Maria Amélia Enríquez

RPD || Maria Amélia Enríquez: Vida e economia nos tempos da Covid-19

Contradições da sociedade brasileira são expostas fortemente por conta dos efeitos da pandemia do coronavírus Covid-19. Debate sobre quem é mais importante, a defesa da vida ou da economia, ganha força

A pandemia do Covid-19 tem permitido escancarar as profundas contradições da sociedade brasileira, reveladas pelas péssimas condições sanitárias de 48% da população, sem esgoto e sem saneamento básico; precariedade do trabalho informal de 38,6 milhões de brasileiros, 41% da força de trabalho; míseros R$ 420,00 com que 52 milhões de brasileiros subsistem e, seu oposto, a extrema concentração da renda, a segunda maior do mundo, em que os 1% mais ricos detém 28,3% da renda total do País. Paralelamente, a pandemia e seus efeitos têm provocado um debate, até então pouco aprofundado, sobre o suposto antagonismo entre a defesa da vida e a defesa da economia.

Esse falso dilema pressupõe que a esfera econômica está apartada da vida das pessoas e tem existência própria, manifestando-se no mercado financeiro, na bolsa de valores, câmbio, transações bancárias, números do PIB etc. A vida real dos cidadãos e suas famílias, por seu turno, se passa em outra esfera, em seus domicílios e na rotina de seu cotidiano. O desastre econômico desencadeado pela pandemia mostra quão irreal é essa percepção.

Além de acesso aos recursos ambientais e materiais, a economia, enquanto reprodução material da vida, depende fundamentalmente da motivação humana, da energia, do engenho, da coragem, da criatividade, enfim, do trabalho e do talento das pessoas que precisam, antes de tudo, estarem vivas, confiantes e dispostas, para além de produzir e poder consumir.

Adam Smith (1776) demonstrou que o trabalho humano é a principal causa do desenvolvimento econômico. A tradição clássica subsequente reafirmou a produtividade do trabalho como chave para geração da riqueza e, não obstante todo o avanço da era digital e da indústria 4.0, com a retirada de cena de parte do trabalho por causa da pandemia assiste-se a um tombo na economia sem precedentes.

Mas, para além do trabalho, a dinâmica econômica requer confiança para consumir, gerar emprego e investir, enfim, assegurar a indispensável “demanda efetiva”. Para Keynes (1938), é o “estado de confiança” que molda as expectativas sobre essas decisões econômicas cruciais, mas, quando não há confiança do setor privado, surge uma onda de negatividade, com aumento do desemprego e queda da renda, o que gera e aprofunda a “armadilha recessiva”. Para combatê-la, a solução é aumentar as inversões públicas, que devem ser financiadas com déficit. A renda injetada provoca efeito de encadeamento que restabelece a confiança, essencial para impulsionar o crescimento.

Fukuyama (em Trust, 1995) demonstrou que o vínculo entre confiança e economia é a cooperação, fator explicativo dos diferentes padrões de crescimento entre países; além de substância do “capital social”, básico nos processos de desenvolvimento.

Assim, partindo-se do pressuposto de que a confiança é indispensável para a saúde econômica, nada mais lhe é tão nocivo quanto o medo, medo da morte por uma doença cruel, que exclui e isola do convívio familiar o paciente, cujo corpo nem poderá ser visto para consumar o rito. A argumentação de que doenças como H1N1 e dengue matam quantitativamente mais pessoas não tem sustentação, pois, além de as fatalidades ocorrerem em menor intensidade e escala, são conhecidas, evitáveis ou tratáveis. O que mais aterroriza na Covid-19 é a roleta russa que impõe, principalmente porque, no Brasil, um quarto das mortes é de jovens e sem comorbidade.

Como então readquirir motivação ao trabalho e confiança para consumir, investir e gerar emprego? Simples, se houvesse cura ou vacina, mas como ainda não existem, os cenários ajudam a ponderar. Em um cenário de ampla abertura das atividades, como lidar com a (falta de) confiança e cooperação no ambiente de trabalho e entre empresas? Como equacionar o mercado internacional se não houver demanda, já que outros países igualmente enfrentam depressões profundas?

O Brasil saiu na vantagem de entrar na pandemia “tardiamente”, mas não levou a sério a lição de que a única maneira de adiar a propagação do vírus para evitar uma crise humanitária seria o isolamento social e está presenciando a acumulação de cadáveres nos IMLs, em especial na Região Norte. Portanto, o cenário de ampla abertura da economia em meio à pandemia, além de cruel, apenas posterga os custos econômicos que inevitavelmente ocorrerão.

Monica de Bolle tem reiterado que a pandemia alterou por completo os rumos da economia e que o mundo não voltará automaticamente ao que era antes[1]. Ressalta, assim, a necessidade de uma renda básica permanente para pessoas em extrema vulnerabilidade e a reconversão industrial para a produção de insumos e equipamentos médicos. Este cenário impõe enorme desafio para países emergentes e com crônicos problemas de financiamento, como o Brasil.

Apresentar desde já um horizonte crível para a crise é um dos melhores meios para se resgatar a confiança. Todavia, parafraseando Galbraith (1995), o futuro será a resultante de ações realizadas no presente que, por seu turno, são fruto das decisões do passado. E, olhando para trás, constata-se que, em nome da economia, foram cometidas muitas atrocidades com as pessoas e a natureza. A pandemia está dissolvendo concepções e demonstrando que pode haver caminhos diferentes.

A ruptura das cadeias de valor, a dissolução dos preços do petróleo e das commodities em geral, o respiro ambiental nos grandes centros, as inúmeras demonstrações de compassividade e cooperação em prol do bem comum de empresas e da sociedade, em especial dos mais humildes, como é o caso de Paraisópolis (SP), abrem espaço para repensar a crônica insustentabilidade do modelo dominante de reprodução material da vida humana.

Talvez um dos efeitos secundários dessa crise seja ousar pensar na possibilidade da emergência de uma nova economia, que tenha como pilar estruturante a regeneração da natureza e da sociedade, uma “economia da reconversão”, que permita resgatar dívidas social e ambiental, tendo como valores o compromisso e a solidariedade com as gerações presentes e futuras. Isso é possível a partir de investimentos em atividades de alta efetividade que sejam economicamente sustentáveis. Para isso, a crise sanitária oferece excelente oportunidade de, finalmente, realizar investimentos maciços em saneamento básico, abastecimento de água, coleta e tratamento de resíduos; pois o déficit é brutal e o retorno é crescente, com vantagem de empregar muitas pessoas e resolver um dos problemas estruturais mais críticos do país[2].

A crise também permite revalorizar cadeias produtivas locais, mas, para isso, é imprescindível um amplo programa de qualificação e requalificação a esse novo mundo do trabalho, como a experiência, de baixo custo e de alto impacto, do “Pará Profissional” [3], vencedor do prêmio “Excelência em Competitividade”; além de estímulos ao aumento da competitividade com a intensificação da transferência de tecnologia para os processos produtivos locais, a partir de incentivos à pesquisa aplicada. Enfim, há muitas iniciativas e bons exemplos que precisam ser replicados e ganhar escala, mas para que ocorram é imperativo o engajamento com a causa!

 
* Maria Amélia Enríquez é economista, Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), conselheira da Fundação Astrogildo Pereira (FAP).

Mais informações:

[1] https://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2020/04/17/monica-de-bolle-a-economia-requer-mais-imaginacao/

 [2] Segundo o Instituto Trata Brasil, a falta de saneamento básico provoca mais de 300 mil internações por ano no país. Excluídas as doenças, há ineficiência da entrega de água. Em 2017, o Brasil teve prejuízo de R$ 11 bilhões, o que daria para ter abastecido 30% da população, além do que o país ganharia R$ 1,1 trilhão nos próximos 20 anos se universalizasse o saneamento básico, a um custo de R$ 470 bilhões.

[3] http://www.sectet.pa.gov.br/not%C3%ADcias/par%C3%A1-profissional-ganha-pr%C3%AAmio-excel%C3%AAncia-em-competitividade-2018


FAP Entrevista: Maria Amélia Enríquez

Economista destaca os avanços ocorridos no Brasil em relação aos direitos das mulheres, mas ressalta que ainda estamos distantes do padrão dos países escandinavos

Por Germano Martiniano

A entrevistada desta semana da série FAP Entrevista é a economista Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriquez. PhD em desenvolvimento sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), professora e pesquisadora da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará e ex-presidente e atual Conselheira Fiscal da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO), Maria Amélia já publicou cerca de 70 artigos em periódicos, capítulos de livro e jornais nacionais e internacionais. É autora do livro "Mineração: maldição ou dádiva? O dilema do desenvolvimento das regiões de base mineral (2007)”, que tem servido com referência para o debate sobre a temática da mineração e desenvolvimento local, em todo o Brasil. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Neste Dia das Mães, a economista respondeu para a FAP importantes questões sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. “O Brasil evoluiu bastante em termos de direito das mulheres, principalmente quando comparamos com o cenário internacional, no caso, com os países asiáticos, africanos e o oriente médio. Porém, estamos longe do padrão dos países escandinavos”, analisa Maria Amélia Enríquez.

Maria Amélia Enríquez também conversou com a FAP sobre o tema da sustentabilidade, no qual é especialista. Na entrevista, a economista ressalta o fato dessa questão ser colocada à margem das principais questões da atualidade brasileira. “Existe uma visão de curto prazo que predomina em nossa política, tanto na pública quanto na privada, pois, de fato, todos ganham quando os princípios da sustentabilidade são respeitados”, avalia.  A economista acredita que as mudanças só devem ocorrer com mais investimentos em educação. “Isto apenas será possível se o tema educação virar uma prioridade nacional", acredita. "A curto prazo, deve-se promover campanhas para erradicação do analfabetismo, pois ainda temos milhões de brasileiros iletrados, e também para o aumento da escolaridade de jovens”, avalia.

Confira a seguir, os principais trechos da entrevista de Maria Amélia Enríquez à FAP:

FAP - Hoje, Dia das Mães, como foi possível conciliar todas suas tarefas profissionais, domésticas e ainda ser mãe?
Maria Amélia Enríquez  - Desafiador, mas eu seria incompleta se tivesse sido diferente e só tem sido possível por causa do grande apoio que tenho recebido. Primeiramente do meu marido, que sempre me incentivou a seguir na profissão. Logicamente que isto significa compartilhar comigo as responsabilidades com as crianças, mas como ele também é um profissional, a ajuda da avó (minha mãe, a quem sou infinitamente grata), principalmente nas minhas ausências, me deu uma tranquilidade enorme para poder trabalhar em paz. Mas os filhos necessitam da presença da mãe, e daí temos que aprender a 'tocar, simultaneamente, vários instrumentos'. Lembro-me de minha filha mais nova, quando me via ficar por horas trabalhando na tese, sentava na minha perna e dizia “mãe, troca o computador por um colinho”... aí não dá pra resistir. É muito importante ter um tempo de qualidade com os filhos, principalmente, quando são crianças, pois é na convivência que compartilhamos visão de mundo e de valores. Mas quando crescem, a presença atenta não deve ser menor. Daí sempre estarmos envolvidas em um grande dilema: de dar maior atenção aos filhos e ao lar e de focar no trabalho que nos exige tanto, mas que também nos realiza e dá grande prazer. Há que buscar equilibrar e distribuir a energia adequadamente, conforme o momento requeira.

A sociedade brasileira sempre carregou as marcas do paternalismo. Como a senhora avalia este quadro atualmente?
A sociedade brasileira evoluiu bastante em termos de direito das mulheres, principalmente, quando comparamos com o cenário internacional, no caso dos países asiáticos, africanos e o oriente médio, porém estamos longe do padrão dos países escandinavos, por exemplo. Nós, mulheres, somos a maioria da população brasileira (51,6%), estamos elevando significativamente nosso nível de escolaridade (há mais mulheres que homens com ensino superior completo ), mas ganhamos menos (em média, 75% do que os homens ganham); temos pouca expressão política (na Câmara, a representação feminina é de apenas 45 deputadas contra 468 homens e, no Senado, de apenas 11 de um total de 81 senadores, muito aquém da cota mínima estabelecida por lei de 30%). Muito embora esteja comprovado que as mulheres são grandes gestoras, os cargos de alto escalão, públicos ou privados, são predominantemente masculinos. Já assisti (envergonhada) eventos políticos em que a mesa de abertura era composta exclusivamente por mais de vinte homens, quando havia a opção de compartilhar com mulheres igualmente gabaritadas. Sem contar que a mulher ainda é vítima de feminicídio e de violências de toda ordem. Além dessa flagrante desigualdade de gênero, no Brasil, ela é muito mais grave quando esta se alia à diferença racial. A situação das mulheres negras é bem pior do que a das mulheres brancas. Sem dúvidas esse quadro é fruto de nossa herança patriarcal e escravocrata que ainda precisamos superar. É preciso ampliar nossa consciência coletiva sobre esta questão, a fim de que nós mulheres possamos ter mais protagonismo e, por conseguinte, colocar nossa prática em prol da edificação de país mais justo, seguro, bonito e feliz.

Alguns meses atrás, feministas francesas, lideradas pela atriz Catherine Deneuve, criticaram o movimento norte americano #MeToo, uma campanha contra o machismo e o assédio sexual, principalmente, em Hollywood. Segundo as francesas havia certo “puritanismo sexual” no movimento americano e que também colocava a mulher como um ser frágil, indefeso e sempre vítima da sociedade. Qual sua opinião?
O movimento #MeToo tem uma bandeira clara – o assedio sexual, que ficou muito em evidência após os escândalos de celebridades do mundo artístico e esportivo dos Estados Unidos. Não é preciso sofrer este tipo de violência para saber que ela marca para sempre a vida, gerando traumas profundos, o que impossibilita usufruir de uma vida plena. Portanto, não se pode menosprezar este tipo de dor. Creio que a atriz Catherine Deneuve não foi muito feliz em minimizar o problema. Uma coisa é um flerte insistente. Outra é uma pressão emocional e física. Há casos, inclusive, de suicídio, de jovens que não tem resiliência par suportar o assédio.

Quais são as mudanças que devem haver na sociedade brasileira para que as mulheres possam ter direitos realmente iguais? E como fazer para as mulheres ocuparem mais cargos políticos?
A principal mudança a ser feita é a cultural, principalmente, na mente de homens e também de mulheres, que tem perpetuado a cultura machista explícita ou implicitamente. Todavia, isso requer mudanças profundas que, necessariamente, só amadurecem no longo prazo, muito embora devam começar já. Mas, enquanto esta mudança não se materializa, é importante adotar mecanismos concretos que indiquem à sociedade qual o rumo deve tomar, por exemplo, a exigência do cumprimento e, inclusive, de expansão das cotas na política (chapa, cadeiras, fundo partidário, fundo eleitoral). É também importante conscientizar às empresas privadas sobre a importância de ampliarem a participação das mulheres em seus quadros também.

Elimar Nascimento, especialista em Desenvolvimento Sustentável, em entrevista à FAP disse que o tema da sustentabilidade ainda tem pouca força no debate político perto de temas como segurança, saúde, educação, emprego, por exemplo. Por que isso acontece, mesmo sabendo da importância da discussão?
Por causa da visão de curto prazo que predomina em nossa política, tanto a pública quanto a privada, pois, de fato, todos ganham quando os princípios da sustentabilidade são respeitados. Todavia, no curto prazo, mudar o atual modelo predatório implica em custo e requer a imposição de limites para não exaurir os recursos ecossistêmicos. Para criar e implantar tecnologias e sistemas de gestão adequados, que minimizem os impactos ambientais, tem de haver investimento, o que significa que o financiamento disto deve sair de algum ganho pretérito, que, por seu turno, vai conflitar com algum interesse. Originalmente considerado como “bens livres”, os recurso naturais tem sido, por séculos, a base do modelo de crescimento brasileiro, o que tem gerado um histórico de degradação ambiental. Para alterar essa lógica é necessário impor algum tipo de limite, como, por exemplo, restringir a expansão de áreas de pastagem, proteger biomas, limitar a expansão do cultivo de grãos e, ainda, restringir a emissão de gases poluentes, etc. O que, da mesma forma, gera enormes conflitos de interesses. O desafio então é ampliar a consciência para a superação da visão de curto prazo, que apenas vê o ganho imediato e é míope em relação às perdas que a insustentabilidade gera. É preciso ressaltar os benefícios da sustentabilidade, pois não tem como haver crescimento e tampouco desenvolvimento econômico sem a preservação da base da vida.

A economia brasileira, historicamente, caracterizou-se pelo seu papel global de exportadora de commodities de baixo valor agregado, concentradora de rendas e que agride de modo intenso a natureza. Como mudar este quadro?
Como premissa é preciso que fique claro que depender exclusivamente da exportação de commodities não é uma estratégia inteligente de desenvolvimento, por vários motivos: 1) porque a dinâmica econômica está fora do controle da economia nacional – qualquer mudança tecnológica, dos mercados globais e da política internacional pode afetar preços e provocar profundas crises do dia para noite; 2) a única forma de inovar produzindo commodities é no processo e na redução de custo, o que não favorece a demanda interna por ciência e tecnologia e, por conseguinte, pela demanda de pessoal qualificado, de talentos, de mente inovadora; 3) há muitos custos sociais e ambientais que não estão embutidos no preço final da commodity, restando à economia nacional arcar com essas externalidade negativas (impactos sociais e ambientais) e, o pior, sem a contrapartida de receitas tributárias, já que o Brasil isenta de impostos a exportação de produtos básicos e semi-elaborados (as commodities). Fico impressionada de ver como há defensores fervorosos deste modelo, sob a argumentação de que o Brasil deve aproveitar suas vantagens comparativas, já que tem vocação para isto, e tais exportações são indispensáveis para as contas externas do país. Mais uma vez, essa é uma visão míope, de curto prazo, que está presa nas garras dos superávits comerciais, a qualquer custo.

O que precisa ser feito, então? Que estratégia deve ser priorizada?
Assim, primeiramente, é preciso ter vontade politica para induzir a diversificação para uma economia que, além de commodities, vise a produção de bens e serviços de maior valor agregado, já que, em todo o mundo, é isto que constitui a chave para um autêntico desenvolvimento econômico. É preciso deixar claro que o modelo de commodities somente é hegemônico porque é altamente subvencionado. Se igual tratamento tributário fosse concedido à produção de bens de valor agregado, certamente o quadro seria distinto. Desta forma, é necessário fortalecer uma nova economia sustentável e baseada em conhecimento, com maior valor agregado, inclusão social e renda. É preciso transitar a uma estratégia que perceba o potencial de desenvolvimento endógeno para ampliação das oportunidades por meio do incentivo ao potencial de crescimento local. É preciso reduzir os custos e a burocracia para quem produz, gera empregos e recolhe impostos no país e investir maciçamente em capital humano e no fomento ao empreendedorismo inovador.

Em relatório do seminário “Desenvolvimento Sustentável e Inclusão Social”, realizado pela FAP em Brasília, foi destacado o papel da educação como meio e fim para uma sociedade mais sustentável. No entanto, mudanças estruturais na educação brasileira levam tempo. Existem mudanças que podem ser feitas a curto prazo, que possam criar mais sustentabilidade e inclusão social?
Há exemplos louváveis de mudanças nas formas de gestão e nos métodos de ensino, em todos os níveis e escalas da educação. Há que se apoiar e evidenciar esses exemplos para que possam adquirir escala. Vários Estados criaram seus planos, uns avançaram mais e outros menos. Porém estamos muito longe de ter uma educação de qualidade, e também em quantidade, que o país tanto necessita. Isto apenas será possível se o tema Educação virar uma prioridade nacional. No curto prazo, deve-se promover campanhas para erradicação do analfabetismo, pois ainda temos milhões de brasileiros iletrados, e para o aumento da escolaridade de jovens. É inaceitável que dois terços dos brasileiros na faixa etária de 15 e 29 anos não estudam; 1,5 milhão são jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando o Ensino Médio, mas estão fora da escola. O que podemos esperar de nossa juventude, quando permitimos que mais de 10 milhões de jovens entre 14 a 29 anos fiquem numa situação de “nem-nem”, nem estudam, nem trabalham? Pare estes jovens é preciso programas específicos de formação, mas que também os qualifiquem rapidamente tanto para inserção no mercado de trabalho como para o empreendedorismo inovador.

Qual dos candidatos a presidente até agora apresenta, em sua plataforma política, propostas consistentes para a questão da sustentabilidade?
Há uma profusão de candidatos, tanto figuras já conhecidas da política, quanto pouco conhecidos. Creio que apenas no debate poderemos avaliar melhor. Lamento que meu candidato, o Senador Cristóvam Buarque (PPS-DF), não vá concorrer às eleições para presidência da República, pois considero que suas propostas são as mais coerentes e necessárias, principalmente, neste momento atual que o país atravessa. Todavia, além do compromisso com os valores democráticos, com a justiça social e com a luta incessante contra a corrupção, é importante que o futuro presidente tenha claro uma agenda mínima que o país requer: 1) seriedade no trato com as finanças públicas, a crise econômica recente foi uma demonstração cabal de que não se pode baixar a guarda nesta área. O desequilíbrio fiscal gera inflação, consome o poder de compra, inibe investimentos, resulta em aumento do desemprego e da desigualdade, pois contas desequilibradas geram insegurança sobre a capacidade de financiamento das políticas sociais; 2) prioridade com a educação de qualidade, em todos os níveis, de Norte a Sul, com monitoramento permanente, sistema de avaliações, premiações e punições para os casos de não cumprimento das metas; 3) compromisso com a sustentabilidade e com o avanço de uma economia assentada no conhecimento, que é a real fonte de riqueza de qualquer sociedade. Para isso tem de aumentar os recursos para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação, assim como promover maior aproximação da ciência com a produção e a gestão, além de 4) um sistema integrado de segurança pública que tenha o poder de minimizar a escalada da violência pela qual passa o país. É inconcebível que, entre 2005 a 2015, a vida de 318 mil jovens brasileiros tenha sido ceifada por assassinatos. Enfim, é preciso uma atitude ousada, mas franca e responsável, que possa mobilizar corações e mentes na edificação dos novos rumos que o pais deve seguir.