Marcus Pestana
Marcus Pestana: Para além dos fundamentos econômicos
A grande angústia nacional continua sendo a baixo ritmo do crescimento econômico e suas repercussões no nível de emprego e renda da população. Ainda são mais de 12 milhões de desempregados, é grande o número de postos de trabalho informal e um terço dos trabalhadores recebe apenas um salário mínimo. As projeções para o crescimento em 2020 situam-se na faixa de 2,0 a 2,5%. O Brasil precisaria e pode crescer de forma sustentada a taxas superiores a 4% ao ano.
Sempre associamos crescimento econômico aos fundamentos econômicos. A situação no câmbio é confortável. Temos volumosas reservas, o câmbio flutuante garante o equilíbrio, com intervenções pontuais do Banco Central, o Balanço de Pagamentos tem o déficit em transações correntes compensado pela entrada de capitais externos e pelo resultado da balança comercial.
No plano da estabilidade da moeda e da taxa de juros há bons sinais. O Plano Real se mostrou resiliente diante dos múltiplos desafios desde 1994 e a inflação continua sobre controle. As taxas básicas de juros são as menores da história da SELIC, embora na ponta precisássemos dinamizar a competição para azeitar o crédito a custos compatíveis. Mas o mercado de capitais e as operações de captação de empresas brasileiras sinalizam uma mudança estrutural no financiamento do desenvolvimento.
O “Calcanhar de Aquiles” continua sendo no plano fiscal. Embora os déficits primário e nominal tenham tendência cadente, o cenário ainda é preocupante. Os governos subnacionais estão em situação crítica em grande parte por conta dos desafios previdenciários. E isso não se resolverá no curto prazo. Daí o investimento público se encontrar em nível recorde de compressão e não vir daí uma mola propulsora para a retomada, onerando o Custo Brasil pela precariedade da infraestrutura.
Mas há duas questões, às vezes negligenciadas, que impactam profundamente o nosso tristemente conhecido “voo de galinha”: o cenário internacional e o ambiente de negócios e institucional.
Vivemos num mundo globalizado e somos um país emergente, com um déficit histórico na qualidade da educação, na qualificação profissional e no desenvolvimento científico e tecnológico. A ocorrência da epidemia do Coronavírus já começa a ameaçar a retomada mais vigorosa da economia brasileira e também a guerra comercial EUA-China e seus desdobramentos acenam com riscos imponderáveis. O Brexit inglês é também um novo vetor negativo. Diante disso, o Brasil tem que rever seu posicionamento evitando alinhamentos desnecessários, gestos retóricos e ideológicos inúteis e retomar o protagonismo brasileiro na questão ambiental.
Também o ambiente de negócios, a estabilidade legal e regulatória, a desburocratização dos processos, o ambiente político, o fortalecimento de valores caros no mundo contemporâneo, como a defesa da democracia e da sustentabilidade ambiental, são decisivos para atração de novos investimentos. Liquidez no mundo há em abundância. A atividade capitalista pressupõe risco, mas não aventura. O ambiente brasileiro para o empreendedor, com todos os avanços recentes, é ainda hostil. Quem vai investir na privatização da Eletrobrás, por exemplo, ou em qualquer outra concessão ou PPP se não tiver certeza que a “regra do jogo” é pra valer e permanente?
O Brasil tem pressa e já se cansou de jogar oportunidades fora.
Marcus Pestana: Prevenção e catástrofes
De repente, não mais que de repente, a natureza explode e mostra sua força avassaladora. E as pessoas ficam indefesas, inseguras, impotentes, assustadas. Catástrofes sempre ocorreram na história da humanidade. É da vida, faz parte da aventura humana.
Os acontecimentos em Minas Gerais, nos últimos quinze dias, entristeceram a todos nós e nos convocam a uma inadiável reflexão e a uma mudança de atitude. Dezenas de vidas perdidas, milhares de desabrigados, rios transbordando, ruas e avenidas alagadas, pontes destruídas, casas e imóveis arrasados, carros empilhados. Um verdadeiro cenário de guerra.
O maior saldo tem necessariamente que ser o aprendizado coletivo. Os fenômenos naturais, até certo ponto, estão fora de nosso controle. O avanço tecnológico nos ajuda a antecipar acontecimentos, prevenir, criar defesas. Mas, às vezes, tudo parece inútil. O mundo parece cair sobre nossas cabeças. As perdas, principalmente de vidas, são irreparáveis. Mas o aprendizado é obrigatório.
Tudo começa na raiz. Nas mudanças climáticas fruto do desmatamento avassalador. No assoreamento dos rios, córregos e cursos d’água, frutos da ação humana. E prossegue na precária educação ambiental coletiva que temos no Brasil. As fotos do lixo represado por pontes encobertas no Rio Doce e outros deveriam ser objeto de reflexão em todas as escolas, associações de moradores e espaços comunitários. Cada vez que jogamos toda sorte de resíduos nos rios ou em simples “bocas de lobo”, estamos contribuindo para o agravamento do efeito catastrófico de eventos naturais.
Diante de tamanho desastre é hora de revalorizar os instrumentos de prevenção e planejamento da vida em comunidade. Sempre que as decisões sobre leis de uso e ocupação de solo, códigos de edificação, controle urbanístico, proteção ambiental, apontam para maior rigidez enfrentam as reações de interesses menores a obstaculizar o avanço. A verticalização urbana exacerbada esquece seus efeitos sobre as redes de saneamento e águas pluviais e sobre as estruturas de energia, gás, luz e telefonia.
A política habitacional tem um papel essencial. O poder público tem que saltar na frente do crescimento desordenado dos espaços coletivos. A oferta de moradias e lotes urbanizados, com infraestrutura adequada, induz preventivamente a ocupação de territórios mais seguros. Mas como atender esta demanda, principalmente das famílias muito pobres, na atual penúria fiscal e diante dos gargalos colossais da mobilidade urbana?
A crise fiscal tem tudo a ver com o agravamento de eventos como os de Minas. Ao gastarmos muito mais com a própria máquina estatal – previdência, salários, privilégios, pagamentos de juros, estamos reduzindo drasticamente a capacidade de investimento do poder público. São menos soluções contra enchentes, menos redes de captação de água pluvial, menos intervenções para desassoreamento de rios, ribeirões e córregos, menos ruas e estradas com infraestrutura adequada.
Fica um recado também para todos os governantes. Não vale a pena o tristemente famoso “asfalto eleitoral”. O asfalto, sem o devido tratamento à captação pluvial, acelera a velocidade das águas e é destruído rapidamente.
A natureza pertence a Deus. Mas a parceria entre o poder público e a sociedade pode melhorar e muito a prevenção de catástrofes como a ocorrida em Minas.
Marcus Pestana: Taxa de juros e política fiscal
A taxa de juros é um dos principais indicadores para a leitura da política econômica e a projeção do desempenho futuro da economia. A alta taxa básica de juros (SELIC) deprime o investimento público e privado, inibe o crescimento econômico, o crédito e a criação de empregos, aumenta a dívida e o gasto com o pagamento de juros, atraí capital especulativo em detrimento do produtivo, enfim, trava a economia.
A taxa de juros brasileira na ponta para as empresas, os consumidores e as pessoas, ainda é estratosférica, uma das mais altas do mundo. Mas isto só se reverterá com a mudança da situação oligopolista presente no mercado, concentrado em cinco grandes bancos, privados e públicos. Parece que finalmente os bancos virtuais, como os mineiros Inter e B2S, entre outros, e das fintechs, através de uma revolução tecnológica profunda, estabelecerão a verdadeira competição no mercado financeiro. No capitalismo, o principal elemento que favorece o consumidor e a sociedade como um todo é a concorrência.
Todos sabem que tenho pouquíssima identidade política e ideológica com o atual governo, mas apoio as linhas de atuação da política econômica liderada pelo Ministro Paulo Guedes e sua equipe. Cabe registrar que o ajuste e a retomada em curso só foram possíveis graças à estreita cooperação do Congresso Nacional, que aprovou, nos últimos anos, um elenco inédito de medidas saneadoras. E a SELIC pode atingir, de forma consistente e sustentável, o menor nível de sua história, ao ser rebaixada pelo COPOM ao presente patamar de 4,5%, podendo nos próximos anos cair ainda mais.
Quando estava presente nos debates da Câmara dos Deputados, sempre achei o nível de compreensão sobre a relação entre déficit fiscal, juros, expectativas e endividamento, extremamente baixo. Ao final do Governo Dilma, a dívida bruta apontava para o perigoso nível de 100% do PIB e o déficit nominal morava no nada confortável patamar de 9% do PIB.
Sempre me incomodou o posicionamento da esquerda em relação a estas questões. Sempre denunciavam os grandes gastos com juros e o agravamento do endividamento. Mas agiam em sentido contrário ao discurso. Uma mistura de desinformação, voluntarismo, ingenuidade, oportunismo e demagogia. Para a diminuição da dívida pública só há dois caminhos: intervir no estoque de dívida pagando parte dela com a venda de ativos ou no fluxo com a diminuição do déficit e da taxa de juros. Mas isto não é obra possível como exercício de voluntarismo, onde os fundamentos da economia são substituídos pela tão decantada e mal explicada “vontade política”.
Um exemplo disso é o exercício operado no Governo Dilma. De início a SELIC estava em 10,75%, chegou a 12,5%, num esforço voluntarista e insustentável caiu a 7,25% e acabou em 14,25%. Com o Governo Temer, que iniciou o ajuste e as correções necessárias, caiu para 6,5 e agora chega a 4,5%, de forma consistente e sustentável.
Com isso, segundo o VALOR ECONÔMICO, será possível uma economia de 417 milhões em quatro anos, ou seja, três orçamentos anuais da saúde, diminuindo o déficit nominal de 9% do PIB para 6% e estabilizando a trajetória da dívida bruta em 77% do PIB, permitindo a retomada inicial do crescimento.
Moral da história: mais vale uma boa política econômica do que uma retórica vazia, estridente, improdutiva e sem fundamento.
Marcus Pestana: 'Democracia em vertigem' - a arte e a verdade
“A arte existe porque a vida não basta” (Ferreira Gulart)
A inquietude humana nos leva a buscar permanentemente espaços além do real, a fantasia como realização metafórica de desejos e sonhos, a construção da arte como exercício máximo de criatividade e talento. A arte traduz nossa insatisfação com os limites da vida real e a partir das reflexões e dos sentimentos despertados provoca mudanças de atitude e o impulso de fazer concreto o impossível.
A arte não é uma repetição pobre e monótona da realidade. A boa arte é necessariamente provocativa, desafiadora, imaginativa. A relação entre arte e verdade é complexa, além do que, a verdade depende sempre do olhar e dos valores de quem a aborda. Para Adorno, “a arte é a magia livre da mentira de ser verdade”. Já o poeta Manoel de Barros brincou certa vez: “Noventa por cento do que escrevo é invenção, só dez por cento é mentira”.
Dentro de um país radicalmente polarizado ideologicamente a noção de “guerra cultural” ganha cada vez mais protagonismo. A extrema direita enxerga em tudo a presença de um suposto “marxismo cultural” ligado às construções teóricas do italiano Antonio Gramsci a contaminar a maioria das manifestações artísticas de um esquerdismo atroz. Claro que a arte não é imune e impermeável à luta política de seu tempo. Mas toda a tentativa de instrumentalizar a arte, através do didatismo político ou do proselitismo ideológico, fracassou, já que produz arte de baixíssima qualidade. Nada é mais chato e ineficaz do que um livro, um filme ou um poema panfletário. A boa arte é necessariamente sutil, ou quando agressiva, deve ser esteticamente bem construída.
Quando o Brasil concorreu ao Oscar com Fernanda Montenegro em “Central da Brasil” o clima era tipo a “Pátria de chuteiras”. A indicação do filme “Democracia em vertigem”, da diretora Petra Costa e da Netflix, sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, ao Oscar de melhor documentário destampou o caldeirão da “guerra cultural”. O atual Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim* disse: “(A indicação) mostra como a guerra cultural está sendo travada não só aqui, mas em âmbito internacional”. O PSDB criticou ironicamente nas redes sociais: “Parabéns à diretora pela indicação de melhor ficção e fantasia”.
“Democracia em vertigem” não é ficção, como o realismo fantástico de “Bacurau” ou o drama de duas irmãs em “Vida Invisível”, é um documentário. E adere claramente à narrativa construída pelo PT de que teria havido um golpe. Até que ponto o documentarista pode adulterar a realidade? Como todos sabem, votei a favor do impeachment. E o filme despreza os milhões de brasileiros nas ruas pedindo a saída de Dilma, os crimes fiscais e eleitorais cometidos e, principalmente, o maior escândalo da história brasileira desvendado pela Lava Jato.
Mas, nada deve dar margem para saudosistas dos tempos autoritários recomendarem a volta da censura e do AI-5. Os excessos produzidos pela liberdade devem ser combatidos com mais liberdade. A democracia é eterno aprendizado coletivo. O documentário candidato ao Oscar se coloca claramente a serviço de uma narrativa política. Que outros atores, com fez o MBL, produzam outras versões com um olhar diferente.
Em falar nisso, dia 24 de janeiro, o Festival de Cinema de Tiradentes faz sua abertura. Viva o cinema brasileiro!
*Nota: o blog recebeu o artigo antes da demissão do Secretário.
Marcus Pestana: Intenção e gesto na reforma política
Estamos em plena temporada de reformas em busca de desatarmos os nós que engessam o Brasil. Curioso obervar que a “mãe de todas as reformas” sumiu do mapa. Sem dúvidas, as reformas trabalhista, previdenciária, administrativa e tributária roubaram a cena de sua irmã política. Antes não se falava outra coisa: para destravar a economia e melhorar a sociedade era necessário mudar o funcionamento do sistema político e partidário. Ano par, tinha eleições. Ano ímpar, comissão de reforma política. Porque, de repente, o assunto foi completamente arquivado na legislatura aberta em 2019?
Vários são os motivos. Primeiro, a crise global de representatividade das democracias liberais clássicas, dadas as novas formas de relacionamento entre os cidadãos e o mundo da política, particularmente graças ao vertiginoso crescimento da internet e das redes sociais, que ergueram novas formas de expressão política à margem da dinâmica partidária. Como ninguém sabe muito bem o que o futuro nos reserva e quais serão as novas configurações da democraia, para que mudar?
Segundo, a crescente e irreversível impossibilidade de formação de consensos e maioria em torno das questões centrais da reforma política, após o STF ter derrubado a cláusula de barreira em 2006 e a Câmara dos Deputados ter perdido a última grande chance na votação do relatório de Ronaldo Caiado (2003/2006). A reforma política é do tipo “cada cabeça, uma sentença”. E pior, quem delibera sobre o assunto são os principais interessados e atores do processo. E como o “diabo mora no detalhe”, sempre houve uma grande intenção retórica a favor das mudanças e gestos reais em direção oposta.
Sou a favor do sistema parlamentarista e do voto distrital misto. As recentes superações de impasses e crises de governabilidade na Itália, na Espanha e no Reino Unido fortaleceram minhas convicções. Acontece que a cultura política brasileira é impregnada do personalismo típico do presidencialismo e o parlamentarismo não resistiria a um terceiro plebicito. Ser parlamentarista no Brasil é malhar no ferro frio, é pregar no deserto. Ficamos sempre a espera de um personagem heróico e salvador, podendo atender pelo nome de Getúlio, Jânio, Brizola, Collor, Lula ou Jair.
Também o voto distrital misto, que no meu ponto de vista, é o melhor sistema eleitoral, tem baixa chance de aprovação. Nosso sistema brasileiro é singular e único. Caríssimo, irracional, resultando em baixo vínculo entre representados e representantes e não favorecendo ao fortalecimento dos partidos políticos com instrumentos mediadores no processo decisório. Setenta por cento dos brasileiros, um ano após às eleições, não sabem sequer dizer o nome de seu vereador ou deputado. Ou seja, não há controle social efetivo. Mas os compradores de votos, as celebridades modernas e pós-modernas, os representantes de corporações ou segmentos sociais não têm interesse na mudança. E são maioria absoluta no Congresso.
A necessidade nacional sopra a favor da intenção de reformar a política. Só a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais não serão suficientes. Mas por razões múltiplas, principalmente pragmáticas, os atores políticos a quem cabe conduzir a reforma política, por não terem interesse real, discursam a favor, mas seus gestos concretros sempre desmentem as intenções.
Marcus Pestana: Nem tudo é economia
Na última semana de 2019, escrevi aqui sobre a agenda de desafios econômicos e políticos. Mas nem tudo é economia, embora a economia seja determinante. Todas as decisões são políticas e o desenvolvimento humano exige um olhar holístico sobre todas as facetas da sua existência. Hoje, procurarei explorar um pouco os desafios, em outros campos, colocados para 2020.
Na política, embora seja de se prever a manutenção de um alto grau de tensão na relação entre os poderes da República e a permanência de um forte grau de polarização ideológica no plano nacional, é importante não esquecer que teremos eleições municipais.
A escolha de bons prefeitos nos 5.570 municípios brasileiros é fundamental para o desenvolvimento das políticas públicas. É a esfera mais próxima do cidadão, submetida a controle social mais intenso, responsável pela educação infantil e fundamental, pela gestão do SUS, pela infraestrutura urbana, pelo saneamento ambiental, pela mobilidade e as implantação efetiva das políticas sociais. Num país continental como o Brasil, os municípios deveriam ser o centro de gravidade. Embora as condições fiscais sejam extremamente heterogêneas - há municípios ricos e outros pobres - a eleição de bons prefeitos será fundamental para a virada que precisamos dar no país.
Na saúde, creio que meu amigo e ex-colega na CSSF da Câmara dos Deputados, o Ministro Luiz Henrique Mandetta, vem fazendo um bom trabalho. Promoveu uma importante mudança na atenção primária com o “Médicos pelo Brasil”, organizou uma boa equipe e ergueu uma boa agenda como bússola. Creio que a prioridade, em 2020, deveriam ser a discussão sobre novas formas de financiamento (DPVAT, copagamento, revisão das renúncias fiscais, redistribuição das vinculações, multas sobre os que dolosamente ocasionam eventos violentos, etc.), o debate com o Congresso Nacional, o Judiciário e o Ministério Público em torno da fixação de um padrão claro de integralidade a ser oferecido pelo SUS e a construção da infraestrutura informacional ligando todas as unidades de saúde do país onde poderão rodar inovações tecnológicas (telemedicina, cartão SUS, prontuário eletrônico, educação a distância, regulação de acesso, etc.).
Na educação, a receita é simples, menos ideologia e mais ações concretas para qualificar o ensino, principalmente o infantil e o fundamental, sem o que decretaremos a exclusão perpétua destas crianças na era da informação e do conhecimento. Melhorar o desempenho de nossos jovens e dar formação técnica no ensino médio é outra tarefa. Envolver e adotar formas criativas de integração das Universidades com os governos regionais e locais, empresas e sociedade no processo de desenvolvimento social e econômico é objetivo permanente.
O combate às desigualdades pessoais e regionais de renda é multisetorial, mas urgente. Não só possibilitar a inserção no mercado de trabalho, através de qualificação profissional, aos cadastrados no programa Bolsa Família, mas ter uma agenda para o Nordeste brasileiro e para as regiões pobres e colocar esta variável na mesa em reformas como a tributária.
Reter e formar cérebros criativos na ciência e tecnologia, recolocar no centro a sustentabilidade ambiental e respeitar e valorizar a diversidade cultural e artística, completam a agenda multisetorial.
Não é pouco trabalho. Vamos em frente!
Marcus Pestana: A agenda para 2020
O ser humano tem esta estranha mania de partir o tempo. Como se a vida não fosse um moto-contínuo. Mas a quebra do calendário tem uma função simbólica importante. É como se fosse uma pausa para respirar fundo, revisitar e avaliar o presente e o passado e projetar o futuro. O fim de um ano acende a fogueira das previsões. O que se dirá sobre o fim de uma década? 2020 bate à porta! Essa é a senha para que cartomantes, videntes, economistas, analistas políticos se assanhem a prever o que ocorrerá no novo ano, na nova década.
E isso se agrava no Brasil. Aqui temos sempre o sentido da urgência e a ideia de que vamos começar do zero. Aqui, nos trópicos, tudo é aventura e desafio de curto prazo.
Certamente, o plano mais importante é o da economia. Viramos o ano com o nível de desemprego alto, a desigualdade extrema intacta, a produtividade insuficiente, as finanças públicas gravemente combalidas e os investimentos em patamares pífios. Isso apesar da retomada que projeta um crescimento do PIB de 2,5% no próximo ano, ancorado na enorme capacidade ociosa da indústria e no crescimento do consumo e do crédito, nos juros baixos e na inflação controlada. Mas nada que nos permita “dormir em berço esplêndido”, já que choques externos podem mexer com variáveis que parecem sob controle.
Há uma vasta agenda a ser enfrentada rumo a um crescimento vigoroso e sustentado. É fundamental concluir a reforma da previdência, estendendo seus efeitos a estados e municípios. Para diminuir o “Custo Brasil” e aumentar a produtividade da economia é central debater e aprovar uma reforma tributária que simplifique e torne mais equânime a relação dos empreendedores e cidadãos com o fisco. A reforma do Estado tem que prosseguir com o aprofundamento das privatizações e a aprovação de mudanças profundas na organização administrativa do setor público. Reformas microeconômicas também se somam a esta agenda. Mudanças como o 5G nas telecomunicações, as novas regras para licitações, PPPs, licenciamento ambiental, falências e concordatas, setor do gás ou a ampliação do acesso à saúde suplementar podem produzir resultados importantes alimentando o círculo virtuoso da geração da renda e do emprego.
Mas aí vem a questão política. Vivemos uma situação inédita. O governo atual, dentro de sua postura disruptiva, findou com a tradição do presidencialismo de coalização, presente desde a transição liderada por Tancredo Neves, e ainda não colocou nada em seu lugar. A dinâmica das mudanças necessárias foi transferida para o Congresso Nacional, já que não há base de apoio político organizada – até o minoritário PSL implodiu. Felizmente, este vácuo político tem sido ativamente ocupado pelo Congresso, apesar de sua composição diversa e fragmentada. Da capacidade das lideranças parlamentares levarem a frente as reformas essenciais depende o nosso sucesso em 2020.
Também no front externo é necessário retomar o velho e bom pragmatismo do Itamaraty, que sempre focou a atuação brasileira nos interesses econômicos e sociais de nosso povo e não em enviesadas convicções ideológicas. Vale a máxima: nas relações internacionais não há amizades e identidades, há interesses. Mas é fundamental que não desperdicemos energia e cacife com agressões inúteis a líderes, personalidades e países estrangeiros.
Que venha 2020, que seja bom para todos!
Marcus Pestana: O desafio do emprego no Brasil atual
Nosso desafio central continua sendo a retomada vigorosa do crescimento e a geração de empregos. A taxa de desemprego no Brasil fechou o terceiro trimestre em 11,8%, atingindo doze milhões e meio de brasileiros. O número de pessoas ocupadas cresceu, porém, novo recorde de informalidade foi verificado, são atividades de baixa qualificação e conteúdo tecnológico, salário médio menor e sem cobertura previdenciária. E há também a informalidade high tech quando milhões de brasileiros procuram seu sustento na UBER ou no IFood.
Por um lado, o avanço tecnológico gera empregos, como nos casos da UBER e do iFood. Entretanto, a Amazon, as fintechs e os bancos digitais, entre outros, têm efeito líquido negativo sobre o nível de emprego, embora mobilizando mão de obra qualificada com salários maiores.
A crise das duas maiores redes de livrarias brasileiras, a Saraiva e a Cultura, que fecharam lojas e demitiram funcionários, certamente tem a ver com a facilidade de se comprar livros sem sair de casa. Já os bancos virtuais e as fintechs finalmente ameaçam afetar a concentração no setor financeiro, podendo, caso consolidados, baratear o crédito e desonerar as empresas e as pessoas das taxas sobre serviços financeiros. Mas é evidente que os cinco grandes bancos brasileiros, que concentram 85% do crédito, se ajustam e fecham agências e demitem funcionários.
Os sinais atuais da economia brasileira são contraditórios. A inflação e os juros estão baixos. Mas a taxa de crescimento do PIB não deve chegar a 1% e a capacidade ociosa na indústria continua alta. O câmbio se desvalorizou: o que é bom para as exportações e ruim para os preços do componente importado inclusive máquinas, equipamentos, medicamentos, serviços tecnológicos e insumos essenciais. Além disso, haverá, em 2019, uma expressiva fuga de capitais estrangeiros da Bolsa de Valores. Apesar da melhoria do ambiente institucional com a Lei do teto dos Gastos, as Reformas Trabalhista e Previdenciária, a confiança do investidor na economia brasileira ainda não se firmou. Mostra disso foi a frustração das melhores expectativas em relação ao recente leilão do pré-sal.
A retomada de um crescimento vigoroso e sustentado depende do equilíbrio fiscal do setor público como um todo, que hoje é o calcanhar de Aquiles a abalar as expectativas dos investidores. E também, da melhora da percepção e da confiança na economia brasileira, não só dando continuidade às grandes reformas - o restante da previdenciária, a tributária e a administrativa, as privatizações, como prosseguindo nas reformas microeconômicas como o cadastro positivo, o projeto de lei da liberdade econômica, as mudanças no marco regulatório das telecomunicações.
Há, como sempre, ameaças e oportunidades. Mas é preciso também um pouco de juízo. A irresponsabilidade fiscal, a quebra de contratos, os controles artificiais de preços e as iniciativas heterodoxas do Governo Dilma ainda estão vivos na memória dos agentes econômicos relevantes. Neste sentido, declarações improdutivas e agressivas contra outros países, atitudes impensadas como a do prefeito Marcelo Crivela de resolver, na marra, os impasses com a concessionária da Linha Amarela ou a tentativa da Assembleia de Goiás de reestatizar a Enel, distribuidora de eletricidade comprada por investidores italianos, não ajudam.
Marcus Pestana: Sobre polarização, intolerância e consensos
Com a libertação do ex-presidente Lula se instalou uma intensa discussão sobre o agravamento da polarização política no Brasil. O debate franco e aberto é da natureza do sistema democrático. A intensidade é variável dependendo da conjuntura. Isto pressupõe um acordo tácito entre as mais diversas correntes do pensamento político e ideológico sobre a legitimidade de todas as partes que participam do jogo e o respeito ao império das leis, da Constituição e das instituições permanentes. O fortalecimento da democracia depende de que qualquer polarização tenha como produto consensos progressivos que permitam o avanço de soluções em torno da agenda que interessa à sociedade.
O pano de fundo que preocupa na radicalização do processo político brasileiro é a ocorrência de crises agudas e impasses em países como Bolívia, Equador, Chile e Hong Kong. Também nas democracias avançadas o desemprego, os movimentos migratórios e as ameaças introduzidas pela globalização produziram o crescimento da radicalização no Reino Unido, na França e nos EUA, entre outros.
No Brasil e no mundo, os velhos paradigmas ideológicos entraram em crise. As respostas não são lineares e fáceis e os fundamentos estão embaralhados. A divisão superficial e rasa entre direita, centro e esquerda é limitada diante de um mundo novo e complexo.
Há uma enorme confusão conceitual entre o que é ser conservador, liberal, reacionário, socialista, socialdemocrata, nacionalista, patriota, globalista. Há conservadores na visão de mundo e nos costumes e liberais na economia. Há liberais na economia e nos costumes, mas há também liberais conservadores e reacionários. Há conservadores antiglobalistas e socialistas globalistas. Há esquerda moderna e retrógrada, e mesmo conservadores nos costumes à esquerda. Há liberais progressistas que se preocupam com as desigualdades e socialdemocratas e socialistas que defendem a economia de mercado democraticamente regulada. Não é mero jogo de palavras. Em verdade há muito mais do que cinquenta tons de cinza.
O próprio governo brasileiro e sua base política e social de sustentação não são monolíticos. A esquerda também não é homogênea. O Brasil tem pressa e vive uma crise conjuntural e estrutural a exigir respostas. A radicalização retórica e da ação política imaginada a partir da polarização entre bolsonarismo e lulopetismo não contribuirá para o avanço da agenda nacional. O núcleo duro na sociedade de posições radicalizadas não passa de 20% da população para cada lado. Há um campo de 60% das pessoas que fazem um movimento pendular conforme as alterações da realidade.
O surgimento de um forte movimento de centro democrático mais racional, contido, propenso ao diálogo, será positivo e necessário para que o Brasil encontre os caminhos para a saída da crise. De certa forma, isto tem acontecido no Congresso. O sectarismo e a intolerância formam o caldo de cultura necessário para posições radicalizadas. O diálogo e o reconhecimento que ninguém é dono de uma verdade absoluta confundem o militante sectário. Cabe ao centro democrático ganhar parcela importante da sociedade com uma mobilização e comunicação social eficientes para que posições radicalizadas não aprisionem o processo de decisões tão necessário para que o país não caminhe para o impasse e confrontos evitáveis.
Marcus Pestana: Pacto intergeracional e ajuste fiscal
Em todas as facetas da trajetória do desenvolvimento social não podemos ter foco só nos desafios presentes, mas também um sólido compromisso com as futuras gerações. Seja na economia ou na questão ambiental, não é justo resolver os problemas de curto prazo a qualquer preço, sacrificando o horizonte de vida de nossos filhos e netos.
James Freeman Clarke cunhou a famosa frase; “O estadista pensa nas próximas gerações, o populista nas próximas eleições”.
Digo isto, a propósito da gravíssima crise fiscal brasileira e o papel das privatizações e venda de ativos no processo de ajuste. Usarei o exemplo de Minas Gerais, não por ser mineiro e como ex-secretário de Planejamento conhecer melhor a sua realidade orçamentária. Falo de Minas porque, infelizmente, hoje, o estado ocupa o nada honroso posto de pior situação fiscal do Brasil. Mas as conclusões tem validade geral.
No próximo dia 20 de novembro, a Assembleia Legislativa votará a autorização para que o governo capte no mercado recursos entre 5 a 6 bilhões de reais dando como garantia doze anos de arrecadação futura dos direitos de exploração do nióbio extraído em Araxá. Recursos que serão direcionados para o pagamento do 13.o salário e regularização da folha de salários. Ou seja, estamos vendendo a geladeira e o fogão para quitar as despesas das refeições já feitas. E o futuro? Em 2020, teremos novamente as mesmas despesas. De onde sairá o financiamento do rombo?
A Secretaria do Tesouro Nacional tem um ranking sobre a situação fiscal dos Estados. Somente o Espírito Santo tem nota A. Dez estados possuem avaliação B, 13 estados recebem avaliação C e, na zona do rebaixamento, Minas, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro possuem a nota D. A pior situação é a de Minas. As despesas correntes correspondem a 106,5% das receitas correntes. Senhores deputados, o fluxo de caixa não gera soluções e sim novos e crescentes problemas. A dívida consolidada de Minas representa 208,7% das receitas correntes líquidas. Não há possibilidade de ampliar o endividamento.
Vender os ativos mais preciosos do Estado para pagar despesas correntes de um fluxo de caixa gravemente deficitário é como gozar de uma felicidade ilusória e passageira. É também uma perversidade com as futuras gerações. Diante de tal desajuste, não se podendo contrair novas dívidas, só restam três saídas não excludentes: reduzir despesas, aumentar impostos ou promover o ajuste patrimonial.
É preciso saber que uma decisão como a que está na mesa implica em eleger vencedores e perdedores. Receitas extraordinárias como as do nióbio ou da privatização da CEMIG e da COPASA só deveriam ter uso nobre: pagamento de dívida para desonerar o fluxo futuro de juros e amortizações ou soluções permanentes para parte do déficit previdenciário. Isto permitiria que as despesas com educação, saúde e segurança não fossem sacrificadas no futuro. Ou ao menos, os recursos deveriam ser revertidos para investimentos estruturantes como a BR-381 ou o metrô da RMBH, por exemplo.
Entendo a preocupação do governo e dos deputados com o incêndio do dia. Mas ou enfrentamos de vez o desafio do equilíbrio do fluxo corrente ou queimaremos o patrimônio dos mineiros sem contribuir uma vírgula para a solução do desajuste fiscal. Nossos filhos e netos certamente não se orgulharão da herança recebida.
Marcus Pestana: Uma última palavra sobre as privatizações
Quanto mais o debate das privatizações abandonar o terreno ideológico e ganhar objetividade, tanto melhor. Vamos lembrar a máxima do Plano Diretor da Reforma do Estado: “nem tudo que é estatal é público, nem tudo que é público tem que ser estatal”. Mostra disso é apropriação do espaço estatal ao longo da história por interesses patrimonialistas manifestos na corrupção, no clientelismo e no nepotismo. Por outro lado, existem milhares de entidades filantrópicas que exercem funções públicas sem serem estatais.
As privatizações podem atender a diversos objetivos: contribuir com o ajuste fiscal, ganhar eficiência para a economia como um todo, atrair investimentos privados inalcançáveis para o setor público, estancar transferências do governo para empresas deficitárias e concentrar as energias das políticas públicas.
Já aqui, neste espaço, manifestei minha posição totalmente aberta às privatizações no setor elétrico. Não há nenhuma perda pelo setor ser gerido pela iniciativa privada se houver uma boa modelagem da desestatização, com metas qualitativas e quantitativas claras, e boa regulação pública dos serviços concedidos. Como Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações presenciei de perto o “day after” da privatização das telecomunicações. Na época havia a mesma discurseira ideológica: “vai beneficiar apenas os ricos”, “vai ameaçar a segurança nacional”, “vai encarecer os serviços”. Mais de vinte anos depois, o que vemos? Saímos de três milhões de celulares para mais de 230 milhões. A realidade derrotou os argumentos daqueles que ferozmente combateram a privatização da TELEBRAS.
Nas hipóteses levantadas, particularmente em Minas, sobre o saneamento básico e a exploração do nióbio, os mesmos princípios e argumentos defendidos neste e nos dois últimos artigos são válidos. Nada é sagrado ou “estratégico” que não possa ser entregue a gestão privada desde que haja uma correta modelagem e uma boa regulação.
No saneamento, os indicadores brasileiros são vergonhosos. Em pleno ano de 2019, mais de 100 milhões de brasileiros não têm coleta de esgoto. E o setor público não tem fôlego financeiro para tirar este atraso rapidamente. Há questões complexas envolvidas na modelagem: metas de universalização, padrões de qualidade, método de reajuste de tarifas. Mas os dois assuntos mais importantes no caso de se pensar na privatização da COPASA são: o fato do poder concedente ser do município, com grande peso na economia da empresa da receita obtida em Belo Horizonte, e o subsídio cruzado existente entre regiões e cidades lucrativas e as outras deficitárias. Mas não são problemas insuperáveis.
Já a exploração do nióbio não está na órbita dos serviços públicos. É uma riqueza mineral onde o Governo de Minas é possuidor do direito de lavra e recebe uma importante receita anual da CBMM. O Nióbio é um minério do futuro e a avaliação, seja para a securitização ou venda, deve levar em conta isto.
Mas o ponto central a ser refletido é o pacto intergeracional. No caso de Minas, a CEMIG, a COPASA e o nióbio são as “Joias da Coroa”.
Não há problemas em vendê-las. Podemos usar os frutos para gerar soluções permanentes para as gerações futuras. Ou, numa atitude egoísta e perversa, queimar nossos melhores ativos em gastos e consumo presente. Não será uma boa herança que deixaremos!
Marcus Pestana: Ajuste fiscal e privatizações (II)
Na última semana falamos sobre as privatizações como uma das ferramentas para o enfrentamento do estrangulamento fiscal e sobre o uso nobre de seus frutos contribuindo para o ajuste patrimonial de longo prazo. Não é razoável vender o patrimônio público para pagar despesas correntes.
Registramos também o ambiente contaminado por visões políticas e ideológicas anacrônicas que levantam polêmicas sem fundamento sólido ou evidências empíricas. Como foi dito, o cidadão não quer saber se a luz ou a água é estatal ou privada. Quer segurança no abastecimento, qualidade e tarifa justa. O conceito de “empresa estatal estratégica” funciona como um biombo para idiossincrasias, preconceitos e equívocos.
As empresas de serviços públicos, que não têm a natureza do serviço alterada pela privatização, precisam ser reguladas. É assim nas telecomunicações reguladas pela ANATEL, no petróleo, após a quebra do monopólio da Petrobrás, regulado pela ANP e na energia elétrica regulada pela ANEEL. Empresas privatizadas que não são de serviços públicos são reguladas pelo mercado. É assim com a Vale do Rio Doce, a EMBRAER, a CSN, a USIMINAS e a antiga AÇOMINAS.
Vou usar o exemplo de Minas no setor energético como exemplo concreto para tentar iluminar a polêmica e suas mistificações. A CEMIG e Furnas são símbolos do processo de desenvolvimento do estado com claras digitais de nosso maior estadista, JK. Cabe perguntar: a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica sempre foram estatais? A resposta é não. A primeira usina hidrelétrica da América Latina, inaugurada em 1889, foi fruto de investidores privados que fundaram na minha cidade, Juiz de Fora, a Companhia Mineira de Eletricidade, tendo a frente o grande empresário inovador e empreendedor, Bernardo Mascarenhas. O objetivo era substituir a iluminação pública a gás pela elétrica na cidade e gerar energia para a Cia. Têxtil Bernardo Mascarenhas e outras empresas da região. Portanto, o argumento histórico não alimenta o forte preconceito contra as privatizações.
Mas, e hoje? A energia elétrica é toda estatal? Mais uma vez, não. A Light no Rio foi privada, virou estatal e voltou a ser privada. A ENERGIZA, que nasceu em 1909, como Cia. Força e Luz Cataguases-Leopoldina sempre foi privada e hoje abastece 16 milhões de pessoas, em 788 municípios brasileiros em nove estados da federação. O fato de ser privada não impediu a empresa de receber diversos prêmios em relação à qualidade de seus serviços e ao seu compromisso com a sustentabilidade ambiental. Portanto, o argumento fático também não socorre os antiprivatização.
Quem hoje sente falta do CREDIREAL ou do BEMGE estatais que foram privatizados? Arrisco a dizer, ninguém. O Secretário de Planejamento de Minas Gerais, Otto Levy, estima que é possível arrecadar 10 bilhões de reais com a privatização da empresa como contribuição à superação da atual situação pré-falimentar em que se encontra o Tesouro Estadual. E mais grave, alerta que com o fim das concessões obtidas, a empresa perderá valor de mercado. É preciso debater profundamente o uso dos recursos, a regulação eficiente, a modelagem da venda. Mas não erguer barreiras ideológicas quanto a uma necessidade histórica.
Enfim, menos discursos ideológicos estatistas e mais debate qualificado sobre as privatizações!