 jovens militantes do antigo MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado), entre os quais o atual deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), haviam sido presos. Em resposta, houve uma grande manifestação de estudantes na PUC do Rio de Janeiro.
Os signatários da Carta aos Brasileiros, pot tudo isso, começavam o documento declarando-se decididos “a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”. O texto de 14 páginas terminava afirmando: “A consciência jurídica do Brasil quer um a cousa só: o Estado de Direito”.
O documento, de certa forma, serviu para unificar a agenda do movimento democrático, que desaguou na vitória do MDB nas eleições de 1978 e na campanha da anistia para os presos políticos e exilados, que viria ser aprovada em 1979. Daí em diante, da nova derrota eleitoral de 1982 até a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, o regime foi se desagregando, até a derrota final dos militares.
Hoje, a situação é completamente diferente. Generais voltaram ao poder pelas mãos de um ex-capitão que deixou a ativa por indisciplina e se elegeu presidente da República. O Centrão substitui a antiga Arena, da qual o PP é o legítimo sucessor, no controle do Congresso. Entretanto, o poder moderador na República é exercido pelo STF e não pelas Forças Armadas, embora o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, se comporte como se fosse xerife das eleições.
A narrativa golpista de Bolsonaro assusta a sociedade civil, cujas lideranças se uniram para defender a democracia sem a intermediação dos partidos. Esse é o eixo político institucional da disputa eleitoral em curso, mas é a situação da economia que decidirá o pleito. Por meio da chamada PEC Emergencial, que desconsidera a legislação eleitoral, o governo usou o peso do seu poder econômico para mudar a correlação de forças nas eleições. Por isso, Bolsonaro tripudia do manifesto.
Nas entrelinhas: MDB do Rio “cristianiza” Simone e apoia Lula
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Em 15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior (presidente do partido), decidiram lançar a candidatura de Cristiano Machado à Presidência da República. O general Góis Monteiro transmitiu a decisão ao presidente Eurico Gaspar Dutra, seu velho amigo, enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros, o governador de São Paulo, para oferecer ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.
Vargas não objetou a escolha, mas o PSD do Rio Grande do Sul (favorável à indicação de Nereu Ramos) rejeitou a candidatura. O Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, também decidiu não apoiar Cristiano. Sabia que a candidatura de Vargas, apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho. O próprio tentava adiar a convenção e remover o candidato do PSD, mas não teve sucesso. Cristiano foi aclamado no dia 9 de julho, ou seja, se antecipou a Vargas. Para neutralizar Ademar, Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).
Nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio Vargas-Café Filho (PTB-PSP). O resultado final deu a Getúlio 3.849.040 votos, contra 2.342.384 dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 a Cristiano Machado. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de Cristiano e a transferência de seus votos para Vargas foi um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”.
Ontem, a candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, foi “cristianizada” pelo MDB do Rio de Janeiro, que decidiu, em convenção regional, apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a reeleição do governador Cláudio Castro. Segundo o documento aprovado, a gravidade do momento, sem qualquer desmerecimento à candidatura posta pelo MDB, “impõe já no primeiro turno das eleições apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais qualificado entre todos para governar”.
O MDB cristianizou Ulysses Guimarães (1989), Orestes Quercia (1994) e Henrique Meirelles (2018), mas nunca de papel passado.
Sem compromisso
Segundo o ex-governador Moreira Franco, um dos autores do texto, não houve nenhum acordo prévio com a Lula. A decisão de apoiar o petista foi tomada mirando quatro objetivos: “1º) fortalecer as instituições políticas democráticas, não para mantê-las congeladas no tempo, mas modernizando-as e adaptando-as às exigências de um mundo que muda cada vez mais rapidamente e não perdoa os retardatários; 2º) não aspirar à reconstituição do passado, consciente de que temos de procurar nosso lugar no futuro que está em gestação em todas as esferas da vida; 3º) recuperar o papel do Estado na liderança e na promoção do desenvolvimento econômico e na repartição dos frutos do progresso, do mesmo modo como o fizeram todos os países democráticos do mundo; 4º) governar em nome de todos os brasileiros e para todos os brasileiros e garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para os que produzem e trabalham.”
“Uma coalizão de brasileiros, unidos por estes valores, pode evitar os males que nos ameaçam, dar fim a um momento sombrio de nossa história e lançar as bases duradouras de um verdadeiro desenvolvimento inclusivo e sustentável. Esta é uma oportunidade que não podemos perder”, argumenta o documento aprovado na convenção.
Moreira foi um dos artífices do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e trabalha para que o ex-presidente Michel Temer também declare apoio a Lula. Mas não houve nenhum sinal efetivo de reaproximação entre ambos. O petista simplesmente esnobou Temer, solidário com Dilma.
O MDB do Rio de Janeiro é presidido pelo deputado Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, velho aliado de Lula. O ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis foi indicado vice da chapa. Claudio Castro apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Desarrumando o tabuleiro
Sérgio C. Buarque*
A definição da candidatura de Simone Tebet à presidência da República (Tasso Jereissati de Vice) pela coligação MDB, PSDB e Cidadania pode provocar uma desarrumação geral no tabuleiro eleitoral até agora dominado pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Simone surge como uma novidade num cenário poluído por candidatos que brilham pelos elevados índices de rejeição, cada um alimentando a votação do outro. As pesquisas mostram que a polarização está consolidada, mas também que 42% dos eleitores definiram o voto na ausência de uma candidatura alternativa consistente e viável. Simone pode ser esta alternativa, frente a uma polarização que empobrece o debate da campanha eleitoral, os dois candidatos destilando ódio e ressentimento, o presente destruindo o país (Bolsonaro) e o passado ameaçando o futuro (Lula).
Não há dúvida que, a poucos meses das eleições, será difícil quebrar a polarização eleitoral a ponto de levar Simone Tebet para o segundo turno. Entretanto, a emergência de um nome novo, pouco conhecido, mas com história e experiência política e administrativa, pode sensibilizar parte importante do eleitorado, que se inclina a votar em Lula porque não vê outra forma de derrotar Bolsonaro, ou opta pelo atual presidente porque repudia o ex-presidente petista. Simone Tebet pode capitalizar este eleitorado da rejeição? Difícil, mas possível.
A simples apresentação da sua candidatura como alternativa do centro-democrático provocará, de imediato, uma rearrumação do tabuleiro eleitoral. Além disso, deve introduzir um fator novo e um tom diferente na campanha, oferecendo aos eleitores a possibilidade de escapar da armadilha de uma desastrosa escolha entre o populismo do demolidor de direita e o populismo da esquerda naftalina. Simone pode ser a energia que quebre a polarização, com um projeto de defesa da democracia e de reconstrução nacional que combina inclusão social, reformas estruturais e gestão responsável das finanças públicas.
A entrada em cena de Simone Tebet na disputa eleitoral pode elevar o nível político da campanha, na medida em que apresente e discuta com o eleitorado novas ideias e propostas para a reconstrução do Brasil. A candidata do MDB pode ainda trazer à campanha uma serenidade totalmente ausente do ambiente político brasileiro, contaminado pelos gritos ameaçadores de Bolsonaro, pelos discursos raivosos de Lula, e pelas agressões verbais de Ciro Gomes. Quem sabe, ela consegue mostrar que é possível convencer o eleitor das suas propostas sem recorrer aos gritos e gestuais populistas, lembrando a lição do bispo Desmond: “Meu pai sempre dizia: não levanpolíticate a sua voz, melhore os seus argumentos”.
Se a polarização eleitoral consolidar-se, o acirramento da disputa entre Lula e Bolsonaro provocará uma profunda fragmentação política no Brasil, amplificando as tensões e acirrando os ânimos para além do pleito e dificultando a governabilidade. A alternativa do centro-democrático que Tebet representa pode, ao contrário, com serenidade e capacidade de negociação, esvaziar os dois polos deste confronto, isolar os grupos fanáticos dos dois lados, contribuindo para a pacificação do Brasil. Desta forma, pode avançar na formação de um governo de união nacional, fundamental para a reconstrução do país para lidar com a grave crise econômica, social e fiscal, e preparar o país para os desafios do futuro.
*Texto publicado originalmente em Revista Será? Penso, logo duvido
Nota de pesar: Companheiro Fausto Matto Grosso, presente!
O Brasil acaba de perder um homem que dedicou sua vida à luta pelas liberdades públicas e ao desenvolvimento do país: faleceu nesta madrugada, em Campo Grande, o engenheiro e histórico militante Fausto Matto Grosso. Integrante da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desde a primeira hora, e membro por exatos cinquenta anos do PCB-PPS-Cidadania23, Fausto Matto Grosso foi conselheiro e diretor da FAP, dirigente partidário, secretário de Estado de Planejamento no Mato Grosso do Sul e professor titular da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Vereador pelo antigo MDB em Campo Grande, quando o PCB ainda atuava na clandestinidade, teve um papel de destaque nos combates contra a ditadura militar e, posteriormente, nos embates pelas Diretas-Já e na campanha do então deputado comunista Roberto Freire à Presidência da República, em 1989. Integrante do Diretório Nacional do PPS, Fausto lutou o bom combate ao lado de figuras partidárias, como Carmelino Resende e Onofre da Costa Lima.
Morre, aos 73 anos, Fausto Matto Grosso, ex-diretor da FAP e membro do Cidadania
Homem afável, amigo dos seus amigos, Fausto nascera em 1949, em Ponta Grossa, no Paraná, e participou, junto a Sérgio Augusto de Moraes e Raulino de Oliveira, de um grupo de reflexão sobre os efeitos da nova revolução industrial sobre o aparato produtivo da sociedade, em particular a automação. Isso, ainda nos anos 80, durante a passagem do saudoso Giocondo Dias à frente do PCB. Profundamente dedicado aos estudos, publicou, em 2021, o livro Histórias que ninguém iria contar, editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Trata-se de obra que aborda, em 40 crônicas, a rica trajetória dos comunistas no Mato Grosso do Sul. Fausto colaborou, ainda, com a obra coletiva Almeida, um combatente da democracia, hoje em segunda edição pela FAP, como autor do texto Almeida, um democrata exemplar.
Nós, conselheiros, diretores e colaboradores da FAP manifestamos a todos os seus familiares, amigos e companheiros os nossos votos de profundo pesar. Fausto Matto Grosso ficará para sempre em nossa memória.
Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da FAP
Caetano Araújo, diretor-geral da FAP
Seminário une partidos em defesa da democracia; ouça podcast
Ex-prefeito de Vitória (ES) e um dos curadores do evento, Luciano Rezende fala sobre o seminário virtual “Um novo rumo para o Brasil”
De 15 a 27 de setembro, as fundações e institutos ligados ao MDB, PSDB, DEM e Cidadania organizam um ciclo de debates para pensar como promover o rumo do reencontro do país consigo mesmo. Ao longo do evento virtual, especialistas debaterão temas relevantes para colocar o Brasil em movimento, retomar o crescimento e priorizar a defesa da democracia.
Entre os participantes estão os ex-presidentes da República Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney e personalidades como Nelson Jobim (ex-ministro da Justiça e Defesa), Zeina Latif (ex-economista-chefe da XP investimentos), Cristovam Buarque (ex-senador, ex-ministro da Educação e ex-governador do Distrito Federal) e Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa).
Para explicar a importância do seminário “Um novo rumo para o Brasil” no contexto dos atos antidemocráticos de 7 de Setembro, o podcast Rádio FAP desta semana conversa com Luciano Rezende, presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
CONFIRA O PODCAST
Luciano Rezende é formado em Medicina pela Universidade Federal do Espirito Santo e pós-graduado em Medicina Esportiva pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi prefeito de Vitoria, no Espírito Santo (ES), de 2013 a 2020.
As comemorações do Bicentenário da Independência, a crise institucional, o cenário econômico e a necessidade de os governantes serem também gestores públicos eficientes estão entre os temas do podcast. O episódio conta com áudios da CNN Brasil, Bom Dia SP, Jornal da Band, Jornal da Gazeta, Jornal Nacional, Jovem Pan News, UOL (entrevista do ex-governador do ES Paulo Hartung) e do canal no Youtube Novo Rumo Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
Seminário virtual “Um novo rumo para o Brasil”
Data: 15, 16, 17, 20, 21 22, 23 e 24 de setembro
Horário: 18h30 às 20h
Acompanhe on-line: http://www.seminarionovorumo.com.br/
Outras informações sobre o seminário: https://www.fundacaoastrojildo.org.br/vem-ai-o-seminario-um-novo-rumo-para-o-brasil/
Rodrigo Pacheco: 'Tem de mudar a política externa, não dá para manter embate com outros países'
Presidente do Senado não defende a saída de ministro Ernesto Araújo, mas afirma que o Brasil não pode fechar portas. Senador evita confronto com Governo, e avalia que só pode ver responsabilidade do presidente na crise da saúde se houver um processo contra ele
Afonso Benites, El País
Rodrigo Pacheco (Porto Velho, 44 anos) teve uma ascensão meteórica na política. Em seis anos, deixou de atuar como advogado para se eleger deputado federal em 2014, pelo MDB, e senador em 2018, pelo DEM de Minas Gerais. Hoje ocupa a presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, e é o terceiro na linha sucessória do país. Chegou ao cargo com apoio de bolsonaristas e petistas. Em um momento em que o Brasil é marcado por extremismos, Pacheco tenta ser uma voz dissonante. Busca pacificar a relação entre as instituições. E entende que, mesmo diante de um Governo radical, extremista de direita como é o de Jair Bolsonaro, a sua função não é a de buscar pos, mas a “de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina”. O novo presidente do Senado tem uma voz grave, na qual mede palavra por palavra. Calcula o peso de cada frase. Se acha que foi mal colocada ou dá margem à interpretação distinta da que queria passar, a refaz rapidamente.
Em entrevista ao EL PAÍS em seu gabinete na última sexta, 26, Pacheco evita a todo momento criticar o Executivo, diz que não analisou nenhum crime de responsabilidade eventualmente cometido por Bolsonaro, apesar de haver mais de 60 pedidos de impeachment contra ele na Câmara, e evita apontar erros do Governo no combate à pandemia de coronavírus. Apesar disso, deixa alguns recados nas entrelinhas, quando diz ter “verdadeira adoração pela divergência”, algo incomum entre as autoridades do Planalto. “É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a dar errado”, diz Pacheco, cuja prioridade neste momento no Senado são os projetos relacionados à vacina contra covid-19, auxílio emergencial e reformas econômicas.
Pergunta. A gestão Bolsonaro tem demonstrado uma incapacidade no combate à pandemia de coronavírus. Como avalia a atuação do Governo Bolsonaro nessa área?
Resposta. O Governo enfrentou obstáculos, enfrentou dificuldades. O que tenho como proposta é de olhar para frente, estabelecer essa boa relação com o ministro da Saúde, com o qual eu tenho conversado, para poder dar soluções como foi de um projeto que eu apresentei e dá segurança jurídica para a União contratar com laboratórios assumindo cláusulas muito restritivas. E também tentando ajudar nesse cronograma da vacina. O cronograma do ministro Eduardo Pazuello assegura que, até a metade do ano, metade da população brasileira estará vacinada, e a outra metade até o fim deste ano. Então, vamos contribuir para que isso possa acontecer. Nós precisamos muito da vacina e eu tenho confiado no Ministério da Saúde.
P. Levando em conta que no ano passado o Ministério da Saúde abriu mão de contratar 70 milhões de doses da Pfizer dá para confiar nesse prazo de que até o fim do ano todos estarão vacinados?
R. Até onde eu sei, o Governo não abriu mão das vacinas da Pfizer no ano passado. Na negociação com a Pfizer surgiram dificuldades de cláusulas do laboratório que são muito restritivas e gerariam insegurança jurídica.
P. O senhor concorda, de verdade, com esse argumento? Só o Brasil e mais dois países não aceitaram essas cláusulas da Pfizer.
R. Eximir a indústria de eventual problema com a vacina. Isso está escrito no contrato. A opção do Governo federal foi de amadurecer essa relação e identificar um ajuste normativo, que veio através do projeto que apresentei para dar autorização da União para assumir esses riscos da vacina. Eu tenho absoluta convicção que, se as cláusulas da Pfizer fossem parecidas com as demais indústrias, o Governo teria adquirido a vacina dela. O Governo desejava a vacina da Pfizer, como deseja ainda. Mas precisa fazer esses ajustes normativos para garantir a segurança jurídica para isso. É o que estamos buscando adiantar o máximo possível.
P. Muitos dos discursos extremistas refletem no combate à pandemia. Há um desincentivo ao uso de máscaras, de distanciamento social. Na sua visão, como isso impactou na quantidade de casos e mortes por covid-19?
R. A pandemia, na verdade, é algo tão grave e desconhecido que fez com que houvesse reações múltiplas de crenças, de percepções, de impressões. Há pessoas que superestimaram, há pessoas que subestimaram. Há pessoas que obedeceram, outras desobedeceram a ciência e as recomendações médicas. A pandemia trouxe um cipoal de informações diferentes que é muito difícil se ter uma conclusão de que, se houvesse uma posição uniforme de todos, teríamos mais ou menos mortes. É uma reflexão difícil de ser feita. Obviamente esse passado é inesquecível, com esse número de mortos. Considero que esse passado será julgado pelas instâncias judicial, política, moral, mas temos de pensar no futuro. O futuro nos exige um pacto social, um compromisso recíproco de dar solução a esse problema. A solução para a pandemia no Brasil não tem outro nome, é vacina. E [um compromisso de] como nós fazemos para ter vacina em grande escala no Brasil, que eu sei que é a vontade do Ministério da Saúde, do Governo brasileiro, do povo brasileiro e do Congresso Nacional.
P. Empresas privadas devem comprar vacina?
R. Devem, sim. Tenho um projeto (534/2021 aprovado no Senado) que prevê a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado adquirirem vacinas. Contudo, enquanto não houver imunização dos grupos prioritários do programa nacional de imunização, o produto dessa aquisição pela iniciativa privada deve ser integralmente doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). É a filantropia, a ajuda do setor privado ao Estado brasileiro.
P. O senhor tem conversado com empresários sobre esse tema. Qual é o retorno?
R. Esse grupo de empresários só quer ter essa autorização para fazer um contrato com a Pfizer e com outras empresas para poder adquirir vacinas e doar para o SUS. É um grande pacto social e nacional dentro desse propósito comum em busca de solução pela vacina. Depois, em um segundo momento, quando estiverem vacinados os grupos prioritários, se pode pensar em uma metodologia para poder comprar e imunizar sua comunidade, sua empresa e doar a metade para o SUS, que é a regra exposta no projeto. E, lá na frente, quando todos estiverem imunizados e eventualmente precisarem renovar doses de vacinas, vai poder se comercializar como toda e qualquer vacina.
Auxílio emergencial
P. No atual cenário, quais são as prioridades para o Senado?
R. Sob o ponto de vista de conceitos, as prioridades são: saúde, desenvolvimento social e crescimento econômico do Brasil. Especificando isso, eu resumiria em vacina, auxílio emergencial e reformas econômicas.
P. A PEC Emergencial, que discute uma série de medidas fiscais, sugere a retirada da Constituição do piso obrigatório de despesas com saúde e educação. Como vê essa sugestão?
R. A ideia de desvinculação não pode ser de pronto demonizada ou criticada como se fosse de tirar dinheiro da saúde e da educação. Não é essa a lógica. Quando se fala de desvinculação se fala da possibilidade do gestor público ter, com conhecimento de sua realidade local, a possibilidade de aplicar recursos a partir das necessidades de sua população. Contudo, nós devemos reconhecer que há um déficit de educação no Brasil muito grave. Também devemos reconhecer que há um déficit de saúde muito grave. De modo que a compreensão e o sentimento que tem sido manifestada por líderes partidários, por senadores, por segmentos da população e por governadores é de que este não seria o momento de se fazer essa desvinculação. Nem sequer de unificar os pisos de saúde e educação, 25% e 15%, para poder ter o remanejamento entre esses dois segmentos. É um ponto que vai ser tratado pelo Senado. O relator, senador Márcio Bittar, ao manter no seu texto, provavelmente será destacado para entender qual é o sentimento da maioria em relação à desvinculação. Há um movimento, neste momento, muito contrário à essa regra.
P. Com a pandemia, e nesse cenário de colapso da saúde, o Congresso já não deveria ter votado a volta do auxílio emergencial?
R. O que ficou ajustado com o ministro da Economia, Paulo Guedes, é que o auxílio emergencial é uma realidade que precisa ser implementada no Brasil. No entanto, havia a necessidade de ter uma responsabilidade fiscal com a votação de proposta de emenda constitucional que está tramitando desde 2019, a PEC Emergencial. Esses são os compromissos recíprocos que nós fizemos. Queremos ter o auxílio, mas queremos ter essa proposta da responsabilidade fiscal, materializada na PEC Emergencial.
Fuga do extremismo
P. Quando, em 2016, votou a favor da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, o senhor analisou juridicamente um crime de responsabilidade dela. O senhor não vê nenhum crime de responsabilidade cometido pelo presidente Bolsonaro hoje?
R. Eu examinei um crime de responsabilidade apontado em um processo específico de impeachment já admitido pelo presidente da Câmara dos Deputados, para o qual eu fui instado a apreciar para poder decidir se eu votava a favor do impeachment da Dilma ou contra. Como não existe nenhum processo admitido contra o presidente Bolsonaro, eu nunca examinei a existência ou não de crime de responsabilidade.
P. Mas os equívocos estão à luz do dia. Há pressões de vários setores da sociedade civil para que ele seja responsabilizado. Pelo que o senhor lê, pelo que vê das atitudes do Governo e do presidente no dia a dia, não enxerga nenhum crime?
R. Nós não podemos concluir prática de crime só por uma percepção pessoal ou por ouvir dizer. A conclusão de se há crime ou não, depende da existência de um processo.
P. O senhor foi eleito presidente do Senado com o apoio do presidente Bolsonaro e do PT. Como equacionou esses dois apoios?
R. A Presidência do Senado transcende essas relações políticas eleitorais. Transcende as relações de ideologia. Ela impõe alguém que defenda o Senado, a sua independência, que tenha valores democráticos e eu fiz questão de externar isso como compromisso com todos. A defesa da República e dos seus fundamentos, da soberania nacional, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores do trabalho e da livre iniciativa. Do pluralismo político, do Estado democrático de direito. É fundamental nos dias de hoje, afirmarmos a democracia, a defesa do federalismo, especialmente com foco nos municípios, a defesa da prerrogativas dos parlamentares. Isso fez com que uníssemos divergentes. Tenho verdadeira adoração pela divergência. É a divergência que nos permite construir soluções adequadas. O ponto de vista único, rígido, engessado, que não ouve quem está ao seu redor, tende a ser errado. Esse espírito é o que me faz ter uma boa relação com os senadores, com todos os partidos, com o presidente da República, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, com os ministros do Supremo. Tenho de defender o Senado dentro desse espírito de pacificação.
P. Esse discurso moderado, fugindo do extremismo, tem sido raro ultimamente. É possível mantê-lo por muito tempo ainda?
R. É bom que essa fuga dos extremismos seja a regra. Me disseram esses dias: “Mas Rodrigo, você tem de ter mais emoção em sua fala. Tem de externar mais”. É óbvio que por trás disso tem um ser humano com dilemas, angústias, com aflições. Mas o que precisamos neste momento é de racionalidade, de entender o que é melhor e se apegar à técnica, à ciência, aos caminhos de obediência à Constituição para solucionar os problemas. Carregar de emoções essas soluções tende a não dar certo. É o que você está vendo aí, com muita intolerância no Brasil, com muito passionalismo, sempre a pessoa querendo acreditar que ela é a dona da verdade e que o outro está sempre errado. Isso é muito ruim para o Brasil.
P. Os ataques à democracia são constantes no Brasil atual. O senhor acredita que a democracia corre risco? Entende que, diante de tantos ataques, as instituições estão funcionando de verdade?
R. A democracia do Brasil é uma realidade consolidada. A instituições do país estão funcionando e têm suas prerrogativas e autonomias. Há equívocos nas relações eventualmente em se ultrapassar os limites de seu próprio papel, isso se aplica a todos os poderes e temos de remediar também. O poder Judiciário não pode interferir no Legislativo, o Legislativo não pode interferir nas atribuições do Judiciário e o mesmo com o Executivo. Mas isso não significa, absolutamente qualquer risco à democracia. Essa verborragia que existe invocando AI-5, ditadura militar, está no campo das ilações, das manifestações livres ou não, mas não constituem risco concreto à democracia porque essa é uma realidade que não vamos abrir mão.
P. Para ficar claro. O papel a que o senhor se propõe cumprir é o de amenizar as tensões que temos visto nos últimos dois anos. É isso?
R. Sim. É de colocar água na fervura, não colocar mais gasolina. É de pacificar as relações, as instituições, entender que temos um propósito institucional de defender o Parlamento, o que é bom para o país. Nesse sentido, qualquer antecipação de jogo eleitoral atrapalha muito tudo isso. Estou muito mais preocupado com o presente e o futuro imediato de nós termos esse ambiente de construção do que pretende alçar qualquer tipo de voo porque acho que essa discussão é muito ruim para o Brasil agora.
P. Como vê a política externa do Governo Bolsonaro, que vez ou outra tem entrado em alguns confrontos com outros países?
R. Está ruim, né? Tem de mudar porque a política externa nos traz divisas importantes. Não dá para manter embate com outros países. Não dá para fechar portas. Quando digo que tem de mudar, não me refiro a nomes. Não defendo que troque, necessariamente, o ministro Ernesto Araújo. Mas tem de mudar a maneira de se fazer política externa. É preciso deixar claro para não sair a manchete de que eu defendo a troca do ministro.
Arranjos políticos
P. O quanto pesaram os acordos regionais na sua escolha para a Presidência do Senado? Muito se falou que o senhor trocou o apoio do PSD por abrir mão da candidatura ao Governo de Minas Gerais em 2022.
R. A candidatura nasceu primeiro da impossibilidade do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) ser reeleito. Se ele pudesse ser reeleito, ele teria votos suficientes para ganhar a eleição. Diante disso alguns senadores que foram meus colegas na Câmara dos Deputados sugeriram meu nome ao presidente Davi. Tais como o Marcos Rogério, o Weverton Rocha, o Irajá Filho. Houve manifestações de outros senadores e o presidente Davi refletiu e disse que eu seria o candidato apoiado por ele. E, ao ser apoiado pelo Davi e por esse grupo de senadores, começamos nosso trabalho de conversas com esses partidos. Me lembro que em uma semana, fechamos sete partidos políticos e ali consolidou nossa candidatura.
P. Como entraram os acordos regionais nessa equação?
R. Era muito importante o apoio do PSD, que é uma bancada com muita qualidade, com 11 senadores. Aquela união com o PSD representava não só a união com 11 senadores, mas o apoio de dois senadores do meu Estado. Fechar a bancada de Minas Gerais era uma sinalização muito positiva para a minha campanha também. O apoio dos senadores Carlos Viana e Antonio Anastasia foi fundamental. Junto com o PSD e dos outros partidos consolidou a nossa candidatura. O que eu disse, desde o primeiro instante, era que caso eu fosse eleito, eu não via ambiente para poder disputar uma eleição local, uma eleição em Minas Gerais.
P. Por que não via essa possibilidade de disputar o governo de Minas?
R. Por que sendo presidente do Senado, diante de tantos desafios, tantas questões que precisamos tratar sob o ponto de vista nacional, não gostaria de que nenhuma ação minha como presidente do Senado fosse interpretada como um casuísmo ou oportunismo para ser candidato a governador. Foi isso que aconteceu. Foi mais uma questão de reflexão pessoal, íntima, e que eu externei a todos os sujeitos desse processo, a todos os partidos, que eu considerava incompatível a presidência do Senado com ser candidato a governador. E o PSD tem dois pré-candidatos em Minas Gerais, o senador Carlos Viana e o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil. Naturalmente essa aproximação com o PSD deve ser considerada no futuro.
Sucessão presidencial
P. Alguns analistas dizem que o senhor, neste começo de mandato, vem se cacifando para concorrer à presidência da República em 2022. O quanto está se movimentando pelo Planalto?
R. Não, não procede isso. A mesma lógica que tem em relação ao Governo do Estado eu tenho a qualquer outra eleição. O meu propósito é ser um presidente do Senado que possa ser solucionador dos problemas do país, com o cumprimento de minha obrigação e não me permito absolutamente conversar sobre eleição de 2022 porque acho que pode atrapalhar o Brasil.
P. Como o senhor vê a criação de uma frente anti-Bolsonaro, pró-democracia? Estaria em uma frente dessa?
R. Neste momento não posso participar de uma frente anti-presidente da República. Meu papel como presidente do Senado impõe um diálogo com o presidente da República. Tenho dito sempre que o Congresso Nacional e o Senado precisam ser colaborativos com o governo federal porque temos problemas muito graves no país. Temos problemas de saúde pública, de déficit social, de déficit educacional e o Congresso não pode ser um instrumento utilizado com um fim político-partidário e eleitoreiro. Meu compromisso como presidente do Senado é estar próximo das instituições, do Governo Federal e encontrar soluções comuns para o país.
P. O que o senhor espera do DEM para 2022? Estará numa chapa com Jair Bolsonaro pela reeleição? Vai lançar seu próprio candidato?
R. Não faço a menor ideia. É um partido importante, hoje bem representativo no Brasil, cresceu muito em todos os aspectos, número de senadores, deputados, prefeitos, capitais, um partido de bons quadros, de bons propósitos e ideias e, obviamente, vai se posicionar em um momento oportuno. Entendo quais são as propostas possíveis e obviamente vamos escolher a que for melhor para o Brasil.
P. Como o senhor avalia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras?
R. Eu considero que não se pode superestimar trocas de executivos. Até porque o executivo que substitui o que está sendo retirado pode até ter um perfil melhor que o antecessor. Isso está dentro da esfera de gestão do presidente da República de compreender a disposição dessas peças, dessas figuras, desses agentes dentro do seu Governo. O que temos é de compreender isso como um fato já superado e buscar ter a recuperação da Petrobras como um grande ativo nacional que nós temos.
P. Mas a Petrobras perdeu mais de 100 bilhões de reais em seu valor de mercado após a indicação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência. A confiança dos investidores nela não diminui com a intervenção do Bolsonaro?
R. Essa é uma perda que pode ser recuperada com o tempo a partir da credibilidade do novo executivo. A Petrobras é maior que os seus presidentes que passaram e é um ativo que o Brasil tem. Obviamente, ela não será desvalorizada de forma perene. São momentos que se têm oscilação no mercado, especialmente das empresas cotadas em Bolsas. Este é um momento mais crítico, mas logo se recupera. Acredito na recuperação plena da Petrobras porque ela é uma grande empresa.
P. E o fatode o novo presidente ser um militar? Como vê esse ingresso de tantos militares em cargos-chave do Executivo?
R. Temos de reconhecer que nas Forças Armadas há valores humanos muito significativos. Há pessoas altamente preparadas, capacitadas, bem formadas, com experiência de vida e que podem e devem ser aproveitadas em postos estratégicos para poder dar a inteligência devida àquelas posições. É natural que o presidente da República, nessas posições de confiança, possa lançar mão daqueles com os quais ele conviveu ao longo da sua vida privada, profissional e pública. Eu, talvez se estivesse na posição do presidente, faria o mesmo, não em relação aos militares, mas a membros de carreira jurídica, advogados, juízes, promotores, delegados com os quais eu convivi ao longo de minha vida e descobri valores de inteligência, de decência, de patriotismo, que podem ocupar essas posições. Vejo com normalidade até porque o presidente é um ex-militar, tem essa convivência com as Forças Armadas.
Imunidade parlamentar e Chico Rodrigues
P. A Câmara começou a analisar a PEC da Imunidade Parlamentar na última semana. O que espera desse projeto no Senado? É a favor das alterações que estavam sendo propostas?
R. Teve muita reação. Prefiro aguardar o texto final da Câmara para me manifestar a respeito disso. Sei que a intenção da Câmara é estabelecer a clareza sobre as prerrogativas dos parlamentares evitando que haja decisões injustas. Vamos avaliar assim que chegar ao Senado Federal. Não tenho como antecipar nenhum juízo de valor sobre o projeto sem que haja assimilação pelo Senado do que representa esse projeto. Num momento oportuno vamos colocá-lo em pauta, caso ele chegue.
P. Pretende dar celeridade a esse tema?
R. Tenho buscado dar celeridade a todos os projetos, especialmente a esses projetos que despertam o interesse social, o interesse da Câmara. Se a Câmara imprimir uma urgência tenho de levar isso em conta também no Senado.
P. O senador Chico Rodrigues, flagrado em uma operação policial com dinheiro na cueca, tem um processo no conselho de ética aberto, aguardando análise de sua conduta. O senhor já determinou a abertura do Conselho para essa análise?
R. Estamos sob a égide no Senado, em função da pandemia, do funcionamento remoto da Casa. Eu pretendo voltar as comissões permanentes da Casa também pelo sistema semipresencial. Pretendo, logo após experimentando as comissões permanentes, evoluir para os demais órgãos, inclusive, o Conselho de Ética. A nossa pretensão é que todos os órgãos do Senado funcionem em sua plenitude, mas precisamos respeitar as regras sanitárias. O Conselho de Ética tem uma peculiaridade, pela natureza dos temas ali tratados, é recomendável que a reunião seja presencial. Estamos confiando muito na imunização do Brasil, da volta da normalidade, e com toda tranquilidade teremos o funcionamento do Conselho de Ética para permitir que os fatos sejam apurados. E aqueles senadores que tenham representações contra si possam se defender e demonstrar suas razões nesses processos até para dirimir qualquer tipo de dúvida.
P. A partir de quando o Conselho de Ética funcionaria?
R. Vai depender das possibilidades técnicas do Senado de adequar o funcionamento dessas comissões à realidade de pandemia que impõe esse distanciamento ainda. Mas estamos muito atentos e, no decorrer dos próximos dias, meses podemos reavaliar a retomada da plenitude do Senado.
Ricardo Noblat: Pouco ou nada separa o MDB dos demais partidos do Centrão
As diferenças estão no passado
Por que ao falar do Centrão e nomearem-se os partidos que o integram costuma-se deixa de fora o MDB? Talvez em respeito ao seu passado de lutas contra a ditadura militar de 64.
Tempos arriscados aqueles quando uma palavra fora de lugar, uma imagem mais forte ou uma proposta infantil bastava para cassar o mandato do seu autor, condená-lo à prisão ou forçá-lo ao exílio.
Há menos de um mês, morreu o advogado e ex-deputado federal José Alencar Furtado. Em 1977, líder do MDB na Câmara, ele foi cassado por ter dito num programa de televisão:
“O MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos. Filhos órfãos de pais vivos – quem sabe – mortos, talvez. Órfãos do talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez, ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez”.
O ato de cassação foi assinado pelo então presidente da República, o general Ernesto Geisel, que dizia conduzir o país na direção de uma abertura política lenta, gradual e segura.
O deputado Márcio Moreira Alves (MDB-RJ) acabou cassado por ter feito um discurso em setembro de 1968 que não chamou a atenção de ninguém nem mereceu uma linha nos jornais.
Propôs um “boicote” ao desfile de 7 de setembro e recomendou às moças que não dançassem com oficiais naquele dia. Foi o pretexto que a ditadura usou para tirar a máscara e se assumir como tal.
Por pouco, em 1975, Geisel não cassou o mandato do deputado Ulysses Guimarães (SP), presidente nacional do MDB, que o comparou a Idi Amin Dada, à época ditador de Uganda.
Do seu passado, o MDB, hoje, só guarda lembranças para desenterrá-las às vésperas de eleições e sepultá-las no dia a dia da desfaçatez e do fisiologismo compartilhado com o Centrão.
O presidente Fernando Henrique Cardoso aliou-se ao PFL, hoje DEM, para governar. Os presidentes Lula e Dilma aliaram-se ao PMDB, hoje MDB, com o mesmo propósito.
DEM, MDB e companhia ilimitada governaram quando Michel Temer, depois de muito conspirar, sucedeu a Dilma. Bolsonaro tem ministros do DEM e espera, em breve, ter também do MDB.
Se por ora ainda não dispõe de ministérios, o MDB desfruta de centenas de cargos nos terceiros e demais escalões do governo. Diz-se independente, como o DEM diz que é. Os dois mentem.
Contagem regressiva para o Dia D e a Hora H de Rodrigo Maia
Fica ou sai do DEM?
Convites não lhe faltam. O PSDB do governador João Doria (SP), o MDB de Michel Temer e Baleia Rossi (SP), o PSL de Luciano Bivar (PE), ex-aliado do presidente Jair Bolsonaro, e o CIDADANIA de Roberto Freire, possível abrigo de Luciano Huck caso ele seja candidato no ano que vem, abriram-lhe as portas.
Na semana passada, antes de ser derrotado por Artur Lira (PP-AL) que se elegeu presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia ameaçou deixar o DEM acusando ACM Neto, o poderoso chefe do partido, de traição. Consumada a derrota, Maia repetiu a ameaça dizendo que com ele levaria para onde fosse um monte de gente.
Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, confirmou que o acompanhará junto com seu grupo. Deputados do DEM, sob a garantia de não terem seus nomes revelados, disseram que irão com Maia. Ao ex-presidente da Câmara, ACM Neto prometeu passe livre para sair desde já sem risco de perder o mandato.
No último fim de semana, Maia reafirmou que está com um pé fora do DEM e que não passará desta semana. Estava furioso com ACM Neto. Aberta, portanto, a contagem regressiva para que se saiba afinal se a palavra dada por Maia será cumprida, adiada ou simplesmente esquecida.
O Estado de S. Paulo: Articulação de Maia leva MDB a impasse
Sigla prefere eleição no Senado e avalia que Baleia Rossi não deve concorrer na Câmara
Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), só está à espera do PT para anunciar o candidato que vai apoiar à sua sucessão, em fevereiro de 2021. O nome favorito para concorrer ao comando da Câmara com aval do bloco parlamentar liderado por Maia é o do deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB.
Maia disse que divulgará até amanhã o escolhido para enfrentar Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão que conta com o respaldo do Palácio do Planalto na disputa. A demora ocorre por causa da bancada do PT, que está dividida e se reúne hoje para tentar chegar a um acordo, mas também em razão de um impasse nas fileiras do MDB.
Na semana passada, senadores do MDB procuraram Baleia Rossi para dizer que a sigla terá um candidato à cadeira do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Argumentaram que, diante dessa decisão, ele não deveria concorrer à Câmara para não atrapalhar as articulações no Salão Azul. A avaliação foi a de que seria muito difícil o Congresso eleger integrantes do mesmo partido, como ocorre hoje com o DEM, para dirigir as duas Casas.
Em almoço com líderes do bloco, nesta segunda-feira, Maia afirmou que a eleição no Senado não pode interferir na disputa da Câmara. Na prática, porém, em casos assim as negociações políticas costumam demandar mais atenção. O outro nome que conta com a simpatia do presidente da Câmara é o do deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), líder da Maioria. O partido de Aguinaldo, no entanto, dá sustentação a Lira.
“Estamos dialogando para sair com um nome e com o bloco de fato unido”, afirmou Maia. O grupo reúne 11 partidos, que somam 281 parlamentares. O PSOL pode aderir ao bloco. Para ser eleito presidente da Câmara o candidato precisa ter o apoio de 257 dos 513 deputados. O voto, porém, é secreto e muitas bancadas estão rachadas. “É preciso agora ver o que nos une, e não o que nos divide. Nosso objetivo é derrotar o candidato do governo”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
A bancada do PT é a maior do bloco, com 54 integrantes. Embora a sigla esteja no grupo de Maia, o apoio de petistas ainda é disputado individualmente por Lira.
Vera Magalhães: Antes de 22 vem 21
Sucessão no Congresso é lance vital para a eleição presidencial
Não adianta nada nomes como Luiz Henrique Mandetta queimarem a largada especulando sobre candidatura presidencial a essa altura do campeonato. Não bastasse haver um vírus à solta que terá matado 100 mil brasileiros até o início de agosto, ceifado milhões de empregos, virado o programa econômico de Paulo Guedes de cabeça para baixo e transformado as eleições municipais em nota de rodapé, isso para ficar só nos efeitos domésticos, outros acontecimentos em Brasília são pressupostos fundamentais para posicionar os corredores na linha de largada.
Eles começam agora, nesse segundo semestre que inicia oficialmente em agosto. Não à toa Rodrigo Maia saiu do silêncio que vinha mantendo para comandar uma dissidência no “blocão” de partidos da Câmara que deu suporte à sua presidência nesses quatro anos. Maia sabe que é vital não apenas para sua sobrevivência como líder político relevante, mas para a construção de qualquer projeto de centro dissociado do bolsonarismo e minimamente competitivo, manter o comando da Câmara no último biênio do governo.
Não que o Congresso tenha sido o protagonista nos atos de contenção a Bolsonaro nesse 2020 em que o presidente resolveu rasgar a fantasia. Esse papel, como se sabe, tem sido exercido pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas é ali, na Câmara, que pode nascer um dos temores maiores da existência do presidente, maior que acabar a cloroquina no meio da noite: a abertura de um processo de impeachment, algo que Maia evitou alimentar nesses dois anos de convivência tensa, mas que é um trunfo à mão de qualquer presidente da Casa, a depender do impulso das ruas, de um motivo jurídico e de combustível dos setores econômicos.
Por ora nenhum desses fundamentos está dado. A pandemia tira a possibilidade de grandes manifestações de rua, Bolsonaro se segura ali no limiar dos 30% de aprovação, com um público que está trocando de pele da elite agora horrorizada com seus descalabros para as classes D e E conquistadas à base de auxílio emergencial. E o ainda bagunçado apoio do que restou do Centrão ao presidente pode lhe dar os votos necessários para evitar ter o mesmo destino de Dilma Rousseff.
Mas não é esse o único poder que emana dos comandantes da Câmara e do Senado. Bolsonaro não teve êxito até aqui em avançar com sua pauta reacionária no Legislativo. O que conseguiu para “escancarar a questão das armas”, por exemplo, fez via decreto. Alguns foram, inclusive, derrubados pelos parlamentares. A tentativa de aprovar pautas obscurantistas como a tal Escola sem Partido nunca foi adiante, e os vetos do presidente a projetos aprovados ou alterados pelos deputados e senadores podem ser derrubados a qualquer momento.
Sem o controle da pauta dificilmente o presidente terá mais sorte nos dois últimos anos de seu mandato. Isso além dos obstáculos institucionais que enfrentará em outras searas, como o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral.
Por tudo isso, para chegar competitivo a 2022 Bolsonaro tem de sobreviver não só ao 2020 do vírus e do desastre econômico como a dois últimos anos com atores no comando que ainda não estão em cena. Dois deles são escolhas de deputados e senadores, mas outros dependem da caneta do próprio Bolsonaro, que vai indicar, entre outros postos, um ministro do STF, Corte hoje hostil a ele e unida como poucas vezes, em novembro.
Ignorar essas variáveis e como a economia vai se comportar só fará com que eventuais postulantes à Presidência se exponham ao sol sem protetor. Mandetta não é o único a se arriscar a uma queimadura. Deveriam ficar mais embaixo do guarda-sol organizando os exércitos, como Maia está fazendo, e procurar algum grau mínimo de coesão.
Rosângela Bittar: O errado perfeito
A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares
O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.
Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.
Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.
Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.
Sua estratégia ficou clara: queria ganhar, sim, mas não bastava. Maia precisava perder. Uma rusga que atravessou o ano e ancorou na pandemia.
Errou também o presidente por desconhecimento das regras da articulação, dos princípios e dos ritos na relação entre os Poderes e entre estes e as unidades da Federação.
Numa conferência recente sobre a intrincada conjuntura política do País o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo fez uma paródia do jargão para cunhar outra expressão que define este tipo de confluência de desastres em uma mesma situação: “o errado perfeito”. Do manual do erro, Bolsonaro não deixou nada de fora, cumpriu todos. Tanto que, com um piparote, a grande aliança que solucionaria seus problemas voou pelos ares.
A primeira lição que o presidente deveria aprender com o revés é que a articulação política exige ciência, por mais que a palavra atinja seus brios. Não se coordena a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo apenas com um general afável, competente relações públicas, e alguns líderes neófitos e inexperientes membros do baixo clero parlamentar.
Os exemplos de fracassos e sucessos de governos anteriores ensinam também a quem quer aprender. Não é necessário ao governo ter um Luiz Carlos Santos que, segundo a lenda, dava nó em fumaça. Muitos depois dele, e sem a sua experiência e habilidade, saíram-se bem.
Uma segunda lição é que para se ter uma boa articulação política é preciso ter, primeiro, uma política. Representada em um projeto de governo a que se possa aderir, em torno do qual estabelecer negociação e dividir tarefas de execução. Sem isto não dá para fazer nada, a não ser acertos aleatórios e pontuais, geralmente descumpridos de parte a parte.
O articulador precisa contar com a total confiança do presidente e inspirar confiança e respeito dos seus interlocutores. Voz de comando não funciona: articulação política não é uma guerra nem uma campanha eleitoral. Ah, importante: tem de reconhecer a importância e respeitar a oposição.
Em um governo forte, com base no Congresso, plano de trabalho, unidade dos ministros, a articulação flui. Mas se é um governo desorientado, como o de Jair Bolsonaro, com um presidente que não tem autoridade além da conferida pelo cargo, assiste-se a uma derrota atrás da outra.