Marcelo Crivella
Elio Gaspari: Cacaso previu a ‘nova política’
Dois anos depois da eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio e passados quatro da vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura da cidade, a “nova política” mostrou seu verdadeiro rosto
Dois anos depois da eleição de Wilson Witzel para o governo do Estado do Rio e passados quatro da vitória de Marcelo Crivella para a prefeitura da cidade, a “nova política” mostrou seu verdadeiro rosto. Como dizia o poeta Cacaso (1944-1987):
Ficou moderno o Brasil,
Ficou moderno o milagre
A água já não vira vinho,
Vira direto vinagre.
Witzel e Crivella teriam sido algo novo. Um perdeu o mandato e batalha pela liberdade. O outro está preso em casa. A água que viraria vinho nem vinagre virou, tornou-se apenas uma lama velha.
Witzel prometia tiros nas “cabecinhas”e Crivella oferecia lances místicos enquanto aninhava milicianos na prefeitura. Foram novos na empulhação. Ocupando os cargos, nem na roubalheira inovaram. Basta ver a onipresença do “Rei Arthur”, nas maracutaias da “nova política”. Ele era o donatário das comissões para fornecedores durante o mandarinato do “gestor” Sérgio Cabral.
Como disse o grande Príncipe de Salinas no romance “O Leopardo”, tudo isso não deveria poder durar, mas vai durar.
Cabral roubava criando ilusões modernistas, como o teleférico do Morro do Alemão, que continua parado. Witzel, que fez campanha na Baixada Fluminense amparado na lógica política dos bicheiros, atolou-se com velhas quadrilhas. Um era o falso moderno, o outro, o verdeiro atraso. Crivella recorreu a milicianos, coisa que Cabral nunca fez ostensivamente.
O único ingrediente de originalidade municipal, estadual e federal da “nova política” é a demofobia explícita. Ela demoniza a pobreza, nega a pandemia e vive em contubérnio com as milícias. O resultado disso está na sala dos brasileiros: vacinas contra a Covid, só no noticiário internacional.
Água vira vinagre quando se sabe que há mais de cem anos D. Pedro II fez questão de cumprir o isolamento social durante uma passagem por Portugal, e hoje o general-ministro da Saúde diz a parlamentares que não devem falar nisso.
Na madrugada de 17 de novembro de 1889, quando o imperador foi posto em um navio e desterrado para a Europa, ele disse: “Os senhores são uns doidos”.
Parecia que o doido era ele.
Ibaneis com Picciani
Ibaneis Rocha, governador de Brasília e empresário bem-sucedido, com um patrimônio declarado de R$ 94 milhões é também um destemido.
Em agosto ele arrendou a fazenda Monteverde, em Uberaba (MG), de propriedade do notável Jorge Picciani. O simples fato de fazer negócio com o ex-presidente da Assembleia do Rio indicaria um empresário audacioso. Como Picciani foi condenado a 21 anos de prisão e rala sua pena em prisão domiciliar, fazer negócio nesse mundo é coisa de gente muito corajosa. Ibaneis e Picciani pertencem ao mesmo partido, o MDB.
Os bens do poderoso Picciani estão bloqueados pela Justiça que lhe cobra R$ 91 milhões.
Onze em cada dez empresários correriam de um negócio desse tipo como o Tinhoso corre da cruz.
A Carta de Capistrano
A Fiocruz deu uma lição de Justiça aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça (o da Cidadania). Ambos pediram reservas de vacinas para seus doutores, funcionários e colaboradores. O STF queria sete mil doses só para ele e para a turma do Conselho Nacional de Justiça.
O pedido foi feito sem que os ministros dos dois tribunais fossem consultados. Promotores do Ministério Público de São Paulo haviam tentado o mesmo golpe há algumas semanas.
A centenária instituição de defesa da saúde pública nacional respondeu aos doutores informando que não lhe cabe “atender a qualquer demanda específica por vacinas”.
Foram educados. O historiador Capistrano de Abreu, num lance indelicado e agressivo, defendeu uma revisão constitucional, pela qual a Carta teria apenas dois artigos:
Artigo 1º - Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Precisa-se de padrinho
Quatro instituições de medicina privada, entre as quais duas guildas e duas operadoras, estão pedindo ao governador de São Paulo, João Doria, que lhes dê um mimo tributário, restabelecendo a isenção de ICMS que as beneficiava.
Durante a pandemia, São Paulo perdeu cerca de 10% da arrecadação desse imposto, noves fora 45 mil mortos. Já as operadoras de planos de saúde tentaram enfiar um aumento selvagem na clientela e recusaram-se a pagar pelos testes do coronavírus.
Entre janeiro e setembro deste ano uma só operadora lucrou US$ 13,2 bilhões, 30% acima do que conseguiu no mesmo período do ano anterior.
Os doutores fazem um apelo a Doria em nome da “vida”. A vida deles, em busca de um padrinho.
Casa de doidos
Para quem acha que o Palácio do Planalto é uma usina de crises, os aloprados que assessoram o presidente Donald Trump mostraram que sua Casa Branca tornou-se uma insuperável casa de doidos. Por quase uma semana circulou por lá a ideia de usar a pandemia para colocar os Estados Unidos sob lei marcial. Seriam suspensas garantias individuais e a posse do presidente eleito Joe Biden.
Aloprados de palácio são assim mesmo. Propõem maluquices, sabendo que quem corre o risco de sair do prédio numa camisa de força é o titular. Eles se garantem com palestras ou consultorias.
Alcolumbre tonto
O senador Davi Alcolumbre convenceu-se de que seu inferno astral foi produzido pelos acertos que supunha ter feito no Supremo Tribunal Federal. É exagero.
Se Macapá ficou sem energia e seu irmão perdeu a prefeitura, o Supremo nada teve a ver com isso.
No fundo, ele esperava que o Tribunal declarasse inconstitucional um dispositivo da Constituição. Na forma, Alcolumbre e seus aliados tinham feito as contas. No conteúdo, a dose era cavalar e a receita desandou.
Na mosca
Não importa o motivo que levou os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes a anunciar que continuarão trabalhando durante o recesso que vai até 6 de janeiro. Eles miraram no que viam e acertaram o que não viram.
Com as sessões virtuais, esse recesso é um mimo anacrônico.
A crônica dos litígios que aguardavam o recesso para cair no colo generoso do presidente-plantonista registra incríveis acrobacias às quais os quatro mosqueteiros podem ter dado um fim.
Salto alto
As administrações do governador João Doria e do prefeito de São Paulo, Bruno Covas, subiram em saltos altos.
Há algumas semanas um dos hierarcas de Doria disse numa entrevista que se a CoronaVac tivesse 50% de eficácia, estaria tudo bem. Quem entende do assunto sentiu cheiro de queimado. Passaram-se os dias e o grau de eficácia dessa vacina está no tabuleiro. Jogo jogado, pois tudo poderia estar sendo feito com a melhor das intenções.
Eis que nisso o governador quis tirar férias em Miami. Já o prefeito Bruno Covas, aumentou seu próprio salário e tungou a gratuidade no transporte público para idosos (nesse lance, em parceria com Doria).
Tucano quando sobe em salto alto é incapaz de descer dele até na hora do banho.
Bernardo Mello Franco: Bispo no xadrez - Crivella foi mau prefeito e mau profeta
Depois de se mostrar um mau prefeito, Marcelo Crivella também se revelou um mau profeta. O bispo passou a campanha anunciando a prisão do adversário Eduardo Paes. Ontem ele é que foi em cana, acusado de chefiar um esquema de corrupção.
De acordo com as investigações, o grupo começou a faturar antes da eleição de 2016. Quando o bispo virou prefeito, seus aliados montaram um “quartel-general da propina” para fraudar licitações e achacar fornecedores.
O Ministério Público apontou Crivella como o “vértice” da organização criminosa. O principal operador era o lobista Rafael Alves. Ele instalou o irmão na Riotur e passou a despachar na Cidade das Artes e acompanhar as caminhadas matinais do prefeito.
Ao examinar as provas, a desembargadora Rosa Helena Guita concluiu que a quadrilha atuou de modo permanente, “ao longo dos quatro anos de mandato” e “nos mais variados setores da administração”.
Às vésperas do Natal, ela determinou que o bispo fosse recolhido ao xadrez. Os fundamentos da prisão preventiva eram questionáveis, e a decisão foi cassada horas depois pelo STJ. No entanto, o desvio de ao menos R$ 53 milhões parece bem documentado na denúncia.
O esquema de Crivella recicla personagens de outros escândalos fluminenses. O doleiro Sergio Mizrahy, que delatou o grupo, já havia sido preso na Lava-Jato. O empresário Arthur Soares, acusado de abastecer a turma, reinou no governo de Sérgio Cabral.
O marqueteiro Marcelo Faulhaber, denunciado como integrante da quadrilha, coordenou a campanha de Paes neste ano. Por via das dúvidas, o prefeito eleito evitou festejar a derrocada do rival.
A prisão de Crivella antecipa o fim de uma gestão marcada pela desordem administrativa e pela mistura entre fé e política. Ele já havia garantido o título de pior prefeito da história da cidade. Ontem saiu de cena de camburão, a nove dias do fim do mandato.
A queda do bispo abala o projeto de poder da Igreja Universal. Edir Macedo apostava no sobrinho para mandar sem intermediários. Agora terá que barganhar mais espaço no governo do aliado Jair Bolsonaro
Merval Pereira: Projeto de poder desmontado
A prisão do agora prefeito afastado do Rio Marcelo Crivella tem efeitos políticos imediatos, e outros a médio e longo prazos. O Republicanos é o quarto nome de um mesmo partido ligado ao projeto de poder do Bispo Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Nasceu como uma facção da bancada evangélica dentro do Partido Liberal (PL), mas o mensalão apanhou em cheio seus líderes envolvidos em corrupção, inclusive o bispo Carlos Rodrigues, braço direito de Macedo, que foi parar na cadeia. Para fugir desse estigma, o bispo Macedo fundou o Partido Municipalista Renovador (PMR), que foi apelidado na época pelo então prefeito do Rio Cesar Maia, de “Gospel do Crioulo Doido”: além do vice-presidente de Lula, o mineiro José Alencar, dos políticos evangélicos da seita do Bispo Macedo, como o então senador, bispo licenciado Marcelo Crivella, teve a adesão inicial intelectual Mangabeira Unger, do ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães, entre outros.
Em 2006, o partido mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (PRB), e em 2019 passou a se chamar Republicanos, sempre tendo como líder e atual presidente o bispo Marcos Pereira, entre idas e vindas para ser ministro do governo Michel Temer.
A escolha do partido do Bispo Edir Macedo pelo clã Bolsonaro pode ter se esvaído diante do escândalo envolvendo Crivella, que acolheu os filhos do presidente 01, Flavio, e 02, Carlos, e a mãe deles, que não conseguiu se eleger este ano.
Pode haver também repercussão indireta na disputa da presidência da Câmara, na qual o Republicanos declarou voto a favor de Arthur Lira. Se bem que envolvimento com corrupção não seja empecilho para boa parte dos deputados.
Um dado interessante da prisão do prefeito Marcelo Crivella do ponto de vista político é que fica claro que a Igreja Universal faz parte do esquema de lavagem de dinheiro e de corrupção agora denunciado. A IURD já foi envolvida em diversos casos de lavagem de dinheiro ao longo do tempo.
Crivella era o projeto político da Universal e acabou preso. A ligação entre política e igreja não dá coisa boa. O então prefeito Crivella inaugurou na Rocinha um centro com equipamentos ultra modernos de tomografia, no terreno da Igreja Universal. Evidente que com o dinheiro do Estado, para favorecer os moradores da Rocinha em nome da Universal, e não do Estado.
Essa turma toda é muito ligada a Bolsonaro, que pediu votos para Crivella na disputa pela reeleição na Prefeitura do Rio, e a cada dia se desgasta mais com derrotas eleitorais, como a mais recente, a derrota do irmão do senador Davi Alcolumbre em Macapá.
Perde a força política, e a força moral que fingia ter. A força moral dele era proclamar nunca ter sido apanhado em corrupção, um político que combatia a corrupção, mas há dois anos estamos vendo o desmonte das ações de combate à corrupção, e diversos processos contra os filhos, e contra ele próprio, como o da interferência na Polícia Federal. Bolsonaro também empregava milicianos no gabinete, e os condecorou, numa ação coordenada com os filhos, que tinha como ponto de contato Fabricio Queiroz, também ligado a milicianos como Adriano Nóbrega. Está ficando claro que todo o esquema de rachadinha do gabinete do senador Flavio Bolsonaro é familiar, e dessa rachadinha a família progrediu financeiramente.
Detalhes
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que anunciaram que continuarão trabalhando no recesso - Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello - estão recebendo normalmente em seus gabinetes os processos, assim como os demais ministros, pois, no recesso, sempre os processos são distribuídos.
Alguns ministros preferem recebê-los só no início do Ano Judiciário, mas a distribuição continua. O Presidente não pode despachar em processos de outros ministros, que continuam com jurisdição.
Em julho, na presidência de Dias Toffoli, o ministro Alexandre de Moraes manteve jurisdição, assim como Marco Aurélio, pois queriam continuar as investigações dos inquéritos. O plantão do presidente é para medidas de urgência. Se alguém recorrer da decisão de um ministro dada no período normal, volta o recurso para ele. Em regra, o presidente trabalha no recesso com Habeas-Corpus (HCs), Suspensões de Segurança, que são de sua competência exclusiva. Se um ministro no recesso decide medida urgente, pode ser questionada a sua validade por falta de jurisdição para tanto no recesso que se iniciou dia 20 de Dezembro.
Feliz Natal a todos. Volto a escrever na terça dia 29.
El País: Prisão de Marcelo Crivella fecha ano infernal da política no Rio de Janeiro
Além da detenção domiciliar do prefeito, Estado teve governador sofrendo impeachment por acusações de corrupção, a exemplo dos mandatários anteriores. Enquanto isso, covid-19 avança e lota hospitais
2020 vem sendo um ano difícil para o Brasil, entre uma pandemia que já deixou mais de 188.000 mortos e uma crise econômica que poderá levar milhões de pessoas ao desemprego e à pobreza. No Rio de Janeiro, entretanto, o ano ganhou um contorno extra de agonia: uma crise política cada vez mais profunda, que culminou nesta terça-feira com a prisão do prefeito da capital, Marcelo Crivella (Republicanos), pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, acusado de liderar uma organização criminosa dentro da prefeitura para praticar corrupção ―no fim da noite, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, concedeu prisão domiciliar ao prefeito, com o uso de tornozeleira eletrônica. De acordo com o magistrado, Crivella não apresenta periculosidade o bastante para permanecer preso em uma penitenciária.
Além de preso, Crivella também foi afastado do cargo. O Rio terá como prefeito nos últimos nove dias deste ano o presidente da Câmara de Vereadores da cidade, Jorge Felippe (DEM), até a posse em 1º de janeiro de Eduardo Paes, filiado ao mesmo partido, vencedor da última eleição municipal ao derrotar o próprio Crivella. Via rede social, Paes disse que irá manter o trabalho de transição para o cargo. O episódio da prisão tem pitadas de ironia. No último debate na TV antes do segundo turno da eleição, Crivella afirmou repetidas vezes que o adversário iria ser preso.
A prisão ocorre depois de o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ser afastado do cargo em agosto e ter seu impeachment aprovado pelo parlamento fluminense devido a diversas denúncias envolvendo fraudes em contratos na área da saúde, principalmente os emergenciais para a compra de equipamentos e a construção e operação dos hospitais de campanha para tratamento da covid-19.
O histórico recente dos governadores do Rio, aliás, é trágico. Os dois antecessores de Witzel estão presos devido às investigações do braço da Operação Lava Jato no Estado. O ex-governador Sérgio Cabral foi preso em 2016, após deixar o cargo, e está no Complexo Penitenciário de Bangu. Já o ex-governador Luiz Fernando Pezão, preso em 2018, está em prisão domiciliar. O casal Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que governou o Estado antes de Cabral, também já foi preso. Hoje os dois estão em liberdade, embora processos que motivaram as prisões ainda tramitem no Judiciário. Garotinho chegou a ser preso cinco vezes. Rosinha, três. Houve ainda a prisão do ex-governador Moreira Franco em 2019, quando era ministro do governo Michel Temer. Moreira Franco ficou preso por quatro dias devido à Lava Jato.
Como se não bastasse o caos na política, o Rio também enfrenta uma taxa de ocupação de mais de 90% dos leitos de UTI da rede pública em plena epidemia, poucas semanas após Crivella ―ainda durante a campanha em busca da reeleição à prefeitura― autorizar a volta de banhistas às praias, aumentar a flexibilização para o uso de bares e restaurantes e permitir a prática de esportes em espaços públicos, além da volta às aulas nas redes pública e privada. Desde o início da pandemia da covid-19, o Estado do Rio de Janeiro já acumula mais de 24.000 mortos.
QG da Propina
Como motivo da prisão, o Ministério Público do Rio de Janeiro acusa Crivella e mais seis pessoas de praticar os crimes de corrupção, peculato, fraudes a licitações e lavagem de dinheiro. Os promotores também teriam identificado uma movimentação atípica de quase 6 bilhões de reais na Igreja Universal do Reino de Deus entre maio de 2018 e abril de 2019, de acordo com o portal UOL. Ao chegar à delegacia para ser preso, o prefeito declarou ser alvo de “perseguição política” e que espera por “justiça”. “Fui o governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, disse.
A detenção preventiva do grupo tem relação com o chamado QG da Propina, um esquema supostamente operado por Rafael Alves, amigo de Crivella que despachava na prefeitura sem ter cargo oficial. Também preso nesta terça-feira, Rafael é irmão de Marcelo Alves, que presidiu a Riotur, a empresa municipal de turismo. Rafael operava nas dependências da Prefeitura do Rio a partir da indicação de postos-chave, como no Tesouro Municipal e de acordo com o MP , negociava propinas com empresários que buscavam pagamentos devidos ou manutenção de contratos. Além dos sete presos, 26 pessoas foram denunciadas no esquema. Segundo o Ministério Público do Estado, tratava-se de “uma bem-estruturada e complexa organização criminosa liderada por Crivella” que atuava desde 2017, ano em que iniciou o seu mandato.
Como mostrou reportagem do EL PAÍS em setembro, em um vídeo gravado durante a busca e apreensão na casa dele, em março, Crivella supostamente liga para um dos celulares de Rafael Alves para avisar de uma busca na Riotur e é atendido pelo delegado da Polícia Civil responsável pela ação. Ao perceber que não se tratava de Alves ao telefone, Crivella encerra a chamada. A desembargadora Rosa Helena Guita, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a ordem de busca na ocasião e determinou a prisão do prefeito nesta terça, disse que na época que “a subserviência de Crivella a Rafael Alves é assustadora”.
O prefeito passou a ser investigado após a delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, em 2018, no âmbito da Operação Lava Jato. Em setembro, no pedido para busca e apreensão na casa de Crivella, os promotores do MP diziam que a organização criminosa praticava “toda a sorte de crimes contra a administração” e que a sua “nefasta atuação se espalhou por todo o tecido da administração municipal do Rio de Janeiro, consistindo, o seu modus operandi, em um verdadeiro mecanismo predatório de governo, em que todas as facetas da administração são enxergadas como oportunidades para a consumação de novas negociatas espúrias”.
Agarrado a Bolsonaro
Durante sua gestão, Crivella foi alvo de três votações de impeachment na Câmara dos Vereadores e conseguiu se livrar de todos. Desaprovado por cerca de 70% dos cariocas, perdeu a reeleição para o seu antecessor. No segundo turno, a maioria dos concorrentes do primeiro turno declararam apoio a Paes contra Crivella, incluindo os partidos de esquerda PT e PSOL.
Com uma administração criticada em diversas áreas, o pastor buscou se agarrar ao seu eleitorado mais fiel, os evangélicos de denominações neopentecostais, e à figura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Rio é o berço político do presidente e de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, ambos do Republicanos, mesma legenda de Crivella.
Durante a campanha, Crivella usou diversas imagens de arquivo junto a Bolsonaro na propaganda política, mas o presidente nunca chegou a gravar para o horário eleitoral. Cerca de duas semanas antes do primeiro turno, em sua live semanal, o presidente declarou apoio a Crivella, liberando os seus seguidores a votar em Paes. “O outro [Paes], eu não quero tecer críticas. É um bom administrador, mas eu fico aqui com o Crivella. Se você não quiser votar nele, fique tranquilo, não vamos criar polêmica e brigar entre nós porque eu respeito os seus candidatos também”, afirmou Bolsonaro.
Nesta terça, em conversa com jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que a prisão de Crivella respingue no governo. “Isso aí é questão policial, segue o baile, investigação e acabou”, disse ele “Para o governo não tem impacto nenhum. Tem nada a ver com a gente. Sem impacto, zero impacto”, afirmou. Bolsonaro não comentou o episódio ao longo desta terça-feira.
Problemas pela frente
À frente da prefeitura, Paes terá que encarar diversos problemas. Um deles é o déficit fiscal, estimado por sua equipe em R$ 10 bilhões. Outro é uma situação caótica de enfrentamento à pandemia na cidade. O Rio é a capital brasileira com a maior taxa de letalidade em relação ao total de casos de covid-19. Além da superlotação nas UTIs e do sucateamento do sistema de saúde, praias, igrejas e bares seguem liberados.
Para evitar a corrupção dentro da administração, o futuro prefeito anunciou no início de dezembro a criação da Secretaria de Governo e Integridade Pública, a ser comandada pelo deputado federal Marcelo Calero (Cidadania). “Todos nós na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Aqueles que forem designados por mim terão suas vidas abertas, não a sua vida pessoal, mas terão a sua dimensão pública permanentemente acompanhada”, disse Paes ao anunciar a pasta.
A nova secretaria pretende implementar mecanismos de controle, transparência e sanção entre os integrantes do governo e nas compras públicas e licitações, além de adotar um novo sistema de gestão para o pagamento de dívidas.
Eduardo Paes foi muito ligado ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso na Operação Lava Jato devido a uma lista extensa de crimes de corrupção relacionados a contratos de fornecedores com o governo do Estado. Paes não é réu em nenhum inquérito criminal da Lava Jato, mas foi citado em delação da OAS por ter supostamente recebido caixa 2 na campanha eleitoral municipal de 2012. Existe também um processo que corre na Justiça Eleitoral por suposto recebimento de recursos da Odebrecht, também em campanha eleitoral.
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El País: Marcelo Crivella, prefeito do Rio, é preso por suspeita de chefiar esquema de propina
Prisão foi realizada pela Polícia Civil e do Ministério Público, em um desdobramento da operação que investiga um suposto ‘QG da propina’ na Administração municipal
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), foi preso na manhã desta terça-feira durante uma operação conjunta do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Civil. A poucos dias de deixar a prefeitura ―o prefeito eleito Eduardo Paes (DEM) toma posse em 1º de janeiro―, Crivella foi detido em sua casa e levado para prestar depoimento no início da manhã. Procurada, a Promotoria confirmou que realizou uma operação “para cumprir mandados de prisão contra integrantes de um esquema ilegal que atuava na Prefeitura do Rio”, mas que, em razão de sigilo de Justiça, não poderia fornecer outras informações.
Segundo informações da TV Globo, que mostrou o momento da condução do prefeito para a Cidade da Polícia, Crivella foi preso em um desdobramento da Operação Hades, iniciada no dia 10 março, que apura suspeita de irregularidades na Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur). Ainda de acordo com a emissora, ao menos outras seis pessoas foram presas, incluindo o empresário Rafael Alves, apontado como operador do esquema.
Como mostrou reportagem do EL PAÍS em setembro, o prefeito é acusado pelo Ministério Público de montar um “QG da Propina”, esquema que motivou a abertura do processo de um impeachment na Câmara Municipal. Alves, que é irmão de Marcelo Alves, ex-presidente da Riotur, é suspeito de direcionar licitações, burlar a ordem cronológica de pagamentos que o Tesouro Municipal devia a empresas e, segundo a investigação, tinha poderes de indicar cargos.
Em um vídeo gravado durante a busca e apreensão na casa dele, em março, Crivella supostamente liga para um dos celulares de Rafael Alves para avisar de uma busca na Riotur e é atendido pelo delegado da Polícia Civil responsável pela ação. Ao perceber que não se tratava de Alves ao telefone, Crivella encerra a chamada. A desembargadora Rosa Helena Guita, que deu a ordem de busca na ocasião e determinou a prisão do prefeito nesta terça, disse que na época que “a subserviência de Crivella a Rafael Alves é assustadora”.
Ao ser preso nesta terça, Crivella afirmou aos jornalistas ser vítima de “perseguição política”, em declaração na entrada da Polícia Civil às 6h35. “Lutei contra o pedágio ilegal injusto, tirei recursos do carnaval, negociei o VLT, fui o Governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, disse. Questionado sobre sua expectativa agora, o prefeito disse: “Justiça”.
Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por seu tio, o bispo Edir Macedo, Marcelo Crivella foi eleito prefeito do Rio de Janeiro em 2016, mas não conseguiu reeleger-se, apesar do apoio explícito do presidente Jair Bolsonaro, após acumular críticas a sua gestão. O presidente da Câmara do Rio, Jorge Felippe (DEM), deve assumir a Administração municipal pois o vice de Crivella, Fernando McDowell, morreu em 2018.
Já Eduardo Paes comentou pelo Twitter a prisão, afirmando que o trabalho de transição de Governo será mantido. “Conversei nessa manhã com o presidente da câmara de vereadores Jorge Felipe para que mobilizasse os dirigentes municipais para continuar conduzindo suas obrigações e atendendo a população. Da mesma forma, manteremos o trabalho de transição que já vinha sendo tocado”, escreveu.
Ascânio Seleme: O bispo e o voto evangélico
Eleitor evangélico provou que não vota unitariamente nem cai mais em lorotas tão facilmente
Difícil dizer se foi o voto evangélico que abandonou Marcelo Crivella ou se foi o velho bispo da Igreja Universal que o fez correr. O fato é que o eleitor evangélico, que até outro dia parecia apenas parte de um rebanho ideologicamente garroteado, provou que não vota unitariamente nem cai mais em lorotas tão facilmente. O sonho de Edir Macedo, que imaginava fazer uma cabeça de ponte no Rio para daí conquistar o país, virou vexame e ainda pode se tornar pesadelo.
O Rio não votou outra vez no bispo. Crivella ficou curto, apequenou-se. O resultado do primeiro turno da eleição municipal, que deve se repetir amanhã, desvelou uma novidade: os votos dos fiéis foram diluídos entre diversos candidatos. A ordem do pastor não vigora quando o candidato indicado pela igreja é ruim. Ou péssimo, como no caso em questão. Como essa verdade é comum em outros cantos do país, temos uma boa nova: o voto de cabresto religioso perdeu força.
O crescimento da população evangélica, ou a conversão de católicos em protestantes e evangélicos ao longo dos anos, produziu a sensação de que as igrejas dominariam em pouco tempo o cenário político nacional. Da mesma forma que se avalia hoje que em mais 30 anos os eleitores da Bélgica, por exemplo, serão majoritariamente de origem muçulmana. No Brasil, em dez anos, o número de evangélicos cresceu em média 61%. No Rio, seu aumento foi ainda maior, chegando a 64%.
A trajetória de Crivella mostra como foi importante e preocupante o que parecia ser a conformação de um curral eleitoral imbatível por ser administrado pela fé, que se imaginava blindada. O prefeito entrou na vida pública em 2002 se elegendo senador. Foi reeleito em 2010. No intervalo, concorreu sem sucesso a prefeito do Rio e a governador do estado, mas seus resultados foram melhorando. Em 2016, ganhou a prefeitura com 59,6% dos votos. Imaginou-se que o caminho estava consolidado, mas aí apareceu a inacreditável incompetência de Crivella.
Desde a posse, em janeiro de 2016, o capital político do bispo foi se deteriorando a ponto de ele ter hoje um dos maiores índices de rejeição entre todos os candidatos que concorrem neste segundo turno. Na primeira rodada das eleições, ficou com magérrimos 21,9% dos votos. Perdeu um oceano de sufrágios em quatro anos. Pelo que mostram as pesquisas, se Crivella fizer amanhã 30% dos votos válidos, terá perdido a metade dos eleitores que o elegeram em 2016. Dentre eles, incontáveis evangélicos.
A fé pode ser disciplinada e determinada, condescendente e tolerante, mas o fracasso eleitoral de Crivella prova que cega ela não é. O eleitor evangélico percebeu, como cada um dos 6,7 milhões de cariocas, que a gestão do bispo foi um desastre para a cidade. Seu governo sempre foi ineficiente, e não se pode culpar a pandemia pela agonia que a cidade atravessa. O eleitor evangélico também vê isso.
Vê, lê e ouve. A tecnologia da internet também ajudou a desidratar o monolítico voto evangélico. Além de perceber no seu dia a dia a desordem urbana, o eleitor fiel também foi informado pelas redes sociais. Muitas vezes desinformado, com certeza, mas sem dúvida estas ferramentas foram importantes para quebrar a “verdade” absoluta que se ministra nas igrejas evangélicas.
O voto orientado pelo pastor pode ainda dar resultado na eleição de vereadores e deputados, mas para cargo majoritário a iminente derrota de Crivella parece estar mostrando uma nova tendência que o tempo poderá confirmar. Por ora, Rio deve festejar o fim do mandato do bispo como uma benção. Crivella só vai fazer falta a Márcia e aos seus guardiões.
Derrota entre turnos
Jair Bolsonaro perdeu outra disputa política. Esta, depois do primeiro e antes de abrirem-se as urnas do segundo turno. Foi em Santa Catarina, onde o seu zero menor trabalhou incansavelmente para derrubar o governador Carlos Moisés. Bolsonaro e zerinhodespacharam para a capital catarinense a advogada da família, Karina Kufa, para conseguir que o governador fosse afastado e sua vice bolsonarista preservada depois de o governo ter equiparado os salários dos procuradores do estado com os da Assembleia Legislativa. Diziam que o reajuste era ilegal. Deu certo até ontem, quando a comissão que julgava o afastamento de Moisés teve de restabelecê-lo no cargo porque o Tribunal de Justiça do estado decidiu na véspera que ele não cometeu crime algum.
Defesa do Fla
O governo federal é tão desorganizado, atrapalhado e abilolado que lembra em muitos aspectos a defesa do Flamengo. Além de tremer de medo, quando o torcedor vê aqueles dois patetas do Léo Pereira e Gustavo Henrique trocando passes em frente à área, deve pensar imediatamente nos ministros Ricardo Salles e Ernesto Araújo. Com estas duplas, bola no pé do adversário e gol contra é questão de tempo.
Ministro da Logística
Se o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, conseguiu deixar estocado, sem uso, mais de seis milhões de testes de coronavírus em plena pandemia, imagina o que ele seria capaz de fazer se fosse general e cuidasse da logística de uma Força Armada durante uma guerra.
Aliás
A ampliação por mais 12 meses do prazo de validade dos testes esquecidos por Pazuello num galpão em São Paulo levantam uma lebre. Será que os laboratórios não estão estabelecendo validades muito curtas para seus medicamentos de maneira que eles vençam e o consumidor os descarte e compre um frasco novo? Tem alguma esperteza aí ou se trata do exclusivo cuidado com a saúde humana? Pelo preço dos remédios, é melhor que esta história seja muito bem explicada.
Acertos e desacertos
A chance de Guilherme Boulos de acertar se vencer a eleição de amanhã é tão grande quanto a de Bruno Covas. Sua chance de errar, entretanto, é maior. O programa de Boulos é mais ambicioso e muito mais caro do que o de seu adversário. Além disso, gerou uma expectativa entre os seus eleitores que pode se transformar rapidamente em frustração quando as pautas começarem a cair por falta de recursos ou adequações legais.
Boa surpresa
O ministro Luiz Fux devolveu grandeza ao posto de presidente do Poder Judiciário. Ao mandar para o plenário todas as ações penais e inquéritos, Fux resolveu que os casos da Lava-Jato voltarão a ser julgados e não apenas descartados sumariamente pela turminha. Boa também sua recomendação aos larápios de dinheiro público. Não adianta tentar esconder, “se tiver mala de dinheiro a imprensa vai descobrir”.
Carro usado
Aquela máxima “você compraria um carro usado do fulano de tal?” cabe muito bem agora ao ex-deputado, ex-secretário de estado e ex-presidiário Pedro Fernandes. O GLOBO noticiou na terça passada que Fernandes virou corretorde imóveis. O ex-secretário foi preso temporariamente por desvios em contratos na área da assistência social e responde a processo correspondente. Daí, vale perguntar: você compraria uma casa desse sujeito?
Não culpem o Leblon
Bares cheios você vê todos os dias em Ipanema, Laranjeiras, Botafogo, Barra da Tijuca, Taquara ou por onde quer que você ande. Em São Paulo, BH e Recife é assim também. Mas sempre que alguém quer fazer uma referência aos maus hábitos dos jovens baladeiros nesta pandemia cita a Rua Dias Ferreira, o Leblon. É uma injustiça. Não porque a garotada do bairro esteja trancada em casa, claro que não. Mas porque não são os únicos. Gilberto Bueno, leitor do GLOBO, mandou uma carta para o jornal dizendo que o Leblon estava fazendo escola. Será mesmo?
Crime eleitoral
É muito bom o livro “Uma terra prometida”, a autobiografia de Barack Obama, lançado na semana passada pela Cia das Letras com pompa e circunstância. Há inúmeros grandes momentos na narrativa da vitoriosa trajetória do ex-presidente americano. Mas há também dados do cotidiano, triviais. Um deles, que quase passa despercebido, explica como funcionam as campanhas eleitorais nos EUA. Na véspera do caucus de Iowa de 2007, a arrancada das primárias americanas, fazia muito frio e a neve poderia afastar eleitores das urnas. O que a adversária Hillary Clinton fez, como conta Obama, seria crime eleitoral no Brasil. A campanha da candidata distribuiu milhares de pás entre os eleitores alegando que com as ferramentas eles poderiam remover a neve acumulada em suas portas e ir votar.
Diego disse
“Tampouco morto encontrarei a paz. Me utilizam em vida e encontrarão um modo de fazê-lo estando morto”. A afirmação de Maradona, feita em 1996, faz parte de uma coletânea de 1.000 frases organizadaspor Marcelo Gantman e Andrés Burgo no livro “Diego dijo”. Ontem, dia seguinte ao velório, soube-se que os 11 filhos do jogador já iniciaram uma contenda pelo seu espólio.
Bernardo Mello Franco: O Rio na mira de velhos e novos corsários
Completou ontem 309 anos a invasão do Rio pela tropa de Duguay-Trouin. O corsário francês adentrou a Baía de Guanabara em 12 de setembro de 1711. Comandava uma esquadra de 17 navios e mais de 5.800 homens, com ordens do rei Luís XIV para levar o que estivesse ao alcance. Assustado, o governador abandonou a cidade à própria sorte. Os bucaneiros ameaçaram destruir tudo se não recebessem o resgate desejado. Partiram com 610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e 200 bois.
Passados três séculos, o Rio continua a conviver com pilhagens. Os novos corsários falam português e dispensam o uso de fragatas. Acessam o cofre com a permissão do eleitor.
O carioca parece não ter aprendido com os saques de Sérgio Cabral. Já está mergulhado em novos escândalos, com o governador afastado e o prefeito na mira da polícia. Nos últimos dias, três operações ampliaram a sensação de naufrágio da cidade. Elas ocorrem às vésperas da eleição municipal.
Os dois principais candidatos terminaram a semana sob artilharia. Na terça-feira, Eduardo Paes virou réu por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois. O ex-prefeito é acusado de receber R$ 10,8 milhões em repasses ilegais da Odebrecht em 2012. Ele se disse vítima de uma armação eleitoral.
Na quinta, outra operação acordou Marcelo Crivella, que busca o segundo mandato. O Ministério Público apontou a “efetiva participação e o protagonismo” do prefeito num “gigantesco esquema de corrupção, peculato, fraude a licitação e lavagem de dinheiro”. Ele afirmou que a ação foi “estranha” e “injustificada”.
Na sexta, foi a vez de Cristiane Brasil. A ex-deputada, filha de Roberto Jefferson e também aspirante à prefeitura, prometia tirar o Rio das “mãos de bandidos”. Foi presa sob acusação de receber propina como secretária de Paes e Crivella.
O arrastão policial tumultuou uma disputa que parecia limitada ao atual prefeito e seu antecessor. O deputado Marcelo Freixo, que havia desistido de concorrer, ensaiou um retorno de última hora. A ideia animou artistas, mas foi abatida pelas bases do PSOL. A chapa do partido já pertencia a Renata Souza, mulher, negra e ligada à causa feminista.
Com a esquerda dividida e os dois favoritos sob ataque, abre-se um espaço para surpresas. Ontem dois aspirantes a outsider formalizaram suas candidaturas: o deputado federal Luiz Lima, do PSL, e a deputada estadual Martha Rocha, do PDT. Ambos devem investir no discurso anticorrupção, mas terão que explicar suas companhias no passado recente.
O ex-nadador bolsonarista entrou na política sob as bênçãos da família Picciani. Foi secretário do Ministério do Esporte na gestão de Leonardo, herdeiro do clã que comandou a Assembleia Legislativa por uma década. A delegada Martha foi chefe de polícia na gestão Cabral. É possível encher um álbum com fotos dela ao lado do ex-governador.
A pandemia produzirá uma campanha atípica, com pouca atividade na rua e muita batalha nas redes. Isso aumenta a imprevisibilidade do páreo, ampliando as chances de azarões. O Rio corre um duplo risco: eleger velhos corsários ou apostar num novo pirata com pose de almirante.
Elio Gaspari: O miliciano Marcelo Crivella
Prefeito do Rio contratou funcionários para constranger cidadãos que reclamam da má qualidade do serviço de saúde do município
Deve-se à paciência e ao destemor dos repórteres Chinima Campos, André Maciel, Diego Alaniz, Sabrina Oliveira e Paulo Renato Soares a exposição da milícia contratada pelo prefeito Marcelo Crivella para constranger cidadãos que reclamam da má qualidade do serviço de saúde do município.
Quando Crivella diz que seus Guardiões estavam nas portas dos hospitais para ajudar quem precisava do serviço de saúde, sabe que está mentindo. Caso raro de pessoa capaz de mentir diante de vídeos.
As milícias políticas já apareceram nas cercanias do Planalto, constrangendo enfermeiros, e em Goiás policiais militares intimidaram pessoas que faziam faixas contra Bolsonaro. Crivella foi exposto na sua magnitude. Seus milicianos, Marcão da Ilha, Dentinho, Jogador, bem como os outros nove comparsas custavam à prefeitura R$ 79.594 por mês. Isso num governo que teve a luz cortada pela Light por falta de pagamento.
As milícias de Crivella e de todos os seus similares têm suas raízes na História da violência política, mas foram os “squadristi” de Benito Mussolini que a transformaram numa força relevante. Adolfo, aquele aquarelista austríaco, adaptou o modelo. (Uma vez no poder, Hitler passou nas armas a liderança de seus camisas-pardas. Na Itália, o líder da milícia, tonitroante e larápio, foi fuzilado em 1945.)
Pela vontade popular, o Rio teve a infelicidade de passar por cinco governadores encarcerados. O sexto, Wilson Witzel, está a caminho do impedimento e, provavelmente, da cadeia.
A distribuição de “boquinhas” para milicianos e até mesmo para maganos fascina beneficiários e amantes de soluções autoritárias. Começam hostilizando quem reclama da política e acabam usando milicianos para inibir quem reclama de falta de atendimento num hospital. Começam contratando o fiel ex-PM Fabrício Queiroz e acabam contratando a mãe do ex-capitão-miliciano Adriano da Nóbrega chefe do Escritório do Crime.
Mussolini tinha uma milícia e algumas ideias. No Brasil e sobretudo no Rio de Janeiro há milícias e todas estão ligadas a uma forma de crime. Ideias, nem ruins.
Moro miava
O pior negócio que o juiz Sergio Moro fez na vida foi meter-se com Jair Bolsonaro. O ferrabrás de Curitiba foi moído pelo capitão e a divulgação de sua troca de mensagens com o presidente mostra que ele se prestou a uma fritura inédita na História republicana.
No dia 12 de abril, reclamando de uma reportagem, Bolsonaro disse-lhe: “Todos os ministros, caso queira contrariar o PR, pode fazê-lo, mas tenha dignidade para se demitir.”
Noves fora a má relação com o idioma, Bolsonaro disse-lhe que devia pedir para sair. Moro fingiu que não ouviu. Uma semana antes fingiu não ter ouvido outra indireta: “Algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. (…) A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”.
Moro manteve-se em olímpico silêncio durante a tétrica reunião ministerial de 22 de abril. No dia seguinte, diante da notícia de que pedira demissão, manteve-se em silêncio quando o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, desmentiu a informação. Era verdade.
Quando um presidente sugere que um ministro deve pedir demissão, ele a pede ou diz que pode ser demitido. Fora daí, o que há é dissimulação, dos dois.
No dia 12 de outubro de 1977 o presidente Ernesto Geisel disse ao ministro Sylvio Frota que não estava se entendendo com ele e sugeriu que pedisse para ir embora. Frota recusou-se. Geisel demitiu-o, na hora. A conversa durou poucos minutos, e à noite o general estava no avião de carreira, a caminho de sua casa no Rio.
Eremildo, o Idiota
Eremildo é um idiota e está pronto para falar bem do prefeito Marcelo Crivella.
Qualquer dinheirinho serve.
Para mostrar sua disposição o cretino garante:
Desde Estácio de Sá o Rio não teve governante melhor. (Um maldito índio flechou-o e ele se foi.)
Ministro supremo
Semana que vem o ministro Luiz Fux assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal em sessão virtual.
Essa será uma investidura determinada pelo calendário. Na vida real, pelo movimento dos processos do bolsonarismo que estão no armário do ministro Gilmar Mendes, ele será o Supremo Ministro.
Patrono contra a vacina
O capitão Jair Bolsonaro diz que ninguém pode ser obrigado a tomar a vacina contra a Covid-19. Tudo bem. Quem não quiser não toma. A obrigatoriedade erradicou a febre amarela e não há como impedir que um libertário contaminado passe o vírus para os outros.
Países andam para trás. O Império Romano que o diga. No Brasil, em 1904, jornalistas, políticos e militares estimularam a maior revolta da História da cidade, contra a vacina obrigatória. O presidente Rodrigues Alves defendeu a lei, mandou atirar e manteve a ordem.
Entre os mortos ficou o general Silvestre Travassos, um dos chefes da revolta militar.
Ele comandava uma marcha em direção ao palácio presidencial, tomou um tiro em Botafogo e morreu dias depois.
É possível que tenham morrido mais brasileiros na atual pandemia do que em todas as epidemias dos séculos XIX e XX.
Pesadelo petista
Há alguns meses o pesadelo dos petistas era sair da eleição municipal sem chegar ao segundo turno em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, o crescimento de Guilherme Boulos (PSOL), na intelectualidade e no meio artístico, bem como o fortalecimento das alianças de Bruno Covas (PSDB), sugerem que esse resultado parece inevitável.
Num cenário catastrófico, Boulos pode até conseguir mais votos que o comissário Jilmar Tatto.
Roupa suja
Se metade do que as facções em que está dividido o Ministério Público diz for verdade, a corporação precisa de uma Lava-Jato.
Até quarta-feira
O ministro Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entraram no bloco da marchinha carnavalesca “Até Quarta-Feira”.
Em qualquer tempo, sempre que a economia expõe um indicador catastrófico, os çábios anunciam que a bonança está logo ali: “Este não ano vai ser igual àquele que passou”.
A pandemia já havia chegado, e o doutor Guedes previa um crescimento do PIB de 1%. Veio o tranco da contração de 9,7% do segundo trimestre, e ele promete um crescimento de 4,5% para o ano que vem. Campos oferece mais de 4%.
Nota de peso
Lançada no meio de uma pandemia, na semana em que se soube de uma contração do PIB de 9,7% e ilustrada com um lobo-guará parecido com uma hiena, a nota de R$ 200 arrisca entrar para o folclore das moedas que dão peso.
Nos Estados Unidos as notas de dois dólares pegaram essa urucubaca. Acredita-se que a superstição tenha nascido no século passado, quando políticos compravam votos com essas cédulas. Entre outras utilidades, as notas de R$ 200 fazem menos volume nas malas de maganos.
Bernardo Mello Franco: O deboche de Crivella
Depois de mais uma tragédia no Rio, Marcelo Crivella resolveu inovar. Em vez de reclamar da natureza e do volume das chuvas, o prefeito culpou as vítimas que perderam tudo no temporal.
Em visita a Realengo, o bispo tentou se eximir de responsabilidade pelo cenário de terra arrasada. “A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente”, disse. No domingo, ele já havia sugerido que os cariocas moram em áreas de risco por opção. “As pessoas gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo”, afirmou.
Crivella é reincidente em declarações infelizes sobre as chuvas. Já fez piada com a “Balsa Família” e comparou a ciclovia Tim Maia ao Vasco, que “vive caindo”. Por trás do humorista frustrado, esconde-se um gestor que não cumpre suas obrigações. Nos primeiros dois anos de mandato, o prefeito reduziu em 71% os gastos com prevenção a enchentes.
As mudanças climáticas tendem a aumentar a frequência e a intensidade dos temporais. Isso requer mais investimentos em proteção de encostas, dragagem de rios e limpeza de galerias pluviais. Há dois anos, Crivella prometeu espalhar bueiros eletrônicos pela cidade. Não implantou os sensores high tech nem fez melhorou serviços tradicionais, como a coleta de lixo em bairros periféricos.
Autor de estudos sobre o impacto das chuvas na economia do Rio, o professor Carlos Eduardo Young diz que há relação direta entre a ausência de políticas públicas e a extensão das tragédias. “Onde há menos presença do Estado e a população é mais pobre, a chuva intensa tem muito mais chances de produzir desastres”, afirma. Isso explica por que as três mortes do temporal de domingo se concentraram nas zonas Norte e Oeste.
A prefeitura também precisa investir mais em educação ambiental, mas as declarações de Crivella culpando as vítimas da enchente só fazem sentido como deboche. “Morar em áreas de risco não é uma escolha voluntária dos mais pobres”, lembra o professor da UFRJ.
Quem manda no Rio de Janeiro?
O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade
O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade. Em plena batalha eleitoral do segundo turno, um dos candidatos à Prefeitura, Marcelo Crivella (PRB), recebeu o apoio público da ex-vereadora Carminha Jerominho, filha e sobrinha de dois políticos vinculados às milícias. Jerominho e Natalino Guimarães comandavam, até serem presos em 2007 e 2008, respectivamente, a principal milícia da Zona Oeste carioca, território ainda submetido extraoficialmente às ordens e armas de grupos paramilitares formados não por narcotraficantes, mas por agentes corruptos do Estado que oferecem aos moradores inúmeros tipos de serviços que não lhes corresponderiam, de segurança à Internet.
Crivella não desprezou o apoio de Carminha, pelo contrário. Disse que todo voto é importante: “Sem voto, ninguém ganha eleição”, disse aos jornalistas.
Foi justamente num restaurante da Zona Oeste, uma das áreas mais povoadas de Rio e onde Crivella é o candidato mais votado, que um guarda-costas dele admitiu a este jornal, ainda no primeiro turno, que para algum candidato fazer comício ali precisaria pedir autorização da milícia. “É assim que funciona, eles mandam aqui. Todo mundo precisa pedir autorização, não só nós”, contava, com naturalidade.
Além de dar sua bênção aos candidatos, o crime também os extorque: os milicianos cobraram até 120.000 reais para que os candidatos pudessem distribuir sua propaganda nos territórios sob seu controle, conforme revelou o jornal O Globo. A taxa imposta pelos milicianos, que já participaram ativamente da política e hoje optam por apoios nos bastidores para perpetuar seu poder, garantia aos aspirantes certa exclusividade frente a outros políticos.
Foi também durante esta campanha eleitoral que, a 55 quilômetros do restaurante da Zona Oeste, um grupo de narcotraficantes desceu um morro encravado num bairro de classe média alta e obrigou dezenas de comerciantes a fecharem suas portas. É assim que, em pleno 2016, o narcotráfico impõe o luto pela morte de algum de seus chefes. Todos os comerciantes fecharam sem pestanejar, apesar de a polícia ter reforçado sua presença no bairro. “Obedecemos ao poder paralelo. Prefiro ter prejuízo a sofrer represálias”, dizia o gerente de uma loja de tintas, com uma viatura em frente às portas abaixadas do seu estabelecimento. É o mesmo discurso do cidadão submetido aos milicianos.
Naquele mesmo dia, um ex-policial, candidato a vereador e presidente de uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio – que se abastecem com recursos de origem duvidosa – era executado com 15 tiros em seu comitê de campanha. Para investigar sua morte, a polícia abriu várias frentes, praticamente uma para cada poder paralelo que atua no Rio: as rivalidades que sua candidatura pode ter despertado, sua suposta relação com os milicianos e seus vínculos com os bicheiros e donos de caça-níqueis que, num país onde o jogo é ilegal, são tão ricos e temidos como os traficantes e as milícias, só que ainda mais invisíveis.
Fonte: elpais.com