Marina
Bruno Boghossian: Aliados estimulam Huck a conversar com Ciro e Marina
Articuladores querem reduzir marca da direita e formar candidatura de terceira via
O grupo que procura uma candidatura de terceira via para 2022 deu um passo largo à direita no almoço entre Luciano Huck e Sergio Moro. A repercussão do encontro pegou mal entre alguns articuladores desse plano. Agora, eles afirmam que é preciso fazer um movimento para o outro lado da régua política.
O protagonismo dado ao apresentador estabeleceu o DNA inicial do projeto. Embora não tivesse uma identidade ideológica nítida e defendesse uma agenda de redução da desigualdade, Huck vestiu o figurino da direita quando se associou a Aécio Neves e se cercou de conselheiros com uma visão liberal da economia.
Uma candidatura com essa cara seria, a princípio, uma jogada para atrair o que se convencionou chamar de bolsonaristas arrependidos –eleitores escolarizados e de centros urbanos que se afastaram do presidente nas sucessivas crises do governo.
Moro se somaria ao consórcio sob a bandeira da Lava Jato, que ainda atrai uma parcela desse nicho. Assim que o encontro entre Huck e o ex-juiz se tornou público, porém, ficou claro que a aliança não teria amplitude para ganhar uma eleição.
Operadores do grupo reconhecem que uma chapa com a marca da direita afastaria eleitores de esquerda e teria pouco sucesso em desidratar Jair Bolsonaro. Por outro lado, se a coalizão tiver a cor da esquerda, pode empurrar bolsonaristas arrependidos de volta para o presidente.
Articuladores acreditam, ainda assim, que o plano passa pela adesão de nomes à esquerda. Com isso, eles pretendem atrair parte do eleitorado do PT e chegar ao segundo turno contra Bolsonaro. Nesse cenário, Moro não teria destaque na campanha nacional –poderia disputar o Senado pelo Paraná. O tucano João Doria também ficaria sem espaço.
Ninguém conhece o ponto de equilíbrio, mas aliados dizem que Huck deve procurar nomes como Marina Silva e Ciro Gomes em breve. A tarefa não deve ser fácil: o ex-governador do Ceará já afirmou que a ideia de lançar o apresentador ao Planalto era uma “irresponsabilidade”.
Augusto de Franco: Os democratas na beira do precipício
Uma análise das alternativas eleitorais do campo democrático
Umas das deficiências “genéticas” dos democratas é não perceberem com antecedência os perigos para a democracia. Foi assim que FHC – que é um democrata – não viu o perigo que Lula poderia representar. É assim agora com muita gente que não está vendo claramente o perigo Bolsonaro. Ou o perigo da volta do PT (com candidato próprio e/ou apoiando tácita ou explicitamente o nacionalista retrógrado Ciro Gomes). Ou o processo de captura da disputa política pelo campo autocrático que está em curso e que pode se consumar caso se estabeleça uma polarização entre duas candidaturas iliberais (no sentido político do termo, quer dizer, estatistas) no primeiro turno das eleições de 2018: Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro.
Essa deficiência é antiga: os democratas atenienses, no século 5 a. C. não conseguiram prever os dois golpes que a democracia nascente sofreu por parte dos oligarcas (em aliança com os espartanos). E foram golpes sangrentos, que instalaram a Ditadura dos 400 e a Ditadura dos 30 (esta última conseguiu matar, em 8 meses, mais gente do que toda a primeira fase da Guerra do Peloponeso). Só foram acordar quando esses autocratas (chamados na época de patriotas – foi aí, aliás, que o termo foi cunhado, para designar que queriam a volta “do regime dos nossos país”), contando inclusive com gente da entourage de Sócrates, tentaram dar um terceiro golpe.
Ao longo da história, depois que os modernos reinventaram a democracia, a mesma deficiência se manteve: pode-se citar os casos da ascensão de Mussolini na Itália e do partido nazista, na Alemanha (mas também em vários países de Europa das décadas de 20 e 30 do século 20) cujos perigos, no início, não foram percebidos.
E a deficiência continuou. Assim como a democracia não tem proteção eficaz contra o discurso inverídico e nem contra o uso da democracia (notadamente das eleições) contra a própria democracia, os democratas têm uma miopia congênita para perceber os sinais fracos de que um processo de autocratização está em curso. Agora mesmo, no Brasil de julho de 2018, não estão conseguindo avaliar corretamente os perigos do bolsonarismo (vença ou não Bolsonaro as eleições de 2018) ou da volta da esquerda autocrática ao poder.
Examinemos as alternativas no campo democrático, ou seja, no campo das forças políticas que não são iliberais (no sentido político do termo). Neste campo temos como pré-candidatos: Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, João Amoedo, Henrique Meirelles, Paulo Rabello, Flávio Rocha e (embora isso ainda seja controverso) Marina Silva.
Geraldo Alckmin
O problema com Alckmin não é, nunca foi, falta de competência administrativa. Isso todo mundo sabe que ele tem. Também não é a corrupção: até agora não há nada consistente contra o ex-governador de São Paulo. Por último, não é, igualmente, seu desapreço pela democracia: ele sempre atuou dentro dos marcos do Estado de direito.
O problema com Alckmin é de outra ordem: em parte, falta de inteligência política e, em parte, uma dificuldade de conquistar a simpatia do eleitorado e de infundir entusiasmo nos que poderiam apoiá-lo. Claro que se Alckmin se revelar o candidato que tem mais condições de quebrar a polarização, no primeiro turmo, entre dois candidatos do campo autocrático (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro), devemos ir de Alckmin. O mesmo vale para João Amoedo, Meirelles, Álvaro Dias, Paulo Rabello, Flávio Rocha e Marina (de preferência se conseguir se desvencilhar da mentalidade petista, se comprometer com as reformas e prometer que não indicará nenhum petista para compor seu governo).
A questão é: até quando podemos – os democratas – esperar por isso? A resposta padrão, de que Alckmin só vai crescer quando começar o horário eleitoral gratuito na TV e no rádio, não está mais colando. As pessoas estão percebendo que isso é uma maneira de produzir um fato consumado. Quando a curta campanha estiver na metade e se Alckmin não crescer, a resposta será a mesma: dirão que só na segunda metade da campanha ele vai crescer.
Muitos também se perguntam de que adiantou queimar João Dória (que tem, inegavelmente, mais facilidade para atrair o eleitor). Alguns perceberam a incoerência do argumento para desqualificar Dória, dos que diziam que ele não cumpriu até o fim o seu mandato de prefeito (curiosamente os mesmos que não criticaram Serra por ter feito igual).
Para resumir, o grande problema que temos agora é o seguinte: se Alckmin – o candidato do campo democrático com mais estrutura – não crescer, se Dória não puder mais substituí-lo, se Amoedo, Meirelles, Dias, Rabello, Rocha e Marina também não crescerem (ou não cumprirem os requisitos mínimos para ser apoiados pelos democratas, como o compromisso com as reformas), caminharemos em marcha batida para o cenário do horror, com a disputa política capturada pelo campo autocrático e os democratas sendo alijados da cena pública? Este o drama que estamos vivendo. É como estar na beira do precipício.
Álvaro Dias
Álvaro Dias também pode ser colocado no campo democrático, ainda que – provavelmente por oportunismo eleitoreiro – namore com o jacobinismo restauracionista dos instrumentalizadores políticos da operação Lava Jato (e queira representá-la). Mas a Lava Jato, como operação jurídico-policial do Estado de direito, não pode ter candidato. E ainda que alguns integrantes da força-tarefa de Curitiba sejam simpáticos à candidatura de Álvaro Dias, o resultado objetivo da campanha indireta que fazem, quando se comportam como atores políticos, leva necessariamente ao bolsonarismo.
Cabe aqui abrir um parêntesis sobre a instrumentalização política da Lava Jato. A insistência dos seus operadores em propagar que todo sistema político é corrupto e não tem mais conserto é uma mensagem perigosa para a democracia na medida em que será entendida pelos eleitores da seguinte maneira: temos de eleger uma pessoa honesta, capaz de fazer uma limpeza geral e recolocar ordem na casa. Os instrumentalizadores políticos da Lava Jato escondem, porém, que judiciário e ministério público fazem parte do establishment e apontam suas baterias para o parlamento (o poder, por excelência, da democracia) e para o executivo. Como se juízes e procuradores possuíssem um gene diferente, que os protegesse da corrupção que assola todos os demais poderes.
Álvaro Dias tem poucas chances eleitorais: forte na região Sul (especialmente no seu estado, o Paraná), é praticamente desconhecido nas outras regiões do país. E até agora não deu mostras de ter compreendido a gravidade do problema. Tanto é assim que continua refratário (ou pouco entusiasmado) com as tentativas de se buscar uma unidade do campo democrático no primeiro turno. Está de costas para o abismo, mas também na beira do abismo.
João Amoêdo
É imperativo agora unir os democratas para impedir a volta do PT ou a ascensão de projetos autoritários como o de Ciro ou de Bolsonaro. Isso inclui Amoedo e seu partido chamado Novo.
Mas a insistência do Amoêdo em dizer que só o Novo é coerente porque não aceita financiamento público de campanha denuncia uma vontade de se auto-afirmar, acumulando forças para o crescimento do seu futuro partido, de corte mais liberal (ainda que num sentido rebaixado, quase que exclusivamente econômico do termo, quando o que importa para a democracia é o liberalismo-político).
É claro que financiamento público de campanhas é incorreto (mas não ilegal). O financiamento deveria ser privado (incluindo contribuições de empresas, dentro de certos limites, o que era permitido e só recentemente foi tornado ilegal).
A postura de Amoêdo de afirmar intransigentemente seus princípios seria legítima se não decorresse de uma leitura equivocada da conjuntura, que não vê os perigos reais que ameaçam a democracia neste momento, não no futuro. Vê a árvore, mas não vê a floresta. Quando Amoêdo ataca todos os demais candidatos que estão no campo democrático (porque aceitam financiamento público de campanha), elimina a possibilidade de alianças (o que é próprio do jogo democrático). E revela um egoísmo de candidato, de projeto e de partido, que não entende que não precisamos de uma saída em 2022 ou 2026 e sim agora, em 2018.
O partido chamado Novo é importante, mas – sozinho – ainda não é uma alternativa concreta agora (aliás, sozinho, mesmo que vença as eleições, ninguém poderá governar). Pelo menos ainda não há nenhuma indicação concreta disso. Se houver, se Amoêdo tiver mais condições de impedir uma polarização, no primeiro turno, entre Ciro (ou algum outro apoiado pelo PT) x Bolsonaro, então vamos todos, os democratas, de Amoêdo. Do contrário, não podemos votar em Amoedo só porque ele quer fazer seu nome para disputar o mercado futuro da política, caindo no cenário do horror de ter de escolher, no segundo turno de 2018, Ciro (ou outro apoiado pelo PT) ou Bolsonaro. A democracia brasileira não aguenta esperar 4 ou 8 anos por Amoêdo (até que ele tenha condições de vencer sozinho).
Henrique Meirelles, Paulo Rabello e Flávio Rocha
Embora se situem no campo democrático esses candidatos ainda não conseguiram dizer claramente aos eleitores a que vieram. Meirelles é um nome indiscutível, para cuidar da área econômica de qualquer governo democrático. Paulo Rabello, nem tanto. E Flávio Rocha, ao abraçar uma pauta liberal em economia e conservadora nos costumes (para disputar com o bolsonarismo ou com a chamada “nova direita”), não dá mostras de que conseguirá empolgar as pessoas comuns que não são simpáticas à candidatura de Jair Bolsonaro. Os três devem ser aproveitados em qualquer coalizão eleitoral democrática, mas sozinhos têm poucas chances.
Marina Silva
Marina – de todos os citados que não estão no campo autocrático (e nisso há muito controvérsia) – é a mais ligada à mentalidade petista. Seu partido no Congresso (durante o processo do impeachment, em 2016) defendeu Dilma e o PT com mais afinco do que os próprios petistas (via seus líderes na Câmara, Molon e, no Senado, Randolfe – e este último continua na tal Rede). E Marina, com perdão da blague, permaneceu durante todo esse tempo como uma Submarina (pois jamais veio a público desautorizar os líderes parlamentares de seu partido chamado Rede).
Além disso, para que ficasse claro que Marina está indiscutivelmente no campo democrático, seria necessário que ela se comprometesse com as reformas (o que não fez até agora de modo enfático) e pare de falar que governará com gente de todos os partidos (mesmo porque isso não é verdade: todos sabem que ela tenderá a indicar militantes do PT e que não indicará ninguém do partido do Bolsonaro, por exemplo – e neste caso está certa).
O problema de fundo é que Marina – e, mais do que ela, o seu partido chamado Rede – é de esquerda. Isso é um problema porque por mais que alguns anseiem por uma “esquerda democrática”, a esquerda realmente existente no Brasil de hoje não está mais no campo democrático.
Claro que se a alternativa mais viável for Marina para barrar o cenário do horror (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro), impõe-se para os democratas o voto nela. Mesmo sabendo que sua mentalidade continua fronteiriça (entre o campo democrático e o campo autocrático de esquerda).
É fácil verifica isso. Em entrevista às Páginas Amarelas da Veja (edição de 27/06/2018), Marina afirmou o seguinte:
“Focar no Lula é reducionismo. Temos, além do ex-presidente, o Michel Temer, o Aécio Neves, o Romero Jucá, o Renan Calheiros… A única diferença é que um está preso e os outros não”.
A “única diferença”, camarada?
O que ela está nos dizendo é que Mussolini é a mesma coisa que Berlusconi, Hugo Chávez é a mesma coisa que Rafael Caldera, Salazar é a mesma coisa que José Sócrates ou que o Hezbollah é a mesma coisa que o PCC. Ou seja, segundo Marina, a corrupção com motivos estratégicos de poder de um Lula, de um Dirceu, de um Vaccari é igual à corrupção endêmica na política, de um Cunha, de um Alves, de um Geddel. Mas para mostrar uma certa injustiça (da justiça) ela cita os que não estão presos: Temer, Aécio, Jucá e Calheiros.
Acontece que a corrupção com motivos estratégicos de poder é um ataque direto ao coração da democracia, enquanto que a corrupção tradicional, endêmica nos meios políticos, provoca uma degeneração do sistema político, por certo, mas não altera necessariamente o DNA do regime. Depois de Berlusconi, a Itália continuou sendo uma democracia, depois de Mussolini, não. Depois de José Sócrates, Portugal continuou sendo uma democracia, depois de Salazar, não. Depois de Caldera, a Venezuela continuou sendo uma democracia, depois de Chávez (e seu sucessor Maduro), não.
Essa é a tese para livrar a cara do PT, inventada por Thomaz Bastos e Malheiros e usada por Lula: o PT só fez o que todo mundo faz. É falso. Tentar fazer a “revolução pela corrupção” (para usar uma expressão do saudoso poeta Ferreira Gullar, que percebeu o ardil) é muito diferente de roubar para enriquecer e se dar bem na vida. Ainda que ambas sejam condenáveis, os riscos são muitos diferentes para a democracia. E ainda que o PT tenha praticado as duas formas de corrupção ao depositar seus ovos dentro da carcaça podre do velho sistema político.
Conclusão
Dada a gravidade da situação não cabe aos democratas fazer muitas restrições aos candidatos do campo democrático. A questão agora não é a de escolher o melhor: o candidato que tenha o programa mais consistente, o mais capacitado gestor, o líder mais brilhante.
A orientação agora parece ter ficado clara e pode ser resumida na frase:
PT nunca mais. Ciro ou Bolsonaro, jamais.
Qualquer um do campo democrático que tiver chances reais de quebrar a polarização, no primeiro turno (pois no segundo, já era), entre dois candidatos do campo autocrático (Ciro ou alguém do PT x Bolsonaro) servirá. Ainda é cedo para fazer essa escolha, pois nenhum dos candidatos citados reúne tais condições. Mas já passou da hora de articular um polo democrático e reformista que seja capaz de unir os democratas para evitar o desastre anunciado.
O bolsonarismo continua crescendo, em parte subterraneamente (e ele, como corrente de opinião, é muito mais perigoso do que o oportunista eleitoreiro chamado Jair Messias Bolsonaro). Se o caos se instalar – na esteira das tentativas de destruição do atual governo e das candidaturas do campo democrático mais viáveis – é possível até que Bolsonaro vença no primeiro turno. Ciro ou alguém do PT ungido por Lula (provavelmente Haddad) também crescerá (ainda que com menos chances de levar no primeiro turno). O mais provável é que, não havendo uma alternativa democrática forte, consistente e com alta visibilidade, ainda no primeiro turno, a situação se polarize entre dois projetos populistas (ambos estatistas): o neopopulismo lulopetista de esquerda (ou o nacionalismo-retrógrado cirista, também de esquerda) versus o populismo-autoritário bolsonarista de direita. Este é o cenário do horror, que alijará os democratas da cena pública.
O grande problema é que os democratas ainda não perceberam que estamos na beira do precipício. E que, se não fizerem nada – agora, não depois que começar a propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV – a democracia brasileira vai cair num abismo profundo, do qual não sairemos em menos de uma década (ou, talvez, de uma geração). (Dagobah-Inteligência Democrática – 06/07/2018)
Merval Pereira: Voluntarismo confronta tradição
Voluntarismo confronta tradição de grandes partidos. Os três pré-candidatos mais bem colocados atualmente nas pesquisas eleitorais, partindo-se do princípio de que o ex-presidente Lula está fora da disputa, não têm estruturas partidárias fortes. Jair Bolsonaro, a caminho do PSL, Marina Silva, da Rede, e Ciro Gomes, do PDT, superam até o momento potenciais candidatos dos dois partidos que dominam a política nacional nos últimos 25 anos, PT e PSDB.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, perde para Bolsonaro em seu próprio estado, nicho tucano que vem sendo desmontado pelo voluntarismo do candidato da extrema-direita. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, onde os tucanos costumavam reinar, também Bolsonaro aparece bem votado, e um dissidente do PSDB abre caminho em outro pequeno partido, o Podemos.
O senador Álvaro Dias vem crescendo no Sul e crava sua liderança no seu estado natal, Paraná, berço da Operação Lava-Jato. Ciro Gomes domina o eleitorado nordestino na ausência de Lula, e não dá margem a que um candidato petista substitua o ex-presidente na preferência do eleitorado.
Já Marina Silva, com seu minúsculo partido que terá cerca de 1% do tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão, e a menor verba partidária de quantos disputarão a eleição, mantém-se na memória afetiva da população e aparece sempre disputando uma vaga no segundo turno, mesmo quando Lula está na parada. Afinal, já teve 20 milhões de votos em duas eleições presidenciais seguidas, o que não é de se desprezar.
Mesmo diante de todas essas evidências de que a política tradicional está sendo atropelada pela indignação das ruas, políticos tradicionais como o próprio Lula, ou até mesmo o vereador e ex-prefeito do Rio Cesar Maia, acham que a disputa final se dará mais uma vez entre petistas e tucanos. Por isso Cesar Maia desestimula publicamente a tentativa de seu filho, o deputado federal e presidente da Câmara Rodrigo Maia, de abrir caminho próprio para disputar a Presidência da República pelo DEM.
Maia filho será lançado esta semana, e vê uma avenida aberta para candidatos novos diante da ausência de Lula e da falta de alternativas apresentadas ao eleitorado até o momento. Rodrigo Maia não acredita na competitividade do PSDB, e muito menos de Geraldo Alckmin.
O governador tucano, no entanto, se movimenta à moda antiga, o chamam de candidato analógico em tempos digitais, fechando acordos com outros partidos da política tradicional como PTB e PSD, da base do governo Temer. As negociações com outras legendas, como PPS e PV, estão avançadas. O objetivo é ter cerca de 25% do tempo de TV em cada bloco diário de 12 minutos, na certeza de que esse será o diferencial numa eleição em que estão em jogo cargos que dependem de acordos partidários amplos para garantir o número de votos necessários.
O único candidato fora das grandes estruturas partidárias que raciocina com elementos da velha política ainda é Ciro Gomes, que, embora descrente devido às divergências que vem tendo com a estratégia de Lula e do PT, ainda vislumbra uma aliança improvável mesmo antes do segundo turno.
O que está em disputa são duas visões distintas da política partidária neste momento por que o país passa: as grandes estruturas partidárias lutam por manter seu espaço tradicional, enquanto as lideranças carismáticas, seja por que motivo for, jogam nas redes sociais para fomentar dissidências, que desestruturariam os acordos estabelecidos historicamente. Ciro ainda acredita que a esquerda acabará vendo nele a salvação do projeto de poder. Lula, a única liderança carismática que tem uma estrutura partidária forte, mesmo que abalada pelos escândalos, não consegue transplantar para um poste essa dupla qualificação.
É o que Rodrigo Maia quer fazer com o DEM, um tradicional parceiro do PSDB que tenta alçar voo próprio na certeza de que o sinal será invertido: os tucanos, constatando a inviabilidade eleitoral de Alckmin, o cristianizariam em seu favor. É o que o PPS tentou fazer com Luciano Huck, comendo por dentro as bases tucanas.
O governador de São Paulo, por sua vez, trabalha seu estilo zen, acusado de anódino pelos adversários, na certeza de que ao final ele será o aglutinador das forças do centro nacional, incluindo aí o MDB do presidente Temer. Assim como Lula acha que, ao final, será o candidato do PT que lançará, e não Ciro Gomes, o destinatário dos votos da esquerda.
Jose Roberto de Toledo: Temer pega onda
A economia brasileira vai tão bem quanto a política do país. Para quem enxerga com tal ponto de vista, não há motivo para insistir em investigações, afastamentos e tanto menos prisões que coloquem em risco o círculo virtuoso de conquistas e recordes alcançados – em tão pouco tempo – pelo gênio político de Michel Temer e pela austeridade de seus ministros.
Malas, ora, malas. Esses são os críticos, dizem os defensores do presidente. Quanto cabe numa mala? Nada comparado ao valor do resgate da confiança dos agentes econômicos. Se não se almoça picanha grátis, por que as reformas haveriam de sair de graça?
Economistas parecem enfim conformados com o adiamento do crescimento que tinham certeza que aconteceria em 2017, não fosse a realidade – sempre ela – a atrapalhar. Mais certeza ainda têm os empresários que defendem sustentar Temer em nome da estabilidade. Afinal, uma crise sem fim é uma crise estável.
O mercado financeiro emburrou com o resultado do governo central, divulgado semana passada. Tanto mimimi só porque o buraco de R$ 29,4 bilhões das contas federais foi o maior em 20 anos para um mês de maio. Tudo bem que o rombo superou as expectativas mais pessimistas, mas qual a novidade?
Foi o oitavo recorde mensal quebrado pela dupla Temer/Meirelles em apenas um ano. Eles detêm os maiores déficits fiscais para fevereiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro. Se ajustes metodológicos nem emendas parlamentares aumentarem o número de meses do ano, custará mais que uma visita do Joesley para lhes roubar o recorde de recordes deficitários.
Resta o desafio de quebrarem a própria marca e chegarem ao nono recorde mensal. Bom motivo para segurar o governo até outubro.
Com a ajuda da mão de Deus, é só aguentar mais umas flechadas por três meses e trocar o arqueiro em setembro. Para garantir, convém pedir ao Gilmar para tratorar o bambuzal, com Supremo com tudo. Quem segura o governo até outubro de 2017 segura até outubro de 2018. Aí já emenda com as eleições presidenciais e não se fala mais em malas. Só em caixas.
Todos juntos, vamos
O Datafolha mostrou que Marina Silva é quem mais ganharia se Lula não fosse candidato a presidente. Herdaria, hoje, pelo menos 1 de cada 4 ex-eleitores do petista. Mas e se o ex-presidente pegar jacaré na mesma onda que tenta empurrar Temer até o fim do mandato? Se Lula conseguir se manter na disputa presidencial, qual rival tem mais a ganhar com sua permanência?
O Ibope fez um estudo estatístico dos mais interessantes para tentar responder essa questão. Calculou a razão de possibilidades (“odds ratio”, em inglês) de os eleitores que declaram que não votariam em Lula de jeito nenhum votarem nos demais presidenciáveis. Dos oito nomes testados além do petista, João Doria é quem tem a maior chance de se tornar o anti-Lula.
E não é por pouca diferença. A chance de o prefeito paulistano vir a conquistar a metade que não quer Lula presidente pela terceira vez é 37% maior do que a de Bolsonaro e 40% superior à de Alckmin, segundo o Ibope. De acordo com o estudo, Doria levaria ainda mais vantagem nesse eleitorado anti-Lula sobre Joaquim Barbosa (65% mais), Marina (127% mais) e Ciro (192%).
Em resumo, se Temer ficar e Lula também, a sucessão presidencial tem boas chances de ter um tucano disputando contra um petista pelo quinto segundo turno consecutivo. Estatisticamente, há uma confluência de interesses entre a Turma do Pudim, tucanos e lulistas.
Tanto quanto as matreirices de quem visita Temer escondido no Palácio do Jaburu, essa conjunção pode ajudar o presidente a se segurar mais tempo no cargo do que merece.
* José Roberto de Toledo é jornalista
Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/vox-publica/temer-pega-onda/
Ruy Fausto: 'Hegemonia de esquerda não pode ser mais do PT'
Para Ruy Fausto, sigla deve se articular com outras frentes e partidos, como o PSOL, nas eleições do ano que vem
Marianna Holanda, O Estado de S. Paulo
É de esquerda e critica o chavismo, trotskismo, maoismo e o marxismo. Repudia todas as formas de populismo, totalitarismo e adesismo – às quais tem dado o nome de “patologias da esquerda”.
Aos 82 anos, o professor emérito de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Fausto, radicado na França, transformou o artigo que publicou na edição da revista piauí de outubro passado no livro Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução (Companhia das Letras), a ser lançado em 3 de julho.
Em entrevista ao Estado, Fausto defende o fim da hegemonia do PT no campo da esquerda e a formação de uma frente única progressista para a eleição presidencial de 2018 com, por exemplo, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
ESTADÃO - Há uma hegemonia de direita?
RUY FAUSTO - No mundo, há uma ofensiva grande da direita que surgiu, principalmente, com o fim da União Soviética. Me assusta muito, particularmente, a extrema direita, que tem uma linguagem muito violenta. Tem ainda a situação brasileira, com o PT, que acabou fortalecendo a direita. A política petista trouxe maior distribuição de renda, mas também houve uma corrupção absolutamente intolerável. Ainda assim, nada justifica o impeachment (da presidente cassada Dilma Rousseff), que foi um desastre. Mas a direita se lançou nessa aventura, conseguiu e isso permitiu que eles levantassem a cabeça. A corrupção foi um discurso bem apropriado pelos movimentos de direita.
Como o senhor avalia as críticas ao que o PT fez enquanto ocupou o governo?
Um partido de esquerda que se pretende democrático tem de ter lisura administrativa absoluta. Há uma política de “fins justificam os meios”. A lição que se tira no PT hoje é: “nós não fomos suficientemente oportunistas”. Isso é um desastre total e tem intelectual saudando isso aí. Certamente faltou um mea-culpa. Nesse sentido, os melhores são o Tarso Genro (ex-governador do Rio Grande do Sul), o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça no governo Dilma). O PT vai continuar a existir. Mas o caminho é de queda, para haver uma renovação.
Lula seria um bom candidato?
Acho que não. Primeiro, acho muito difícil que ele concorra, a situação jurídica é muito difícil. Eu não desejo a condenação do Lula, embora ache difícil ele conseguir evitar isso. Desejo, sim, que ele possa legalmente se candidatar, mas não acho que, nas condições atuais, ele seria um bom candidato para a esquerda. Acho que os melhores nomes podem vir do PT, do PSOL, ou mesmo da sociedade civil.
O senhor acredita que a esquerda deveria sair unificada em 2018?
Sim, é essencial que se crie uma frente única de esquerda, fazer uma espécie de fórum desses movimentos independentes. Não é para ter uma ruptura total com o PT, mas a hegemonia não pode mais ser dele, no campo da esquerda. Isso também não significa que a gente vá ganhar em 2018. A gente tem de ter uma boa campanha. E, aí, surgem possíveis nomes. O Fernando Haddad (ex-prefeito de São Paulo), por exemplo, é bom sujeito, competente, não é corrupto. Outro nome é o Marcelo Freixo, que me parece um sujeito bom. Acho que talvez o Fernando Haddad possa sair como candidato ou como vice. Às vezes, um dos melhores do PT com um dos melhores do PSOL poderia funcionar.
Mas Fernando Haddad não conseguiu se reeleger em São Paulo e Marcelo Freixo também não foi eleito prefeito no Rio na eleição do ano passado...
O Haddad, eu não estive aqui (no Brasil) durante toda a sua gestão na Prefeitura, mas tenho a impressão de que fez um bom governo. Ele teve uma péssima campanha, foi muito atacado e avaliou mal os movimentos das ruas. Já o PSOL é até meio de extrema esquerda. Há muito essa ideia de que se deve ir mais à esquerda – como se a luta política fosse uma espécie de escala. Você pode até dizer isso, mas redefina a esquerda. Enfim, o PSOL tem seu mérito por ter criticado a corrupção e as alianças sem escrúpulos do PT, mas ainda é de extrema esquerda. Alguns flertam com chavismo e castrismo. Mas, na verdade, é um partido muito variado.
Existem ainda outros nomes que surgem: o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT), o Guilherme Boulos, líder do MTST, e mesmo a ex-ministra Marina Silva (Rede)...
A Marina, eu respeito a biografia, mas seu programa econômico não é bom e ela não se move muito bem na política. O Ciro é um sujeito que fala muitas verdades, mas fala demais. O Boulos não conheço de perto. Ele certamente faz um trabalho muito importante na periferia, mas ainda tem um discurso muito bolivariano, e acho que isso tem de mudar. Devemos priorizar um programa mais democrático.
* Ruy Fausto é doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da USP. Irmão do historiador Boris Fausto, escreveu livros como A esquerda difícil, em que fez rigorosas análises políticas. Aos 82 anos, lançará uma obra com possíveis saídas para a crise da esquerda no País.
O Estado de São Paulo
Marcos Nobre: A nova geração da política
Terminada uma eleição, a primeira pergunta que se faz é pelas chances que teriam figuras já conhecidas para as eleições seguintes. As chances de Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Lula, Marina Silva, Ciro Gomes, Fernando Haddad e por aí vai. O problema desse tipo de foco é o imediatismo, limitado à próxima eleição. É um raciocínio que pensa que política é apenas eleição.
Tentar entender política envolve saber distinguir movimentos políticos de lógica partidária e de estratégia eleitoral. Quadros políticos são construídos ao longo de décadas. Não surgem nem desaparecem apenas em momentos de eleição. Nem são formados apenas dentro de partidos. Suas trajetórias de vida determinam o que são e onde estão para além da política oficial. Temos de nos perguntar como se politizaram e como tomaram a decisão por um caminho e não por outro.
É importante não reduzir a pergunta pela nova geração da política à pergunta pela geração nova da política. Para conseguir pensar o que será a política nos próximos 20 anos. E o que se quer que se ela seja. Para tentar sair da armadilha imediatista e pensar adiante, vale lembrar, por exemplo, onde estavam figuras da nova geração 20 anos atrás.
Nestas eleições, há casos clássicos de uma nova geração com formação partidária ortodoxa, como o do prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, do DEM. Nascido em 1979, acompanhou desde cedo um político tradicional, o avô, ACM, e conquistou seu primeiro mandato de deputado federal aos 23 anos. Mas está longe de ser paradigmático de sua geração. Basta olhar para outras figuras políticas que nasceram entre 1980 e 1984.
O procurador da República no Paraná, Deltan Dallagnol, nasceu em 1980 e formou-se em direito em 2001 na UFPR. Seu mote sobre a transformação do país pode ser enunciado assim: “Não é o envolvimento político-partidário, mas o exercício de cidadania”. Provavelmente foi sua avaliação negativa do cenário político-partidário no momento de sua decisão profissional o que o fez optar pela carreira de procurador em lugar de um engajamento na política oficial.
Liderança do MTST, Guilherme Boulos tem hoje 34 anos e aos 17 já tinha assinado uma carta de rompimento com o PCB. Como será que, durante seu curso de filosofia na USP, decidiu que o caminho partidário ou a militância em um movimento social tradicional não conseguiriam traduzir mais suas aspirações políticas? No momento em que decidiu participar de sua primeira ocupação, o PT e os movimentos sociais estavam voltados para a eleição de 2002. Não parece que era essa a sua ideia do que significa fazer política.
Áurea Carolina nasceu em 1984. Sua atuação no coletivo “Hip Hop Chama” e no movimento feminista, seu engajamento nas lutas do movimento negro nas periferias se traduziu em 2016 na maior votação para a Câmara Municipal de Belo Horizonte. Elegeu-se pelo Psol, mas seu mandato está ligado à iniciativa “Muitas | Cidade que queremos”, semelhante à que foi realizada em São Paulo pela “Bancada Ativista”.
A pergunta que se pode fazer agora é: por que recuar 20 anos se há caras da nova geração que têm 20 anos de idade, como o vereador eleito Fernando Holiday, em São Paulo? Também o caso de Holiday vai além do horizonte partidário. Negro, pobre e primeiro vereador assumidamente gay, elegeu-se pelo DEM, mas sua atuação se pauta pelo movimento do qual é uma das lideranças, o MBL.
Em Junho de 2013, Holiday era secundarista. Se optou por se lançar na política oficial desde já, não foi esse o caminho escolhido por muitos da mesma idade que saíram às ruas três anos atrás. O exemplo de Holiday leva à ideia simples de que pensar o futuro é pensar o que está acontecendo agora nas escolas ocupadas em quase metade dos Estados. Da natureza dessas iniciativas e das respostas que serão dadas a elas sairá muito do Brasil de 2036.
Para quem quer entender essa “primavera secundarista”, é indispensável ler “Escolas de luta: o movimento dos estudantes contra a ‘reorganização’ escolar”, de Antonia M. Campos, Jonas Medeiros e Márcio M. Ribeiro (Veneta). É um relato generoso tanto com quem lê o livro como com quem ocupou e continua a ocupar as escolas. Reconstrói, com paciência e detalhe, o processo de “reorganização escolar” desencadeado pelo governo Alckmin em São Paulo em 2015, reunindo informações que se encontram espalhadas em fontes diversas e dispersas.
Mas não existe neutralidade quando se trata de recortar uma exuberância de dados, uma multiplicidade de vozes. Cada escola ocupada tem sua história, sua linguagem e seus temas. E nem os autores pretendem neutralidade. Se não há tomada de posição nem preferências por uma ou outra ação, é explícita sua adesão ao sentido geral das movimentações secundaristas como ações de resistência e de auto-organização.
A peculiaridade do livro é fazer com que esse conjunto de ações surja como um movimento, algo que talvez não seja claro nem para quem faz nem para quem está tentando entender o que está sendo feito. A dificuldade que o livro se colocou é dar esse caráter de movimento sem confundi-lo com homogeneidade, muito menos com partidos e com a política oficial.
Não por acaso, em lugar de “movimento”, fala-se muito desde 2011 no mundo todo em “primaveras”: árabe, feminista, secundarista. Um movimento como o de “secundas” não é um movimento no sentido que se conheceu até antes dos anos 2010. Parece que o próprio conceito de “movimento” e de “movimento social” ficou obsoleto. Nessa lógica, primavera é uma estação de germinação. As formas anteriores de organização ficaram como que com o inverno da política.
Ninguém mais tem dúvida de que o cenário partidário e a forma atual de organização do sistema político caducaram. O problema é que muitos parecem continuar a olhar apenas para a política oficial, com a expectativa de que ela se transforme de dentro e por si mesma. Essa miopia não permite ver adiante. Para olhar para frente, é preciso olhar para trás. E para um presente que não é só o da política institucionalizada. Principalmente para quem ainda acha que partidos são instituições fundamentais da institucionalização da política. (Valor Econômico – 31/10/2016)
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas-feiras
E-mail: marcosnobre.valoreconomico@gmail.com
Fonte: http://www.pps.org.br/2016/10/31/marcos-nobre-a-nova-geracao-da-politica/