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Os desafios do novo governo Lula na área ambiental

Made for Minds*

A demora em anunciar o nome de quem comandará o Ministério do Meio Ambiente é vista como um indício dos grandes desafios a serem enfrentados na área durante o futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Embora Marina Silva, ex-ministra e atual deputada federal eleita por São Paulo seja a mais cotada, o anúncio oficial ainda não foi feito.

Falta de servidores nos órgãos de fiscalização ambiental e pouco dinheiro serão grandes obstáculos para lidar com uma herança deixada por Jair Bolsonaro: a alta do crime organizado e do desmatamento na Amazônia.

"A criminalidade cresceu muito na área ambiental e fortaleceu laços com o narcotráfico e outros tipos de crime. Tem uma situação grave de impunidade, será necessário reestruturar órgãos ambientais, será algo muito complexo", avalia Adriana Ramos, assessora política do Instituto Socioambiental (ISA).

Nos últimos meses do governo Bolsonaro, o sistema de alertas de desmatamento na Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou dados preocupantes. De agosto a novembro de 2022, o acumulado de devastação atingiu 4.574 km², o que representa uma alta de 51% em relação ao mesmo período do ano passado – e um recorde da série histórica.

"O cenário é de muito desmatamento, muitos garimpos irregulares, de destruição em todos os biomas. O novo governo será cobrado a dar retorno rápido e terá que, de imediato, tomar medidas fortes na área", opina Suely Vaz, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

Diante de uma política ambiental desestruturada, órgãos de fiscalização paralisados e enfraquecidos, as medidas iniciais aguardadas pelo Ministério do Meio Ambiente precisam demonstrar eficácia e que a lei será, de fato, cumprida, apontam os especialistas ouvidos pela DW.

"O desmatamento de agora não é o mesmo de outros governos. Medidas de comando e controle não bastam, tem que envolver mais força policial, talvez o próprio Ministério da Justiça", pontua Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS).

Para Ramos, o confronto ganhou contornos truculentos. "Os elementos da violência com a multiplicação de clubes de caça e tiro pela Amazônia faz com que, hoje, as condições objetivas do enfrentamento disso sejam quase como uma guerra." 

Cofres vazios

A retomada do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) é vista como essencial para o combate à devastação. Criada em 2004, no primeiro mandato de Lula e com Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente, a iniciativa reuniu diversas pastas em torno da meta de frear o desmatamento e desenvolver a região de forma equilibrada.

O aperto financeiro, por outro lado, deve ser um entrave nesse retorno. As restrições orçamentárias deixadas pelo governo Bolsonaro indicam que a pasta terá o menor volume de recursos dos últimos 20 anos, ressalta Raul do Valle, especialista em políticas públicas do WWF.

"O combate ao desmatamento não terá recursos, o governo terá que repor esse orçamento. Será difícil, dada a grande disputa por dinheiro. Portanto, o ministério terá que contar com apoio da cooperação internacional para que o Brasil consiga ter um sistema ambiental minimamente funcional neste primeiro ano", explica Valle.

É por isso que o Fundo Amazônia deveria ser retomado logo nos primeiros dias de 2023, considera Suely Vaz. "Seria importante também para que entre dinheiro para os projetos socioambientais", afirma.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia recebeu recursos principalmente da Noruega e Alemanha para apoiar iniciativas que combatem o desmatamento e promovem a conservação. Dos cerca de R$ 1,5 milhão desembolsados, projetos geridos pela União, estados e municípios foram os que mais receberam dinheiro, totalizando R$ 1 milhão.

Desde que assumiu a presidência, em 2019, Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, eleito deputado estadual por São Paulo nas últimas eleições, paralisaram o fundo.

Ao fim dos quatro anos de mandato de Bolsonaro, a alta acumulada de desmatamento da Amazônia foi de 60% em relação aos quatros anos anteriores, sob os presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer. É o maior aumento visto em qualquer mandato presidencial desde o início do sistema de medição Prodes, do Inpe, em 1988, destaca o Observatório do Clima.

Boiadas à espera

Na avaliação de Vaz, o Ministério do Meio Ambiente terá que ter força para coordenar a reversão de várias "boiadas" que passaram sob Bolsonaro. "As piores foram no plano infralegal, ou seja, foram decretos, portarias, e isso o governo consegue arrumar", comenta.

No plano legal, ou seja, o que foi votado e aprovado pelo Congresso, os pontos mais graves apontados são o subsídio para geração de energia a carvão até 2040 e a contratação de usinas térmicas a gás – emenda embutida no meio da lei de privatização da Eletrobras.

"Será ainda preciso retirar de votação projetos polêmicos, como o que autoriza mineração em terras indígenas e seguir a luta de retrocessos que podem ser aprovados pelo Congresso Nacional", ressalta Vaz.

Nessa arena, os embates entre a liderança da pasta e parlamentares não será fácil. "O grande problema no debate sobre a temática ambiental é que a bancada que deveria representar os produtores rurais do país tem um interesse muito maior no mercado de terras do que na questão na produção", avalia Adriana Ramos, do ISA, citando ainda outros projetos na fila relacionados ao licenciamento ambiental e à regularização fundiária de terras griladas.

"O governo Lula precisa rever tudo isso de acordo com as promessas feitas na campanha e na Conferência do Clima. A demora na nomeação para o Ministério do Meio Ambiente sinaliza isso, que há uma negociação no sentido de atender esses interesses", sugere Ramos.

O clima e a frente ampla

Para Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade, resta saber como o ministério irá coordenar as várias vertentes ambientais existentes no país.

"A gente tinha um alvo comum, que era um governo contra a agenda ambiental como foi o de Bolsonaro e que uniu todas as diversas frentes minimamente ambientalistas. Um dos desafios é o que será essa agenda ampla ambiental e climática que esse governo tem", comenta.

A priorização do combate ao desmatamento é um consenso, mas o mistério permanece em relação a outros temas interligados, como clima, energia e agricultura.

"A pauta climática não é só ambiental. Ela é econômica, é uma oportunidade para o desenvolvimento brasileiro, para a indústria. Como a pasta do Meio Ambiente vai comandar tudo isso, juntando setor privado, academia, sociedade civil, é um desafio", opina Toni.

Toda essa articulação irá ocorrer sob um Estado de direito abalado, o que deixa o quadro mais delicado, diz Valle. "O grau de impunidade e de benefício para aqueles que agem contra a política ambiental foi tamanho no governo Bolsonaro que uma cultura de impunidade se impôs", justifica.

É por isso que o novo ministério sob Lula terá que se apoiar numa comunicação bem feita com a população e no apoio político, aponta.

"Esses grupos [que se beneficiam com a impunidade de crimes ambientais] sempre tiveram e aumentaram sua influência política em Brasília, com parlamentares eleitos e outros representantes, que vão tentar a todo momento obstruir o caminho. É grave, profundo, e não tem solução fácil", adverte.

Texto publicado originalmente no Made for Minds.


Os Estados do Matopiba lideraram destruição do segundo maior bioma brasileiro em 2022 Moisés Muálem/WWF-Brasil

Desmatamento no Cerrado aumenta 25% em 2022 e atinge maior valor em sete anos

WWF-Brasil*

A taxa anual de desmatamento do Cerrado estimada em 2022 foi de 10.689 km², segundo os dados oficiais divulgados nesta quarta-feira (14) pelo PRODES Cerrado, programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O número, o maior dos últimos sete anos, se refere ao período entre agosto de 2021 e julho de 2022. 

No último dia 30, o PRODES já havia divulgado a estimativa oficial para Amazônia Legal, que mostrou a perda de 11.568 km² em 2022, mantendo o alto patamar das taxas registradas nos anos anteriores. Agora a conta chegou para o Cerrado. 

Além da área desmatada passar dos 10 mil km², os dados apresentados hoje mostram que em 2022 houve aumento de 25% na devastação do bioma em relação ao ano passado, quando a taxa anual foi de 8.531,44 km². Esse é o terceiro ano consecutivo de aumento da destruição no Cerrado, situação nunca vista na série histórica do monitoramento do INPE desde 2000. No governo Bolsonaro, o desmatamento do bioma acumulou uma área de 33.444 km2, mais de seis vezes a área de Brasília. 

“Precisamos mudar a trajetória do desmatamento do Cerrado urgentemente, depois de 3 anos seguidos de aumento da destruição. Preservar o bioma é fundamental para manter os regimes hídricos que irrigam tanto a produção de commodities, como a agricultura familiar, e enchem reservatórios de hidrelétricas pelo país. Desmatar o Cerrado é agir contra o agro, contra o combate à fome e a inflação – menos Cerrado significa alimentos e energia elétrica mais caros”, afirma Edegar de Oliveira Rosa, diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil.

Em 2022, os estados de maior destruição foram os do Matopiba, chegando a 71 % do total desmatado no bioma. O  estado do Maranhão lidera o ranking da devastação com 2.833,9 km², 27% do total desmatado no bioma. Em seguida aparecem a Bahia, o Tocantins e o Piauí.

Cerrado pede socorro 

O Cerrado tem quase 1 milhão de km² de vegetação nativa remanescente, quase duas vezes a área da França, e contempla as savanas tropicais mais biodiversas do mundo, representando mais de 5% da biodiversidade mundial. O bioma é a casa de 25 milhões de pessoas, cerca de 100 povos indígenas e inúmeras comunidades tradicionais.

No entanto, o Cerrado  já perdeu metade da sua área, e nos últimos anos tem sofrido os efeitos do avanço acelerado da fronteira agrícola, a maior do mundo, especialmente na região do Matopiba, com a monocultura de soja e a pecuária.

Só que a destruição do bioma prejudica o próprio agronegócio, pois contribui para o alongamento da estiagem e o aumento das temperaturas, reduzindo a produtividade e acelerando a crise climática. 

“O Cerrado é a savana mais biodiversa do planeta e abriga as nascentes de oito das doze bacias hidrográficas do Brasil. A expansão da agropecuária foi responsável pela destruição de mais da metade da cobertura original do Cerrado e as áreas remanescentes encontram-se fortemente degradadas e fragmentadas. O resultado disso já tem sido visto – o aumento das temperaturas e da seca nos últimos anos têm sido responsáveis pela redução da produtividade de mais de 20% de soja e de milho no Matopiba, por exemplo", afirma Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.

Cadeias livres de desmatamento

No último dia 5 de dezembro, a União Europeia aprovou uma lei que visa barrar os produtos associados ao desmatamento. Por enquanto, a lei aprovada trata somente de itens produzidos em áreas de florestas desmatadas após 31 dezembro 2020. Essas áreas cobrem apenas 26% dos remanescentes do Cerrado, deixando 74% do bioma desprotegidos. Em um cenário de destruição assustador, é crucial que a lei europeia inclua com urgência as áreas de savanas arbóreas na sua próxima revisão. Também, o novo governo precisa tomar medidas urgentes para conter o desmatamento no bioma, para que o desmatamento volte a reduzir. 

"A tendência é que leis similares sejam aprovadas em outros países, com debates já avançados no Reino Unido e EUA, por exemplo. As portas estão se fechando para o desmatamento, e precisamos enxergar este movimento como uma oportunidade de colocar o Brasil como referência em produtividade sustentável. O mercado já não aceita a derrubada de nenhuma árvore sequer, e o Brasil é capaz de mais do que dobrar a sua produção usando as áreas já desmatadas", afirma o especialista Frederico Machado, Líder da Estratégia de Conversão Zero do WWF-Brasil.

As áreas de savanas não florestais que ainda não estão contempladas no escopo da lei europeia tiveram uma pressão por desmatamento em 2021 quase duas vezes superior às áreas de florestas do bioma em valor relativo, e perto de quatro vezes  maior em área. No último ano, quase 5.000 km² foram desmatados somente nesses ecossistemas.

Enquanto evidências de perda de biodiversidade global são publicadas na COP15, a rota de destruição das savanas mais biodiversas do mundo acelera. A maior parte das espécies terrestres do Cerrado ameaçadas de extinção é considerada exclusiva dessas formações nativas não florestais. Um aumento de pressão nas savanas do Cerrado poderia significar precipitar a extinção dessas espécies. É o caso da codorna-mineira (Nothura minor) e do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), que depende das áreas úmidas não florestais do Cerrado e que está entre as 10 aves aquáticas mais ameaçadas do mundo.

Outros biomas

Dados inéditos do Projeto Biomas (Monitoramento Ambiental dos Biomas Brasileiros por Satélite - Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal)  também foram divulgados pelo INPE. Esses dados referem-se às séries históricas do desmatamento e os mapas de perda de vegetação nativa nos quatro biomas brasileiros que ainda não eram objeto de monitoramento anual oficial.

Houve aumento no desmatamento dos demais biomas entre 2020 e 2021, menos a Caatinga. No Pantanal a destruição subiu de 678 para 825 km²; no Pampa foi pior: de 888 para 1.526 km². Já na Mata Atlântica, o desmatamento saltou de 791 para 927 km² Na Caatinga, a área foi de 2.225 para 2.096 km².

Até 2021, 41% da vegetação natural do Brasil foi perdida (3.052.247 km2). Em 2021, essa perda aumentou 14,2% em relação à 2020, com 26.093 km2 desmatados, o que equivale a mais de três vezes a área da região metropolitana de São Paulo.

Esses dados poderão apoiar o novo governo na condução e fortalecimento de políticas públicas voltadas à preservação da vegetação nativa, da biodiversidade e do equilíbrio climático.

Os mapeamentos basearam-se na metodologia do PRODES, cobriram mais de 2,2 milhões de km² e contemplaram o período de 2000 a 2021. É prevista a continuação do monitoramento anual do desmatamento em todos os biomas brasileiros. 

Texto publicado originalmente na WWWF Brasil.