Marcus Pestana

Marcus Pestana: O Brasil pós-pandemia - Uma visão de futuro

O PSDB Nacional e o Instituto Teotônio Vilela, por decisão de seus presidentes Bruno Araújo e Pedro Cunha Lima, desencadearam o projeto “O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro”. O objetivo é após o arrefecimento da pandemia e das eleições municipais produzir um forte pronunciamento partidário, contundente e incisivo, longe de ambiguidades e tibiezas, sobre os desafios do país nas mais diferentes áreas no contexto que emergirá após o enfretamento da COVID-19. Será o estabelecimento de um rumo claro que irá nortear o diálogo com outras forças democráticas e progressistas e com a sociedade, pavimentando o caminho da ação partidária em 2021 e da preparação de alternativas em 2022.

Na última quinta-feira, 3 de setembro, tivemos uma densa e profunda conversa com o ex-presidente Fernando Henrique, a meu juízo, o melhor intérprete do Brasil contemporâneo. O diálogo envolverá nas “salas de conversa” formuladores, técnicos e intelectuais não obrigatoriamente ligados ao partido como Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pérsio Arida, José Roberto Afonso e Maurício Moura.

Foram construídas dezenove áreas temáticas coordenadas por especialistas qualificadíssimos envolvendo ex-ministros de Estado, ex-governadores, ex-parlamentares, ex-secretários estaduais e intelectuais dos diversos segmentos das políticas públicas. Em todas as áreas será lançado um olhar sobre o futuro.

Surgirão dois produtos: um documento partidário forte e cristalino como referência para o diálogo com a sociedade, com as bases partidárias e com o polo democrático e progressista e um e-book, editado pela Fundação Teotônio Vilela, “O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro”, com apresentação de Fernando Henrique Cardoso e artigos autorais dos coordenadores setoriais, sintetizado o esforço coletivo de reflexão e debate.

Os desafios futuros a serem enfrentados pelo país serão enormes. Como equacionar o estrangulamento fiscal e ao mesmo tempo enfrentar as inaceitáveis desigualdades sociais; como fortalecer o SUS e suas parcerias com a saúde suplementar; como potencializar os efeitos do novo FUNDEB e da reforma do ensino médio e impulsionar a qualificação da educação no Brasil; como atacar os desafios da segurança pública e viabilizar a vitória sobre o crime organizado; como equacionar com ações concretas a péssima imagem internacional nas relações exteriores e na proteção ao meio ambiente; como transitar da proposta vitoriosa do deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG) estabelecendo o auxílio emergencial para um programa de renda mínima permanente; como viabilizar o retorno dos investimentos e a retomada do crescimento da economia, da renda e dos empregos; como dialogar com as Forças Armadas sobre a política de defesa nacional? São muitas perguntas a cobrar respostas consistentes e ações eficazes das políticas públicas.

Além disso, responder às questões universais e estruturais como a reinvenção da democracia, a convivência com as novas tecnologias e seu consequente desemprego estrutural, a transformação das plataformas digitais e das redes sociais em poderosas ferramentas para o fortalecimento da participação democrática da cidadania brasileira, da tele-saúde, da tele-educação, longe das fakenews e da promoção do ódio, da violência e da discriminação. A sociedade cobra de todos os atores políticos e sociais, que têm responsabilidade pública, rumo, clareza, coerência, consistência e ações concretas para tirar o país da crise. E o PSDB, independente de estar no poder ou não, sempre teve postura construtiva como recentemente na reforma da previdência, no novo marco legal do saneamento, na criação do auxílio emergencial, entre outros temas relevantes.

De imediato temos que encarar as reformas tributárias, administrativa e da máquina estatal. Nenhum líder ou partido isoladamente poderá enfrentar sozinho crise de tamanha dimensão. O projeto “O Brasil pós-pandemia” pretende dar a sua contribuição.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Gastança, responsabilidade e pandemia

Imagina que maravilha viver num mundo onde a concretização de todos os nossos sonhos não tivesse limites. Se alguém quisesse uma Ferrari 250 GT que custa a bagatela de 52 milhões de dólares, bastaria estalar os dedos e o carro apareceria na sua garagem. Se outro quisesse um apartamento de 500 m2 na Avenida Vieira Souto de frente para o mar de Ipanema, colocaria a mão na cartola e sairia além do coelho, a escritura. Se uma pessoa quisesse realizar a viagem que sempre desejou, cinquenta dias na Europa em hotéis 5 estrelas e restaurantes no top do Guia Michelin, esfregaria a Lâmpada Maravilhosa de Aladim e na mesa apareceriam as passagens e os vouchers para a realização do sonho. E aí vêm os chatos dos economistas, verdadeiros desmancha-prazeres, falar em um detalhe essencial chamado restrição orçamentária.

A linguagem dos economistas, na maioria das vezes, é hermética, quase incompreensível. Mas esconde verdades muito simples. Qualquer cidadão sabe que não pode gastar indefinidamente mais que a renda familiar. Isto gera um buraco permanente no orçamento da família e agrava o endividamento. E quando maior o abismo, maior os juros. E a dívida começa a crescer qual bola de neve. Resultado: venda do patrimônio para pagar dívidas, aperto crescente, perda de credibilidade indo parar no SERASA ou no SPC e, no final, o estrangulamento financeiro total e a crise quase insolúvel. Assim também é com os governos e o país.

O Brasil tinha antes da pandemia uma situação fiscal gravíssima. Os demagogos e populistas acham que os gastos podem ser ilimitados. A dívida bruta brasileira era antes do coronavírus, em 2019, 79,8% do PIB. O déficit primário, que não leva em consideração as despesas financeiras, no ano de 2019 foi de R$ 95,1 bilhões de reais. Felizmente, graças ao teto dos gastos, à recessão e à reforma da previdência, os juros básicos (SELIC) que incidem sobre a dívida pública estão hoje no menor patamar de sua história, 2,0%. Ou seja, quanto maior o nível de risco de calote, maior a taxa de juros.

Veio a pandemia, evento fora do controle, não planejado. Como todos os países do mundo, o Brasil ampliou o endividamento. Foi aberta uma inevitável bolha de ampliação dos gastos para bancar o auxílio emergencial, as despesas adicionais com o sistema de saúde, o crédito subsidiado às pequenas e médias empresas, as transferências compensatórias a estados e municípios e o programa de sustentação do emprego para evitar demissões. Foi o chamado “orçamento de guerra”. Como “não há almoço grátis” a dívida subirá para o perigoso patamar de 100% do PIB, os prazos de rolagem da dívida estão se encurtando e o juro futuro crescendo, e o déficit primário que foi de 95,1 bilhões em 2019 subirá para 787,45 bilhões de reais em 2020. No próximo ano, inevitavelmente teremos que retomar o teto de gastos e a responsabilidade fiscal, apesar das pressões políticas para que isso não aconteça.

O desafio é encontrar espaço orçamentário para financiar o programa de renda mínima permanente e os investimentos públicos para alavancar a retomada. Isso deve ocorrer não com aumento de impostos, revogação do teto ou mais endividamento, mas com a reforma administrativa cortando privilégios, com a reforma tributária aumentando a eficiência arrecadatória e com o corte de subsídios e incentivos injustificáveis.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Irresponsabilidade e fakenews também têm limites

Volto hoje ao tema do confronto entre liberdade de manifestação e controle social sobre abusos e crimes cometidos nas redes sociais. Confesso que escrevo com uma ponta de revolta e indignação. Por um lado, porque uma fakenews fez a mim e muitas pessoas sofrerem com a antecipação da morte de um grande amigo. Por outro lado, chegamos ao limite da atrocidade, desrespeito e crueldade no caso da criança grávida de 10 anos, que desde os seis é vítima de abuso sexual, exposta publicamente pela suposta líder protofascista Sara Winter. Felizmente, a Justiça, o Ministério Público e o próprio YouTube já tomaram providências para punir exemplarmente os algozes de uma indefesa criança.

No dia 7 de agosto, fiz entrevista no perfil do Instagram @amatutina, sobre os “Engenheiros do Caos” do suíço-italiano Giuliano da Empoli. Há uma vasta literatura recente sobre a crise da democracia. Mas o livro de Empoli desnuda como as plataformas digitais foram manipuladas ilegitimamente no nascimento do movimento italiano “5 Estrelas”, no plebiscito do Brexit, na campanha de Trump e como isto chegou ao Brasil pelas mãos do estrategista-chefe da Casa Branca no início da administração de Donald Trump, Steve Bannon.

A crise da democracia tem como pano de fundo as mudanças da economia capitalista que resultaram numa sociedade mais complexa e fragmentada, os sucessivos escândalos de corrupção mundo afora que desmoralizaram as elites dirigentes tradicionais e o surgimento de novos movimentos fora da órbita do sistema como o ambientalista, o feminista, o LGBT, o antirracista, o evangélico, etc. E o advento das redes sociais que jogaram lenha nesta fogueira permitindo a individualização da participação política e social.

Os “Engenheiros do Caos” patrocinaram, em escala global, o “populismo autoritário”. A revolução digital não carrega, em si, valores éticos e morais. A qualidade do uso das ferramentas digitais está nas mãos de quem as usa.

Giuliano da Empoli mostra em seu livro que os “Engenheiros do Caos” não se preocupam com a verdade ou a mentira, o real ou o irreal, a coerência. Querem apenas e a qualquer custo instrumentalizar as redes, prender audiência, mobilizar seguidores e criar uma corrente de opinião a favor de determinadas ideias e candidatos. Empoli cita um senador americano que disse certa vez: “cada um tem o direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios fatos”. Os “Engenheiros do Caos” criam seus próprios fatos.

Como as forças democráticas e progressistas podem enfrentar este monstro sem precisarem se igualar em práticas condenáveis e ilegítimas? Primeiro, como sugeriu um dos nossos maiores youtubers, Felipe Neto, educação digital. Em segundo lugar, construir a rede dos algorítimos e atores do bem e da verdade. Sem fakenews, sem agressividade e promoção do ódio, privilegiando o debate democrático e a promoção de consensos. E usar uma linguagem mais leve, transgressiva, bem humorada, como sugeriram o próprio Empoli no debate com Fernando Gabeira no “Sempre um Papo” de Afonso Borges, com base em experiência de Taiwan na pandemia e dos jovens que esvaziaram comício de Trump através do aplicativo TikTok, e o humorista Marcelo Adnet no Roda Viva. Por último, uma boa Lei de controle social sobre as redes, sem afetar a liberdade de opinião e a privacidade das pessoas.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB – MG))


Marcus Pestana: As mudanças recentes na conjuntura política

Como estávamos em 2019? A radicalização ideológica atingiu grau máximo. Manifestações pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF reafirmaram a divisão do país, na reprodução modificada do nefasto nós contra eles, que já vigia na era petista. O Presidente se pronunciava diariamente em temas polêmicos estimulando o bolsão mais radical do bolsonarismo. A recuperação econômica após a grande recessão do Governo Dilma era tímida e lenta. O desemprego permanecia em níveis elevados.

A base parlamentar do governo era frágil para sustentar as inadiáveis reformas. O desgaste na imagem do país foi enorme nos campos ambiental, educacional, dos direitos humanos e diplomático. De bom houve a reforma da previdência, graças à lucidez das lideranças congressuais. Mas municípios e estados ficaram de fora. Resultado: inflação baixa, PIB crescendo insuficientes 1,1%, desemprego alto, queda na aprovação do governo federal e tensão institucional inédita.

Veio a pandemia. Já são mais de 105 mil vidas brasileiras perdidas. O foco da sociedade e dos governos se voltou inteiramente para a saúde. O SUS e a saúde suplementar foram submetidos a um teste radical. Com o isolamento social, período para acúmulo de informações sobre o vírus e a preparação da retaguarda hospitalar, responderam satisfatoriamente. Infelizmente, o governo federal renunciou a seu papel coordenador. Ao contrário, patrocinou o confronto com governadores e prefeitos. As desigualdades profundas foram escancaradas. Os invisíveis tornaram-se visíveis. O Congresso Nacional assumiu o protagonismo aprovando o estado de calamidade pública, o auxílio emergencial, o “orçamento de guerra”, o apoio de crédito às empresas e o programa de manutenção dos empregos.

A nova realidade produziu mudanças significativas. O Presidente mudou de atitude, eliminou seus polêmicos pronunciamentos diários, procurou o apoio do Centrão e assumiu a necessidade de distensionar o relacionamento com o parlamento e o poder judiciário. Moro, símbolo do lavajatismo, saiu do governo, tirando do Presidente, segundo especialistas, 10% de aprovação na opinião pública, que foram substituídos por uma nova base social de apoio, os beneficiários do auxílio emergencial. Graças ao teto dos gastos, à reforma da previdência e à expectativa de manutenção da agenda reformista, os juros básicos chegaram ao menor patamar da história. Mas a recessão em 2020 será gravíssima. Ao final da pandemia, o número de desempregados e desalentados chegará a níveis bem superiores aos do início do governo.

Há vários desafios pela frente. A polêmica - aumento de investimentos públicos versus teto dos gastos e responsabilidade fiscal - não pode ter desfecho inspirado por tentações populistas. A globalização enfrentará um inevitável recuo e o Brasil terá que mudar sua orientação diplomática. Medidas como o novo marco do saneamento já aprovado podem também produzir resultados em áreas como gás e petróleo. As reformas tributária e administrativa são imprescindíveis e urgentes. O compromisso com as privatizações tem que ser retomado. Houve uma debandada na equipe econômica liberal. Há que se repensar o papel do Estado e o mundo digital na vida do Brasil pós-pandemia. Que não vença uma anacrônica visão populista-nacional-desenvolvimentista. Isso é o que esperamos.

*Marcus Pestana, foi deputado federal e, por dois mandatos consecutivos, presidente do PSDB de Minas Gerais.


Marcus Pestana: Novo Fundeb e o futuro da educação

Desnecessário reafirmar a centralidade da educação de qualidade para a sociedade e a economia de um país, preparando crianças e jovens para o exercício da cidadania e a sua inserção no mercado de trabalho e na vida social e política. Como disse certa vez o ex-senador Cristovam Buarque: “o berço da desigualdade é a desigualdade do berço”. E só a educação pode democratizar as oportunidades.

O compromisso com a educação povoa todos os discursos políticos, mas muitas vezes não transborda o nível da simples retórica. Para a construção de um grande país temos que arregaçar as mangas e agir para superarmos o terrível passivo que temos na área educacional.

Em 1996, o Governo FHC criou o FUNDEF, que foi responsável por garantir uma fonte de financiamento estável para o ensino da 1ª. à 8ª. séries e pela universalização do ensino fundamental. Em 2007, o Governo Lula ampliou o financiamento para o ensino infantil e médio com o FUNDEB. A complementação do Governo Federal cresceu de 1% para 10%. Foram avanços, mas os resultados que temos hoje são claramente insuficientes.

O Senado Federal votará na próxima semana a Emenda Constitucional No. 26/2020, que já foi aprovada na Câmara relatado pela Deputada Professora Dorinha (DEM/GO), renovando o FUNDEB e promovendo mudanças.

O texto altera critérios de distribuição dos recursos; procura aprimorar a equidade social privilegiando municípios mais pobres; pretende aumentar a transparência, a avaliação de resultados e os controles; intenciona estimular o aumento da qualidade e amplia a complementação federal dos atuais 10% para progressivamente alcançar 23% em 2026. A extinção do FUNDEB, que se daria em 2021, seria um desastre e o aumento de investimento é importante, desde que os recursos sejam bem gastos. Mas há problemas.

Primeiro, a nossa desconfiança histórica em relação ao caráter perverso e excludente de nosso modelo de desenvolvimento e à qualidade da ação dos gestores locais, nos leva a constitucionalizar tudo e a criar vinculações detalhistas que resultam em um modelo rígido demais para uma realidade em constante mutação. A revisão é prevista para daqui a dez anos. Mudanças constitucionais são difíceis e complexas. Quais serão os impactos no sistema educacional e nas políticas públicas da transição demográfica com cada vez mais idosos e menos crianças, da reforma tributária, da crise fiscal, da revolução da tele-educação?

Segundo, a exclusão do pagamento de aposentados da educação dentro dos cálculos, conceito correto, mas sem uma transição, colocará muitos estados brasileiros em extrema dificuldade em cumprir o texto constitucional. Vamos criminalizar esses governadores?

E por último, há estudos e evidências que comprovam não haver associação obrigatória de aumento de recursos com a ampliação da qualidade e a obtenção de resultados.

Se não introduzirmos mais flexibilidade para os gestores locais e regionais, não superarmos o corporativismo, não estimularmos o empreendedorismo das diretoras de escola, não introduzirmos a remuneração variável premiando desempenho e resultados e não envolvermos profundamente a comunidade e as famílias no processo educacional das crianças e dos jovens, poderemos aplicar preciosos recursos escassos e não promover a tão necessária revolução educacional. Intenção e gesto nem sempre caminham juntos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: Eleições em meio à pandemia

Entre tantos desafios que o país tem pela frente diante da pandemia da COVID-19, que já nos levou mais de noventa mil vidas brasileiras, temos programadas eleições municipais em 2020.

Numa atitude sensata, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional adiando o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo para 29 de novembro, confiante que até lá a curva de contaminação e óbitos tenha cedido substancialmente.

Sempre achei que o poder local é o mais importante na determinação da qualidade das políticas públicas. Acesso à saúde, qualidade do ensino, habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, desenvolvimento social são tarefas que se definem no concreto na instância municipal. O governo federal induz políticas, cuida de questões gerais como política econômica, defesa nacional e relações exteriores, mas aquilo que interessa às pessoas é bem ou mal executado no plano municipal. Os governos estaduais concentram a política de segurança pública, apoiam os municípios, mas a interface direta com os cidadãos é feita na esfera municipal.

O poder local é o mais próximo da população e o controle social sobre a ação pública é muito maior. A centralidade do poder local foi realçada ao extremo na gestão do combate à pandemia.

A eleição de 2020 será completamente diferente de todas as outras. Tudo indica que a onda devastadora do “novo pelo novo” contra a “velha política” perderá força. Atributos clássicos que sempre foram importantes – experiência, competência, capacidade de formar e liderar equipes, conhecimento sobre políticas públicas – tendem a ser revalorizados.

Em boa hora, o Congresso Nacional ampliou o horário eleitoral de rádio e TV de 10 para 15 minutos diários o programa e de 70 minutos para 100 minutos diários as inserções durante a programação. Isto por que o combate à COVID-19 e o necessário distanciamento social impedirão o uso intensivo de ferramentas clássicas como comícios, grandes reuniões, presença dos candidatos no trabalho de porta em porta, visitas domiciliares, etc.

Surgiu logo uma crítica ao Congresso Nacional, que julgo equivocada e precipitada, alegando que as redes sociais supririam a necessidade dos candidatos se comunicarem com o eleitor. Ledo engano, está provado que as redes sociais operam em “bolhas”, cada um pregando para convertidos ou sendo objeto de violenta ação de adversários, que não visam o diálogo, mas a desconstrução de imagem.

Principalmente a disputa majoritária para prefeito produz a decisão coletiva a partir da comparação entre os candidatos. O candidato que já tem 90% de conhecimento na população não teria tantos problemas, por já ter construído uma imagem, positiva ou negativa, junto às pessoas. Mas um candidato novo precisa se tornar conhecido, depois respeitado, mais à frente admirado, e assim se habilitar a conquistar o voto de confiança dos eleitores. As redes sociais são inegavelmente importantes, mas não substituem a televisão e o rádio. Tanto que a audiência cresce nos últimos dias quando uma parcela enorme da população mais despolitizada procura se informar para definir o voto a partir da comparação entre o conjunto de candidatos.

O importante é que façamos boas escolhas. O Brasil vive uma crise dramática e aos futuros prefeitos e vereadores cabe papel essencial na construção do Brasil pós-pandemia.

*Marcus Pestana, foi deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: O eterno retorno à questão previdenciária

O Brasil precisa urgentemente olhar para o futuro. A retomada no pós-pandemia não será nada fácil. Mas, para rasgarmos horizontes melhores temos, inevitavelmente, que acertar as contas com os fantasmas do passado.

A aprovação da Reforma da Previdência, em 2019, passou a equivocada percepção de que o problema tinha sido equacionado. O Congresso Nacional avançou muito no sistema geral do INSS e no Regime Próprio da Previdência da União. Infelizmente, em decisão política altamente questionável, foram excluídos dos efeitos da reforma os Estados e os Municípios. Ficaram fora de seu alcance as 27 unidades estaduais da federação e 2.108 municípios que possuem regime próprio de previdência. Para esses, a bomba relógio da previdência continuou armada.

Recentemente, ficamos sabendo que apenas 13 Estados aprovaram reformas previdenciárias substantivas, entre eles São Paulo e Rio Grande do Sul. Oito unidades da Federação simplesmente aumentaram as alíquotas, o que é claramente insuficiente, já que a manutenção das antigas regras frouxas para concessão de benefícios reafirmará a perspectiva de aumento acelerado do déficit previdenciário. E pior, seis Estados nada fizeram, o principal deles é Minas Gerais.

O desafio previdenciário não é privilégio brasileiro. A raiz das reformas recentes feitas em todo o mundo está na chamada transição demográfica. Hoje nascem cada vez menos crianças e felizmente, graças aos avanços civilizatórios alcançados, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Isto é bom para todos, mas é fatal para o sistema previdenciário. Menos gente contribuindo e mais gentes usufruindo por mais tempo. A conta não fecha.

O Brasil era um dos poucos países no mundo, até 2019, que não tinha idade mínima para a aposentadoria. No Brasil, 15 Estados e mais de dois mil municípios continuam sem essa importante regra moderadora.

Adianto que não é uma condenação moral aos que utilizaram a legislação vigente e que não vejo o servidor público como o vilão, já que fui um deles por 36 anos. Quando era secretário-adjunto do planejamento de Minas Gerais encomendamos o primeiro estudo sistemático sobre a previdência estadual à FGV/RJ e o resultado, já em 1997, foi como diria Gabriel Garcia Marquez a “Crônica de uma Morte Anunciada”. E na Câmara dos Deputados fui absolutamente coerente com as minhas convicções sobre o tema quando ocupei a vice-presidência da Comissão Especial da Reforma, em 2017.

O sistema previdenciário tem que ser justo e sustentável. No Brasil, ele nunca foi nem uma coisa nem outra. Produz concentração de renda e estrangula as finanças públicas de forma acelerada e crescente. Quem não reformar seu sistema não terá o retorno dos investimentos, boa saúde, segurança ou educação, verá cada vez mais recursos serem esterilizados sem produzir serviços ou obras públicas. Vocês já pensaram como a queda da qualidade dos serviços públicos tem a ver com o gargalo previdenciário ao não permitir a reposição de servidores aposentados e comprimir a possibilidade de melhor remuneração dos ativos?

Minas gasta quase 70% das suas receitas com pessoal, sendo 47% disso com pensões e aposentadorias. E tem um endividamento explosivo. Estado que esteve em muitos momentos na vanguarda da administração pública brasileira, não pode perder o bonde da História. Com a palavra a Assembleia Legislativa.


Marcus Pestana: Redes sociais, política e fakenews

O surgimento da Internet e das redes sociais promoveu uma verdadeira revolução na vida econômica, social e política do mundo contemporâneo.

Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos, sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade. A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.

O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos 88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de mensagens.

Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em relação ao tema.

Foi isso que levou o Senado Federal brasileiro, em deliberação relâmpago, a aprovar a Projeto de Lei 2630/2020, apelidada de “Lei das Fakenews”. O projeto começa agora a ser debatido na Câmara dos Deputados e a polêmica já se instalou em alta temperatura.

Em sã consciência, nenhuma pessoa de bom senso pode ser contra a exclusão de robôs, perfis falsos ou que as empresas identifiquem na mensagem quem está patrocinando o impulsionamento de um determinado conteúdo e emitam relatório trimestral sobre posts censurados e contas canceladas. Ou contra a existência de um conselho nacional para acompanhar a transparência nas redes e as condutas inadequadas.

A polêmica reside na tipificação penal de condutas criminosas na Internet, hoje já cobertas parcialmente pelos crimes de calúnia, difamação e dano moral; na previsão da rastreabilidade em plataformas como WhastApp e Telegram, o que poderia ferir o princípio do direito à privacidade; e na definição do que é ou não fakenews em confronto com o estímulo à autocensura ou a restrição à liberdade de expressão. Há consenso que propagação do terrorismo, exaltação à pedofilia, desinformação grave sobre saúde pública, entre outros, devem ser expelidos sumariamente. Mas a partir daí há muitas controvérsias.

A discussão é tão complexa e delicada, que contraditoriamente setores que reivindicam a volta do AI-5 e da ditadura se levantaram contra o “PL das Fakenews” em defesa da liberdade de expressão, lado a lado, por razões opostas, a ONGs e pensadores progressistas.

A Câmara dos Deputados certamente saberá democraticamente construir um texto que combine o rigoroso combate aos abusos cometidos na Internet com a defesa dos princípios fundamentais da liberdade de expressão e do direito à privacidade.


Marcus Pestana: Fakenews, liberdade e cidadania

O mundo contemporâneo foi profundamente impactado pelos avanços, no final do século XX, da computação eletrônica e do surgimento da Internet. A verdadeira revolução introduzida por essas inovações tecnológicas produziu mudanças radicais nas relações financeiras, no comércio, nas comunicações, no entretenimento, nas relações interpessoais, e, como não poderia deixar de ser, no funcionamento da democracia e da vida política.

Nesta semana o tema veio à tona com imensa força no Brasil e no mundo. Grandes empresas como Coca-Cola, Microsoft, Unilever, Adidas, Ford, Starbucks, HP e outras 160, interromperam sua publicidade nas redes sociais cobrando das plataformas Youtube, Facebook, Twiter e Instagram regras claras para a exclusão de postagens racistas, de promoção da violência e das tristemente famosas fakenews.

O presidente da maior potência global, Donald Trump, teve publicação no Twiter marcada como “mídia manipulada” em função da adulteração de um vídeo envolvendo duas crianças, uma branca e outra negra. E recebeu uma condenação geral ao reproduzir um vídeo onde um casal branco aponta armas contra manifestantes antiracistas, claramente estimulando a violência política e a intolerância. Já o Facebook retirou do ar um anúncio da campanha de Trump que utilizava um símbolo nazista – o triângulo vermelho invertido.

No Brasil, tivemos a votação de afogadilho no Senado Federal da polêmica Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, de autoria do competente senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e relatado pelo senador Angelo Coronel (PSD/BA).
As inovações tecnológicas são o motor das grandes mudanças nas economias capitalista como estudaram exaustivamente Marx e Schumpeter. Os computadores e a Internet revolucionaram a vida humana, e, como toda inovação, não carregam, em si, padrões éticos e morais, podendo servir ao bem ou ao mal.

Na política, o impacto foi profundo. As instituições e os partidos políticos democráticos tradicionais perderam seu papel central de canalização das expectativas, esperanças e inquietações sociais, já que na Internet todo mundo fala com todo mundo.

Este novo mundo foi abordado pioneiramente pelo sociólogo espanhol, Manuel Castells, em sua obra seminal “A Sociedade em Rede” de 1996. Vale a leitura. Recentemente, fiquei profundamente impactado ao assistir na Netflix o documentário “Privacidade Hackeada”, que desnuda o papel da empresa Cambridge Analytica na invasão não autorizada nas informações do Facebook de 87 milhões de usuários, e através do uso de Big Data e algorítimos, manipular a opinião pública na eleição de Donald Trump. A estratégia já tinha sido testada no plebiscito do Brexit.

Qual não foi a surpresa ao descobrir através do livro “Os Engenheiros do Caos” que o laboratório pioneiro foi a Itália, no nascimento do movimento anarco-populista “5 Estrelas”. O que parecia uma rebelião espontânea da base da sociedade italiana e o surgimento de um partido descentralizado, democrático e inovador, foi na verdade uma maquinação científica usando as modernas ferramentas das redes sociais, com uma empresa especializada e manipuladora por trás e o comediante Beppe Grillo como sua face pública, aproveitando o desgaste da chamada “velha política”.

Voltarei ao tema na próxima semana.


Marcus Pestana: Investimentos e expectativas

Afirmar que a maior prioridade pós-pandemia é a geração de empregos e a retomada do crescimento econômico é “chover no molhado”. Afinal, as novas projeções do FMI apontam para uma retração da economia brasileira de 9,1% em 2020.

Os motores que podem impulsionar são o investimento e o consumo, privado e público, e o comércio exterior. Mas quem comanda o crescimento são os investimentos. Nas ultimas décadas a taxa de investimento do país foi reconhecidamente baixa, chegando a 15,4% do PIB em 2019.

Dada a grave restrição fiscal que se impõe ao setor público as respostas não virão a partir de seus investimentos. A situação fiscal é dramática. E as receitas estão caindo em função da crise e as despesas continuam crescendo em sua rigidez inercial. A resposta obrigatoriamente virá dos investimentos privados e do crescimento das exportações.

Mas não bastam, para atrair investimentos privados, bons fundamentos macroeconômicos. Já foi dito que no plano fiscal não estamos bem. Mas no segmento da política monetária temos a menor taxa básica de juros da história (2,25%) e inflação bem abaixo da meta. E do ponto de vista cambial temos reservas cambiais abundantes, saldo comercial positivo, apesar da queda do investimento direto estrangeiro e da relativa fuga de capitais do Brasil.

Mas há, além dos dados objetivos, fatores subjetivos que se refletem na formação das expectativas dos investidores. Precisamos gerar um ambiente de confiança. Garantir segurança jurídica, estabilidade legal e regulatória, diminuir o Custo Brasil, garantir infraestrutura adequada ao desenvolvimento, enraizar a cultura de respeito aos contratos, passar a ideia de que o Brasil tem rumo e estancar a instabilidade política.

O atual ambiente institucional confuso não nos ajudará a sair da profunda recessão que se avizinha. O investidor gosta de tranquilidade e de regras claras e confiáveis.

O jornal Valor Econômico mostrou que das dez maiores PPPs do país, cinco ou fracassaram ou têm futuro incerto. Mas há bons exemplos de parcerias que deram resultados nas áreas da infraestrutura, saúde, educação e sistema penitenciário. Várias concessões públicas estão problematizadas, mas há muitas que foram bem. O programa de privatizações foi estancado devido à crise, mas será retomado em algum momento futuro.

Entretanto, precisamos melhorar muito a imagem do Brasil e prosseguir nas reformas estruturais macro e microeconômicas. Temos que tratar melhor a questão ambiental e dos direitos humanos que pesam na opinião pública internacional. Gestores de fundos que administram 3,7 trilhões de dólares encaminharam documento às embaixadas brasileiras em oito países questionando a postura brasileira. Precisamos retomar as tradições da política externa brasileira e evitar polarizações danosas e alinhamentos automáticos.

E avançar em medidas como o Novo Marco do Saneamento aprovado, que poderá atrair 700 bilhões de reais em investimentos e tem metas arrojadas de assegurar água tratada a 99% da população e coleta de esgoto a 90% dos brasileiros até 2033.

Na mesma direção, aprovar as reformas tributária e administrativa, licitar o 5G nas telecomunicações e manter o compromisso permanente com a responsabilidade fiscal e a estabilidade da economia.

É isto que todos esperam como horizonte para um novo Brasil pós-COVID-19.


Marcus Pestana: Estabilidade política e superação da crise

Para o sucesso do país na superação da pandemia e no enfretamento da grave recessão que se desenha no horizonte, um fator é fundamental: a estabilidade política. Por vezes, parece que estamos inacreditavelmente engolfados numa verdadeira marcha da insensatez em meio a uma tempestade quase perfeita.

Os últimos acontecimentos parecem fazer parte de um roteiro de thriller político povoado de fantasmas e ameaças, que tendem a intranquilizar a população, espantar investidores, desestabilizar a economia e tornar ainda mais complexa uma situação já dificílima.

Mantida a marcha atual dos acontecimentos podemos cair no buraco negro de um impasse. Todo impasse requer solução. E não há solução à vista. Seriam quatro os cenários possíveis de desdobramento da crise política.

O primeiro, o fantasma do autogolpe reproduzindo processos que ocorreram na Venezuela, Peru, Itália e Alemanha. Não me parece factível dada às reiteradas manifestações das Forças Armadas em torno da defesa da Constituição e da democracia. O próprio Presidente Bolsonaro, em solenidade recente, reafirmou o compromisso com a estabilidade constitucional, apesar de suas permanentes inquietações retóricas e de espírito.

O segundo seria o impedimento do Presidente pelo Congresso Nacional como ocorreu com Collor e Dilma, revelando a rigidez do sistema presidencialista. Não me parece que esta alternativa esteja na ordem do dia. A caracterização inequívoca de crime de responsabilidade não é questão trivial, não há maioria parlamentar a favor do impeachment e a não há ainda o necessário apoio popular a esta alternativa.

Em terceiro lugar, poderia ocorrer o afastamento do Presidente por via judicial como desdobramento dos inquéritos abertos na órbita do STF ou dos processos em análise na justiça eleitoral. Também não acredito nesta solução imediata. Os processos judiciais são longos e creio que o Judiciário, exceto se for encontrada nas investigações alguma fratura exposta, não apostará numa confrontação definitiva.

Resta o impasse no impasse, na falta de alternativa viável e factível, o quarto cenário seria um empurrar com a barriga até 2022, aos trancos e barrancos, com crises semanais a serem administradas, e sem um rumo claro na economia e nas diversas políticas públicas. Hoje – porque a história é feita também de acidentes de percurso - é o cenário mais provável. Mas o Brasil suportará?

Precisamos rapidamente atrair investimentos para reverter a profunda recessão que se avizinha e alavancar a retomada do crescimento, gerando empregos e renda para a população. O setor público encontra-se mergulhado em profunda crise fiscal, situação agravada com a pandemia, e não será o investimento público que protagonizará a retomada.

A retomada virá necessariamente do investimento privado. Mas não bastam bons fundamentos macroeconômicos, o sucesso nesta empreitada depende do ambiente institucional gerar confiança, expectativas positivas, noção de que há um rumo, segurança jurídica e estabilidade legal, regulatória e contratual. Isto está muito longe em nosso enredo de thriller político assustador.

Por hora, cabe a todos nós construir a maior convergência possível em torno da defesa da Constituição, de suas instituições democráticas e da democracia ameaçada. Não é tudo, mas já é muito.


Marcus Pestana: 1960, sessenta anos depois!

Hoje chego aos 60. Nunca pensei que isso aconteceria. Não porque achasse que morreria antes. Mas, o sonho da eterna juventude acalenta a todos nós. E logo no meio de uma pandemia, longe dos familiares e amigos.

Dia de Santo Antônio, não só casamenteiro, mas padroeiro da minha cidade, Juiz de Fora, que já se chamou Santo Antonio do Paraibuna.

Envelhecer é inexorável, muito a contragosto é verdade. Como sou um otimista na ação, procuro seguir o conselho de Picasso: “Quando me dizem que sou muito velho para fazer uma coisa, procuro fazê-la imediatamente”. Embora os limites físicos reais sabotem este plano diariamente.

1960 foi o ano da inauguração de Brasília. Finalmente ocuparíamos o Brasil profundo, coroando o Plano de Metas do presidente JK, o presidente bossa nova de um país feliz. O Brasil cresceu 9,4% no ano, a inflação era um pouco superior a 25%. Éramos 70 milhões de brasileiros, 45% nas cidades, 55% no campo. O país era jovem, 53% tinham até 19 anos. As desigualdades eram presentes, 20% viviam com renda até um salário mínimo e tínhamos 27,5% de analfabetos. Curiosamente, os primeiros resultados do Censo de 1960 foram anunciados no intervalo do clássico Flamengo versus Vasco, no Maracanã.

1960 foi o ano da eleição do carismático e promissor Presidente dos EUA, Jonh Fitzgerald Kennedy. Foi também o ano da eleição de Jânio Quadros, que renunciaria meses depois, desencadeando a crise pré-64. Nasceu Airton Sena, que tantas alegrias nos daria no automobilismo. A FDA americana, a ANVISA de lá, aprovou a primeira pílula anticoncepcional, importante passo na luta pela libertação feminina. Houve o espetacular assalto ao trem pagador, que renderia até filme, e Éder Jofre se tornou campeão mundial de boxe.

Em 1960, Ziraldo lançou a primeira revista em quadrinhos brasileira, a Turma do Pererê. A Portela foi campeã em conturbada apuração. A TV Record promoveu o primeiro Festival da Música Popular Brasileira, ganho pela “Canção do Pescador” de Newton Mendonça. Nelson Rodrigues publicou seu clássico “O Beijo no Asfalto”. Nas rádios as mais tocadas eram “Banho de Lua” com Celly Campelo e “A Noite do meu Bem” de Dolores Duran. A Bossa Nova fazia sucesso nas classes médias urbanas. No Brasil de 1960, apenas 38,54% das casas dispunham de energia elétrica, 35,38% possuíam rádio e apenas 4,6% tinham TV.

No cinema, Mazzaropi divertia a população nas matinês dominicais com o lançamento de “As Aventuras de Pedro Malazartes” e “A Morte comanda o Cangaço” representou o Brasil no Oscar. Ainda não havia Glauber Rocha, Joaquim Pedro e o Cinema Novo. “Acossado” de Jean Luc Godard e “La Doce Vita” de Fellini foram lançados para o público Cult e marcaram época. A monumental produção “Ben-Hur”, com Charlton Heston, abiscoitou onze Oscars.

Na incipiente TV brasileira, Chacrinha, com sua “Discoteca do Chacrinha”, começava a disputar a audiência com Flávio Cavalcante e seu “Um Instante Maestro”. Na telinha estreava a telenovela “Gabriela, Cravo e Canela” de Jorge Amado e o humor ganhava o “Chico Anysio Show”.

Sessenta anos se passaram. O Brasil mudou de cara. Minha geração lutou muito. Mas o desafio continua o mesmo: defender a democracia, lutar pelo desenvolvimento e enfrentar a triste marca da desigualdade social.