marielle franco
Arnaldo Jordy: Viva Marielle e sua luta
O brutal assassinado da vereadora Marielle Franco é mais um a comprovar o clima de insegurança que atormenta todos os brasileiros. Nosso país tem por ano mais de 60 mil insuportáveis homicídios. A diferença é que, a exemplo do que já havia acontecido em 1988, quando da morte de Chico Mendes no Acre, houve uma comoção nacional e internacional, pela covardia, brutalidade e objetivo político desta execução, que, não tenho dúvidas, teve como finalidade tentar desmoralizar a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e evitar que seja levantado o véu que cobre as relações entre o crime organizado e o poder político naquele Estado. Não há como a atividade criminosa progredir abrigando os interesses bilionários de narcotraficantes sem a cumplicidade das instituições e estruturas de poderes administrativos, a exemplo do que revelou o filme “Tropa de Elite 2”.
O Rio de Janeiro, por exemplo, teve três de seus ex-governadores presos recentemente e um deles, Sérgio Cabral, condenado a mais de 100 anos de prisão, depois de escândalos como os das obras superfaturadas para a Copa e as Olimpíadas; assim como quatro conselheiros do Tribunal de Contas, incluindo seu ex-presidente, e boa parte da elite política do Estado, incluindo o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É um Estado apodrecido em suas estruturas políticas e também econômicas, haja vista as prisões de alguns dos seus mais fortes e simbólicos empresários, como o Rei do Ônibus, Jacob Barata, e Eike Batista, o maior representante da política dos “campeões” nacionais da era Lula e Dilma, robustecidos com dinheiro do BNDES. A Petrobras, outro símbolo do Rio, também foi saqueada pela corrupção. Com os cofres pilhados, o Estado não tem condições sequer de saldar suas dívidas com o funcionalismo público e tem grande parte de seu território controlado por traficantes ou milícias armadas. É impossível que não tenha sua estrutura de poder e comando contaminada pelo crime organizado, cuja capacidade financeira sobra para corromper agentes públicos.
É nesse clima de terra arrasada que viceja o banditismo e o dinheiro do tráfico corrompe setores da polícia. Para estes que querem que tudo fique como está, nada melhor que provocar o caos, matando alguém que simboliza a luta pelos direitos humanos. A ONU anunciou que monitora de perto a evolução do caso Marielle e aponta que o crime é sintoma de uma situação sombria, que já vem de longo tempo.
Dentro desse quadro caótico, ganham terrenos os radicalismos, sejam de direita, com pessoas tentando desqualificar a militância de Marielle, inventando ou espalhando mentiras sobre sua vida pessoal; seja de outras forças que tentam usar sua morte como bandeira para se opor à intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Certamente, são bandidos que querem manter o status quo do tráfico e da corrupção que lucram com a morte de Marielle.
A resposta que deve ser dada a essa situação é a apuração rápida e séria desse crime, para que os culpados sejam identificados e punidos, e que a intervenção federal na segurança do Rio seja levada adiante dentro dos princípios constitucionais que permitem esse tipo de ação emergencial, que está dentro da ordem democrática. Está claro que algo precisa ser feito no Rio de Janeiro contra o narcotráfico, um negócio multibilionário que envolve interesses inconfessáveis nos mais diferentes setores, da política ao sistema financeiro.
Evidentemente que a intervenção federal não é a solução estrutural para o problema da violência que passa, isto sim, pelo reforço da educação e pelo resgate da pobreza, da exclusão e do abandono em que vivem tantas pessoas no Rio de Janeiro e em todo o Brasil, pessoas pelas quais também lutava a vereadora Marielle. Precisamos mais de lápis do que de armas, mas as crianças do Rio de Janeiro já não conseguem mais frequentar a escola com medo de tiroteios e essa situação precisa acabar.
* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA
Vinicius Müller: O Humanismo é a única homenagem possível à Marielle
Entre as tantas dificuldades que se impõem àqueles que estudam a História, duas delas são recorrentes e desafiadoras. Ambas, relacionadas entre si. A primeira é identificar a temporalidade necessária para o correto entendimento do objeto. A segunda é estabelecer as pontes entre as temporalidades, de modo que, ao fim, o maior número possível de explicações esteja à disposição. Não é verdade que a complexidade esteja em uma ou outra. Por exemplo, o entendimento relativo a um evento não é mais ou menos complexo do que aquele relativo à uma conjuntura ou à uma estrutura. Entender o início da Primeira Guerra Mundial a partir do evento do assassinato do representante austríaco em Sarajevo durante o ano de 1914, não é mais ou menos complexo do que entender a mesma Guerra a partir das mudanças relativas às lideranças europeias que ocorriam desde 1871.
O ideal é que o evento (o assassinato de Ferdinando) seja entendido isoladamente e em sua relação com a conjuntura (mudanças ocorridas desde 1871) concomitantemente. E a conjuntura, por sua vez, entendida em relação ao esgotamento de certos traços relacionados à estrutura mental e à ascensão do Iluminismo e do modelo de desenvolvimento econômico até então dominante no velho continente. Eventos, conjunturas e estruturas se isolam – e assim, isoladamente, são entendidas – ao mesmo tempo em que se complementam, possibilitando que ampliemos nossa capacidade narrativa e analítica.
O brutal e revoltante assassinato da socióloga e vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, em meados deste mês de março, é uma dessas tragédias que catalisam uma corrida de interpretações e especulações acerca das responsabilidades envolvidas. Esperado e compreensível, então, que uma tragédia como essa logo seja emoldurada por eventos recentes, que seriam suficientes para explicar o que ocorreu. A eventual intervenção no Rio de Janeiro, associada ao conjuntural desmonte dos direitos patrocinado pelo atual governo nacional seriam responsáveis pela tragédia a que foi submetida Marielle. Mais do que isso, a intolerância de alguns ante a militância de Marielle, associada à radicalização das opiniões e posições ideológicas, polarizadas desde ao menos 1994, seriam as causas evidentes. Ou ainda, a escalada da violência, aliada ao tráfico de drogas e à falência da autoridade pública no estado do Rio, cujo auge se revela agora, mas que desde o governo de Brizola se constrói, nos dariam a melhor explicação sobre o que ocorreu.
Todas elas, eventuais ou conjunturais, parecem fazer sentido e nos ajudam a montar um quebra cabeça que, se não resolve, ao menos conforta aqueles que, com razão, estão assustados, indignados e tristes por viverem em um país assim. Contudo, nos falta a explicação estrutural. Tanto na definição da temporalidade que nos possibilita enxergar a longa História, quanto nas relações que podemos estabelecer entre a estrutura e os eventos.
As estruturas, aquelas de longa duração, se mostram pelos valores. Seria cômodo, não obstante correto, localizar na desigualdade a estrutura que nos marca na longa História. Mas, só nos é possível identificar tamanha desigualdade porque é possível vislumbrar, mesmo que abstratamente, a igualdade. E a igualdade como valor é descendente do Humanismo, aquele que antes de qualquer identificação do sujeito em suas relações sociais e políticas, o enxerga como humano. O historiador suíço Jacob Burckhardt, em sua obra clássica sobre a Renascença (A civilização da Renascença Italiana, de 1860), identifica o nascimento da modernidade como resultado do surgimento do indivíduo e, portanto, da individualidade. Após quase um século, o franco-argelino Albert Camus clamou pela radicalização do Humanismo em seu ensaio filosófico de 1951, O Homem Revoltado.
É esse humanismo, como valor fundamental, que nos falta (re) inventar. É ele, ou a sua fragilidade que, estruturalmente, nos leva a vivenciar e a entender a tragédia. Por isso, compreendo e respeito que as vozes e a revolta, decorrentes do assassinato de Marielle, depositem tamanha indignação na conjuntura ou em algo eventual. O evento, a conjuntura e suas relações nos ajudam a entender a História. Mas, a estrutura da longa História, e os valores e ideias que a povoam, podem nos revelar o problema em perspectiva mais ampla. É disso que precisamos.
Por isso, antes de sermos pretos, brancos, altos, baixos, homens, mulheres, esquerda, direita, coxinhas ou petralhas, ou qualquer outra definição social e política possível, somos humanos. A recuperação do país passa por essa História.
* Vinicius Müller é historiador, professor no Insper e colaborador do Blog “Estado da Arte” do jornal O Estado de São Paulo
Eliane Cantanhêde: O Brasil despertou
Marielle Franco é mártir da guerra, contra a violência e o ódio, que é de cada um de nós
Nem o impeachment de Dilma Rousseff, nem a condenação de Lula, nem as duas denúncias contra Michel Temer, nem as reformas da Previdência ou trabalhista... O que realmente causou comoção nacional e levou os brasileiros às ruas foi o assassinato brutal de Marielle Franco.
Mortes de mulheres e crianças há a todo momento no Rio, como em todo o País. Mas Marielle era uma síntese dos desvalidos e uma ativista das boas causas. Mulher, negra, homossexual e pobre das favelas, ela conquistou uma vaga na universidade e um diploma de socióloga, elegeu-se vereadora e dedicava a vida a defender a igualdade, os direitos e as chances das mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos pobres das favelas, como ela foi.
Era uma guerreira da igualdade, dos direitos humanos e da responsabilidade do Estado em cada uma dessas frentes. Vereadora, filiada ao PSOL, Marielle lutava dentro do sistema e da legalidade, com imensa legitimidade.
As circunstâncias indicam que houve uma execução fria, planejada: um carro segue outro, emparelha com ele, dispara nove tiros, mata Marielle e o motorista Anderson Pedro Gomes e foge sem levar dinheiro, um único celular ou carteira.
Pergunta básica de qualquer inquérito: a quem interessa a execução? Uma dedução lógica, a ser apurada e comprovada, é que Marielle usava até as redes sociais para combater os excessos das polícias e das milícias que barbarizam o Rio, matam e perseguem negros e pobres de favelas, fantasiadas com uniformes do Estado.
Se pensavam em apenas “dar um susto”, os assassinos de Marielle e de Anderson enganaram-se redondamente. Acabaram despertando a ira, a indignação e a revolta não apenas de um partido e um movimento, mas de toda a sociedade brasileira e da mídia internacional. O “povo” não vai para a rua defender condenados, mas vai para gritar contra um crime inaceitável contra todos os símbolos de Justiça, liberdade, igualdade e direitos humanos.
Se andam às turras por variados motivos, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo se unem para enfrentar o crime organizado que extrapolou todos os limites ao confrontar o Estado e as autoridades com esse crime bárbaro.
Curiosamente, o personagem que menos apareceu durante todo o dia extremamente tenso de ontem foi o governador Pezão e houve até uma tentativa de jogar a crise no gabinete do presidente Temer, além de atacar e desacreditar a intervenção no Rio. Mas é o contrário: o que a execução de Marielle e Anderson confirma é exatamente a necessidade da intervenção.
Pelas redes sociais, grupos petistas tentaram tirar uma casquinha da tragédia, dizendo que foi “resultado do fascismo que avança com o golpe dado na democracia”. E acusando: “Quem tirou Dilma matou Marielle”. Seria só patético, não fosse um marketing equivocado. A sociedade não vai aceitar a partidarização do crime, nem esse tipo de oportunismo.
Se há alguma consequência política, além da mobilização dos poderes e do despertar da sociedade, é que o ataque deve gerar reflexões sobre algumas bandeiras da eleição presidencial que são o oposto das defendidas por Marielle, mas podem ser muito próximas das que pregam seus assassinos.
O mais urgente, porém, é saber quem matou Marielle e Anderson, por que e com que objetivos. O temor, alerta o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), é de que possa ter sido o início de “uma escalada do caos”. Se for assim, o recado está dado: os assassinos de Marielle e Anderson despertaram o gigante adormecido e os três poderes, a mídia e a sociedade vão reagir. Uma mulher negra e homossexual virou a mártir de uma guerra, contra o crime e o ódio, que é de todos e de cada um de nós.
Mauricio Huertas: A política vive dias sombrios. Triste Brasil
A execução a tiros da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro tão tristemente marcado pelo crime organizado, por mortos, milícias e balas perdidas, por governantes-assaltantes dos cofres públicos, pelo prédio vazado da Petrobras que acabou por se tornar símbolo involuntário dos rombos da corrupção, é o incessante cair num poço sem fundo em que desabou a política brasileira. Aonde vamos parar?
Às vésperas do Congresso Nacional do PPS, encontro partidário dessa legenda que busca sinceramente se manter moderna e respeitada, originária do velho, histórico e emblemático Partidão (da época em que se declarar de esquerda era revolucionário e motivo de orgulho), estamos vivenciando essa escuridão moral, esse apagão de esperança por dias melhores diante de acontecimentos tão horripilantes do cotidiano nacional, da vergonha na cara de quem ainda tem um pingo de caráter e honradez.
Que país é esse em que o noticiário da política e da polícia se misturam na mesma página? Em que os juízes da corte suprema são políticos e em que os políticos em sua maioria não tem nenhum juízo? Em que o humor da população é medido por patos e sapos de entidade patronal que reúne a elite liberal tupiniquim mas é ironicamente a maior beneficiária de recursos estatais? Em que o grande partido de esquerda da história recente trocou seus heroicos presos políticos por políticos presos comuns? Em que os verdadeiros democratas – que lutaram contra a ditadura militar – precisam apoiar uma intervenção federal comandada por generais para garantir um mínimo de ordem civil?
Como chegamos a esse ponto caótico depois de anunciadas novas e velhas repúblicas, de antigos e atuais movimentos sociais, de golpes e pseudo-golpes, do impeachment de dois presidentes, de ondas ora conservadoras, ora progressistas, mas que poderiam ter nos conduzido tranquilamente a um porto seguro, à estabilidade ao invés da tormenta? Por que vivemos em eterna transição?
As eleições de 2018, para onde vão levar o Brasil? De um lado e do outro, dois extremistas caricatos: um boçal da direita reacionária, parlamentar inexpressivo e até então inofensivo, contra um invasor profissional da propriedade alheia, neófito na política mas insuflado pela esquerdalha festiva órfã do seu mito que virou mico. Ao centro, de onde seria desejável e salutar despontar uma liderança para vencer a eleição e governar com equilíbrio, por enquanto vemos apenas uma enxurrada de candidatos medianos e limitados, seja por características pessoais ou por tibieza partidária.
É diante deste quadro deprimente que aumenta a nossa responsabilidade cidadã: como despertar a sociedade para a necessária (re)ação cívica? Como fazer com que gente de bem compreenda a urgência de dedicar parte do seu tempo e conhecimento para mergulhar nos problemas e buscar soluções eficazes e inteligentes para o país? Como eleger pessoas idôneas e bem intencionadas que se dediquem a construir uma nova agenda de políticas públicas? Como reunir homens e mulheres vocacionados para ‘servir’ à política – ‘ser útil’, ‘ajudar’, ‘zelar pelo bem-estar’ – contra os maus políticos que hoje se servem da política?
Muitas perguntas, poucas respostas. Quem aponta um caminho que não faça o Brasil adernar?
* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente