Mario de Andrade
Obra de Oswald de Andrade foi 'sopro de inovação', diz Margarida Patriota
Escritora participa de evento on-line nesta quinta em pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
A escritora Margarida Patriota diz que a obra Memórias Sentimentais de João Miramar, romance escrito por Oswald de Andrade e publicado em 1924, representou “um sopro de inovação” para a criação literária à época. Ela discute o assunto nesta quinta-feira (29/7) em mais um webinar da Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em pré-celebração do centenário da Semana de Arte Moderna.
Margarida, que lecionou por 28 anos Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Francesa no Departamento de Letras da Universidade de Brasília (UnB), afirma, porém, que o romance não emplacou por ser muito fragmentado e de difícil compreensão. “Pelo fato de ser tão radical, é uma obra pouco lida, mas vale como tentativa de renovação das bases da criação literária”, analisa.
Confira o vídeo!
O livro, que relata a infância, a adolescência, a vida adulta e a velhice de João Miramar, é composto por 163 fragmentos, os quais são escritos em diversos estilos: missivas, poemas, citações, diálogos, fórmulas-padrão, impressões, relatos de viagem, cartões-postais, entre outros.
A sequência dos fatos não é direta, como na prosa tradicional à qual se contrapõe o livro, mas subliminar, que trespassa os diversos fragmentos, mesmo os que não se referem diretamente à história pessoal do protagonista.
“O romance colocou em prática a criação literária. Ela representa uma narrativa de vanguarda, toda fragmentada, ilustra o que seria na época a ambição de compor uma narrativa livre de fórmulas e de tradição literária discursiva que existia no Brasil até então. Uma tentativa realmente de mostrar a prática do que seria a nova proposta de criação literária”, analisa Margarida.
A escritora observa que poucas pessoas conseguem ler a obra. “O caráter muito fragmentário é difícil, é composta de pequenos fragmentos. Os capítulos tem extensão de um parágrafo. Usa versos e palavreados incomuns na língua até hoje”, acentua ela, que também é tradutora.
Margarida Patriota
Margarida tem a expressiva marca de 28 livros publicados, entre eles o juvenil Uma voz do outro mundo, agraciado com o Prêmio João de Barro em 2006, e o romance Enquanto aurora, que levou o Prêmio Ganymedes José de Literatura Juvenil da União Brasileira dos Escritores (UBE) em 2011.
Em 2003, recebeu também o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) por sua tradução, para a FTD, de O Fantasma da Ópera. Sua vasta obra reúne ficção, ensaios, romances, contos e narrativas para o público juvenil com expressivas vendas para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
Evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Data: 29/7/2021
Transmissão: a partir das 17 horas
Onde: Portal e redes sociais (Youtube e Facebook) da Fundação Astrojildo Pereira e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
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Não sairemos desta barafunda infernal com os apertados nós que nos atam ao passado
O denso nevoeiro que até há pouco tempo embaçava a linha do horizonte e nos interditava prever o dia de amanhã começa a desanuviar. Passada a borrasca já se podem contar os perdidos e os salvados, mesmo que os mais estropiados dentre esses não devam esperar uma sobrevida sem sobressaltos. A Olimpíada está conosco e espanta os maus presságios com a festa de confraternização entre povos, que traz consigo o espírito de concórdia de que tanto estamos precisados.
O processo eleitoral se anuncia – esse santo remédio de eficácia comprovada em nossas crises políticas –, e com ele o retorno da política, da discussão sobre que rumos devem ser empreendidos na administração de nossas cidades, que valores e princípios queremos para nortear nossa vida em comum, hora da persuasão de eleitores e de alianças entre os afins. E, quando couber, até entre contrários, do que a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados consistiu num auspicioso primeiro sinal.
Velhos timoneiros de volta a seus postos de comando entoam o velho lema de que navegar é preciso e, lentamente, ainda com destino incerto, tateia-se em busca de uma saída desta barafunda infernal em que fomos envolvidos. Não sairemos dela, contudo, enquanto estivermos prisioneiros dos apertados nós que nos atam ao passado.
O mundo mudou e nós mudamos com ele, e não há caminho fácil pela frente neste século 21 que resiste em começar, como neste episódio regressivo do Brexit, com a maré montante da direita e a ressurgência dos temas da xenofobia, do nacionalismo autárquico e a candidatura presidencial de Donald Trump nos EUA no surrado estilo populista de um Mussolini, inventário de horrores que nos vem do que houve de pior no século passado.
Para o começo do alívio desses nós torna-se necessário reafirmar a velha lição de que somos parte do Ocidente, um outro Ocidente, na caracterização de José Guilherme Merquior em belo ensaio esquecido (Revista Presença, n.º 15, 1988), e de que não devemos cultivar ressentimentos em razão do nosso atraso porque seríamos, de fato, “uma modificação e uma modulação original e vasta da cultura ocidental”. Uma das marcas da nossa originalidade residiria no fato de não termos compartilhado com os europeus o etos da antimodernidade quando a História moderna foi vista como um pesadelo por muitos dos seus intelectuais. Ao contrário, segundo Merquior, o modernismo brasileiro foi percebido em chave otimista, longe da Kulturpessimismus europeia, como um “modernismo da modernização”, tal como presente em Mario de Andrade e confirmada com a ascensão de Juscelino Kubitschek – da prefeitura de Belo Horizonte com a obra da Pampulha à Presidência da República com a criação de Brasília –, quando as agendas do moderno e da modernização caminharam juntas.
O golpe militar interrompeu esse processo benfazejo. Com o novo regime a modernização apartou-se do moderno, que passou a ser reprimido com a intensificação da tutela estatal sobre os sindicatos, com o abafamento das tendências que se vinham acumulando em favor da auto-organização da vida social e com as severas limitações impostas à criação cultural e artística no País, cujos altos preços ainda pagamos. A democratização do País, consolidada com a Carta de 88, concedeu alento ao moderno, mas, a essa altura sem o embalo dos trilhos que antes percorria, ele não teria como se reencontrar com a modernização em razão da pesada herança de desacertos econômicos deixada pelo regime militar.
Sanear a economia foi obra do Plano Real e caberia ao governo do PT levar à frente a agenda do moderno presente nas suas lutas de fundação, respaldadas por importantes intelectuais críticos da modernização autoritária com que se tinha imposto o capitalismo no País, como, entre tantos, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e Florestan Fernandes. Partido com origem na moderna sociedade civil brasileira, ao se tornar governo, de modo surpreendente e sem apresentar suas razões, o PT logo se converteu em partido de Estado.
Essa conversão coincidiu com a adoção da obra do marxista italiano Antonio Gramsci – desde os anos 1960, influente em círculos da esquerda – como referência por alguns dos seus quadros dirigentes, embora numa versão antípoda das suas concepções originais, ironicamente caracterizada pelo sociólogo Francisco de Oliveira como hegemonia às avessas. Ao invés de os partidos e movimentos sociais dos seres subalternos buscarem a conquista da hegemonia na sociedade civil em nome de suas concepções políticas e ético-morais, credenciando-se assim ao exercício de papéis dirigentes, pela prática levada a efeito pelas lideranças do PT caberia ao Estado (às avessas) instituí-la por cima.
Nessa reviravolta, mais do que abdicar da agenda do moderno, que pressupõe a autonomia dos seres sociais e de suas organizações, o PT alinhou-se sem alarde à tradição da modernização pelo alto que nos vinha da era Vargas, reanimada pelo ciclo do regime militar, em especial sob o governo Geisel, com as escoras do tipo de presidencialismo de coalizão bastarda que praticava e de suas políticas de cooptação dos movimentos sociais.
Sob a presidência de Dilma Rousseff, menos por sua imperícia nas coisas da política, mais pela exaustão da modelagem herdada do seu antecessor, tanto a agenda do moderno se rebelou contra ela – como se constatou nas manifestações massivas de junho de 2013 em favor da autonomia do social – como se lhe escapou das mãos a da modernização com a economia do País parando de crescer.
Estamos não num fim de caminho, mas no da sua retomada. Se o direito ao moderno não pode mais ser arrebatado da animosa sociedade brasileira de hoje, temos também um compromisso inarredável com a modernização que faz parte do nosso DNA.
*Luiz Werneck Vianna: *SOCIÓLOGO, PUC-RIO
Fonte: estadao.com.br