Mansueto Almeida
Míriam Leitão: Visão de Mansueto sobre o risco fiscal
Muitos riscos rondam a economia do Brasil, segundo o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Ele acha desejável haver ideias diferentes para resolver o problema das contas públicas, mas defende que haja clareza no diagnóstico. Alerta que não temos margem para errar. O déficit fiscal este ano vai ser de 17% do PIB, incluindo os juros. Quase 70% da dívida está atrelada a juros de curto prazo. Por enquanto, “respiramos”, diz ele, porque a Selic está baixa. Mas a inflação está subindo e os juros futuros refletem a falta de confiança. “Se a gente não der os sinais certos, quando os juros subirem teremos um baita problema”. Ele defende um grande debate nacional sobre as renúncias tributárias, mas é contra novos impostos:
— Já temos carga tributária elevada, o espaço não é o mesmo dos anos 90. O governo federal perdeu dois pontos do PIB de arrecadação em relação ao que era entre 2011 e 2013. É a perda das crises. Não se sabe quanto disso pode ser recuperado. Em um país com carga tão alta, vamos ter que rever renúncias tributárias. Mas para isso tem que começar o debate hoje, como foi na Previdência. Um dos grandes benefícios da Previdência foi que passamos três anos discutindo e isso permitiu a sua aprovação.
Ele avisa que não é fácil eliminar subsídios, por isso será preciso se preparar para esse debate. Cada subsídio, cada renúncia fiscal, tem seus defensores. Subestimar as dificuldades nesse tema é o caminho do fracasso.Mansueto defende o teto de gastos, como sempre, mas faz uma avaliação preocupante. O orçamento de 2021 está no Congresso e no vermelho. Depois de cinco anos de teto de gastos, o Brasil estará no ano que vem com um rombo maior do que estava antes e o plano original era zerar o desequilíbrio em cinco anos, chegando em 2026, quando o teto fará 10 anos, com superávit de 2,5% do PIB.— Para ter o que foi programado, nós teríamos que fazer em cinco anos um ajuste que estava previsto para 10 anos. Se a gente “apenas” cumprir o teto, que já é difícil, vamos chegar em 2026 ainda com déficit. Mais seis anos com déficit é uma situação de muito risco — diz ele.
Que risco? O da quebra da confiança de que o governo pode pagar a dívida pública. Em 2002, com a turbulência prévia da eleição de Lula, a dívida líquida chegou a 60% do PIB. Depois da posse, o dólar caiu, o governo cumpriu superávits e em 2013 ela era de 30% do PIB. Esse ajuste se perdeu. A dívida líquida bateu em 55% no ano passado. Pelas projeções do Ministério da Economia este ano vai para 65% e em 2028 estará em 87%. A bruta vai para 98%.— O Brasil até 2013 tinha resolvido seu problema fiscal. Implodiu isso em poucos anos. Teve dois anos de recessão e agora a pandemia. Se a gente não mudar esse cenário, mesmo cumprindo o teto de gastos, esse país não vai ter espaço fiscal para nenhuma contingência, recessão ou crise. Em 2015 o ministro Joaquim Levy propôs o debate sobre a revisão dos benefícios tributários. Cinco anos depois, o debate não andou. No governo Temer o gasto com o Simples foi até ampliado, quando se elevou o faturamento das empresas que podiam se enquadrar.Esse debate é árido. Há benefícios que claramente precisam acabar. Até eles ficam. Veja o caso do fim da isenção fiscal para fundos exclusivos, aqueles formados por pessoas muito ricas. Em vez de serem cotistas, eles foram fundos só para si. Por incrível que pareça esse investidor não paga imposto. Temer propôs acabar com essa isenção, o que geraria R$ 6 bilhões de receita, mas foi derrotado no Congresso.
Para piorar o ambiente de déficit e dívida crescentes, a inflação subiu.
— Há seis meses, a expectativa de inflação para este ano era de 2%. Hoje está em 3,8%. A do ano que vem também subiu. Isso pode levar a um aumento dos juros que vai impactar a dívida toda concentrada no curto prazo. A curva dos juros (futuros) expõe o tamanho da incerteza sobre como o Brasil vai resolver o problema. E não é daqui a quatro, cinco anos. As pessoas querem clareza para os próximos seis meses.
Mansueto lembra que na democracia as soluções são encontradas no debate. Diz que é natural, e desejável, que cada corrente de pensamento defenda a sua ideia sobre como resolver esse nó fiscal. Mas faz um alerta.
— É legal ter propostas diferentes, mas não pode haver disparidade sobre o diagnóstico. Não temos margem para erro daqui pra frente.
Ribamar Oliveira: Diminuiu o tamanho do ajuste fiscal necessário
Simulações do Ibre indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários
Um fenômeno brasileiro recente ainda não foi devidamente explicado pelos economistas. Hoje, existe quase um consenso de que houve uma mudança estrutural da taxa de juros no Brasil. Três anos atrás, a taxa básica (Selic) estava em 14,25% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com perspectiva de cair ainda mais.
No mesmo período, o setor público brasileiro continuou registrando elevados déficits primários em suas contas, com crescimento da dívida bruta, que chegou perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). A perspectiva é de que a dívida continuará em elevação e o setor público com déficit primário nos próximos anos. Como foi possível os juros caírem tanto com este dramático quadro fiscal?
A mudança dos juros no Brasil está sendo considerada estrutural porque ninguém acredita que a Selic voltará ao patamar de dois dígitos em horizonte previsível. Pelo menos até agora não houve manifestação contrária, embora alguns desconfiem que taxa de juros tão baixa no Brasil não deve perdurar por muito tempo.
O fenômeno ainda não explicado e impressionante, pelo curto prazo em que ocorreu e pelas condições fiscais, terá consequências notáveis. Ele tem levado a uma taxa muito baixa de financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional está vendendo títulos com taxa de juro real de 2,6% ao ano (NTNB), com prazo de cinco anos, o que era inimaginável há pouco tempo.
Como resultado do atual fenômeno de queda dos juros, o setor público brasileiro pagará, neste ano, possivelmente, uma conta de juros semelhante ao que pagava quando a dívida pública era de 51% a 53% do PIB, estimou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, na semana passada, quando comentou o resultado fiscal de agosto. No fim daquele mês, a dívida bruta do setor público estava em 79,8% do PIB, de acordo com o Banco Central.
Na visão de Mansueto, se o governo conseguir acelerar as privatizações de empresas estatais e garantir que o BNDES pague antecipadamente os empréstimos que recebeu do Tesouro, o cenário para a trajetória da dívida será ainda mais benigno.
O secretário observou que, no atual cenário, os economistas de vários bancos estimam que para estabilizar a dívida como proporção do PIB é necessário um superávit primário de apenas 1% do PIB. Em passado não muito distante, o entendimento que predominava no mercado era que o setor público teria que fazer um superávit primário de 2,5% do PIB ou, até mesmo, de 3% do PIB.
Em artigo publicado nesta semana no Valor, o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas, concorda que a redução da Selic, com a consequente diminuição das taxas de juros da dívida, “resulta na redução do resultado primário de equilíbrio necessário para estabilizar a dívida”. As simulações que ele fez indicam que “é possível e provável” que a dívida pública se estabilize nos próximos anos até mesmo com déficits primários.
Pires, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, no início de 2016, destaca, no artigo, que a melhor métrica para avaliar o quadro fiscal é a do resultado estrutural, pois o resultado primário é contaminado por uma série de efeitos de curto prazo, como eventos não recorrentes e pelo ciclo econômico que está desfavorável. O resultado estrutural, observa, expurga esses efeitos e permite uma visão da condição de longo prazo da política fiscal.
O resultado primário estrutural de 2018, apurado pelo governo, indicou um déficit primário de 0,7% do PIB. Considerando a evolução da política fiscal em 2019 e o Orçamento da União para 2020, as estimativas de Pires apontam que o resultado estrutural ficará em um déficit de 0,29% do PIB. Na metodologia divulgada pelo Observatório de Política Fiscal, calculada pelo economista Bráulio Borges, a estimativa é que, em 2020, o resultado primário estrutural seja positivo em 0,15% do PIB.
Diante deste cenário, Pires considera que uma das prioridades do governo “deveria ser recuperar a economia e fechar o hiato do produto para o resultado fiscal melhorar de forma mais evidente”. Para ele, o debate se volta para a margem de segurança que o governo deseja obter e a velocidade que deve impor para a queda da dívida nos próximos anos.
“É recomendável trabalhar com uma margem de segurança para absorver choques no futuro, mas não há nenhuma necessidade de manter um ajuste criando uma situação de paralisia das atividades governamentais e baixo investimento”, diz no artigo.
Embora acredite que a situação mudou para melhor, o secretário do Tesouro tem outra visão do que deve ser feito. Ele lembrou, na semana passada, que a despesa primária da União era equivalente a 19,9% do PIB em 2016 e que deve fechar este ano em 19,7% do PIB, ou seja, só 0,2 ponto percentual abaixo. “Dado que eu quero, até 2026, cortar despesas equivalentes a 4% do PIB, 90% do ajuste fiscal ainda precisa ser feito”, afirmou.
Mansueto disse que a dívida pública está em quase 80% do PIB, patamar muito elevado em comparação com os demais países emergentes e que a projeção do governo é que ela continuará crescendo até 2022. “Em um cenário como esse, o nosso desafio não é ficar com uma dívida tão alta, mas fazer com que ela caia”, afirmou. “Se ficarmos com dívida elevada e, daqui a dois ou três anos tivermos algum problema, não teremos capacidade de fazer política fiscal anticíclica.”
Para o secretário, se a dívida bruta estivesse em torno de 55% do PIB, o governo teria espaço para aumentar o endividamento e fazer política anticíclica. “Mas esse espaço no Brasil desapareceu, justamente porque está com um nível de endividamento muito alto.” Além de alta, a dívida tem um prazo médio muito curto.
Ele lembrou que os Estados ainda estão com um ajuste fiscal a fazer. “Quando tivermos um cenário mais claro da dívida em queda, aí sim poderemos discutir a questão de investimentos e cenários fiscais diferentes”, afirmou.
São duas visões distintas sobre o que fazer na área fiscal daqui para frente, em um cenário muito benigno de inflação e juros baixos, pela primeira vez em muitos anos.
Mansueto Almeida, especialista em contas públicas do presidente Michel Temer, fala sobre a crise econômica no #ProgramaDiferente
O economista Mansueto Almeida foi anunciado nesta terça-feira, 17 de maio, para ocupar a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do presidente em exercício, Michel Temer. Ele é considerado um dos maiores especialistas em finanças públicas e ajudará o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na gestão e na formulação de políticas para a economia brasileira.
Nesta entrevista exclusiva ao #ProgramaDiferente, gravada no Rio de Janeiro, durante o evento "Saídas para a Crise", promovido pelo PPS e pela Fundação Astrojildo Pereira em novembro de 2015, Mansueto fala exatamente da sua expectativa por um novo governo no Brasil, que ele previa (e acertou) para os seis meses seguintes, e das possíveis soluções econômicas que devem ser adotadas para enfrentar a crise. Assista.
Formado em economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mansueto Facundo de Almeida Júnior obteve seu mestrado pela Universidade de São Paulo (USP) e fez aulas de doutorado em Políticas Públicas no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.
Ele é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Já foi coordenador-geral de Política Monetária e Financeira na Secretaria de Política Econômica no Ministério da Fazenda (entre 1995 e 1997) e assessor da Comissão de Desenvolvimento Regional e de Turismo do Senado Federal (de 2005 a 2006).
Nas últimas eleições presidenciais, Mansueto fez parte da equipe de Armínio Fraga, que seria o ministro da Fazenda caso Aécio Neves, do PSDB, fosse eleito presidente da República. Mansueto também possui um blog no qual debatia questões relacionadas às contas públicas.
De acordo com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o novo secretário realizará estudos relacionados principalmente com as despesas públicas, em sua qualidade e eficiência das despesas. "Vai fazer uma análise das contas públicas", resumiu.