Marcus Pestana
Marcus Pestana: Ajuste Fiscal e Privatizações (I)
O tema central da agenda brasileira de desenvolvimento é o grave desequilíbrio fiscal do setor público. Os monumentais déficits acumulados têm funcionado como verdadeira âncora a decretar o crescimento raquítico da economia brasileira nos últimos tempos. O desarranjo orçamentário dos governos tem repercussões múltiplas: na taxa de juros, na queda do investimento e da poupança, na confiança dos investidores, no aumento preocupante da dívida pública e, portanto, nos níveis de atividade econômica e do emprego.
Qualquer dona de casa ou trabalhador, mesmo sem dominar o árido terreno da teoria econômica, consegue compreender que o governo, assim como qualquer família, não pode gastar indefinidamente muito mais do que ganha, sob pena de chegar a uma situação de insolvência. A família que acumula anos de déficits no orçamento familiar vai se endividando nos carnês, nos bancos e agiotas. Até que a situação se agrava e a família começa a cortar gastos, tenta aumentar a renda familiar, até chegar ao nível de despesas essenciais incompressíveis. Não havendo outra saída começa a se desfazer do patrimônio familiar para pagar dívidas. E chega ao ponto em que não adianta vender a geladeira e o fogão para pagar a conta mensal do supermercado.
O governo também é assim, com uma única diferença, o poder central pode emitir moeda e se endividar até limites mais elásticos. Já os governos estaduais em crise vivem hoje sua hora da verdade. Experimentam déficits anuais gravíssimos e crescentes. E não podem mais se endividar. Diante de tamanho desequilíbrio abre-se a discussão sobre as privatizações de estatais para a obtenção de receitas em favor do ajuste fiscal.
As privatizações não envolvem apenas o objetivo de reequilibrar as contas públicas. Há também a visão de concentrar a ação do Estado no seu papel de coordenador, regulador e promotor de políticas públicas sociais, deixando para a iniciativa privada a gestão mais eficiente de atividades econômicas que podem e devem ser delegadas. Mas para que os frutos das privatizações sejam virtuosos e não caiam no caso da geladeira versus a conta mensal do supermercado, é necessário que os recursos apurados sejam canalizados para o ajuste patrimonial de longo prazo (abatimento de dívida financiada a juros altos, soluções de longo prazo para o sistema previdenciário, investimentos que aumentem o nível de atividade, etc.).
O cidadão consumidor de serviços públicos quando vai ao interruptor de luz ou a torneira não se pergunta se a energia elétrica ou o abastecimento de água são estatais ou privados. O que interessa à sociedade e ao cidadão é a segurança do abastecimento, a qualidade e tarifa justa. Como são serviços públicos e monopólio natural, podem perfeitamente serem entregues à iniciativa privada, desde que haja uma regulação correta e eficaz.
Há sempre na discussão das privatizações um manto ideológico e político que, muitas vezes, falseia o debate e ergue mitos e muros. Hoje o nível de investimento público é ridículo, prejudicando os objetivos centrais de uma educação pública de qualidade, de um sistema de saúde que responda melhor às angústias da população, de uma segurança mais eficaz ou de investimentos em saneamento e infraestrutura essenciais para o desenvolvimento.
Voltarei ao assunto na próxima semana discutindo casos concretos.
Marcus Pestana: São vidas, não são estatísticas
Certa vez li uma crônica de Marina Colasanti que me marcou profundamente onde ela concluía com uma interpelação: “A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”. Banalizar coisas essenciais na vida que estão erradas é o caminho mais curto para a insensibilidade e a inércia.
Uma das grandes tragédias do Brasil contemporâneo se encontra no campo da segurança pública. A sociedade brasileira exige respostas firmes e consistentes à escalada da violência. Em algum momento, perdemos o controle da expansão do crime organizado. E o primeiro passo, creio, é não esconder dramas familiares nascidos de eventos violentos atrás de estatísticas e análises frias. A indignação com a perda de vidas não deve ser aplacada e sim motivar a construção de políticas públicas inteligentes que deem conta de mudar este triste panorama.
Muito menos estabelecer uma competição mórbida, cruel e sem sentido, entre perda de vidas de cidadãos derivada de “balas perdidas” e policiais no exercício de suas funções. Do lado de cá devem estar unidos governos, forças policiais e população contra o verdadeiro inimigo, o crime organizado.
O Rio de Janeiro é uma vitrine e uma caixa de ressonância do país.
A morte de Ágatha Vitória Sales Félix, de apenas 8 anos, no Complexo do Alemão, comoveu o país. Uma doce e alegre criança, que era uma aluna nota dez, gostava de balé, de desenhar flores e pássaros e espalhar seus desenhos pelas paredes de sua casa. Ágatha morreu com tiro de fuzil disparado por um policial. “A mamãe está aqui, fica com a mamãe”, era a prece que sua mãe fazia a caminho do Hospital. A diretora da escola previa um futuro brilhante para Ágatha. O avô desabafou: “Era filha de trabalhador. Ela falava inglês, tinha aula de balé, era estudiosa. Não vivia na rua não”.
De outro lado, em menos de 24 horas no Rio, morreram em serviço, em confronto com o tráfico, dois policiais da PM. O cabo Leandro de Oliveira tinha 39 anos e o soldado PM Felipe Brasileiro Pinheiro, apenas 34 anos. Os servidores públicos militares saem de casa para vivenciar, dia após dia, situações de verdadeira guerra. E as famílias deles merecem a mesma solidariedade que nos dominou com a morte da menina Ágatha. Um dado estarrecedor é que perdemos, em 2018, no Brasil, mais policiais que cometeram suicídio, foram 104 vidas perdidas, do que em decorrência de confronto nas ruas, 87 policiais mortos. Isto dá a dimensão do estresse profissional a que estão submetidos os servidores públicos da segurança.
E de nada adiantam bravatas ou discursos radicais de autoridades que retroalimentam a violência. Não é eficaz simplesmente agravar penas e lotar ainda mais um sistema prisional falido, verdadeira escola do crime. Não resolve uma política de confrontação pura e simples, que resulta muitas vezes em perda de vidas inocentes. Ao lado da necessária ação repressiva, é preciso um verdadeiro “choque de acesso às políticas públicas” nas comunidades pobres, a efetiva implantação do SUSP, o controle nas fronteiras do tráfico de armas e drogas, o aprimoramento do trabalho de inteligência e o estrangulamento dos mecanismos de financiamento do crime organizado.
A gente se acostuma, mas não devia. A alguns líderes do poder público brasileiro deixo uma opinião: menos palavras vãs e mais ações concretas. São vidas perdidas, não estatísticas.
Marcus Pestana: Em defesa da política, da verdade e do diálogo
Não há outro caminho legítimo para a construção do futuro que não o da democracia. A liberdade é o valor mais precioso na alma humana. Se isso é verdade, há que se cuidar dela. E não há democracia sem política. E ela pressupõe partidos, eleições, candidaturas, participação popular, representantes, respeito à diferença, tolerância, diálogo, construção de consensos e a busca da verdade.
Digo isto porque apesar das eleições de 2018 terem se dado sob um forte sentimento antipolítica, nunca houve tanta participação política como hoje no Brasil, com um debate intenso e acalorado, esbarrando muitas vezes na intolerância e no sectarismo.
Nesta hora, se fazem necessários: equilíbrio, discernimento, serenidade e respeito aos direitos individuais e coletivos. E para isto é fundamental separarmos joio e trigo, justos e pecadores, honestos e corruptos.
Imaginem um deputado honesto, correto, de biografia limpa, respeitado por todos de A a Z, exemplo de ética e compromisso social. Imaginem um deputado federal dedicado e sério que se tornou ao longo dos anos o maior especialista em políticas sociais de toda a Câmara. Imaginem um deputado que pela excelência de seu trabalho conquistou nas urnas sete mandatos, sempre com campanhas modestas, para representar Minas Gerais e particularmente a causa das pessoas com deficiência. Se você conseguiu imaginar, o nome dele é Eduardo Barbosa.
Pois é, neste turbilhão de denúncias, investigações, delações, desvios em que se transformou o Brasil, Eduardo e todos nós fomos surpreendidos com a atitude da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, que no apagar das luzes de seu mandato, apresentou denúncia contra ele, por supostas distorções na execução pela Federação das APAES de Minas Gerais de convênio oriundo de emendas parlamentares dele.
Como secretário estadual de saúde fiz vários convênios com as APAES de nosso estado nas áreas de fisioterapia, logística, saúde bucal e no credenciamento dos serviços de saúde. Não tenho medo de errar em dizer que a Federação das APAES é a entidade do terceiro setor mais bem organizada de todo estado. Quando cheguei ao Congresso Estadual das APAES para assinar o primeiro convênio, lá estava um graduado técnico do TCU orientado os gestores como bem executar convênios com o poder público. Fomos parceiros nas “Jornadas pela Inclusão” e durante todo o tempo pude testemunhar a profundidade e a seriedade das ações empreendidas.
O Convênio envolvia um milhão de reais. Os investimentos resultaram na realização em 34 cidades mineiras dos Fóruns Regionais, com a participação de 6.262 pessoas, do Fórum Estadual, em Uberlândia, com a participação de 475 pessoas e do Festival Nossa Arte, em São Lourenço, com 2.800 participantes. Só quem já participou pode aquilatar sua imensa importância. O Tribunal de Contas da União aprovou a prestação de contas. E agora surpreendentemente surge esta descabida denúncia.
A vida de Eduardo Barbosa fala por si, ele não precisa de defesa. Mas entre a indignação e a perplexidade não poderia deixar de fazer esse registro.
Que o Poder Judiciário corrija o mais rápido possível este grave equívoco, para que na cabeça de um povo tão desesperançado um político exemplar como ele não seja jogado injustamente no lodaçal de corrupção em que maus políticos jogaram a vida pública brasileira.
Marcus Pestana: Assim caminha a humanidade ou para onde vamos
Vivemos a era das incertezas plenas. Se alguém souber algo sobre para onde vamos, escreva um livro rápido, será Best seller global. As coisas andam um tanto embaralhadas. No Século XX tínhamos a Guerra Fria e sua bipolaridade clara. Esta referência naufragou, embora alguns insistam em enfrentar falsos moinhos de vento ideológicos. A globalização enfraqueceu a autonomia dos Estados Nacionais. A Internet e as redes sociais radicalizaram a integração global. As criptomoedas e a mobilidade do capital financeiro desafiam a capacidade dos Bancos Centrais. A democracia, ideia supostamente consolidada e vitoriosa, sofre ameaças em vários cantos. O desemprego estrutural e a migração dos que fogem da miséria provocam temores e instabilidade. Será que apenas mercadorias e capitais podem ter ampla circulação? As pessoas não? Que liberalismo é esse? O nacionalismo autoritário ressurge das cinzas entre vácuos e interrogações do mundo contemporâneo. O que nos reservará o futuro?
Quem diria que na terra de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, Eisenhower, Kennedy, Clinton e Obama, iria surgir um líder disruptivo como Trump? Ele é seu desprezo pela democracia e pelas instituições. Ele é sua desestabilizadora guerra comercial. Ele é seus preconceitos, idiossincrasias e agressividade. E os democratas com dificuldades de erguer um projeto alternativo de poder. Como será o mundo se tivermos mais quatro anos de Trump à frente da nação líder do mundo ocidental?
E o reinado de vinte anos de Vladmir Putin na Rússia? Seus métodos heterodoxos asseguraram a estabilidade política e o progresso econômico e uma relação contraditória com os EUA de cooperação e conflito. Democracia, pra que? Pode se esperar daí alguma resposta?
De outro lado, o “capitalismo de Estado”, “socialismo de mercado”, ou seja lá o que for da China e seu exuberante crescimento econômico que prenuncia uma nova hegemonia, à custa do sacrifício da democracia e de um pragmatismo que incomoda meio mundo.
A Europa, berço da democracia, enfrenta seus dilemas e desafios patinando numa crise crônica sem oferecer horizonte seguro. Sinais contraditórios são emitidos pelo “Velho Mundo”. O Brexit e seus impasses. A Itália dando um chega prá lá no líder ultra-direitista, Matteo Savini. Macron, o reformista francês, enfrentando súbita queda de popularidade. A “Geringonça” portuguesa apresentando resultados inesperados. O PSOE de Pedro Sánchez tentando assegurar governabilidade na Espanha. A maior estadista europeia, Angela Merkel, preparando sua retirada de cena com perspectivas sombrias para a próxima eleição nacional. Da Europa também não recebemos respostas animadoras para as angústias do Século XXI.
Sem falar nos mistérios do mundo árabe, na miséria desafiadora da África e do ocaso do bolivarianismo na América Latina.
Muitas perguntas, poucas respostas animadoras. E o Brasil? Ficará deitado em berço esplêndido assistindo aos conflitos e tensões do mundo globalizado. Há muito estamos perdendo oportunidades. Perdemos a rota do desenvolvimento, possuímos desigualdades sociais absurdas, erguemos uma economia diversificada, mas com um grau de fechamento dos maiores e com reformas macroeconômicas necessárias e inconclusas.
Se alguém tiver respostas sólidas, escreva rápido, aguardamos ansiosos. E La nave va!
Marcus Pestana: Porque ficamos para trás
O que não deu certo? Quais as razões para o Brasil ter perdido a sua trajetória de desenvolvimento? A reflexão essencial foi lançada pelo Acadêmico Edmar Bacha, um dos maiores economistas brasileiros, em sua conferência na Academia Brasileira de Letras. É intrigante mergulhar nesta discussão, já que o país foi conhecido como uma máquina de crescimento do pós-guerra até a crise de 1980, com maiores taxas médias anuais de 7,5%.
E não se trata de nenhum “complexo de vira-lata” ou pessimismo crônico. Os dados falam por si. Ao se comparar o PIB per capita de Brasil, Chile, China e Coréia do Sul revela-se um triste retrato da realidade: o Brasil que em 1980 ocupava a melhor posição, amarga hoje o último lugar. Em relação à Coreia do Sul, por exemplo, que tinha no início da década dos anos 1970 renda per capita menor que a nossa, fechou 2018 com um indicador 2,5 vezes superior a de nosso país.
Cabe registrar que apenas 130 anos atrás tínhamos ainda relações escravistas de produção. De 1988 a 1930 predominou o modelo primário exportador. Nossa industrialização tardia, entre 1930 a 1980, foi em ritmo acelerado e “marcha forçada” baseada em alto grau de intervenção estatal e fechamento da economia através do processo de substituição de importações. De 1980 até 1995 vivemos um período turbulento de instabilidade com a hiperinflação batendo às portas e estrangulamentos no Balanço de Pagamentos. O Plano Real desencadeou um novo ciclo, mas as conquistas do período foram colocadas em risco pelos equívocos do Governo Dilma, resultando em recessão, desemprego e crise de confiança.
O professor Edmar Bacha se detém na análise de algumas das causas desta trajetória. A primeira é o baixíssimo coeficiente de abertura ao comércio exterior. A mediana de doze países selecionados que romperam as amarras da pobreza revela um nível de comércio exterior de 75% do PIB. Enquanto no Brasil representa apenas 24% do PIB. Segundo Bacha, para se ter crescimento e incremento na produtividade, as empresas precisam de tecnologia, escala, especialização e concorrência, coisas que só uma economia aberta pode garantir.
Outro aspecto que explica nosso crescimento raquítico é a combinação entre baixa poupança, aumento dos preços dos bens de capital e produtividade insatisfatória. Isto tem a ver com o fechamento da economia, mas também como nossos problemas na educação e no processo de inovação científico-tecnológico.
Não foge também do alcance de Edmar Bacha a dramática situação fiscal que impede o governo de promover a agenda social – educação e cultura, saneamento e saúde, habitação, mobilidade urbana, segurança – essenciais pra que as pessoas se tornem mais produtivas. E também para superar os gargalos da situação desastrosa de nossa infraestrutura. Para recuperar a saúde financeira do setor público só mudando o perfil do gasto, atacando os gastos excessivos com previdência e pessoal e atraindo capitais privados para parcerias público-privadas, privatizações e concessões. Some-se a isso o intervencionismo estatal – controle de preços, quebra de contratos, regulação exagerada- e um ambiente institucional instável e hostil aos investimentos.
Edmar Bacha conclui: “A busca da República ainda incompleta deve ser simultaneamente liberal e progressista”.
Marcus Pestana || O necessário reposicionamento do SUS no Brasil do Século XXI
Passados mais de 30 anos do lançamento dos pilares para construção do Sistema Único de Saúde (SUS),no processo Constituinte de 1988, que implicou na mudança de paradigma na organização do sistema público de saúde no Brasil, chegou o tempo da maturidade; e é hora de enfrentar os novos desafios colocados.
Faz-se necessário abandonar a velha retórica que tece sempre loas ao SUS e mascara problemas efetivos a serem enfrentados. Os avanços são inegáveis, mas é preciso reconhecer a distância abissal que existe a separar o SUS constitucional daquele que ganha vida real e concreta no cotidiano da população.
Trinta anos depois, o SUS não é nem o ‘paraíso’ presente no discurso de alguns gestores e sanitaristas mais entusiasmados, nem o caos que ocupa, por vezes, as manchetes de parte da mídia e os discursos demagógicos de políticos populistas. O SUS é uma obra em permanente construção. Com tropeços e obstáculos, gargalos e vazios assistenciais sempre presenciamos avanços permanentes. Todavia, é inevitável perceber retrocessos nos últimos anos diante da brutal recessão e do agravamento da crise fiscal.
A grave restrição fiscal indica o pequeno espaço para incrementos reais significativos no orçamento do SUS nos planos nacional, estaduais e municipais nos próximos anos, o que dependerá fundamentalmente da capacidade negociadora dos gestores diante do sistema político decisório e da sociedade brasileira. A Emenda Constitucional que versa sobre o limite de gastos públicos, fixa um teto agregado e global por poder, mas não tetos setoriais.
A crise federativa, o estrangulamento orçamentário grave dos municípios e estados, a grande expectativa despertada pelos novos governos a partir das eleições de 2018 e a crise econômica dos últimos anos que aumenta a demanda sobre o SUS dramatizam o desafio.
O sistema público de saúde tem gestão e financiamento compartilhados em um país continental. Nenhuma nação no mundo apostou tão radicalmente na descentralização das políticas de saúde. Teremos, portanto, que administrar bem a ansiedade por resultados imediatos. A solidariedade entre os gestores das três esferas de poder é chave para a solução de problemas complexos.
Hoje é sabido que as estruturas flexíveis de gestão de serviços de saúde são muito mais eficientes e têm maior produtividade. É preciso traçar um rumo claro em relação aos arranjos institucionais ideais para os níveis de atenção primária, secundária e terciária à saúde.
O subfinanciamento do sistema público brasileiro de saúde é uma realidade incontestável desde seu nascimento. Diante da crise fiscal que inibe a expansão de gastos públicos no Brasil nos próximos anos e o subfinanciamento crônico do SUS é preciso investir pesado em inovação e melhoria da produtividade dos recursos, combatendo ineficiências e fazendo mais e melhor com cada real.
A reforma sanitária brasileira produziu uma mudança radical: de um sistema de aceso excludente para um de acesso universal; de uma centralização autoritária para a municipalização radical; de um modelo assistencial hospitalocêntrico e altamente medicalizada para a primazia da atenção da atenção primária e da vigilância em saúde; de uma fragmentação sistêmica para uma lógica única e integradora do ponto de vista federativo e assistencial com a organização de redes.
Depois de 30 anos de existência do SUS, chegamos ao impasse da maturidade: a contradição entre um marco constitucional e legal excessivamente generoso e aberto, financiamento insuficiente e pressão de custos crescentes em função da transição demográfica e da veloz incorporação de inovações tecnológicas.
Diante de tamanho desafio, temos que perseguir a busca de novas fontes de financiamento. Paralelamente, é essencial melhorar a gestão dos recursos existentes.
Podemos qualificar melhor princípios constitucionais e legais, introduzir ferramentas de gestão mais eficientes e identificar formas de melhorar o financiamento.
Não há mais lugar para discursos ufanistas. As mazelas e os gargalos presentes no dia a dia do usuário do SUS saltam aos olhos. Diante disso, a pior atitude é a inércia ou o refúgio em um fundamentalismo sem base real. A conquista da utopia dos constituintes é um processo permanente. Estancar os retrocessos e ter ousadia para mudar o que é preciso mudar, arquivando dogmas e ‘vacas sagradas’ e enfrentando com realismo e coragem as novas perguntas que a realidade coloca diante de nós, parece ser o caminho.
Marcus Pestana || Desafios e obstáculos no caminho da Reforma Tributária
O Congresso Nacional, reafirmando seu atual protagonismo, deu a largada para acelerar as discussões acerca da mudança do sistema tributário nacional. A Câmara dos Deputados instalou a Comissão Especial que apreciará a PEC que desencadeará a reforma desejada. No último dia 13, o deputado relator Agnaldo Ribeiro (PP/PB) apresentou seu plano de trabalho. Ele prevê a realização de diversos seminários e audiências públicas e a apresentação e a votação do relatório em outubro de 2019.
É sabido que nossa carga tributária é alta para os padrões de um país emergente, tendo atingido o pico histórico em 2018, chegando aos 35,07% do PIB. Ainda assim vivemos a mais profunda crise fiscal, o que demonstra que o tamanho do Estado e a estrutura de gastos estão muito acima da capacidade contributiva da sociedade e da economia brasileiras. Além disso, o atual sistema é complexo, confuso, disfuncional, burocrático, excessivamente caro e regressivo. É preciso ainda estancar a chamada guerra fiscal.
Quais as dificuldades que antevejo na travessia para a aprovação da reforma? Em primeiro lugar, há um efeito paralisante que sempre obstruiu outras tentativas de reforma a partir do conflito distributivo embutido em qualquer mudança dessa natureza. Há perdas e ganhos, “vencedores” e “perdedores”, e os interesses feridos naturalmente se mobilizam para evitar as mudanças. A discussão sobre quem pagará a conta não é trivial e pacífica.
Outra questão delicada é o conflito de interesses de natureza federativa. Há um clima justificável de desconfiança recíproca. O Governo Federal, desde a Constituição de 1988, alimentou a elevação exponencial da carga tributária através da criação de contribuições não compartilhadas com Estados e Municípios. Casos como o de Minas Gerais no qual o governo estadual sequestrou receitas constitucionais dos municípios também jogam lenha na fogueira das desconfianças. Isto é agravado sobremaneira pelo grande estrangulamento orçamentário nos três níveis de governo. Ninguém está em condições de perder receitas.
Uma última questão é qual seria o modelo tributário consistente e eficaz diante da economia do Século XXI e suas profundas transformações estruturais e dinâmica inovadora.
Existem quatro principais propostas na mesa de discussões. A apresentada pelo deputado Baleia Rossi (PMDB/SP), engendrada pelo Centro de Cidadania Fiscal liderado pelo economista Bernado Appy, que foca unicamente na criação de Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) a partir da unificação do IPI, do ICMS, ISS, PIS e COFINS.
Outra proposta avançada é a do ex-deputado Luiz Carlos Hauly que contempla uma base mais ampla para o futuro IVA, introduz alterações no IR e propõe uma nova contribuição sobre movimentação financeira para compensar a desoneração da folha e estimular a geração de empregos. O Ministro Paulo Guedes apresentará nos próximos dias sua proposta com um IVA mais tímido, alterações substanciais no IR e uma proposta de desoneração da folha. Já o movimento empresarial BRASIL 200 defende a tese do Imposto Único sobre transações financeiras e saques.
Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte. O jogo só está começando. O importante é aproveitar a rara energia política reformista reunida hoje para simplificar e tornar mais justo e eficiente nosso sistema tributário.
Marcus Pestana: Redes sociais, democracia e a sociedade hiperconectada
Tempos confusos, tempos conturbados, mudança multidimensional e estrutural que se dá em meio à agonia e a incerteza são expressões utilizadas pelo primeiro e talvez maior intérprete da “Sociedade em Rede”, o sociólogo espanhol Manuel Castells, para qualificar os desafios da ruptura de paradigma representada pela revolução produzida pela Internet e suas redes sociais.
Como participante de uma geração “pré-Internet” sempre acreditei que democracia era tornar cada vez mais público o que é público e cada vez mais privado o que é da órbita individual. Mas a verdade é que parecemos condenados a viver numa “sociedade BBB”, hiperconectada, exibicionista, transparente além de qualquer limite e com uma concentração absurda de informações e poder em mãos das grandes plataformas utilizadas. É uma tendência universal e irreversível. A hiperexposição de tudo e todos têm vantagens e desvantagens. Ainda na era analógica, o grande cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues cravou: “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava”.
A evolução do mundo moderno foi marcada pelas inovações tecnológicas que resultaram em saltos qualitativos na forma de produção e convívio social. A Internet foi mais uma inovação disruptiva e transformou a vida em suas dimensões econômica, social e política.
A inovação é neutra do ponto de vista moral e ético. O uso e suas consequências dependem de quem a utiliza. A Internet pode servir para grandes campanhas humanitárias e à difusão de conhecimento, mas também pode ser instrumento de redes de pedofilia. Há registros de que Santos Dumont e Einstein morreram carregados de tristeza em face do uso nas duas Grandes Guerras do avião e da bomba atômica, filha da famosa fórmula.
A internet e as redes sociais propiciaram um enorme aumento da produtividade e de eficiência na economia, mudaram padrões de comportamento e relacionamento entre as pessoas possibilitando maior aproximação em escala global e construíram uma poderosa ferramenta para o aprofundamento da democracia participativa, propiciando maior transparência e controle social sobre os processos de decisão.
Mas os efeitos negativos também vieram à tona. Eventos como as interferências no plebiscito do Brexit e na última eleição americana, assim como o vazamento de informações hackeadas de centenas de autoridades brasileiras colocam uma série de interrogações no horizonte. Soma-se a isso o uso de dados pessoais e o monitoramento de comportamentos individuais com objetivos mercadológicos, sem a total consciência e controle dos usuários. O “vício em redes” já começa a ser tratado como doença nociva à saúde.
Não é diferente o mau uso das redes sociais no Brasil, onde a plataforma fantástica de debate democrático transformou-se em ferramenta de fakenews, ataques violentos e abjetos a pessoas e desqualificação de instituições fundamentais.
A Internet e as redes vieram prá ficar. Não se deve jogar fora a criança recém-nascida junto com a água suja do banho. A regulação é extremamente difícil. Os hackers da “Vaza Jato” estavam em Araraquara, mas poderiam estar no Paraguai, em Miami, na Rússia ou na China.
O problema não está na ferramenta, um monumental avanço. Mais uma vez o centro da transformação está no avanço educacional e cultural dos seus usuários.
Marcus Pestana: Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (Parte II)
Fica claro que o papel do Estado é uma questão em aberto e que não há receitas prontas e exatas. A realidade sepultou os sonhos daqueles que advogavam um Estado máximo, onde o planejamento centralizado substituísse os mecanismos de mercado.
A questão passa a ser a calibragem ideal entre o livre jogo das forças de mercado e a intervenção regulatória e de política econômica do aparato governamental. Mas as crises cíclicas, os desequilíbrios e as desigualdades impõem algum grau de intervenção e arbitragem do Estado. Esta não é uma questão abstrata e depende das circunstâncias históricas concretas.
O Brasil faz parte do bloco dos países de industrialização tardia. Até a década de 1930, tínhamos a dinâmica de acumulação capitalista liderada pelo setor agroexportador herdado de nossas raízes coloniais e escravistas.
A industrialização por substituição de importações se deu com alta participação e indução estatal. Até a organização do mercado de trabalho partiu do Estado com a CLT. No período getulista, no Plano de Metas de JK e no Segundo PND de Geisel, mecanismos de incentivos e proteção cambiais, creditícios, fiscais foram usados a esmo de forma heterodoxa em nome do objetivo central da industrialização do país. Sem falar na intervenção direta do Estado-empresário em setores como petróleo, mineração, siderurgia, energia e telecomunicações. O resultado foi um país de razoável nível de complexidade industrial, um agronegócio moderno e competitivo e os maiores índices mundiais de crescimento entre o pós-guerra e 1980.
Mas a atual crise expõe a necessidade de mudanças radicais. A crise fiscal aguda impede qualquer sonho de reprodução do protagonismo do Estado. A economia contemporânea exige descentralização, inovação, flexibilidade. As respostas virão dos investimentos privados. E é preciso criar o ambiente de negócios adequado.
As características do desenvolvimento capitalista nos legaram disseminadas na sociedade e nas instituições uma cultura anticapitalista, uma visão paternalista da ação do Estado e um baixo espírito empreendedor e inovador.
É evidente que temos que ter políticas públicas para garantir a equidade social e ações muito bem calibradas do governo para regular e combater desequilíbrios e distorções de mercado. Mas temos que deslocar o protagonismo para a sociedade e para os empresários e a ação do Estado para a órbita exclusiva do social e historicamente necessário.
O anacronismo ideológico tenta impregnar o debate político com visões atrasadas e preconceituosas em relação à dinâmica capitalista. Pergunto: qual foi o mal causado pelas privatizações dos setores de mineração, siderurgia, telecomunicações e aeronáutico? E a quebra do monopólio estatal da PETROBRAS? Ao contrário, os resultados positivos são visíveis. Para que insistir em tabelamentos e controles excessivos de preços ou no paternalismo excessivo nas relações trabalhistas quebrado com a recente reforma trabalhista? Qual foi o resultado da última onda intervencionista da chamada Nova Matriz Econômica da era Dilma, com a desorganização do setor elétrico, do açúcar e álcool, “campeões nacionais” e voluntarismo fiscal? Um desastre!
Portanto, precisamos de menos retórica ideológica e mais pragmatismo e competência. Menos Estado e mais sociedade e mercado. Mais Brasil e menos Brasília.
Marcus Pestana: Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (parte I)
No centro do debate contemporâneo, no Brasil e no mundo, está a discussão sobre o papel do Estado e o modelo de intervenção governamental. Por trás disso há elementos teóricos e políticos e evidências históricas. No plano teórico, o liberalismo disseminou a ideia de que o livre movimento das forças de mercados, tendo como sinalizador o sistema de preços relativos, promoveria por si o equilíbrio microeconômico e macroeconômico a partir das flutuações de oferta e demanda de bens e serviços e da moeda. Autores como Walras, Misses, Bohm-Bawerk e, depois, Hayek e Friedman acreditavam que o mercado deveria ser o grande maestro da economia.
Por outro lado, a evolução da economia demonstrou que a concorrência não era perfeita, que haveria grandes assimetrias de informações e posições entre empresas e consumidores, que monopólios e oligopólios nasceram e que o equilíbrio não era uma tendência natural.
A economia capitalista teria uma dinâmica cíclica, com períodos de expansão alternados com crises. Marx, Keynes, Schumpeter, Kontratieff, Kalecki explicaram de diversas maneiras os movimentos cíclicos da economia, exigindo a ação governamental para compensar as imperfeições no funcionamento do mercado.
Essas polêmicas não são meramente teóricas e contaminaram a dinâmica política na evolução do papel do Estado e no jogo de disputa pelo poder. No nascedouro do capitalismo, o papel do Estado era mínimo. Não havia sequer sistemas públicos de educação, saúde e previdência. E a intervenção econômica dos governos se limitava a assegurar a liberdade de mercado e a estabilidade da moeda.
A experiência histórica concreta delimitou, assim, grosso modo, com suas nuances e calibres, os três polos na disputa pela condução dos destinos da sociedade: o liberalismo, que continua advogando a total prevalência do mercado e a ineficiência de quase toda intervenção estatal; a social-democracia e seu Estado de bem-estar social, que admite o mercado como mais eficiente na orquestração da alocação dos fatores produtivos, mas enxerga as imperfeições de seu funcionamento e advoga a necessidade da intervenção governamental para combater desequilíbrios e desigualdades; e, o Estado máximo, que foi exercitado pela experiência do socialismo real e “deu com os burros n’água”.
A história parece ter dado razão aos que enxergavam não a tendência ao equilíbrio geral, mas os movimentos cíclicos da economia e a produção continuada de desigualdades, paralelos ao inegável e vigoroso avanço das forças produtivas promovido pela evolução do capitalismo.
A globalização reduziu radicalmente a margem de manobra dos Estados nacionais.
Como disse no último artigo, os paradigmas ideológicos estão problematizados. Vivemos um momento de instabilidade. A China “comunista” incorporou o mercado à sua vida. As reações protecionistas e nacionalistas presentes à direita e à esquerda – estranha convergência – presentes na ação de Trump, no Brexit, nas posições da extrema direita e da extrema esquerda europeias, ameaçam o horizonte com uma perspectiva regressiva e antiglobalista.
Na próxima semana, voltarei ao tema, tentando refletir sobre as repercussões desse debate no Brasil, que, a meu juízo, tem na sociedade e nas instituições uma cultura anticapitalista arraigada e uma viciada dependência da ação intervencionista do Estado
Marcus Pestana: A socialdemocracia morreu. Viva a socialdemocracia!
Ninguém mais tem dúvidas que o Século XXI embaralhou o mundo das ideias e abalou os paradigmas ideológicos. Após a Revolução Industrial vivemos sob a polaridade entre capital e trabalho, liberalismo e socialismo. O Estado mínimo cuidava apenas de assegurar curso à ordem constitucional e jurídica, preservar a estabilidade da moeda e da defesa nacional. O resto caberia à sociedade e aos indivíduos empreendedores. Era a famosa “mão invisível” de Adam Smith. As condições selvagens de organização do trabalho e da produção no mundo urbano-industrial, no entanto, despertava forte resistência dos movimentos dos trabalhadores e dos socialistas.
O fim da bipolaridade começa já no final do Século XIX, com o nascimento da tendência reformista liderada Lassalle. Começava a surgir a ideia não de uma ruptura revolucionária, mas de reformar por dentro a democracia liberal e a economia de mercado. Em 1917, o socialismo revolucionário passa a ser real com a experiência soviética. As duas grandes guerras e a profunda recessão de 1929 cristalizaram a divisão do movimento socialista. Nascia a socialdemocracia.
A dissolução da URSS e a queda do Muro de Berlim decretaram a falência do socialismo real. A globalização avançou. Vieram a internet e as redes sociais. As bases da democracia clássica começam a ser questionadas. Este é um processo em curso. Antes mesmo, o Estado assumiu configuração muito mais complexa, intervindo no mundo capitalista e democrático através da tributação, do gasto público, das políticas sociais e da regulação da economia de mercado. O fato é que os três grandes paradigmas ideológicos entraram em crise na morte do socialismo, na crise mundial de 2009 que colocou em xeque ingenuidades liberais e na crise fiscal do Estado de Bem Estar Social. Como disse outro dia o ex-deputado Roberto Brant: “Não foi a socialdemocracia que acabou, o que acabou foi o dinheiro”.
Novos conceitos imprecisos surgem: populismo autoritário, liberais na economia e conservadores nos costumes, esquerda democrática, terceira via, liberalismo conservador, liberalismo progressista. Enfim, há um novo mundo a exigir novas ideias.
O importante é que no Brasil e no mundo há um amplo espaço de diálogo entre liberais, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos em torno dos desafios contemporâneos acerca da democracia, da economia de mercado socialmente regulada, da sustentabilidade ambiental, do combate às desigualdades e da mudança do papel do Estado.
Diante do complexo e desafiador cenário contemporâneo o melhor é ficar com Raul Seixas: “prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela opinião formada sobre tudo”.
Marcus Pestana: O fim do ciclo político da Nova República e do presidencialismo de coalizão
Antes de recolher os votos na aprovação do corpo principal da Reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em discurso denso e emocionado, fez uma enfática defesa da democracia e das instituições brasileiras. Disse ele: “Não haverá investimento privado sem democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”. Era uma clara referência aos violentos ataques ao Congresso Nacional e ao poder judiciário, particularmente ao STF, nas manifestações dos setores mais radicais do bolsonarismo-olavismo, que advogam um populismo autoritário.
Diante do vácuo gerado pela indefinição do novo modelo de relacionamento entre os poderes republicanos e das fragilidades da articulação política do Palácio do Planalto, o Congresso Nacional optou por desenvolver uma agenda própria, liderando as transformações necessárias para a superação da presente crise. No mesmo discurso, o deputado Rodrigo Maia reafirmou o protagonismo do Congresso e sinalizou os próximos passos: Reforma Tributária e reorganização do serviço público.
Há trinta anos, o cientista político Sergio Abranches cunhou o termo “presidencialismo de coalizão” que ficou famoso para descrever a conjugação do nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta, o multipartidarismo e a escolha de mandatários do poder executivo sem vinculação às eleições legislativas. Foi o que vigorou no país de 1985 a 2018.
O ciclo político da Nova República, inaugurada sob a liderança e Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, teve seu fim decretado com a eleição disruptiva de 2018. O sistema político tradicional que sustentou o presidencialismo de coalizão foi derrotado em função da deterioração de seu funcionamento pela exacerbação do patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção e de sua disfuncionalidade. Isto não apaga as expressivas vitórias econômicas, sociais e políticas. Mas já há consenso que o presidencialismo de coalizão morreu junto com a “velha política”, embora ninguém se arrisque a dizer o que o substituirá. É uma obra em construção.
Será um “parlamentarismo” disfarçado? Será um caminho permanente de conflitos e impasses entre os poderes? Como enfrentar as mudanças necessárias sem uma maioria parlamentar sólida? Ninguém ousa ainda arriscar. Algo novo nascerá.
O cenário futuro exigirá um reposicionamento de todas as forças políticas. O vice-presidente Marco Maciel gostava de dizer “que ideias são boas para a academia, mas a política no Brasil é fulanizada”. Numa precoce visão sobre 2022 é possível visualizar que a disputa presidencial já tem dois polos definidos. O bolsonarismo de um lado, e de outro, a esquerda dividida entre Ciro Gomes e PT, que não estão se reciclando diante dos novos tempos. Resta um vazio ao centro do espectro político.
Creio que serão necessárias ousadia e coragem para produzir uma reaglutinação criativa do campo democrático e reformista. Novos tempos exigem novas ferramentas. Em torno de princípios como a defesa da democracia, do combate às desigualdades, da economia de mercado, do Estado modernizado, da sustentabilidade ambiental e da ética, podemos criar um novo e forte partido para preencher o enorme vácuo existente hoje entre os extremos radicais que disputam a hegemonia política.