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Martin Wolf: Um acordo para pôr fim às ilusões do brexit

Saída do Reino Unido da UE é equivalente à promessa de Trump de 'tornar a América grande novamente'

Depois de quatro anos e meio dolorosos, chegamos ao fim do início do brexit. Temos um acordo. É, inevitavelmente, um acordo prejudicial para a economia britânica, comparado a continuar na União Europeia. Mas é muito melhor que a estupidez de nenhum acordo. Acima de tudo, ele mantém um relacionamento funcional com os vizinhos próximos e principais parceiros econômicos do Reino Unido.

Nenhum governo responsável deixaria poucos dias para as empresas se adaptarem às complexidades dessa nova situação. E o faria ainda menos no meio de uma pandemia. Esse continuará sendo um divórcio tolo e desnecessário. Mas a realidade do brexit poderá até trazer alguns benefícios.

A UE já deve ter visto alguns deles. Ela quase certamente teria sido incapaz de aprovar seu fundo de recuperação da pandemia de 750 bilhões de euros (R$ 4,9 trilhões) se o Reino Unido tivesse continuado à mesa. De agora em diante, a UE poderá avançar mais depressa na direção de seus objetivos comuns.

Para o Reino Unido, também, o brexit trará o grande benefício de separar a realidade da ilusão.
Algumas ilusões já desapareceram. Os defensores do brexit disseram ao país que seria fácil garantir um excelente acordo de livre comércio com a UE, porque ele tinha "todas as cartas na mão". Na verdade, mostrou-se bem difícil fazer isso, e o Reino Unido teve de fazer duras concessões desde 2016, notadamente sobre o dinheiro que devia à UE, a fronteira irlandesa e as exigências europeias de um "campo de jogo nivelado".

Essas ilusões eram sustentadas por outras. Entre elas estava a ideia de que o Reino Unido e a UE negociariam como "soberanos iguais". Sim, a UE e o Reino Unido são igualmente soberanos. Mas não são igualmente poderosos. A economia britânica é menos de 20% da europeia; 46% das exportações de mercadorias britânicas foram para a UE em 2019, enquanto apenas 15% das exportações europeias (excluindo seu comércio interno) foram para o Reino Unido.

A relação econômica entre a UE e o Reino Unido é mais como a do Canadá com os Estados Unidos. Como indica Jonathan Portes, do King's College, o acordo comercial imposto por Washington ao Canadá e ao México é bastante intrusivo.

A realidade é assimétrica. Este continuará sendo o caso nas muitas negociações com a UE que virão. Quando se lida com potências estrangeiras, especialmente mais poderosas, "recuperar o controle" é algo teórico.

Mas esse slogan também é ilusório em alguns outros aspectos. Em defesa, educação, habitação, saúde, desenvolvimento regional, investimento público e assistência social, o Reino Unido já tinha amplamente o controle. Mas a população britânica está prestes a perder valiosas oportunidades de fazer negócios ou viver, estudar e trabalhar na UE. Eles não vão "recuperar o controle" de suas vidas, mas perdê-lo.

Mesmo onde o controle será recuperado, em teoria, a realidade poderá chocar os partidários da saída da UE. Considere a imigração. Nos 12 meses que terminaram em junho de 2016 (o mês do referendo), a imigração líquida da UE mais fontes não europeias foi de 355 mil (com a emigração líquida de britânicos ignorada). Nos 12 meses que terminaram em março de 2020, a imigração líquida foi de 374 mil. A imigração líquida da UE despencou de 189 mil para 58 mil. Mas a do resto do mundo –sempre teoricamente sob controle britânico– explodiu, de 166 mil para 316 mil.

O Reino Unido preservou de fato um acesso relativamente favorável (embora marcadamente pior) para as indústrias, em que ele tem uma desvantagem comparativa, enquanto aceitou um tratamento substancialmente pior para serviços, em que tem uma vantagem comparativa. Na verdade, lutou mais duramente pelo controle da pesca, que gera 0,04% do Produto Interno Bruto britânico, do que por serviços, que geram o grosso do PIB.

Johnson prometeu que o país vai "prosperar poderosamente" mesmo sem um acordo. Mas virtualmente todos os economistas concordam que o Reino Unido ficará significativamente mais pobre em longo prazo, mesmo sob esse tipo de acordo, do que se tivesse continuado membro da UE.

Até mesmo a sobrevivência do Reino Unido está em dúvida. A Escócia e a Irlanda do Norte poderão deixar a União, a primeira para aderir à UE, afirmando que também quer "recuperar o controle", e a segunda para se unir à Irlanda e, portanto, também à UE. A Inglaterra poderá então ter uma fronteira com a UE no mar da Irlanda e no rio Tweed.

O brexit é, de muitas maneiras, o equivalente inglês à promessa de Donald Trump de "tornar a América novamente grande". Uma grande diferença é que, ao contrário do tempo de Trump como presidente, o brexit é para sempre. Parece quase certo que prejudicará permanentemente a prosperidade e a influência do Reino Unido. Mas só agora poderemos descobrir. Vamos olhar e aprender.

*Martin Wolf é comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


Martin Wolf: Cinco forças do futuro pós-covid-19

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou em mais evidência. A derrota de Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos ainda estarão presentes e, com certeza, serão ainda maiores

A covid-19 acelerou o mundo rumo ao futuro. Aqui estão cinco forças que estavam em ação antes da covid-19, se intensificaram durante a pandemia e ainda estarão afetando o mundo em 2025, e por bem mais além.

Primeira: tecnologia. A marcha da tecnologia da computação e das comunicações continua modelando nossas vidas e a economia. Hoje, as comunicações em banda larga, somadas ao Zoom e a softwares similares de videoconferência possibilitaram que um número imenso de pessoas trabalhe em casa.

Em 2025, é provável que uma parte, possivelmente a maioria, dessa transferência para fora dos escritórios seja revertida. A reversão, porém, não será completa. As pessoas terão capacidade (e permissão) para trabalhar fora do escritório. Inevitavelmente, isso incluirá não apenas trabalhadores nos próprios países, mas também no exterior, normalmente, com salários mais baixos. O resultado provavelmente será um aumento desestabilizador na chamada “imigração virtual”.

Segunda: desigualdade. Muitos trabalhadores de escritório de altos salários tiveram condições de trabalhar em casa, enquanto a maioria dos demais trabalhadores, não. Nos países ocidentais, muitos dos que foram mais afetados também fazem parte de minorias étnicas. Enquanto isso, muitos dos que já eram bem-sucedidos e poderosos prosperaram assombrosamente.

O mais provável é que as iniquidades exacerbadas pela pandemia não tenham diminuído em 2025. As forças que as enraizaram são muito fortes. O máximo que podemos esperar é uma modesta melhora. Isso, por sua vez, indica que as políticas populistas do passado recente continuarão a influenciar a esfera política em 2025.

Terceira: endividamento. O endividamento agregado cresceu em quase todos os países nos últimos 40 anos. Sempre que alguma crise interrompia a capacidade do setor privado de continuar captando, os governos se encarregaram de preencher a lacuna. Isso ocorreu depois da crise financeira mundial [de 2008] e, de novo, durante a covid-19.

A pandemia aumentou drasticamente a captação dos setores privado e público. Segundo o Instituto Internacional de Finanças [IIF, a associação mundial do setor bancário], a taxa de dívida bruta em relação à produção mundial saltou do já elevado patamar de 321%, no fim de 2019, para 362%, no fim de junho de 2020. Em tempos de paz, nunca houve um aumento tão gigantesco e súbito.

Felizmente, a dívida governamental agora está extremamente barata e as taxas de juros, nominais e reais, das dívidas soberanas de países de alta renda estão em níveis baixos. Mas seu excesso de dívida pode incapacitar partes do setor privado por anos.

Quarta: a desglobalização. O futuro plausível não é de extinção das trocas internacionais. Mas provavelmente elas se tornarão mais regionais e mais virtuais.

Depois da crise financeira mundial, o ritmo de crescimento do comércio exterior deixou de ser maior que o da produção mundial, como nas décadas prévias, e passou a ser praticamente igual. Essa desaceleração se deveu ao esgotamento de oportunidades, à ausência de uma liberalização do comércio global e à ascensão do protecionismo. A covid-19 reforçou essas tendências. Um resultado nítido tem sido o desejo de transferir cadeias de produção de volta par casa ou, pelo menos, para fora da China.

A crise também vem reforçando o regionalismo, mais notavelmente na Ásia. Um exemplo recente digno de nota é a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que reúne os dez países da Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) somados à Austrália, China, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul.

Por fim, estão as tensões políticas. Uma dimensão disso se vê no declínio da credibilidade da democracia liberal, na ascensão do autoritarismo demagógico em muitos países e no poder cada vez maior do despotismo burocrático da China. Outra se dá na ascensão do populismo em países ocidentais centrais, em especial nos EUA. Embora a vitória de Biden represente uma derrota para o populismo, a grande porcentagem de votos de Trump mostra que não desapareceu.

Talvez, o desenvolvimento geopolítico mais importante tenha sido a crescente tensão entre EUA e China. Isso está forçando os países a escolher um lado. Repito, a covid-19 acelerou esse afastamento. Trump culpou a China pela pandemia. Mesmo com ele fora de cena, muitos nos EUA compartilham desse ponto de vista.

Então, em vista de tudo isso, como o mundo poderia estar em 2025? Com sorte, as economias terão em grande medida se recuperado da pandemia. A maioria, porém, estará mais pobre do que teria estado sem ela.

No entanto, o maior desafio talvez exija uma cooperação mundial que não existirá. Sustentar uma economia dinâmica mundial, preservar a paz e administrar os recursos comuns supranacionais sempre será difícil. Mas uma era de populismo e conflito das grandes potências tornará isso muito mais difícil.

Estamos em uma era de instabilidade. A pandemia não a criou, mas a deixou ainda em mais evidência. A derrota de Donald Trump dá ao mundo tempo para recuperar o fôlego. Mas os desafios são enormes. Em 2025, muitos deles ainda estarão presentes e, com toda probabilidade, ainda maiores. (Tradução de Sabino Ahumada).

*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do Financial Times


Martin Wolf: Reeleição de Trump é perigo para o mundo

O povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente

De uma só cartada, o presidente dos EUA, Donald Trump, ficou livre. Com a esperada demonstração de partidarismo puro e simples, os republicanos do Senado (com exceção de Mitt Romney) abandonaram seus papéis de juízes constitucionais dos supostos abusos de poder cometidos por ele. Eles transferiram a decisão para os eleitores, nas eleições presidenciais de novembro. Trump terá muitas vantagens: apoiadores fervorosos, um partido unido, o colégio eleitoral e uma economia saudável. Sua reeleição parece provável.

A razão mais óbvia da possível vitória de Trump é a economia. Até mesmo por seus parâmetros, o discurso sobre o Estado da União na semana passada foi um caso de exagero carregado de hipérboles. Conforme observou Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, o desempenho dos EUA parece fraco pelos padrões de outros países em aspectos importantes, especialmente a expectativa de vida, as taxas de emprego e a desigualdade.

Além disso, o PIB, o nível de emprego, o desemprego e os salários reais seguem em grande parte tendências definidas no pós-crise. Dada a escala do estímulo fiscal, que resultou em grandes e persistentes déficits fiscais estruturais, isso não é uma grande realização. Mesmo assim, muitos americanos sentirão que a economia está melhorando. E isso certamente terá um grande papel nas próximas eleições.

Se Trump vencer, a nova vitória poderá ser ainda mais significativa que a primeira. Pois o povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente. Será um momento decisivo.

A implicação mais óbvia da vitória de Trump seria para a democracia liberal nos EUA. O presidente acredita estar fora do alcance da lei e do Congresso em relação ao que faz no cargo. Ele acredita dever explicações apenas para o eleitorado. Ele também acredita que todos os membros nomeados de seu governo, servidores públicos e autoridades eleitas de seu partido, devem lealdade a ele, e não a qualquer causa maior.

Os pais fundadores temiam esse tipo de homem. No primeiro dos Artigos Federalistas, Alexander Hamilton escreveu que “dos homens que subjugaram as liberdades das repúblicas, o maior número começou suas carreiras cortejando o povo de maneira servil; começando como demagogos e terminando como tiranos”. Nisso, ele foi acompanhado por Platão, que escreveu como um homem que assume o poder como protetor do povo pode ser tornar “um lobo - ou seja, um tirano”. Em seu Discurso de Despedida de 1796, George Washington afirmou que “as desordens e o sofrimento resultantes [do sectarismo] gradualmente levam a mente das pessoas a buscar segurança e confiar no poder absoluto de um indivíduo”. E o sectarismo certamente é abundante na América de hoje.

Não temos como saber até onde Trump estará disposto a ir ou até onde as instituições da república permitirão que ele vá. Mesmo assim, será que há algo que Trump poderia fazer, além de perder a lealdade de sua base, que pudesse convencer Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, a se entusiasmar com ele? Não são as instituições que importam mais, e sim as pessoas que as servem.

Mesmo que a grande republica sobreviva em grande parte ilesa ao teste (o que é uma posição otimista), a reeleição desse homem - um demagogo, um nacionalista, um mentiroso contumaz e um admirador de tiranos - terá uma implicação mundial.

Déspotas veem Trump como alma gêmea. Os liberais democratas sentiriam-se ainda mais abandonados. A noção do Ocidente como uma aliança com algumas fundações morais iria se evaporar. Ele passaria a ser, na melhor das hipóteses, um bloco de países ricos tentando manter suas posições globais. Como nacionalista, ele continuaria detestando e desprezando a União Europeia (UE) como um ideal e detentora de um poder econômico de oposição aos EUA.

David Helvey, secretário da Defesa assistente e em exercício dos EUA, recentemente escreveu sobre a hostilidade da China e Rússia à “ordem baseada em regras”. Esse ideal é realmente importante. Infelizmente, seu inimigo mais poderoso é agora o seu próprio país, porque isso sempre dependeu da visão e energia americanas. Com seu mercantilismo e bilateralismo, Trump apontou um míssil intelectual e moral contra o sistema comercial global. Ele até mesmo vê seu próprio país como a maior vítima de sua própria ordem. O problema, então, não está no fato de Trump não acreditar em nada, e sim no fato de que aquilo em que ele acredita está sempre muito errado.

De uma maneira mais ampla, seu transacionalismo e disposição de usar todos os instrumentos imagináveis do poder dos EUA cria um mundo instável e imprevisível não só para os governos, mas também para os negócios. Essa incerteza também poderá piorar num segundo mandato. É uma questão em aberto a sobrevivência de algum tipo de ordem jurídica internacional.

Há grandes desafios práticos que precisam ser administrados. Um deles é a relação complexa e tensa dos EUA com a China. Mas mesmo neste ponto Trump está longe de ser o mais radical dos americanos. Ele tem uma camada de pragmatismo. Gosta de fazer acordos, não importando o quão mal ajambrados eles possam ser.

Talvez a questão mais importante (se não tivermos em conta evitar uma guerra nuclear) seja a gestão dos recursos comuns do planeta - acima de tudo, a atmosfera e os oceanos. Preocupações cruciais são o clima e a biodiversidade. Pouco tempo resta para agir contra as ameaças nos dois casos. Um governo Trump renovado, hostil a essas causas e ao próprio conceito da cooperação global, tornariam impossíveis as ações necessárias. Seu governo parece nem mesmo reconhecer o patrimônio público como uma categoria de desafio digna de preocupação.

Estamos num ponto crítico da história. O mundo precisa de uma liderança global excepcionalmente sábia e cooperativa. Não vamos conseguir isso. Pode ser tolice esperar isso. Mas a reeleição de Trump poderá muito bem representar uma falha decisiva. Preste atenção: o ano de 2020 será importante. (Tradução de Mário Zamarian)

*Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT


Martin Wolf: Capitalismo rentista ameaça a democracia

A economia não está mais beneficiando igualmente a todos, como no passado, o que está gerando um perigoso avanço populista, que ameaça destruir a democracia liberal

“Embora todas as nossas empresas individuais cumpram o seu próprio objetivo corporativo, compartilhamos um compromisso essencial para com todos os interessadas em nossos resultados.”

Com essa frase, a Business Roundtable, entidade dos EUA que representa os executivos-chefes de 181 das maiores empresas do mundo, abandonaram sua posição de longa data de que “as empresas existem principalmente para atender aos seus acionistas”.

Certamente, trata-se de um feito importante. Mas o que isso significa, ou deveria significar? A resposta tem de começar com a admissão do fato de que alguma coisa deu muito errado. Nos últimos quarenta anos, e principalmente nos EUA, o país mais importante, temos observado uma trindade nada santa de desaceleração do crescimento da produtividade, disparada da desigualdade e enormes choques financeiros.

Como observaram Jason Furman, da Universidade Harvard, e Peter Orszag, da Lazard Frères, em estudo divulgado no ano passado: “De 1948 a 1973, a renda familiar mediana real nos EUA cresceu 3% anualmente. Com esse percentual... havia uma probabilidade de 96% de que uma criança teria uma renda maior que a de seus pais. Desde 1973, a família mediana viu sua renda real crescer só 0,4% anualmente... Em decorrência disso, 28% das crianças terão renda inferior à de seus pais”.

Por que a economia não está dando resultados? A resposta está, em boa parte, na ascensão do capitalismo rentista. Nesse caso, “renda” significa a recompensa superior à necessária para induzir o desejado fornecimento de bens, serviços, terra ou mão de obra. “Capitalismo rentista” significa uma economia na qual o mercado e o poder político permitem que pessoas físicas e jurídicas privilegiadas extraiam um bom volume dessa renda de todos os demais.

Isso não explica todas as decepções. Como argumenta Robert Gordon, professor de ciências sociais da Northwestern University, a inovação básica desacelerou após meados do século 20. A tecnologia, além disso, criou uma dependência maior do trabalho de pessoas com curso superior e elevou o salário relativo desse grupo, o que explica parte do crescimento da desigualdade. Mas a fatia da renda nacional do 1% dos americanos mais ricos saltou de 11%, em 1980, para 20% em 2014. Isso não ocorreu por causa só da mudança tecnológica.

Se acompanharmos o debate político em muitos países, notadamente nos EUA e no Reino Unido, concluiremos que essa decepção é principalmente culpa dos produtos importados da China ou dos imigrantes de baixo salário, ou de ambos. Os estrangeiros são bodes expiatórios ideais. Mas a ideia de que a crescente desigualdade e a lenta expansão da produtividade se devem aos estrangeiros é, simplesmente, falsa. Todos os países ocidental de alta renda fazem hoje mais transações comerciais com os países emergentes do que há 40 anos. Mas os aumentos da desigualdade variaram significativamente. O resultado dependeu do comportamento das instituições da economia de mercado e das opções de políticas internas.

O economista Elhanan Helpman, de Harvard, encerra seu panorama da enorme literatura acadêmica sobre o tema concluindo que “a globalização, sob a forma de comércio exterior e de terceirização no exterior, não tem contribuído de forma relevante para o aumento da desigualdade. Vários estudos sobre diferentes acontecimentos no mundo inteiro apontam para essa conclusão”.

A transferência do local de produção de boa parte da indústria, principalmente para a China, pode ter reduzido um pouco os investimentos nas economias de alta renda. Mas esse efeito não teve força suficiente para diminuir significativamente o crescimento da produtividade. Pelo contrário, a mudança da divisão de trabalho global induziu países de alta renda a se especializarem em setores intensivos em qualificação, onde há mais potencial para uma expansão acelerada da produtividade.

Donald Trump, um mercantilista ingênuo, concentra-se, em vez disso, nos desequilíbrios comerciais bilaterais como a causa do fechamento de empregos. Esses déficits refletem acordos comerciais ruins, insiste o presidente americano. É certo que os EUA têm déficits comerciais, enquanto a União Europeia (UE) tem superávits. Mas suas políticas comerciais são bastante semelhantes. As políticas comerciais não explicam os saldos do comércio bilateral. E o saldo bilateral não explica o saldo total de um país. Este último é um fenômeno macroeconômico. Tanto a teoria quanto as evidências convergem nesse aspecto.

O impacto econômico da imigração também é pequeno, por maior que possa ser o “choque do estrangeiro” nos domínios político e cultural. Pesquisas sugerem enfaticamente que o efeito da imigração sobre a renda real da população nativa e sobre a situação fiscal dos países que os recebem é pequeno e, algumas vezes, positivo.

Esse foco no prejuízo causado pelo comércio exterior e pela migração é politicamente útil, mas equivocado. É mais produtivo fazer um exame do próprio capitalismo rentista contemporâneo.

As finanças desempenham papel central, com várias dimensões. O setor financeiro liberalizado tende a entrar em processo de metástase, como um câncer. Assim, a capacidade desse setor de criar crédito e dinheiro é o que financia suas próprias atividades, receitas e lucros (mitos vezes ilusórios).

Um estudo de 2015 de Stephen Cecchetti e Enisse Kharroubi para o Banco de Compensações Internacionais (BIS) disse que “o nível de desenvolvimento financeiro é bom só até certo ponto, a partir do qual torna-se um entrave ao crescimento”. Afirma também que “um setor financeiro de crescimento acelerado é prejudicial ao crescimento da produtividade agregada”. Quando o setor financeiro cresce rapidamente, argumentam eles, contrata pessoas talentosas. Elas passam então a conceder empréstimos lastreados em imóveis, porque isso gera garantias. Isso representa uma dispersão de recursos humanos talentosos para direções improdutivas, inúteis.

Note-se, mais uma vez, que o crescimento excessivo do crédito conduz quase sempre a crises, como mostraram Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff em “This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly” (“Desta Vez É Diferente -- Oito Séculos de Delírios Financeiros”). É por isso que nenhum governo atual ousa permitir que o setor financeiro, supostamente dirigido pelo mercado, opere desassistido e sem comando. Mas isso, por sua vez, cria enormes oportunidades de ganho com a irresponsabilidade: jogando a moeda, se der cara, eles ganham; se der coroa, todos perdemos. Novas crises são inevitáveis.

O setor financeiro também cria crescente desigualdade. Thomas Philippon, da Faculdade de Negócios Stern, e Ariell Resheff, da Faculdade de Economia de Paris, mostraram que os ganhos relativos dos profissionais de finanças dispararam na década de 1980 com a desregulamentação do setor financeiro. Eles estimaram que as “rendas” - os lucros superiores aos necessários para atrair pessoas para o setor - responderam por 30% a 50% do diferencial salarial entre profissionais das finanças e o restante do setor privado.

Essa explosão da atividade financeira desde 1980 não elevou o crescimento da produtividade. Pelo contrário, desacelerou-o, principalmente desde a crise. O mesmo vale para a explosão dos salários de altos executivos, mais uma forma de extração de renda. Como observa Deborah Hargreaves, fundadora do High Pay Centre, no Reino Unido, a relação entre a remuneração média dos executivos-chefes e a da média dos trabalhadores subiu de 48 para 1, em 1998, para 129 para 1 em 2016. Nos EUA, essa relação subiu de 42 para 1, em 1980, para 347 para 1 em 2017.

Como escreveu o ensaísta americano H.L. Mencken: “Para cada problema complexo, há uma resposta clara, simples e errada”. A remuneração profissional vinculada ao preço das ações deu aos diretores das empresas um enorme incentivo para elevar o valor das ações, por meio da manipulação dos lucros ou pela tomada de empréstimos para comprar ações. Nada disso acrescenta valor à empresa. Mas pode agregar um bom patrimônio aos diretores. Um problema relacionado a esse, na esfera da governança, é o dos conflitos de interesse, notadamente sobre a independência dos auditores. Em suma, considerações financeiras pessoais permeiam a tomada de decisões corporativa. Como diz o economista independente Andrew Smithers em “Productivity and the Bonus Cultures”, isso ocorre à custa do investimento corporativo e, portanto, do crescimento de longo prazo da produtividade.

Uma questão talvez ainda mais fundamental é a queda da concorrência. Furman e Orszag dizem haver evidências de que aumentou nos EUA a concentração de mercado, ao mesmo tempo em que caíram a taxa de entrada no mercado de novas empresas e a parcela de empresas mais novas na economia, em relação a 30 ou 40 anos atrás. Trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Universidade de Oxford observa diferenciais cada vez maiores de produtividade e de aumento dos lucros entre as principais empresas e as demais. Isso sugere um enfraquecimento da concorrência e um crescimento da renda monopolística. Além disso, uma boa parte do aumento da desigualdade de renda deriva da diferença radical da remuneração paga por empresas diferentes a funcionários com as mesmas qualificações: essa também é uma forma de extrair renda.

Uma parte da explicação para o enfraquecimento da concorrência está nos mercados do tipo “o vencedor leva tudo”: indivíduos superstars e suas empresas ganham rendas monopolísticas por poderem atender os mercados globais de forma muito barata. As externalidades da rede - as vantagens de usar a rede que outros usam - e custos marginais zero do monopólio de plataformas (Facebook, Google, Amazon, Alibaba e Tencent) são exemplos dominantes.

Outra força natural desse gênero são as externalidades dos aglomerados urbanos da rede, enfatizadas por Paul Collier em “The Future of Capitalism”. Áreas metropolitanas bem-sucedidas - Londres, Nova York, a Área da Baía de São Francisco, na Califórnia - geram poderosos círculos de retroalimentação, ao atrair e recompensar pessoas talentosas. Isso prejudica empresas e pessoas presas a cidades deixadas para trás. Os aglomerados urbanos criam rendas não apenas por meio dos preços dos imóveis, como também por meio dos lucros.

Mas a renda monopolística não é apenas o produto dessas forças econômicas naturais - embora alarmantes. Resulta também de políticas públicas. Nos EUA, o professor de direito Robert Bork, da Universidade Yale, argumentou na década de 1970 que “o bem do consumidor” deveria ser o objetivo único da política pública antitruste. Como ocorre na questão da maximização do valor de mercado da empresa, isso representa uma supersimplificação de questões altamente complexas. Nesse caso, levou ao excesso de confiança com relação ao poder monopolístico, desde que os preços permanecessem baixos. Mas as árvores altas privam as arvorezinhas jovens da luz de que necessitam para crescer. Empresas gigantescas podem ter esses mesmo poder.

Algumas pessoas poderiam argumentar, de maneira otimista, que a “renda monopolística” que vemos agora nas principais economias é sinal, em grande medida, da “destruição criativa” decantada pelo economista austríaco Joseph Schumpeter. Na verdade, não estamos vendo criação, destruição ou crescimento da produtividade suficientes para respaldar esse ponto de vista de modo convincente.
Um aspecto vergonhoso da busca por renda é a radical elisão fiscal. Empresas (e, portanto, também os acionistas) se beneficiam de bens públicos - segurança, sistemas jurídicos, infraestrutura, população economicamente ativa escolarizada e estabilidade sociopolítica - fornecidos pelas democracias liberais mais poderosas. Mas essas empresas também estão em posição perfeita para explorar brechas fiscais, principalmente as que têm locais de produção ou inovação difíceis de definir.

Os maiores desafios no âmbito do sistema fiscal corporativo são a concorrência fiscal, a erosão da base de cálculo e a transferência dos lucros (BEPS, pelas iniciais em inglês).Vemos a primeira na queda das alíquotas de impostos. Vemos as últimas na localização de propriedade intelectual em paraísos fiscais, na cobrança de dívidas dedutíveis dos impostos sobre lucros em países de taxação elevada e nas transferências de lucros dentro das empresas.

Um estudo de 2015 do Fundo Monetário Internacional (FMI) calculou que a erosão da base de cálculo e a transferência de lucros reduziram a arrecadação anual de longo prazo nos países da OCDE em cerca de US$ 450 bilhões (1% do PIB) e em países não filiados à OCDE em pouco mais de US$ 200 bilhões. Esses são dados significativos no contexto de um imposto que captou, em média, só 2,9% do PIB em 2016 nos países da OCDE e só 2% nos EUA.

Brad Setser, do instituto independente e apartidário Counsel on Foreign Relations, mostra que grandes empresas americanas registram sete vezes mais lucros em pequenos paraísos fiscais (Bermudas, Caribe Britânico, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Cingapura e Suíça) do que em seis grandes economias (China, França, Alemanha, Índia, Itália e Japão). Isso é ridículo. A reforma fiscal do governo Trump não mudou essencialmente nada. E, desnecessário dizer, não só grandes empresas americanas se beneficiam de brechas desse gênero.

Nesses casos, as rendas não estão sendo simplesmente exploradas. Elas estão sendo criadas, por meio de “lobby” em favor de brechas fiscais distorsivas e injustas e contrário à tão necessária regulação de fusões, de práticas anticoncorrenciais, do comportamento financeiro impróprio, do meio ambiente e dos mercados de trabalho. O “lobby” corporativo esmaga os interesses dos cidadãos comuns. Na verdade, alguns estudos sugerem que os desejos dos cidadãos têm peso praticamente nulo na formulação de políticas públicas.

Especialmente, à medida que algumas economias ocidentais se tornaram mais latino-americanas na distribuição de suas rendas, sua política também se tornou mais latino-americana. Alguns dos novos populistas estudam mudanças radicais, mas necessárias, nas políticas concorrencial, reguladora e fiscal. Mas outros recorrem a mensagens xenófobas muito precisamente dirigidas, enquanto continuam a promover um capitalismo manipulado para favorecer uma pequena elite. Essas atividades poderão desembocar, talvez, na morte da própria democracia liberal.

Membros da Business Roundtable e seus pares têm perguntas difíceis a fazer a si próprios. Eles têm razão: a tentativa de maximizar o valor de mercado da empresa se revelou uma bússola duvidosa para administrar corporações. Mas essa percepção é o começo, não o fim. Eles têm de se perguntar o que essa percepção significa frente às maneiras pelas quais fixam sua própria remuneração e exploram - na verdade criam, de forma ativa - brechas fiscais e regulatórias.

Eles precisam, especialmente, ponderar sobre suas atividades na esfera pública. O que estão fazendo para garantir uma legislação melhor, para regular a estrutura das grandes empresas, por um sistema fiscal justo e eficaz, por uma rede de segurança para as pessoas afligidas por forças econômicas que não dominam, por um meio ambiente saudável e por uma democracia sensível aos desejos da ampla maioria? Precisamos de uma economia capitalista dinâmica, que dê a todos a convicção justificada de que podem participar dos benefícios. O que parecemos cada vez mais ter, em vez disso, é um instável capitalismo rentista, uma concorrência enfraquecida, um crescimento fraco da produtividade, alta desigualdade e, não por acaso, uma democracia cada vez mais degradada. Corrigir isso é um desafio para todos nós, mas principalmente para os que comandam as empresas mais importantes do mundo. A maneira pela qual nossos sistemas econômico e político operam tem de mudar, ou eles vão perecer. (Tradução de Rachel Warszawski)


Martin Wolf : O desafio de um mundo e dois sistemas

O colapso, em aceleração, das relações entre China e os Estados Unidos é o fato atual mais significativo. Como deve ser administrado, em vista da interdependência mundial de hoje?

Três recentes provas revelam alarme em torno da ascensão da China ao seu atual status de "superpotência júnior" do mundo, nas palavras de Yan Xuetong, da Universidade Tsinghua. Uma é a campanha contra a Huawei, a porta-bandeira das ambições tecnológicas chinesas, que precisa ser vista no contexto da guerra comercial dos Estados Unidos com a China e da descrição americana desta última como "concorrente estratégica". A outra é um estudo da BDI, a maior associação industrial da Alemanha, orientada pelo livre comércio, que rotula a China de "parceira e concorrente sistêmica". A última é a descrição da China de Xi Jinping por George Soros como "a adversária mais perigosa dos que acreditam no conceito de sociedade aberta".

Este, portanto, é um ponto em torno do qual um governo americano nacionalista, adeptos alemães do livre comércio e um notável defensor de ideias liberais concordam: a China não é uma amiga. No melhor dos casos, é uma parceira incômoda; no pior, uma potência hostil.

Deveríamos concluir que teve início uma nova "guerra fria"? A resposta é: sim e não. Sim porque são muitos os ocidentais que pensam na China como uma ameaça estratégica, econômica e ideológica. Isso não vem apenas de Donald Trump, nem apenas do "establishment" de segurança, nem apenas dos EUA, nem somente da direita do espectro político: está cada vez mais se tornando uma causa unificadora. A resposta também é não, no entanto, porque as relações com a China são diferentes das mantidas com a União Soviética. A China não está exportando uma ideologia, e sim se comportando como uma grande potência comum. Mais uma vez, ao contrário da União Soviética, a China está integrada à economia mundial.

A conclusão é que uma hostilidade generalizada para com a China pode ser muito mais desestabilizadora do que a guerra fria. Se, acima de tudo, a população chinesa se convencer de que o objetivo do Ocidente é impedi-la de ter uma vida melhor, a hostilidade será incessante e inesgotável. A cooperação virá abaixo. Mas nenhum país atualmente consegue ser uma ilha.

Não é tarde demais para evitar um colapso desse gênero. O caminho certo é administrar relações que serão ao mesmo tempo competitivas e cooperativas e, assim, reconhecer que a China pode ser ao mesmo tempo inimiga e amiga. Em outras palavras, temos de abraçar a complexidade. Esse é o caminho da maturidade.

Surgiu uma nova grande potência, que nunca foi parte de um sistema dominado pelo Ocidente. É preciso uma combinação de competição e cooperação com a China em ascensão. Ou será o aprofundamento da hostilidade e a confusão crescente

Ao fazer isso, precisamos reconhecer que os Estados Unidos e seus aliados (se é que o primeiro ainda reconhece o valor destes últimos) possuem enormes pontos fortes. A ascensão da China foi assombrosa. Mas os Estados Unidos e seus aliados, em conjunto, gastam muitíssimo mais em defesa, têm economias maiores e respondem por uma parcela maior das importações mundiais do que a China.

Mais uma vez, a dependência da China em relação aos mercados nos países de alta renda é muito maior que a dependência dos Estados Unidos em relação à China. É provável que essas vantagens venham a durar porque a China está se afastando do caminho das reformas, como argumenta Nicholas Lardy, do Instituto Peterson de Economia Internacional, em novo livro, e, portanto, sua economia pode desacelerar acentuadamente.

Além disso, apesar da ascensão mundial do autoritarismo e do mal-estar pós-crise financeira, as democracias de alta renda continuam a ter uma ideologia da liberdade, da democracia e do Estado de Direito mais atraente do que a oferecida pelo comunismo chinês. Além disso, é evidente que os recentes fracassos do Ocidente são, esmagadoramente, autoinfligidos: não deveriam ser atribuídos a outros, por mais atraente que essa opção possa ser.

Diante disso, os EUA deveriam encarar sua própria situação com uma tranquilidade muito maior do que a China, desde que mantenham sua rede de alianças, principalmente em vista de sua localização geográfica e de seus pontos fortes econômicos. Se fizessem isso, poderiam também reconhecer que sua interdependência com relação à China é uma força estabilizadora, uma vez que fortalece o interesse de ambas as partes por relações pacíficas.

No mesmo sentido, os EUA reconheceriam que fazer causa comum com aliados, no contexto do sistema de comércio exterior regido por regras criado por eles, aumentaria a pressão sobre a China para que realizasse reformas. De fato, em entrevista em Davos, Shinzo Abe, o premiê do Japão, argumentou que a melhor maneira de lidar com a China é, exatamente, nesse contexto. Fazer concessões em apoio a um acordo mundial seria muito mais fácil para a China do que em reação a pressões bilaterais dos Estados Unidos. Se isso exigir reformas das regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), também não seria problema.

A cooperação é tão essencial quanto a interdependência. Não podemos administrar o meio ambiente mundial ou garantir prosperidade e paz sem cooperar com a China. Além disso, se todos os países fossem obrigados a escolher um lado ou o outro, haveria, mais uma vez, profundas e custosas divisões entre os países e no âmbito de cada um deles.

Nada disso permite concluir que os países ocidentais têm de aceitar o que a China quiser. Tomadas de controle de empresas estrategicamente importantes podem ser, legitimamente, zona proibida, para ambos os lados. Simultaneamente, se houver de fato provas de perigo estratégico decorrente da presença de determinadas companhias dentro das nossas economias, deveriam ser tomadas medidas contra elas. Mas a palavra aqui é "prova".

Finalmente, e de maneira mais significativa para mim, é de fato vital, como sugere Soros, que protejamos nossa liberdade e a da população chinesa que vive nos nossos países de novo sistema chinês de "crédito social" e de outras formas de alcance extraterritorial, o mais que pudermos. Mas isso seria mais fácil de justificar se os EUA não fossem tão extraterritoriais também. Na verdade, a convicção dos EUA de que têm direito de impor suas prioridades sobre o mundo, por bem ou por mal, é altamente desestabilizadora.

Surgiu uma nova grande potência, que nunca foi parte de um sistema dominado pelo Ocidente. Em reação a isso, muitos estão tentando fazer com que o mundo ingresse numa era de competição estratégica desenfreada. A história sugere que isso é perigoso. O que é necessário, em vez disso, é uma combinação de competição e cooperação com uma China em ascensão. A alternativa a isso será o aprofundamento da hostilidade e a confusão crescente. Ninguém em sã consciência quer isso. Portanto, parem, antes que seja tarde demais. (Tradução de Rachel Warszawski)

*Martin Wolf  é editor e principal colunista econômico do FT.