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Incêndio na Cinemateca Brasileira põe mais um acervo cultural no Brasil em risco

Objeto de denúncia do MPF contra a União por abandono e afetado por enchentes, acervo histórico tem sido vítima de falta de apoio, descaso — e agora, fogo

Lucas Berti e Joana Oliveira, do El País

Ainda sem se recuperar do incêndio que em 2018 destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o Brasil assistiu nesta quinta-feira as chamas —que chegaram até seis metros de altura— ameaçarem, mais uma vez, o acervo de um dos galpões da Cinemateca Brasileira, no bairro da Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo. De acordo com representantes do Corpo de Bombeiros que atuavam no local, o fogo começou por volta das seis da tarde e afetou três salas no primeiro andar do imóvel alugado na Rua Othão, número 290: duas delas abrigam o acervo histórico de filmes da entidade, e a terceira armazena documentos impressos. Às 20h, as chamas estavam controladas, mas ainda havia pequenos focos de incêndio no interior do edifício, rodeado por chamas. Cinco caminhões e 70 bombeiros atuaram para controlar a situação, que não deixou vítimas.


Uma das hipóteses é de que o fogo tenha começado durante a manutenção do sistema de ar condicionado, realizado por uma empresa terceirizada no galpão, segundo Robson Bertolotto, diretor da Defesa Civil da Lapa, que atuou no local, que teve 25% de sua estrutura comprometida e cujo teto desabou. “Vimos danos causados tanto pelo fogo, quanto pela água. Visualmente, constatei muitos rolos de filmes preservados, mas também vimos prateleiras retorcidas”, contou Bertolotto após uma vistoria no galpão.

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Criada na década de 1940 e conhecida como a quinta maior cinemateca em restauro do mundo, a instituição abriga 250.000 rolos de filme, sendo 44.000 títulos de curta, média e longa-metragens, além de programas de TV e registros de jogos de futebol. Entre seus maiores tesouros, estão o arquivo completo de Glauber Rocha, maior expoente do Cinema Novo e as gravações de Marechal Rondon sobre as Forças Expedicionárias Brasileiras. A maior parte desse acervo fica na sede da Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, mas estima-se que quatro toneladas de documentos sobre políticas públicas de cinema do Brasil tenham sido queimadas no galpão que armazena parte das películas e arquivos, o que coloca em risco a memória das instituições e programas audiovisuais brasileiros.

“Dependendo da extensão do dano, uma parte da história de preservação do cinema e do Estado brasileiro vai se perder para sempre”, lamentou o ex-conselheiro da Cinemateca Brasileira e professor de História do Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), Eduardo Morettin. Além de conhecer a estrutura, Morettin costuma levar alunos universitários à instituição.

Um funcionário que trabalha da sede principal da Cinemateca e que não quis se identificar, contou à reportagem que os riscos de incêndio não são exclusivos aos galpões distantes do prédio principal: “Ainda bem que [o incêndio] não foi aqui. Mesmo assim, a gente vive com o coração na mão. Toda hora fazemos ronda, sabendo que um incêndio também pode acontecer aqui, e a qualquer momento”.

A extensão real do dano ao acervo só será conhecida após a perícia da Polícia Federal, solicitada pelo secretário especial da Cultura, Mario Frias, que também revelará se o incêndio pode ter sido criminoso. “Tenho compromisso com o acervo ali guardado, por isso mesmo quero entender o que aconteceu”, escreveu Frias nas redes sociais.


Em nota oficial, a Secretaria Especial da Cultura afirma que “lamenta profundamente” o incêndio e que acompanha de perto a situação. Segundo a pasta, a manutenção do sistema de climatização do local foi realizada há cerca de um mês, “como parte do esforço do Governo Federal para manter o acervo da instituição”.

No último ano, a Cinemateca Brasileira tornou-se um símbolo da escassez de políticas públicas culturais do Governo Bolsonaro. Uma forte enchente no ano passado alagou as dependências hoje consumidas pelo fogo, o que motivou o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) a mover um processo contra a União diante da situação de abandono do local. A ação, no entanto, foi suspensa após o Governo prometer comprovar ações de reparo e preservação em um prazo de 45 dias.

Em 2016, parte do acervo foi atingida por um incêndio de condições similares ao dessa quinta-feira. Além disso, o ponto enfrenta um histórico de atrasos salariais, que motivaram funcionários a criar uma campanha pública para pedir apoio.

Repercussão
O incêndio de mais uma instituição histórica e cultural gerou indignação nas redes sociais, sobretudo pela situação de abandono em que se encontrava o local em que estão valiosos documentos, filmes e curtas nacionais —fato que vem na esteira de anos em que as posições do Governo Bolsonaro em relação à valorização cultural brasileira seguem em cheque.

O ex-governador e candidato à presidência em 2022, Ciro Gomes (PDT), disse que a “tragédia” vem de um “rastro de destruição de um governo que apaga nossa história”. Até o momento, porém, autoridades não haviam confirmado motivação criminosa por trás do incêndio. A vereadora de São Paulo, Erika Hilton (PSOL), relembrou a destruição do Museu Nacional há três anos e disse tratar-se de um “descaso organizado”.


Já o governador de São Paulo, João Doria, afirmouque a “morte gradual da cultura nacional” é resultado do “desprezo pela arte e pela memória do Brasil”.



Fonte:

El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-29/incendio-na-cinemateca-brasileira-em-sao-paulo-poe-mais-um-acervo-cultural-no-brasil-em-risco.html


Splash: Alê Youssef diz que cultura segue sob ataque e projeta calendário de 2022

Guilherme Lucio da Rocha, Splash

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Alê Youssef, acredita que o setor "entrou em 2021 levando porrada e sofrendo ataques". Ele vê muita ideologização em relação à cultura por parte do governo federal, sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro  (sem partido).

Acumulando duas passagens na pasta da maior cidade do país desde 2019, Youssef recebeu Splash com exclusividade em seu gabinete para conversar sobre suas ações e as dificuldades neste período de pandemia, em que o setor cultural foi o primeiro a sentir os impactos das medidas restritivas e deve ser o último a conseguir voltar à normalidade em 100%.

"Eu vejo 2021 como um período com os desafios que vêm desse processo pandêmico permanente, desse início de esperança [por conta da vacinação], mas de incerteza. A cultura foi a primeira a entrar e será a última a sair."

O secretário da gestão Bruno Covas (PSDB) já foi filiado ao PT e ao PV e mantém boas relações com diversas frentes políticas. Ele se diz preocupado com o "imbróglio ideológico" promovido pelo governo federal. A melhor maneira de explicar isso é citando o post do deputado preso Daniel Silveira e do Mário Frias [secretário de Cultura do governo Bolsonaro] falando sobre a estratégia para defenestrar a cultura e misturando-a com a esquerda. O vídeo em questão, postado por Silveira (PSL-RJ) em seu Instagram e já excluído, falava sobre um controle de verbas da pasta federal para "financiar projetos nefastos" desse "câncer chamado esquerda".

Contraponto
A maior cidade do país acabou se tornando uma espécie de contraponto às medidas do governo federal em relação à cultura. Um dos principais exemplos disso foi o festival "Verão Sem Censura", realizado no início de 2020 (época pré-pandemia). O evento reuniu peças teatrais, intervenções e shows musicais de artistas que sofreram com censura ou tiveram seus trabalhos rejeitados pela União. O secretário afirma que a atuação do governo federal é de "ataque", e que São Paulo deve ser uma voz de resistência.

Quando você tem pilhas de projetos da Ancine e da Lei Rouanet parados, é quase que uma censura prévia. Você desliga o motor que faz a engrenagem girar. Além disso, tem a exclusão das pessoas e personalidades da Fundação Palmares. Como alguém, por pura arbitrariedade, exclui pessoas tão emblemáticas, históricas, de uma hora para outra? A cultura é fundamental no processo antirracista.

Um dos pontos de possível diálogo entre governo federal e secretaria de Cultura de São Paulo é a Cinemateca. O local, que fica em São Paulo, mas é de responsabilidade do governo federal, não recebeu repasse de verbas em 2019 nem em 2020, colocando em risco parte de seu acervo histórico.

"Estamos tentando [um diálogo]. Precisamos achar uma solução. Para nós, além de ser uma responsabilidade em relação ao acervo nacional, tem a ver com um espaço emblemático da cidade."

Carnaval na pandemia
A trajetória de Alê Youssef está muito ligada ao bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, do qual o secretário é um dos fundadores. Por conta da pandemia, não houve comemoração oficial neste ano, e o prejuízo vai além da questão afetiva: em 2020, o  Carnaval movimentou quase R$ 3 bilhões na cidade. A gente estava numa crescente e, em 2021, teria um número ainda maior do que em 2020. Óbvio também que existiram as festas clandestinas, mas acho que demos uma demonstração de maturidade. Os grandes protagonistas do Carnaval [blocos de rua e escolas de samba] respeitaram o momento.

Sobre o Carnaval de 2020, o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia  contra Youssef, a SPTuris e seu presidente, Osvaldo Arvate Junior, além de outros funcionários da administração pública e a Ambev. Segundo o MP-SP, o contrato firmado entre prefeitura e a empresa para o patrocínio da festa de rua foi "extremamente vago".

"Recebi a denúncia perplexo, mas fiquei também tranquilo quando li os argumentos. Estamos preparando a defesa. Tenho muita consciência dos ritos que tomamos, acho que faz parte do exercício da atividade pública esse tipo de questionamentos. E temos o dever de responder no tempo certo."

Periferia modernista
Tentando manter a cultura viva em 2021, com políticas de resgate e apoio aos profissionais da área, a esperança é que 2022, pós vacinação, seja histórico. O ano marca o centenário da Semana de Arte Moderna, que marcou a era modernista no Brasil e foi um marco para a cidade de São Paulo.

Youssef revela que o prefeito Bruno Covas deve anunciar detalhes das celebrações mais para a frente, mas já adianta que o grande destaque será a valorização da cultura periférica. "Nós encaramos o centenário de 2022 como um grande reencontro da cidade consigo mesma. E ele se dá a partir da percepção de que o novo modernismo é concentrado na cultura da periferia. Ela é a protagonista."

O discurso encontra reflexo em seu gabinete. Desde janeiro, a secretária-adjunta da pasta é a produtora cultural Ingrid Soares, articuladora que tem ligações com as periferias da cidade. "Precisamos ter um olhar estratégico de valorização da cultura periférica. É o olhar para a formação cultural, o quanto a cultura tem que estar próxima das nossas crianças".

Se o assunto é cultura periférica de São Paulo, é preciso falar de funk e dos bailes de rua, que arrastam multidões pelos extremos da cidade. As medidas relacionadas a esses eventos costumam estar mais ligadas à pasta de Segurança Pública. No entanto, Youssef destaca o programa Funk da Hora, que visa levar infraestrutura para a realização desses eventos de forma organizada, com o aval do Estado.

Em 2015, a gestão de Fernando Haddad tentou instituir um programa similar, o Funk SP. No entanto, a medida adotada pelo petista durou cerca de um ano e recebia criticas sobre o "engessamento" das festas. Youssef argumenta que o Funk da Hora é diferente do projeto da gestão anterior e busca manter diálogo com produtores e artistas locais.

"Nossa ideia era estruturar festas públicas nas comunidades, para fazer com que a juventude e os artistas locais pudessem estar presentes nos palcos. Realizamos alguns eventos antes da pandemia, entramos em 2020 com essa agenda, era algo que levaríamos durante todo ano. Tratamos o funk como uma das principais expressões culturais da cidade."


Bernardo Mello Franco: Um novo bobo na corte bolsonarista

O papel de bobo da corte estava vago desde que o bolsonarismo despachou Abraham Weintraub para os EUA. Investigado no inquérito das fake news, o ex-ministro avisou que precisava sair do Brasil para escapar do “cadeião”. Faturou um exílio de luxo, com salário de R$ 116 mil para tuitar no Banco Mundial.

A fuga do olavista deixou o governo sem um agitador de prontidão em Brasília. Foi aí que se lembraram de Mario Frias, o ex-galã de “Malhação” que virou secretário da Cultura.

O ator é o quinto ocupante do cargo em um ano e meio de governo. Para durar mais que os antecessores, apelou à tática do sabujismo explícito. Desde que tomou posse, ele se esforça para bajular o capitão e os filhos. Na semana passada, estendeu a prática ao caçula Jair Renan.

Frias recebeu o Zero Quatro em reunião fora da agenda. A pasta informou que os dois trataram de “assuntos relacionados ao futuro dos e-sports”. Faltou informar se o filho do presidente foi recebido como jogador de videogame ou lobista de empresas do setor.

Três dias depois, o secretário estrelou um filmete de propaganda oficial. Na peça, ele repousa numa poltrona de veludo e descreve os brasileiros como “um povo heroico”, que “encara com um brado retumbante o destino que nos encara” (sic). A performance mostra por que o ator não foi longe na teledramaturgia.

Numa passagem, ele medita sobre os mártires brasileiros diante de um quadro do rei da Bélgica. O humorista Marcelo Adnet notou o potencial da cena e fez uma imitação do ex-galã. Frias acusou o golpe e chamou o comediante de “bobão”. Em seguida, Adnet passou a ser atacado pelas milícias virtuais e pelo perfil da Secom.

A atuação de Frias no governo mereceria a mesma atenção que sua carreira na TV: nenhuma. Ocorre que agora ele cuida de dinheiro do contribuinte. Na sexta-feira, o secretário determinou que entidades como Ancine, Biblioteca Nacional e Funarte submetam todos os atos a seu gabinete, incluindo publicações em redes sociais.

O dirigismo cultural é uma aspiração de todo regime autoritário. Na falta de um Jdanov, Bolsonaro aposta no ator de “Bela, a Feia”.