Marco Antonio Villa
Marco Antonio Villa: "Desafio do Brasil é crescimento econômico com democracia"
João Rodrigues, da equipe da FAP
Eleições 2022, guerra na Ucrânia e os desafios para a democracia brasileira. Esses são alguns dos temas da edição 42 da revista Política Democrática online, lançada nesta semana pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Conduzida pelo diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, e pelo embaixador André Amado, com a participação do diplomata Paulo Roberto de Almeida, a entrevista especial foi realizada com o historiador Marco Antonio Villa.
Nesta edição especial, o podcast Rádio FAP analisa diversos pontos da conjuntura política a partir de bate-papo realizado com o professor Villa. Docente aposentado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ele é youtuber, colunista da Istoé, comentarista Jornal da Cultura e do portal UOL. No fim de 2021, lançou o livro Um País Chamado Brasil – que apresenta panorama sobre a formação econômica, política e cultural nacional.
O avanço da extrema direita no mundo, os desafios para crescimento econômico com democracia e a polarização política entre o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão entre os principais temas do programa. O episódio conta com áudios da BBC News e do Roda Viva.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Anchor, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP
Marco Antonio Villa: Bolsonaro e a extrema direita
Voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que ocultavam a perspectiva reacionária
Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ
A extrema-direita brasileira veio para ficar. Nada indica que seja um fenômeno passageiro. Pelo contrário, sempre esteve presente nas bordas do sistema político. Não era levada a sério, era motivo de riso e de desprezo. Eventualmente obtinha algum êxito eleitoral, mas em momento algum ditou os rumos do País, de um estado ou, sequer, de um município.
Os acontecimentos da segunda década deste século permitiram que o que era considerado uma excrescência se transformasse em um ator importante na cena política. Vale ressaltar que o extremismo nativo tem tinturas de nazifascismo combinado com o velho reacionarismo brasileiro. Em meio ao processo, que nasceu nas ruas, do impeachment de Dilma Rousseff, os extremistas, de forma oportunista, entraram no vácuo e ocuparam um espaço que não era deles. E isto ficou claro quando das eleições de 2018 acabaram sendo eleitos parlamentares de extrema-direita em quantidade nunca vista na história republicana.
Tudo indica que nas próximas eleições deverá ocorrer uma sensível alteração na composição dos parlamentos, especialmente. E o espaço da extrema-direita estará bem reduzido. O voto de protesto, em 2018, acabou sendo canalizado para candidaturas que, sob a capa democrática, ocultavam a perspectiva reacionária. O fracasso, neste ano, das mobilizações bolsonaristas, demonstraram que a tendência é de acentuada diminuição da extrema-direita no primeiro plano da cena política. O desgaste do governo Bolsonaro colabora, em muito, para isso. Mas o agravamento da crise econômica é um importante fator. Deve também ser recordado que o extremismo não conseguiu produzir intelectuais orgânicos e estruturas permanentes de intervenção, como partidos e organizações de massa. A ação da extrema-direita, neste sentido, sem organização e planejamento, apontou para um esgotamento das mobilizações. Não se imagina que até, no mínimo, o início do processo eleitoral de 2022, possa ocorrer manifestações tais quais as de Sete de Setembro. É provável que os extremistas concentrem sua atuação na construção de candidaturas que possam manter o espaço que conquistaram em 2018. Nada indica que isso possa ocorrer. A tendência é um sensível enfraquecimento da extrema-direita, mas a sua permanência no processo político eleitoral como força política minoritária, e sempre perigosa ao Estado Democrático de Direito.
Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/bolsonaro-e-a-extrema-direita/
Marco Antonio Villa: Precisamos salvar o Brasil do bolsonarismo
Bolsonaro quer que a oposição vá para o pau-de-arara, seja torturada e morta. Só não o fez ainda graças à ação corajosa do STF
Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ
Os tambores das tropas de assalto bolsonaristas anunciam o golpe. Não há dia sem alguma notícia de ameaça ao Estado democrático de Direito. Jair Bolsonaro vocifera com ódio contra a democracia. A mesma democracia que abriu caminho para que chegasse à Presidência, isto após trinta anos de vida parlamentar. Houve um erro, grave erro, dos poderes constituídos que assistiram passivamente Bolsonaro atacar os fundamentos constitucionais, defendendo abertamente a supressão da Carta de 1988. Esta ação criminosa permitiu que numa conjuntura de enfraquecimento das instituições, em um momento de angústia e desespero frente aos sucessivos casos de corrupção, da falta de candidaturas que lessem a conjuntura e conseguissem entender o sentimento dos brasileiros cansados e frustrados com os presidentes recentemente eleitos, deu a Bolsonaro a chance de chegar ao posto de chefe do Executivo federal.
Do interior do aparelho de Estado, Bolsonaro foi diuturnamente solapando as bases democráticas construídas com tanto esforço desde os anos 1980. Ele representa os derrotados, a extrema-direita que foi enxotada do governo, que durante 21 anos se locupletou em nebulosas transações, que organizou um sistema repressivo para exterminar criminosamente os opositores à ditadura. Não é acidental que faça loas ao covarde coronel Ustra, transformando-o em seu herói. Para ele, a oposição tem de ir para o pau-de-arara, deve ser torturada e morta. Só não o fez ainda, graças à ação corajosa e republicana do Supremo Tribunal Federal. Se não estamos em uma ditadura — e desde o ano passado — é graças ao STF.
Estamos nos aproximando da hora decisiva. O Brasil não aguenta mais tanta turbulência política, tanto ódio, incompetência administrativa, falta de projeto de governo, tantos mortos da pandemia. Estamos alcançando a macabra marca de 600 mil óbitos. No País, em um ano e meio de pandemia e sem nenhum tiro — graças ao planejamento do genocida Bolsonaro — tivemos quatro vezes mais mortos do que em vinte anos de guerra no Afeganistão. Precisamos salvar o Brasil da sanha nazifascista, do bolsonarismo. Roubaram até a nossa bandeira. Temos de dizer: tirem as mãos do pavilhão nacional. Ele representa as lutas do povo brasileiro. Fiquem com a suástica e o fascio. A bandeira verde e amarela é nossa.
O Brasil não vai resistir a um processo eleitoral, no ano que vem, tendo Bolsonaro na Presidência. Ele quer completar a sua obra ensanguentando o País. Temos de resistir, antes que seja tarde demais.
Fonte: Revista IstoÉ
https://istoe.com.br/precisamos-salvar-o-brasil-do-bolsonarismo/
Marco Antonio Villa: A CPI pode salvar o Brasil
Jair Bolsonaro não dá qualquer esperança — nem ao doutor Pangloss — de que possa em algum momento da sua Presidência se converter a democracia e liderar, de forma republicana, o Brasil nesta crise, a mais grave da história republicana. A cada dia deixa claro seu descompromisso com a Constituição e o Estado Democrático de Direito.
As ameaças golpistas são repetidas ad nauseam — é como fossem instrumentos naturais da democracia, apenas uma forma de agir em situação de crise política.
Se Bolsonaro permanece, em plena pandemia, solapando as instituições e em um cenário econômico dramático, nada indica, portanto, que poderá desempenhar um papel construtivo que o País necessita, como nunca nos tempos recentes, de liderança positiva, da construção de ações conjuntas entre as várias correntes políticas, governadores, prefeitos, em um trabalho de união para enfrentar a pandemia. A vacinação em massa é indispensável para iniciarmos o processo de recuperação econômica. Sem ela permaneceremos assistindo a morte de milhares de brasileiros e a propagação do vírus em larga escala.
Estamos em um compasso de espera extremamente nefasto ao País. Isto porque ainda é dado a iniciativa política a Bolsonaro, apesar de todos os crimes de reponsabilidade que cometeu. As oposições respondem ainda timidamente. E o tempo passa enquanto avança o desastre sanitário, econômico e social.
As reações não inibem o governo. Pelo contrário, Bolsonaro fica ainda mais estimulado, fortalecido. Não houve ainda o entendimento que ele não age como qualquer outro ator político, democrático, quando encontra oposição. Ele não está neste campo e, assim, suas reações não são aquelas esperadas.
É um extremista e age sempre neste contexto, de enfrentamento das instituições, de desqualificação dos adversários — que, para ele, são inimigos. Tratar de combatê-lo da forma tradicional tem levado à paralisia institucional. Ele, até agora, mesmo com mais de 400 mil mortos da pandemia e uma economia em frangalhos, tem vencido os embates, pois se mantém na Presidência com os amplos poderes concedidos pela Constituição — a mesma que ele despreza. Ou seja, a permanência — nesta conjuntura, a da mais grave crise da República — já é uma vitória. O inicio de sua derrocada pode ser na CPI da Covid, exatamente porque é um ambiente — um locus — que ele não domina, o da democracia parlamentar, basta recordar os 28 anos como deputado. A sorte está lançada, não para ele, mas para nós.
Fonte:
IstoÉ
https://istoe.com.br/a-cpi-pode-salvar-o-brasil/
Marco Antonio Villa: Genocídio revelado
As consequências da política sanitária de Bolsonaro nós estamos assistindo: deveremos alcançar o dramático número de 400 mil óbitos da Covid-19
A instalação da CPI da Covid é o fato mais importante deste ano político. O locus da crise deve ser deslocado para os seus trabalhos, os depoimentos, os documentos, à apuração da matança de mais de 380 mil brasileiros. Tudo indica que Jair Bolsonaro vai tentar de todas as formas ameaçar os senadores, bem como deslocar o foco para manobras diversionistas. É a sua especialidade. O desafio para a oposição é de não cair nesta armadilha e concentrar suas forças na apuração dos fatos e das responsabilidades pelo genocídio que estamos assistindo desde março de 2020.
Teremos semanas tensas e surpreendentes. Se o que já sabemos sobre a ação criminosa de Bolsonaro e seus sequazes têm nos deixados horrorizados, certamente a revelação de novos documentos – a CPI, pelo artigo 58, parágrafo 3º, “tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” – vai apresentar ao Brasil o plano genocida. Sim, o que estamos assistindo não é uma ação da natureza, como uma erupção vulcânica, mas a construção de um projeto genocida planejado pelo Palácio do Planalto.
A recusa da compra de vacinas em agosto do ano passado – e poderíamos já estar vacinando desde novembro – não foi um gesto de desdém frente à pandemia. Foi mais, muito mais. Bolsonaro estimulou a circulação do vírus imaginando – e aí foi aconselhado pelos seus “especialistas” na área de saúde pública – que a imunização de rebanho levaria a que não fosse necessário a compra de vacinas. É o aprendizado típico dele e de seus asseclas: como estão distantes da ciência, é através de vídeos instantâneos de alguns minutos que “aprendem” sobre os mais diversos assuntos da administração pública. E, nesse caso, foram aulas de profissionais médicos que se assemelham ao Dr. Josef Mengele. As consequências nós estamos assistindo: deveremos alcançar ainda neste mês de abril o dramático número de 400 mil óbitos da Covid-19.
Assim, a CPI vai apresentar ao Brasil a ação genocida de Bolsonaro. Só que não em um pronunciamento de algum especialista, ou em uma reportagem. Desta vez teremos no prédio do Senado, em plena CPI, com a cobertura de toda imprensa nacional e internacional, e transmitido pela televisão, ao vivo, os relatos devidamente fundamentados sobre a maior tragédia sanitária da história do Brasil republicano. Se agregarmos o que a CPI vai revelar – antes até da conclusão dos seus trabalhos – com o brilhante documento da OAB, temos o cenário pronto para o impeachment. Bastará, então, fazer política republicana.
Marco Antonio Villa: Democratas, ação!
Se a política criminosa de Bolsonaro persistir, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos devido à Covid-19
A narrativa — palavra da moda — construída pelos adversários do enfrentamento do projeto criminoso de poder bolsonarista é a de que o presidente da República tem um mandato legítimo. Até aí, ninguém discorda. Porém, isto não dá a ele o direito de confrontar sistematicamente com a Constituição. O voto não é um passaporte para ilegalidades. Tem seus limites estabelecidos constitucionalmente. Argumentam também que ele tem apoio popular. Difícil concordar.
Nas eleições de outubro os seus candidatos perderam nos principais colégios eleitorais. Nas pesquisas de opinião a impopularidade não para de crescer. As tentativas de mobilização de rua fracassaram. Reuniram algumas dezenas de fanáticos. Já o apoio empresarial é a cada dia menor. Os grandes grupos econômicos se afastaram do governo como ficou demonstrado no manifesto de economistas e empresários e por manifestações em entrevistas e eventos. Bolsonaro não tem partido político e nem uma base sólida no Congresso Nacional. No panorama externo o País continua isolado, um Estado-pária, sem apoio de nenhuma nação importante e atacado sistematicamente, especialmente, pelo desastre no campo ambiental.
Se observarmos ainda o plano interno, a economia vive um péssimo momento. No ano passado a recessão foi de 4,1%. A recuperação em “V”, como prometida por Paulo Guedes, não aconteceu como era prevista.
O primeiro semestre já está perdido. Teremos um longo período de crescimento tímido do PIB e o cenário mais viável — se nada for feito — é que a primeira metade desta década já está comprometida, isto quando a década que findou em 31 de dezembro de 2020, fechou como a pior das últimas quatro. Sem o entendimento do que significa este momento da história do capitalismo, o Brasil não vai conseguir retomar o crescimento econômico necessário para o enfrentamento dos grandes problemas nacionais.
Sem ser catastrofista, deve ser agregado a este quadro dramático a pandemia, a mais grave crise sanitária da história do Brasil. O massacre que estamos assistindo passivamente deve atingir no início do próximo mês 400 mil mortos. E se a política criminosa de Bolsonaro persistir, segundo os especialistas, o País pode chegar a julho com meio milhão de óbitos. Bolsonaro não mais governa. Manter o impasse político dá uma sobrevida a ele no Congresso, mas deixa o Brasil despedaçado. É uma ilusão imaginar que Bolsonaro vai mudar. É um genocida e golpista: pensa que está certo. Mas quando o pólo democrático da política brasileira vai agir? Está esperando o quê?
Marco Antonio Villa: Impeachment antes que seja tarde
Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do STF e do Congresso Nacional
Jair Bolsonaro é a maior ameaça ao Brasil. E não é de hoje. Atacou as instituições e propagou o ódio durante três décadas. Não foi levado a sério.
A leniência do Estado democrático de Direito cobrou um alto preço. Assim como os nazistas que usaram da Constituição de Weimar para chegar ao poder e, a posteriori, destruir seus postulados, Bolsonaro seguiu pelo mesmo caminho. Se tivesse sido processado pelas falas inconstitucionais poderia – a probabilidade era alta – terminar na cadeia e sem direitos políticos. Contudo foi tratado como um falastrão quando era, na verdade, um inimigo visceral das liberdades democráticas.
Hoje continua o mesmo. A diferença — e que diferença! — é que está comandando o Executivo federal com todos os poderes concedidos pela Constituição. E o presidencialismo brasileiro acaba amarrando as mãos dos cidadãos mesmo quando há um governo que comete sucessivos crimes de responsabilidade. Enquanto no parlamentarismo quando o gabinete perde sustentação parlamentar é substituído por outro governo, no presidencialismo resta a processo de impeachment que é relativamente lento, tanto no caso de crime de responsabilidade (como com Fernando Collor e Dilma Rousseff) ou infração penal comum (o que nunca ocorreu até hoje).
Disse recentemente o senador Tasso Jereissati que “é preciso parar esse cara.” Poucos discordam. Mas como parar se o próprio senador é contra o processo de impeachment? É descartada possibilidade de que Bolsonaro se converta à democracia. Para ele — e sua história demonstra isso de forma inequívoca – não há nenhum caminho de Damasco. Bolsonaro é um convicto defensor da ditadura, da censura aos meios de comunicação, do fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Nesse sentido ele é absolutamente transparente. Volto à questão: parar como, senador? Estimular que ele renuncie? É improvável que vá aceitar. Só pensaria nesta possibilidade se visse ameaçado seus direitos políticos em um processo de impeachment.
Esta crise é a mais complexa da história republicana. Em 1992 e 2016 tivemos a conjunção de crise econômica com crise política. Aí veio o impeachment. Agora temos um fator complicador e ausente nas crises anteriores: o isolamento diplomático. Mas o pior é a segunda diferença: a pandemia que completou um ano e nada indica que deva estar encerrada nos próximos meses. Continuar assistindo a derrocada do governo sem nada fazer é um crime de lesa-pátria. Sem ação política Bolsonaro vai caminhar para a ditadura.
Marco Antonio Villa: Bolsonaro é a maior ameaça à democracia
Às Forças Armadas, o presidente fomenta a indisciplina dos oficiais com a intenção de ter apoio para uma aventura golpista
Jair Bolsonaro encerra politicamente o terrível ano de 2020 da mesma forma como iniciou. Conspirando diuturnamente contra o Estado Democrático de Direito. Se a prisão, em junho, de Fabrício Queiroz, interrompeu a marcha golpista, nos últimos dias de dezembro, Bolsonaro voltou à carga. Atacou a imprensa, ameaçou jornalistas, desqualificou a importância da informação livre e responsável, caluniou ministros do STF — como na sua live do dia 17, quando afirmou que o ex-ministro Celso de Mello é defensor da poligamia —, caluniou o deputado Rodrigo Maia imputando a ele uma suposta ação contra o décimo-terceiro pagamento do Bolsa-Família — acabou sendo desmentido não só pelo próprio presidente da Câmara dos Deputados, como também pelo ministro da Economia Paulo Guedes.
As agressões sistemáticas às instituições geralmente ocorreram em atos públicos — excetuando as lives, obviamente — onde encontrou plateias amestradas, inclusive em próprios da União, especialmente das Forças Armadas. Há uma clara estratégia de, ao mesmo tempo em que solapa os princípios da Constituição de 1988, buscar sempre um lócus adequado de onde pronuncia seus vitupérios. A escolha recai geralmente nas cerimônias das Forças Armadas. Lá fomenta a indisciplina dos oficiais e busca aparentar que detém apoio para uma aventura golpista. Já com os policiais militares insinua que podem se transformar em milícias auxiliares do seu projeto autoritário. Um exemplo: o violento ataque à imprensa e às instituições na cerimônia de formatura de soldados da PM fluminense, em 18 de dezembro.
Diferentemente dos atos antidemocráticos que promoveu no primeiro semestre — e que estão sendo investigados no STF —, desta vez há um agravante: não há como esconder o avanço da Covid-19, seus efeitos — mais de sete milhões de infectados e 190 mil óbitos —, a irresponsável conspiração contra a vacinação, isto em um cenário que aponta um rápido avanço da pandemia. Tudo caminha para uma confluência de crises: a institucional, a sanitária e a econômica. É uma tragédia anunciada. Bolsonaro necessita, para sobreviver politicamente e esconder o desastre do seu governo, confrontar e ameaçar as instituições, apontando até, no limite, para um golpe. A pandemia tende a ficar incontrolável no primeiro trimestre do próximo ano. E a economia caminha para uma recuperação tímida, muito abaixo do que seria necessário frente ao tombo de 2020. É o cenário perfeito para a explosão de uma crise social. Quem viver verá.
Marco Antonio Villa: Bolsonaro conspira contra a saúde pública
Transformar a vacinação em instrumento de guerra política é uma enorme crueldade. Estamos falando de vidas que podem ser salvas
Como esperado — infelizmente — Jair Bolsonaro está partindo para o confronto aberto com os brasileiros. É inaceitável o que o presidente da República está fazendo com as diversas vacinas para combater a Covid-19. O negacionismo está sendo elevado à potência máxima. É imperiosa a necessidade de iniciar o mais rapidamente possível a campanha nacional de vacinação. Transferir este evento para março de 2021 pode significar a morte de mais de 30 mil brasileiros, isto se a média macabra de óbitos se mantiver. É incompreensível vacinar apenas 1/3 da população. Neste ritmo a imunização vai demorar mais de dois anos.
Bolsonaro passou o ano inteiro conspirando contra a saúde dos brasileiros. Demitiu dois ministros da Saúde, atacou o distanciamento social, o uso de máscara, álcool em gel e demais cuidados. Afirmou inúmeras vezes que o novo coronavírus não passava de uma simples gripe, isto quando já sabíamos dos efeitos na Ásia e na Europa. Atrelou o combate à pandemia à política de Donald Trump. Os efeitos logo se manifestaram, ao norte do Rio Grande, que separa o México dos EUA, com o maior número de infectados e de óbitos. No nosso país a tragédia só não foi maior graças às ações corajosas de governadores e prefeitos, que, vale registrar, foram sistematicamente atacados e desqualificados por Bolsonaro e seus asseclas.
A situação presente é muito grave. Não é possível que até hoje o ministério da Saúde não tenha efetuado as compras preventivas das diversas vacinas. E mais: não estabeleceu uma campanha nacional de vacinação e, muito menos, uma articulação com as secretarias estaduais de Saúde. O improviso e a irresponsabilidade são as características principais da gestão de Pazuello. Contudo, o general nada faz sem a anuência do capitão-presidente.
Estamos muito próximo de uma situação caótica no campo da saúde pública. Os brasileiros querem a vacinação o mais rápido possível. Ninguém aguenta mais o que estamos passando desde o primeiro trimestre deste ano. O país clama pelo enfrentamento da Covid-19, evidentemente de forma segura e científica. Transformar a vacinação em instrumento de guerra política é de uma enorme crueldade. Estamos falando de vidas que podem ser salvas. Estamos falando de um país que necessita o mais rapidamente possível retomar a normalidade econômica. Postergar a vacinação em massa, certamente, vai encontrar uma enorme resistência popular. Espero que Bolsonaro não pague para ver.
Marco Antonio Villa: Aprender com 1930
O panorama atual é bem diverso. O País está amorfo, naquele, como diria Monteiro Lobato, mutismo de peixe
Tivemos, no Brasil, o momento mais complexo deste século. Há uma junção de crises: econômica, política, sanitária e de valores. Para piorar há também uma ausência de lideranças em todos os setores, mais precisamente uma crise das elites. Assim como no futebol, o vazio acabou sendo ocupado. E por indivíduos absolutamente sem preparo frente a desafios tão grandes. Os 21 meses do governo Bolsonaro demonstram de forma inequívoca que sem uma profunda renovação política o país tende à paralisação, sem condições de poder enfrentar os graves problemas nacionais.
O Brasil passou no século passado por uma turbulência tão ou mais grave que a atual. Se reportarmos a crise de 1929 podemos observar que ao desastre econômico foi somado uma grave crise política, a sucessão presidencial de Washington Luís, que acabou conduzindo à Revolução de outubro de 1930. As condições para a recuperação econômica eram muito mais difíceis que as atuais. O Brasil dependia na pauta das exportações fundamentalmente do café. Tínhamos uma tímida diversificação econômica. E sérios problemas estruturais. Mas, diversamente dos tempos atuais, havia lideranças e planos, muitos planos para sair da crise, entre as diversas correntes políticas.
O debate era intenso e com reflexões muito além do cotidiano da política. Basta citar a explosão da literatura brasileira nos anos 1930, as grandes explicações do Brasil (Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda), tudo isso em meio a uma tensa conjuntura mundial caracterizado por regimes adversários da democracia como o salazarismo, franquismo, fascismo, nazismo e stalinismo. Internamente tivemos confrontos, de vários matizes ideológicos, como a Revolução Constitucionalista de 1932 e a rebelião comunista de 1935. Mesmo assim, o país encontrou um caminho que permitiu a modernização da economia, a ampliação do aparelho estatal e um posicionamento internacional que levou em conta os interesses nacionais frente aos imperialismos americanos e alemães (nazista).
O panorama atual é bem diverso. O país está amorfo, naquele, como diria Monteiro Lobato, mutismo de peixe. Só a pandemia não explica esta situação. Há uma crise profunda do sistema político. Nele mora o cerne do problema. Sem modificá-lo — e é uma tarefa complexa e gradual — as crises serão cada vez mais graves e longas no tempo. Esta década que está terminando reforça esta análise: 2015-2016, pior biênio da história econômica republicana, e em 2020 uma queda dramática do PIB.
Marco Antonio Villa: Bolsonaro e a elite rastaquera
No Brasil da barbárie, o chique é falar palavrões, desprezar a cultura, reduzir os complexos problemas nacionais a frases marcadas pelo senso comum
Entre tantos desastres do governo Jair Bolsonaro, um deles deve ser louvado. Permitiu que o ultra-reacionarismo de frações da elite brasileira aflorasse. O que ficou durante as últimas três décadas relativamente escondido, no fundo do palco, nos 21 meses de Bolsonaro na presidência foi paulatinamente assumindo o protagonismo e ocupando o primeiro plano do que, no Brasil, se chama de política. O ódio, a violência, a arrogância, a ignorância, a prepotência, se transformaram em qualidades indispensáveis para o exercício de funções públicas e louvadas como uma forma original, nova, de conduzir a res publica. O decoro virou objeto de museu. No Brasil da barbárie, o chique é falar palavrões, desprezar a cultura, reduzir os complexos problemas nacionais a frases marcadas pelo senso comum, ignorar o passado e desprezar as tradições nacionais e o povo brasileiro.
O obtuso que ocupa a chefia do Executivo federal é o seu representante. Mais ainda: é a sua mais perfeita tradução. Governa o Brasil como se ainda fosse um deputado do baixo clero e com relações perigosíssimas com o mundo da marginalidade. O presidente despreza a ciência, pois é mais fácil ser negacionista sobre qualquer tema. Tem enorme dificuldade de exercer a função presidencial, suas atribuições e responsabilidades. Transformou o Palácio do Planalto numa extensão do seu antigo (e patético) gabinete da Câmara dos Deputados — por onde passou por 28 anos sem deixar nenhuma contribuição ao país. Nunca entendeu a função do Estado. Repete ladainhas pseudo-liberais sem ter a mínima ideia dos seus significados. Stuart Mill, para ele, caso um dia cometesse o desatino da leitura, seria certamente tachado de comunista. Para esconder a ignorância usa da violência e dos instrumentos do aparelho de Estado. Apesar de desprezar a Constituição, a todo o momento faz uso da Carta Magna para coagir adversários políticos e preparar, se necessário, um golpe de Estado. Tem nos nazistas bons professores. Basta recordar a utilização que fizeram da Constituição de Weimar para chegar ao poder e, posteriormente, destruí-la e impor a ditadura.
A sociedade civil, até o momento, não conseguiu reagir à altura. Há também uma enorme carência de lideranças políticas. Hoje, o importante é, a qualquer preço, agradar o parvo que ocupa a cadeira que um dia foi de Juscelino Kubitschek. Mas — e isto vale uma tese — o mandrião prefere ter um círculo íntimo, uma caterva, da sua confiança, desprezando os rastaqueras que tudo fazem para agradá-lo. E la nave va.
Marco Antonio Villa: O custo Bolsonaro
Se essa política econômica for mantida, nosso agronegócio não poderá ampliar seus mercados no exterior
O custo Bolsonaro está a cada dia mais presente. No campo econômico seus efeitos são evidentes. Todos os índices demonstram que a economia foi duramente atingida e o processo de recuperação será lento. O PIB, por exemplo, terá neste ano a maior queda da história republicana.
E, nada indica que poderemos voltar a um crescimento sustentável antes de 2024. O que poderá ocorrer é uma tímida recuperação, mas sem condições de enfrentar as demandas sociais oriundas, especialmente, dos efeitos da pandemia. Se, internamente, o panorama econômico-social é preocupante — com a queda da renda per capita, o aumento da desigualdade social e a disparada da taxa de desemprego —, externamente o Brasil passou a ser um Estado-pária.
Estamos isolados política e diplomaticamente; e com terríveis repercussões no campo das nossas exportações. Não é de hoje que a irresponsabilidade da política ambiental é mal vista no exterior. Contudo, a desarticulação dos mecanismos de controle estatal, na região amazônica, produzidas pelo atual governo, agravou ainda mais o quadro. Deverá ter um reflexo negativo nos investimentos estrangeiros — principalmente os diretos — e uma queda relativa nas exportações. Sabemos que para conquistar um mercado no exterior (e estamos falando de um setor extremamente competitivo) é muito vezes uma tarefa de anos; contudo, para perdê-lo, é uma questão de meses. Isto já está ocorrendo e se este processo não for rapidamente interrompido, o Brasil vai ter de conviver com uma situação anômala: um agronegócio a cada ano mais eficiente, mas sem possibilidade de ampliar os mercados no exterior, o que levará a uma sensível queda do setor, não só na participação do PIB, bem como nas regiões onde está presente e até nos preços internos de alimentos.
Internamente, o custo Bolsonaro está presente no clima político, a cada dia mais belicoso, isso impede a melhora da qualidade da própria gestão pública, sem falar dos conflitos permanentes com as instituições. Na educação — e o próximo exame do Enem deverá apresentar resultados distintos em relação à série histórica — o fosso entre os mais ricos e os mais pobres vai ser aprofundado. E o quadro de desmonte do Estado deverá atingir a população carente, especialmente na área da saúde. A nau Brasil continua à deriva. E, nada indica que, em curto prazo, deva seguir o caminho da recuperação econômica e do enfrentamento dos graves problemas sociais do país. Muito menos que navegará em mares tranquilos. O maior problema é o timoneiro.