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O plano B de Alcolumbre para barrar a indicação de André Mendonça ao STF
Grupo de Davi agora articula uma estratégia para esvaziar o plenário no dia da votação
Mariana Carneiro / Coluna Malu Gaspar / O Globo
Davi Alcolumbre teve que ceder à pressão e marcar para a próxima semana a sabatina de André Mendonça para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, mas seu grupo já trabalha num plano B para tentar derrubar a indicação de Jair Bolsonaro.
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Independentemente do que ocorrer na Comissão de Constituição e Justiça, primeira etapa do processo, o grupo de Davi agora articula uma estratégia para esvaziar o plenário no dia da votação. Dessa forma, precisariam de menos votos para derrubar a candidatura do ex-advogado-geral da União.
Como para ser aprovado o candidato precisa de votos de 41 de um total de 81 senadores, supõe-se que retirando parlamentares da sala será mais fácil derrotá-lo.
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A conta feita atualmente leva em conta a última votação do mesmo tipo, que aprovou a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República. Na ocasião, compareceram à votação no plenário 66 senadores, dos quais 55 votaram em Aras. O Procurador-Geral da República, aliás, é o preferido desse grupo para a vaga aberta no STF com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
Se conseguirem que os senadores que estão em dúvida ou têm medo de votar contra uma indicação do governo faltem, dando quórum parecido com o da sessão que aprovou Aras, vão precisar convencer menos colegas a apertarem o não na hora da votação (que é secreta, mas sempre há quem tema ser cobrado pela derrota de um candidato do governo).
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A conta que os opositores de Mendonça fazem é que, se conseguirem repetir o quórum de Aras, seriam necessários só 25 votos contra - apenas o necessário para impedir que o candidato de Bolsonaro consiga atingir o mínimo de 41 votos a favor.
O fato de Alcolumbre estar apelando a esse plano B mostra o quanto a disputa está apertada. As contas mais realistas indicam que, hoje, seriam 50% dos votos a favor de Mendonça e 50% contra – o que daria cerca de 40 votos para cada lado.
Mas, dos dois lados, há até quem garanta ter 50 votos, tanto do lado de Mendonça como de Alcolumbre. Como existem 81 senadores, ou estão todos blefando, ou tem senador prometendo votos aos dois lados.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-plano-b-de-davi-alcolumbre-para-barrar-indicacao-de-andre-mendonca-para-o-supremo.html
Governistas já têm saída para continuar pagando emendas do orçamento secreto
Solução proposta aos parlamentares é distribuir o dinheiro diretamente por meio dos ministérios
Mariana Carneiro / Coluna Malu Gaspar / O Globo
Enquanto os ministros do Supremo Tribunal Federal formavam maioria para suspender os pagamentos das emendas do orçamento secreto, na tarde da terça-feira, ministros e parlamentares governistas já acertavam no Congresso um caminho alternativo para manter os repasses.
A solução que está sendo proposta aos parlamentares agora é distribuir o dinheiro diretamente por meio dos ministérios, aos quais seria transferida a verba antes reservada para as emendas de relator, conhecidas como RP9. No esquema que líderes governistas e ministros de Jair Bolsonaro estão visando, o dinheiro sairia por meio de um outro carimbo de despesa, a RP2.
Por essa modalidade, quem decide para onde vai o dinheiro são os ministros e não o relator, o caso do orçamento secreto. Segundo os governistas, o uso desse canal permitiria que as emendas já empenhadas, ou comprometidas, e que já começaram a ter a verba liberada, tenham o pagamento finalizado. Além disso, seria possível transferir também para essa rubrica do orçamento o dinheiro que já foi reservado para 2021 e ainda não foi empenhado.
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Não é pouca coisa. Dos R$ 16,8 bilhões reservados para as emendas de relator neste ano, restam ainda cerca de R$ 7 bilhões intocados. Se essa alternativa avançar, o dinheiro pode voltar para as mãos do governo.
Na prática, o controle da verba vai deixar de ser exercido pela cúpula do Congresso, especialmente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e passará a depender de Jair Bolsonaro e seus ministros, que estão bastante animados com essa possibilidade. "Nem toda notícia que parece ruim é verdadeiramente ruim", disse um ministro sob reserva.
A transferência da verba de uma rubrica para outra não é automática. Para que ela seja possível, o governo tem que enviar um projeto de lei solicitando o cancelamento da verba do orçamento secreto e sua realocação na conta de despesas diretas do governo federal. O projeto tem que ser aprovado pela maioria dos votos em uma sessão do Congresso Nacional de que participam deputados e senadores.
Na noite desta terça, integrantes do governo já tinham desenhado até a tática para abreviar essa etapa legislativa. A ideia é incluir a conversão em algum dos projetos de lei que tratam de orçamento e que já tramitam na Câmara, como o que destinará cerca de R$ 3 bilhões do Bolsa Família, hoje parados no cofre, para repasses a estados e municípios pelo Ministério da Cidadania, comandado por João Roma.
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Antes, porém, vai ser preciso que Lira, Pacheco e os ministros de Bolsonaro cheguem a um acordo sobre como será decidido o destino desse dinheiro. Isso porque ninguém acredita que a cúpula do Congresso vá abrir mão facilmente do poder que tinham até a decisão da ministra Rosa Weber, na última sexta-feira.
Lira manejava os recursos de acordo com a própria agenda, além de gerenciar as pautas de interesse do governo na Câmara. Só para a cidade de Barra de São Miguel (AL), governada por seu pai, ele enviou R$ 3,8 milhões de reais, como revelou O Globo.
Portanto, embora ao longo da tarde de terça-feira as lideranças no Congresso tenham procurado aparentar tranquilidade, no fundo todos eles já sabem: uma disputa de poder sobre os bilhões do espólio do orçamento secreto está prestes a começar.
De olho em 2022, Bolsonaro e Lula jogam na confusão com preço de combustíveis
Lula e Bolsonaro voltam seus discursos para os preços dos combustíveis
Malu Gaspar / O Globo
Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.
Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.
"Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia", afirmou o presidente num palanque do Nordeste.
Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. "O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120".
Lula recorreu à parábola do gringo que leva as nossas riquezas. "O que está acontecendo é que a Petrobras está acumulando verba para pagar acionista americano", disse a uma rádio de Cuiabá.
Para o petista, “só teria explicação subordinar o preço nacional ao internacional se o Brasil fosse importador de petróleo, mas o Brasil é autossuficiente”.
Tanto Lula quanto Bolsonaro sabem estar oferecendo soluções simplistas para um problema complexo. O presidente da República vem há meses tentando emplacar a narrativa de que, por estar ligada a um imposto estadual, a alta dos combustíveis é culpa dos governadores. Não tem tido sucesso. Primeiro porque, embora o ICMS realmente seja pesado (varia em torno dos 30%), ele não aumenta há anos.
Além disso, o imposto é parte do valor do produto e varia de acordo com ele. Portanto, mesmo que fosse reduzido a zero, o que é virtualmente impossível, os preços continuariam aumentando de acordo com a cotação do barril de petróleo e com o câmbio.
Lula, como ex-presidente, está cansado de saber que 57,8% dos dividendos da Petrobras ficam com brasileiros, incluindo pequenos poupadores que usaram seu Fundo de Garantia para investir na empresa. E que, do total, 36,7% vão para os cofres da própria União. Lula sabe também que há diversas razões para que a fórmula de preços da Petrobras seja ancorada no dólar.
Uma é que a moeda americana é a referência para todas as transações do mercado de petróleo no mundo. Outra: embora seja autossuficiente em volumes, a empresa ainda importa grandes quantidades de petróleo leve e outros derivados do petróleo para produzir os combustíveis entregues ao consumidor final, pagando o preço internacional, em dólar. Sempre que vende abaixo do valor de mercado, toma prejuízo.
Da última vez que ignorou essa equação, no governo Dilma Rousseff, a Petrobras acumulou um rombo de US$ 40 bilhões — uma das razões por que teve de ir tomando empréstimos até chegar à maior dívida corporativa do planeta e ao status de companhia à beira da falência. Quem pagou a conta, obviamente, fomos nós, contribuintes e maiores acionistas da empresa.
Lula e Bolsonaro decidiram falar do assunto porque suas sondagens indicaram que esse é o tema que mais afeta o debate eleitoral no momento. Pesquisas internas de consultorias privadas mostram que a aprovação de Bolsonaro vem caindo significativamente em regiões onde ele costumava ter bases firmes, como Sul e Centro-Oeste, justamente por causa da inflação dos combustíveis e da energia.
Soluções de palanque e fórmulas gastas não resolverão o problema. Lembremos que o próprio Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras no início do ano, zerou os impostos federais sobre o diesel e o gás e prometeu outras tantas providências — como uma bolsa-caminhoneiro — que nunca foram adotadas.
Se voltamos ao mesmo ponto, agora, é porque esse nó, assim como tantos outros que precisamos desatar, demanda políticas públicas consequentes e de longo prazo, que certamente trarão algum sacrifício e que, por isso mesmo, têm de ser fruto de um debate amplo e responsável. Mudanças profundas nos modais de transporte e na configuração das grandes cidades, investimento em transporte de massa e em tecnologia são planos possíveis.
Mas nada disso tem feito parte do debate público. Estamos presos a um longo dia da marmota, com políticos que repetem sempre as mesmas propostas inócuas, enquanto problemas cruciais se arrastam indefinidamente. Nada está tão ruim que não possa piorar, disse outro dia o presidente Bolsonaro. Vendo a forma como os dois principais candidatos à Presidência da República tratam questões vitais para o país, só é possível concordar.
Retorno da CPI das fake news pode manter Bolsonaro sob pressão até 2022
Expectativa é que a Comissão seja reativada até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final
Mariana Carneiro / O Globo
A CPI da Covid está na reta final, mas os problemas para o governo no Senado devem continuar. Assim que a comissão da Covid acabar, a CPI das fake news vai voltar a funcionar – e desta vez, com foco em um tema nevrálgico para a campanha à reeleição de Jair Bolsonaro.
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O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (o M vem de mista, por reunir deputados e senadores) já combinou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que fará uma reunião com os membros da CPI depois do feriado de 7 de setembro para definir a data de reinício dos trabalhos. A CPI estava hibernando desde março de 2020, quando os trabalhos presenciais do Congresso foram suspensos em razão da pandemia.
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A expectativa é que já seja possível reativar a CPMI das Fake News até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final. Como a prorrogação da comissão já estava autorizada um pouco antes da parada, ela deve ter mais seis meses de funcionamento.
Considerando que a CPI ainda vai parar para o recesso de final do ano, a investigação deverá se esticar até abril de 2022, quando começa oficialmente a campanha eleitoral.
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O presidente da CPI e a relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), já se reuniram na semana passada para fazer um primeiro inventário do que a CPMI tem e que caminhos deverá seguir.
Uma das prioridades será dar andamento ao pedido já aprovado e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal de compartilhamento de informações do inquérito das fake news, que tem entre os alvos o próprio Jair Bolsonaro, por propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas, e seu filho Carlos.
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Quando a CPMI aprovou esse requerimento, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes informou que a investigação ainda era preliminar. Agora, dois anos depois, os membros da comissão esperam obter informações que permitam descobrir não só quem fez e quem pagou pelos disparos em massa ilegais realizados na eleição de 2018. Como o inquérito ainda está em curso, a CPI alimenta a expectativa de identificar quem segue cometendo crimes na internet.
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Outra providência em análise é solicitar informações ainda sigilosas obtidas em outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, que também mirava aliados do presidente, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
No início de agosto, a equipe técnica que trabalhava para a comissão das fake news chegou a ser cedida para a CPI da Covid, mas como os trabalhos do relator Renan Calheiros já estão próximos do final, eles já voltaram a dar expediente na CPMI das fake news.
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O potencial da CPMI para causar dano à campanha de Bolsonaro em 2022 vai depender do andamento de todas essas iniciativas. Se ela inibir a criação de perfis e grupos usados para disseminar mentiras nas redes sociais e ajudar a tornar o ambiente da campanha eleitoral um pouco mais sadio, já se poderá dizer que foi bem sucedida.
Fonte: Malu Gaspar/O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-das-fake-news-volta-em-setembro-e-deve-manter-bolsonaro-sob-pressao-ate-2022.html
Malu Gaspar: República dos bananas
Encontro de governadores acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas pelo presidente Jair Bolsonaro
Malu Gaspar / O Globo
Quando os governadores se reuniram na segunda-feira, a partir de Brasília, um pedido de impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, enviado ao Senado por Jair Bolsonaro, esperava na gaveta por uma resposta do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em São Paulo, um coronel da ativa, comandante de sete batalhões com 5 mil homens da Polícia Militar em 78 municípios do estado era afastado pelo governador João Doria (PSDB).
Ele se manifestara politicamente, o que é vedado aos militares, atacando o STF e o próprio Doria e insuflando, nas redes sociais, a participação em atos bolsonaristas previstos para 7 de setembro. O risco de ruptura ocupava as mentes de figuras de proa do Judiciário, do Legislativo e até do Executivo. Daí por que o encontro de governadores que previa discutir temas mais práticos, como a reforma tributária, acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas por Bolsonaro. Mal se começou a discutir a ideia de uma carta conjunta contra os arroubos golpistas do presidente, a coisa desandou.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), apelou para a abertura de um diálogo com o presidente. O mineiro Romeu Zema (Novo) completou:
— (Se) ficar mandando pedra mais uma vez, nós vamos cair nessa vala da polarização de que estamos só seguindo caminhos opostos e cada vez mais distantes.
Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, apoiou. Não adiantou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), apelar, dizendo que “o silêncio pode significar a omissão dos bons” ou mesmo conivência. Nem lembrar que, passado o golpe de 1964, “todos os governadores sofreram, sem exceção, inclusive os que haviam apoiado a ruptura antidemocrática”.
Ao final, a carta enfática em defesa da democracia virou um pedido de reunião com Jair Bolsonaro. Ele, porém, deu de ombros. Por meio de seus ministros palacianos, já mandou dizer que só se encontrará com governadores aliados, porque não quer dar palco para os outros fazerem proselitismo em cima dele. Ou seja, mandou a proposta de diálogo para a “vala da polarização”.
No Senado, no dia seguinte, o procurador-geral da República, Augusto Aras, protagonizou um espetáculo. Disse que bate, sim, no presidente da República, mas listou uma série de apurações internas que não deram em nada. Para justificar por que afinal não aplicou sequer uma multa a Bolsonaro por não usar máscara e promover aglomerações na pandemia, Aras lançou uma pérola:
— Não tenho dúvida da ilicitude, de que há multa, mas também não tenho dúvida de que, num sistema em que vige o Direito Penal despenalizador, falar em crime pode ser extremamente perigoso.
Ora, o que pode haver de perigoso em aplicar a lei? Se o próprio procurador-geral da República opinou em processos no STF a favor de multas e sanções para quem desrespeitasse a obrigatoriedade do uso da máscara? Talvez a melhor resposta esteja no termo “perigoso”. Para Aras, é perigoso afrontar o “sistema e criminalizar a política”, mesmo que os políticos cometam crimes.
Os governadores voltaram a seus dilemas locais, buscando formas de monitorar e evitar maiores problemas no 7 de setembro. O procurador-geral da República saiu do Senado reconduzido, alisado e bajulado indistintamente por governo e oposição. Pelo menos o senador Rodrigo Pacheco rejeitou o pedido de impeachment do ministro Moraes, como esperado. Com seu gesto, jogou água na fervura da crise, mas sabemos que o alívio só dura até a próxima provocação.
A raiz do problema, porém, permanece. Parece que se estabeleceu um consenso tácito — em estrato relevante da classe política e do próprio sistema de Justiça — de que realmente é perigoso seguir a lei no Brasil. Que é perigoso se posicionar a favor da democracia. Que é melhor não irritar o presidente da República para não causar ainda mais tumulto.
Parecem confortáveis numa espécie de acomodação bem abrasileirada, em que as mesmas pessoas que num dia garantem não haver risco de golpe, no dia seguinte afirmam que afrontar Bolsonaro seria “perigoso”. Vamos ignorá-lo, sugerem alguns. Vamos contê-lo, promete o Centrão, que a cada semana recebe uma prova de que não está dando muito certo. Só não vamos provocar o maluco. É perigoso.
Enquanto isso, Bolsonaro segue seu jogo, que — admitamos — é transparente e aberto. E que dificilmente chegará ao almejado golpe, mas fará muito estrago no caminho. Vai ver estamos esperando muito de nossas lideranças políticas, e quem está certo é o presidente, que obviamente confia estar comandando não uma República de bananas, mas sim a República dos bananas.
Fonte: O Globo
Malu Gaspar: A batalha de Formosa
Malu Gaspar / O Globo
O primeiro tiro foi dado num tuíte. O presidente Jair Bolsonaro acordou no sábado e, antes mesmo das 9 da manhã, já teclou: “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura institucional, a qual não provocamos ou desejamos. De há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”.
Pronto. Daí em diante, as maiores autoridades da República foram instadas a se manifestar para garantir que a democracia brasileira e suas instituições estão funcionando.
Poucas horas depois, viralizou o áudio de WhatsApp em que o sertanejo Sérgio Reis dizia ter almoçado com o presidente da República e mais “os grandes do Brasil” e combinado de encher os acessos a Brasília de caminhões em 7 de setembro.
O objetivo seria levar um recado a Pacheco: se em 72 horas ele não aprovasse o voto impresso e retirasse dos cargos todos os ministros do Supremo, caminhoneiros e plantadores de soja parariam o país.
Quase ao mesmo tempo, pipocou a notícia de que o presidente estava espalhando mensagens sobre um ato “gigante” também no dia 7 de setembro, para demonstrar que a população brasileira “autoriza” as Forças Armadas a tomar as “decisões cabíveis” para preservar o “Estado Democrático de Direito”.
E tudo isso por quê? Porque o STF mandara prender na sexta-feira o ex-deputado Roberto Jefferson, ex-tropa de choque de Fernando Collor, denunciado no escândalo dos Anões do Orçamento e denunciante do mensalão, autor da lei do desarmamento e bolsonarista tardio, por ameaça às instituições e incitação à violência.
Quando a semana começou, a bolha minion estava a toda, prevendo a tomada do poder a qualquer momento pelas Forças Armadas.
Pelo aviso dado no mundo virtual, era de supor que o Bolsonaro real começasse a semana atravessando a rua que o separa do Senado com o pedido de impeachment dos ministros do Supremo em punho. Mas não.
O presidente da República preferiu se mandar para Formosa, a 80 quilômetros da capital federal, para acompanhar um exercício militar. Levou cinco ministros, incluindo Marcelo Queiroga, da Saúde. A certa altura, Bolsonaro e o titular da Casa Civil, Ciro Nogueira, foram convidados a dar tiros de canhão.
Num ponto alto das manobras, transmitidas ao vivo pela TV Brasil, soldados camuflados explodiram uma casinha de cachorro ao som da trilha sonora do filme “Missão impossível”.
Enquanto Bolsonaro brincava de guerra, na arena real da política os operadores do Congresso trabalhavam para desarmar bem mais que a bomba do golpe.
Só no Senado, era preciso municiar a tropa de choque na CPI da Covid para o depoimento do auditor que acusava o presidente de falsificar um documento do Tribunal de Contas da União, administrar a insatisfação dos parlamentares que tentavam em vão liberar sua cota de emendas do “orçamento secreto” e, ainda, implodir a barreira erguida por Davi Alcolumbre.
O ex-presidente do Senado, insatisfeito com o quinhão que lhe coube na divisão de poder da Esplanada dos Ministérios, se recusa a convocar a Comissão de Constituição e Justiça e marcar a sabatina de André Mendonça para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal.
Alcolumbre espalha por aí que não o faz por causa das ameaças golpistas do presidente, mas essa justificativa é tão real quanto as ameaças combatidas nas manobras de Formosa. Como a CCJ não se reúne, outros assuntos importantes para o governo, como a privatização dos Correios e a reforma tributária, não avançam.
Como se fosse pouco, ainda é preciso descontaminar a emenda constitucional dos precatórios, que oficializa o parcelamento ou o adiamento do pagamento de dívidas judiciais do governo.
Criar folga no Orçamento é fundamental para pagar o Bolsa Família turbinado, mas até agora não se vislumbrou uma forma de fazer isso sem despertar o medo de calote nos investidores. Para completar, é preciso decidir o valor final a destinar ao fundo eleitoral e o modelo de escolha dos deputados em 2022.
Assim chegamos à quinta-feira. Embora os chefes do Legislativo e do Judiciário continuem às voltas com reuniões apressadas e declarações apaziguadoras sobre a força da nossa democracia, Bolsonaro não pediu o impeachment de nenhum ministro do Supremo.
Tampouco tomou alguma providência real para resolver os problemas que de fato afligem os brasileiros. Mas está feliz, porque ganhou a batalha de Formosa. Deu tiros de canhão, foi bajulado por uns fardados e alimentou seus seguidores com bravatas em redes sociais.
Quanto ao Brasil, ainda se espera que tenha um destino melhor que a casinha de cachorro.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/bolsonaro-venceu-batalha-de-formosa.html
Militares não farão desfile em 7 de setembro
Malu Gaspar / O Globo
Se o presidente Jair Bolsonaro estiver pretendendo utilizar as Forças Armadas de novo para demonstrar força na ofensiva que seus seguidores estão prevendo para o 7 de setembro, vai ter que mudar o rumo do planejamento feito pelo ministério da Defesa para a data. Até agora, não está prevista nenhuma parada militar em Brasília ou sobre a Esplanada dos Ministérios no aniversário da Independência do Brasil.
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Segundo uma nota enviada pela Defesa aos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no último dia 2, não haverá desfile no dia da Independência em razão da pandemia. Assim como no ano passado, a única cerimônia oficial prevista para o 7 de setembro é um evento de hasteamento de bandeira no Palácio do Alvorada.
Nos primeiros meses do ano, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência chegou a cogitar a realização de um grande evento, com previsão de público de 20 mil pessoas. Mas a iniciativa não foi adiante.
Até o momento, as reuniões sobre o assunto entre os comandos das Forças só definiram que serão realizadas algumas atividades específicas, ainda não definidas. No ano passado, houve uma demonstração da Esquadrilha da Fumaça.
Na semana passada, blindados da Marinha desfilaram sobre a Esplanada dos Ministérios no dia em que se daria a decisão do plenário do Congresso Nacional sobre o projeto que previa a adoção do voto impresso para 2022. O projeto foi derrotado, mas o presidente da República ainda não desistiu de defendê-lo.
Entrevista: 'Lula vai ter de dar a cara a tapa e dizer qual é a sua política de Defesa', diz Octavio Amorim Neto
Ao longo do final de semana, grupos bolsonaristas espalharam um áudio do cantor Sérgio Reis dizendo ter estado com Jair Bolsonaro em um almoço e combinado fazer uma manifestação de caminhoneiros que ficariam estacionados nos acessos a Brasília no dia 7, sem entrar na cidade "para não atrapalhar o 7 de setembro do presidente".
Reis disse no áudio que no dia seguinte, 8 de setembro, ele iria ao Senado para uma audiência com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. "Vou eu e dois líderes dos caminhoneiros, e dois líderes do sindicato da soja. Vamos em cinco para entregar para o presidente do Senado uma intimação, não é um pedido, é uma intimação".
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O documento, segundo o áudio de Reis, daria 72 horas ao presidente do Senado para aprovar o voto impresso e retirar dos cargos todos os ministros do Supremo. Do contrário, caminhoneiros e plantadores de soja iriam parar o país.
Depois da divulgação do áudio, líderes de caminhoneiros negaram ter qualquer articulação para marchar a Brasília. Os grupos bolsonaristas, porém, estão convocando manifestações contra o Supremo para o 7 de setembro.
Até agora, pelo menos, não há sinal de que blindados e outros equipamentos militares estejam sendo destacados para tomar parte nesse evento.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/militares-nao-farao-desfile-em-7-de-setembro.html
Malu Gaspar: O delicado xadrez de Lula com os militares para 2022
Malu Gaspar / O Globo
Depois de semanas de calculada discrição a respeito da escalada dos militares sobre as instituições democráticas, Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou na última terça-feira nas redes sociais sobre o desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios. “Isso que aconteceu hoje foi uma coisa patética. Se o Bolsonaro queria uma foto com militar era só ter visitado um quartel”, escreveu.
A frase, porém, era só parte de uma sequência de tuítes em que Lula dedicava mais tempo a se explicar que a debater o simbolismo de tanques e fardados na Praça dos Três Poderes, no dia da decisão da Câmara sobre o voto impresso. “Eu não fico entrando toda hora em briga desnecessária porque isso só interessa ao Bolsonaro. Ele cria confusão pra ocupar espaço na mídia. É o jeito dele governar. O que eu quero discutir são os milhões de desempregados nesse país, o povo que tá sofrendo, passando fome”, escreveu.
As postagens foram uma resposta às pressões que o petista vem sofrendo, na esquerda e fora dela, para se posicionar. Lula se calou quando veio à tona que o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, enviou recados ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugerindo que, se não fosse aprovado o voto impresso, não haveria eleições. E tem feito comentários econômicos sobre os militares e as Forças Armadas, nas poucas entrevistas que dá, a veículos selecionados. As pressões são mais do que naturais, uma vez que o ex-presidente é hoje o político que mais tem chances de derrotar Bolsonaro em 2022.
Acontece que Lula está diante de um xadrez delicado. Se, de um lado, precisa mostrar a suas bases combatividade contra Bolsonaro, de outro tenta há semanas abrir canais de interlocução com oficiais da reserva, por meio de emissários como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Mas essas incursões vêm sendo malsucedidas. Os militares não querem saber de Lula. Não são poucos os que dizem que hoje, nas Forças Armadas, a rejeição ao petista é muito mais forte que a aprovação a Bolsonaro. Dos bolsonaristas mais radicais, se ouve até que, se ele ganhar a eleição, não assume.
A lista de razões para o rechaço é extensa. Começa nos escândalos de corrupção do governo petista, passa pela condução da Comissão da Verdade do governo Dilma, que apurou os crimes da ditadura, e vai até o último Congresso do PT, que aprovou uma resolução lamentando ter deixado de “modificar os currículos das academias militares” e de “promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista”. Inclui, ainda, o apoio do PT às ditaduras da Venezuela e de Cuba, questões sérias para os militares brasileiros.
Daí a ideia, que circulou entre aliados de Lula, de ele divulgar uma “carta aos militares”. Na sequência de tuítes, ele negou. “Se tivesse carta seria para o povo brasileiro e dentro disso estão os militares. Se militar quiser fazer política ele renuncia o cargo, tira a farda e se candidata.”
Mas ele sabe que não é bem assim. Os fardados estão entranhados no governo, e as polícias militares são um forte nicho bolsonarista. Por mais canhestro que tenha sido o espetáculo do fumacê na Esplanada, Bolsonaro tem bem mais do que um cabo e um soldado apoiando seus arroubos golpistas.
Quem conhece as Forças Armadas acha que é possível quebrar a resistência. Só que o caminho é longo e exige empenho. Um dos maiores especialistas em Forças Armadas e Defesa do Brasil, o cientista político Octavio Amorim Neto, diz que o primeiro passo seria fazer um pronunciamento mais claro sobre as ditaduras de Cuba e da Venezuela.
Na semana passada, Lula postou um vídeo de uma entrevista que deu a uma TV mexicana condenando o regime ditatorial do nicaraguense Daniel Ortega, no que foi compreendido como um aceno. Boa tentativa, mas inútil. Lula certamente escolheu a Nicarágua para não ter de se haver com a militância petista, mas o país tampouco está entre as preocupações dos militares.
Outra iniciativa que traria o que Lula busca seria explicar de forma clara, transparente e, de preferência, pública qual será sua estratégia caso ganhe a eleição. “Um documento um pouco mais técnico sobre a Defesa Nacional, que deixe implícitas quais serão as maneiras pelas quais os militares sairão do governo numa eventual transição”, diz Amorim.
Isso porque, em sua opinião, a opção por Bolsonaro cresceu nos quartéis no vácuo da negligência dos governos anteriores em debater e delimitar o papel dos militares na vida nacional — mas nem todos estão satisfeitos em ser feitos de capacho pelo presidente da República. Se quiser retomar um diálogo em termos razoáveis com os militares, o petista precisaria dizer ao Brasil que papel eles terão num eventual governo seu.
Nas palavras de Amorim, “dar a cara a tapa e dizer qual é a política de Defesa Nacional a partir de 2023; quais as propostas do PT, dada a importância enorme que as Forças Armadas adquiriram nos últimos anos”.
O desafio é complexo e talvez não renda bons dividendos políticos logo de cara. Bem mais fácil pode vir a ser continuar jogando parado, escolhendo a dedo o momento de fazer um tuíte ou uma declaração, e esperar para ver se Bolsonaro se desidrata sozinho. Mas essa estratégia tem seus riscos, tanto para o Brasil como para o próprio Lula. Cabe a ele escolher qual caminho quer seguir. Seja qual for, dirá muito sobre o que esperar de Lula daqui para a frente, na campanha e num eventual governo.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/o-xadrez-de-lula-com-os-militares-para-2022.html
Leão sem dentes contra o fundo eleitoral
Malu Gaspar / O Globo
Já virou padrão: toda vez que é pego em contradição com o que ele mesmo defendia em 2018, Jair Bolsonaro diz que não teve escolha. Do contrário, “viriam para cima” dele. Foi o argumento que o presidente da República tirou da cartola ao explicar a seus seguidores, no cercadinho do Alvorada, o recuo sobre o fundo eleitoral de 2022, aprovado pelo Congresso há duas semanas — que pode chegar a R$ 5,7 bilhões.
Depois de reagir indignado ao valor, que classificou como “enorme”, uma “casca de banana”, uma “jabuticaba”, Bolsonaro surgiu nesta segunda-feira no cercadinho bem mais manso e circunspecto. “Vou deixar claro (sic) uma coisa: vai ser vetado o excesso do que a lei garante, tá? É de quase 4 bilhões o fundo. O extra de 2 bilhões vai ser vetado. Se eu vetar o que está na lei, eu tô incurso na lei de responsabilidade.”
Todo mundo sabe que o presidente é pródigo em espalhar desinformação, mas essa aí constaria fácil numa coletânea de melhores momentos. Primeiro porque, hoje, não há nenhuma lei dizendo que o fundo eleitoral para 2022 tem de ser de R$ 4 bilhões.
Nos últimos dias, consultei especialistas em legislação eleitoral e deputados de vários partidos. Não encontrei ninguém que soubesse apontar de que lei o presidente Bolsonaro está falando. Portanto, se não há lei, evidentemente não há excesso de R$ 2 bilhões.
Segundo os limites estabelecidos pelas fórmulas em vigor hoje, o valor obrigatório para o fundo eleitoral é de R$ 800 milhões (reembolso estatal às redes de TV pelo horário eleitoral), mais uma porcentagem do total destinado às emendas de bancada, decidida a cada ano eleitoral.
No último dia 15, os parlamentares decidiram que a fatia das emendas a ser destinada ao fundo eleitoral de 2022 deverá corresponder a 25% do orçamento de dois anos da Justiça Eleitoral. Somando o reembolso das TVs com essa cota, mais correção pela inflação, chega-se a R$ 5,7 bilhões para 2022. Em 2020, o total foi de R$ 2 bilhões.
Sejam esses critérios casca de banana, jabuticaba ou pequi roído, eles foram aprovados com a participação e o aval de todos os líderes do governo no Congresso.
Apesar do que disse no Alvorada, o que Bolsonaro tenta agora, nos bastidores, é encontrar uma maneira de vetar essa forma de cálculo, mantendo sua narrativa, e de, ainda assim, contentar os parlamentares com um fundo eleitoral de R$ 4 bilhões. É disso que se trata.
Se quisesse, o presidente poderia fazer isso de modo transparente, liderando um debate adulto com a sociedade brasileira sobre de onde deve vir o dinheiro que financia as campanhas, quanto os cidadãos estão dispostos a pagar em forma de impostos e quanto aceitam que venha de outras fontes, como empresas e pessoas físicas.
Num momento de tantos ataques à democracia, em que o próprio presidente da República dissemina desconfianças sobre a lisura do processo eleitoral, uma discussão aberta, civilizada e consequente sobre financiamento de campanha seria muito bem-vinda.
Mas é claro que Bolsonaro não está interessado em nada disso. Seu único objetivo é continuar fingindo que o país é um grande cercadinho onde ele pode disseminar suas confusões nada aleatórias, enquanto tenta garantir sua sobrevivência política.
É só por isso que, às claras, ele insiste em dizer que as urnas eletrônicas não são confiáveis, mesmo sem apresentar prova alguma — mas, por debaixo dos panos, avaliza acordos que multiplicam o orçamento dessas mesmas eleições, elevando o fundo eleitoral a valores recordes.
A verdade que nem mesmo o cercadinho é capaz de esconder é que, depois de passar os primeiros meses de mandato enchendo a boca para dizer “sou eu que mando, o presidente sou eu”, Bolsonaro gasta cada vez mais tempo justificando decisões impopulares com o “se eu não fizer, vão vir para cima de mim”.
Tudo o que ele tem para brandir a seus seguidores é o mito do herói ameaçado pelos inimigos. Na segunda-feira, ele encerrou a explicação sobre o fundo eleitoral com o apelo: “Espero não apanhar do pessoal aí, como sempre, né? Porque, se começar a bater muito, vai ter de escolher no segundo turno Lula ou Ciro”.
Por enquanto, esse tipo de ameaça ainda funciona para uma parcela dos eleitores. Mas nenhum fingimento dura para sempre. Quanto mais o tempo passa, mais fica claro que o mandatário que hoje se expõe ao cercadinho é um leão sem dentes, domesticado pelos profissionais — da política, do lobby, dos negócios.
Nesse contexto, o “excesso” do fundo eleitoral é só um detalhe.
Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, Pazuello vira ‘herói’ do governo na CPI da Covid
Se não convenceu boa parte do público, pode-se dizer que o depoimento de Eduardo Pazuello funcionou em pelo menos um universo: os grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram. Entre esses seguidores, a decisão de não usar o habeas corpus fornecido pelo STF para ficar calado e até confrontar os senadores em alguns momentos fez sucesso.
Ao longo de todo o depoimento, as listas pró-Bolsonaro no WhatsApp foram inundadas com mensagens que indicavam a narrativa a ser reproduzida nas redes. “A primeira farsa dos opositores caiu hoje. Apostaram no silêncio, mas o ministro veio preparado e falou muito”, disse um dos textos disseminados nas redes. “O ex-ministro Pazuello está destruindo todas as narrativas fabricadas contra o governo federal naquele circo que está acontecendo no Senado”, diz outra mensagem.
Para o zap bolsonarista, Pazuello – que várias vezes se referiu às declarações e ordens de Bolsonaro durante a pandemia como “coisa de Internet” – “detonou” senadores acusados de corrupção e “provou” que o governo não tem responsabilidade pela tragédia pandêmica.
Solidários ao ex-ministro várias vezes chamado de “herói”, muitas postagens diziam ter sido um ultraje até mesmo a convocação do general, que esteve à frente do Ministério da Saúde no período em que morreram mais da metade das 445 mil vítimas da Covid-19 no Brasil.
“Humilhante para o general Pazuello, um homem sério, ser sabatinado por esses crápulas!”, desabafou um bolsonarista em um grupo do Telegram. “Quero deixar minha indignação aqui com essa CPI. Estão a todo o momento denegrindo (sic) a imagem do ministro Pazuello e do nosso presidente”, escreveu uma apoiadora.
O fato de Pazuello blindar completamente o presidente da República de qualquer responsabilidade pelo fracasso na pandemia também pesou a favor do ex-ministro nas redes. Para os seguidores, o general foi um “guerreiro” que defendeu Bolsonaro de conspiradores.
Dentre eles, o mais atacado foi o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), mas também sobrou para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e outros parlamentares.
“General Pazuello, um oficial general extremamente bem preparado, conseguiu com sua exposição dos fatos, relacionados à sua atuação como Ministro da Saúde, provocar um golpe certeiro nas armações e manipulações de Renan Calheiros ao longo da CPI”, disse uma mensagem assinada por um suposto comandante militar.
No Telegram, cada vez mais frequentado por bolsonaristas, uma lista de apoiadores de Eduardo Pazuello foi criada na tarde de quinta-feira, enquanto ele falava à CPI.
Setenta pessoas já aderiram e passaram a receber artes e cards com as inscrições #Somos Todos Pazuello e ilustrações já com visual de campanha eleitoral. Até o agravamento da pandemia sacá-lo do cargo, Pazuello cogitava concorrer ao governo de Roraima ou do Amazonas. O grupo também criou um perfil no Instagram para homenageá-lo.
Fonte:
O Globo
Malu Gaspar: Para escapar da CPI, Pazuello inventa a ‘coisa de internet’
Depois de muito tentar se esquivar da CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello conseguiu no Supremo Tribunal Federal um habeas corpus para ficar em silêncio e evitar se incriminar. Mas a ordem do ministro Ricardo Lewandowski foi expressa: Pazuello podia, sim, ficar quieto sobre as coisas em que se envolveu, mas não podia mentir quanto aos atos de outras pessoas.
Criou-se então um dilema para o general. Ficando em silêncio, ele estaria dando à CPI o roteiro de seus crimes. E, não podendo mentir para proteger terceiros, seria obrigado a apontar as responsabilidades de Jair Bolsonaro no fracasso do combate à pandemia. Pazuello tinha ainda a opção de ficar quieto o tempo todo. Não teria sido o primeiro a fazê-lo numa CPI. Mas investiu-se de brios de militar e decidiu que não passaria para a história como um covarde. E, assim, produziu uma inovação simbólica dos tempos que vivemos: a “coisa de internet”.
Cada vez que alguém o questionava a respeito de uma ordem de Bolsonaro contra a vacina ou pela adoção da cloroquina como instrumento de política pública, lá vinha Pazuello dizendo que aquilo era “coisa de internet”, “postura de internet” ou algo do gênero.
Foi como ele explicou a resposta de Bolsonaro a um seguidor no Facebook. Pazuello acabara de anunciar a compra de 46 milhões de doses de CoronaVac numa reunião com governadores, mas o bolsonarista apelou na rede social para que o presidente não comprasse a vacina chinesa. “O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”, escreveu Bolsonaro. “Qualquer coisa publicada, sem qualquer comprovação, vira TRAIÇÃO”, arrematou.
Para Pazuello, não foi nada demais: “Aquilo foi apenas uma posição do agente político na internet”. O próprio general teria cometido apenas uma coisa de internet ao declarar o inesquecível “um manda, o outro obedece”, no vídeo em que aparece prestando vassalagem ao capitão, logo depois de ter sido desautorizado via Facebook.
Segundo o que se depreende do discurso do ex-ministro-general, o que o presidente diz nas redes sociais ou em suas lives não tem caráter de ordem e não precisa nem ser verdade. São balelas que nem ele mesmo, Pazuello, levava a sério.
Teria sido melhor para o Brasil que fosse mesmo assim. Bolsonaro faria sua bravata virtual, os minions se agitariam e aplaudiriam, e no dia seguinte tudo voltaria ao normal.
Acontece que não é.
Se o que presidente da República fala nas redes ou aos microfones fosse apenas “coisa de internet”, o Butantan não teria feito três ofertas de vacinas ao Ministério da Saúde e ficado sem resposta. Pazuello não teria levado cinco meses para finalmente assinar o contrato com o Butantan e nem ignorado as ofertas da Pfizer por sete meses. O Exército brasileiro não teria iniciado a produção de 3 milhões de doses de cloroquina, mesmo sem demanda nem comprovação de eficácia em pacientes de Covid.
Se, no governo Bolsonaro, “coisa de internet” não fosse para valer, Paulo Guedes não teria sido obrigado a demitir um secretário da Receita que defendeu a volta da CPMF, o imposto do cheque. Tampouco teria recuado da tentativa de trocar o nome do Bolsa Família para Renda Brasil. E os fiscais do Ibama que, numa ação legal, inutilizaram o maquinário de comerciantes de madeira clandestina extraída da Amazônia, em 2019, não teriam enfrentado um procedimento administrativo por parte da chefia.
São apenas alguns exemplos entre muitos. Diga Pazuello o que quiser, nada mudará o fato de que Jair Messias Bolsonaro foi eleito fazendo “coisa de internet” e governa à base de “coisa de internet”. O compromisso do presidente com as “coisas de internet” é tão sério que suas lives de quinta-feira nunca falham, esteja ele onde estiver. É na internet que ele dá ordens, grita, desautoriza e constrange. É pela internet que ele convoca manifestações contra as mais diversas ameaças a seu sempre perseguido governo patriótico. E claro, é também via internet que se constata quais de suas “coisas de internet” são mesmo só bravatas que não devemos levar a sério.
Infelizmente para os brasileiros, as atitudes de Bolsonaro na condução da pandemia não estão entre as “coisas de internet” que devemos ignorar. Pazuello, pelo menos, não o fez. Preferiu dar uma desculpa esfarrapada a deixar transparecer, mesmo que de forma oblíqua, em que momentos o capitão mandou, e ele obedeceu, e em que outras ocasiões — se é que houve — ele foi apenas mais uma vítima do negacionismo presidencial. Com isso, o general afrontou a inteligência do distinto público, mas não decepcionou seu capitão. Provou na prática que, até hoje, o presidente manda e ele obedece. E isso, definitivamente, não é coisa de internet.
Fonte:
O Globo
Malu Gaspar: Disputa sobre dinheiro para combate à Covid pode prejudicar governo na CPI
O desfecho de um embate entre o Ministério da Economia e o Tribunal de Contas da União sobre as verbas repassadas pelo governo federal a estados e municípios para o combate da pandemia de Covid-19 em 2020 pode afetar o rumo da CPI da Covid no Senado. E por ironia, se a equipe econômica vencer a disputa, o governo de Jair Bolsonaro perde seu principal argumento de defesa na comissão.
A discussão se dá em torno dos R$ 79 bilhões extras que o governo repassou a estados e municípios como ajuda de emergência para o combate à Covid. O TCU entende que o dinheiro é federal e, por isso, tem de ser acompanhado pelos órgãos de controle de Brasília. Já a Secretaria do Tesouro do Ministério da Economia considera que, uma vez feito o repasse, a verba passa a ser dos estados, e portanto não cabe fiscalização, nem responsabilidade da União.
Na CPI, os governistas defendem justamente o contrário da equipe de Paulo Guedes: que a comissão tem que investigar também o uso do dinheiro repassado, uma vez que, por ter origem na União, há responsabilidade federal.
O argumento foi a forma que os partidários de Bolsonaro encontraram de incluir governadores e prefeitos na lista de investigados, já que o regimento do Senado diz que CPIs abertas na Casa não podem investigar estados.
A pendenga em torno de quem deve fiscalizar o dinheiro da pandemia começou em junho, quando a área técnica do tribunal de contas abriu uma representação para discutir a natureza jurídica dos repasses federais. Isso porque na corte se considerava que as leis que criaram as transferências não são claras sobre o assunto.
Àquela altura, o governo já havia transferido R$ 25 bilhões a governadores e prefeitos. Em dezembro, o plenário do TCU decidiu que a verba é federal. Mas a pedido do Ministério da Economia, a Advocacia-Geral da União recorreu, e o ministro relator, Benjamin Zymler, suspendeu seus efeitos para reavaliar o caso.
A decisão, portanto, está paralisada, sem data prevista para novo julgamento. E como ela está suspensa, neste momento vale a posição do Ministério da Economia, que diz que a responsabilidade pelo dinheiro é dos estados, não da União.
O imbróglio já provoca disputas nos estados, onde há dezenas investigações sobre desvios dos recursos. Num deles, Pernambuco, a prefeitura de Recife tenta derrubar a apuração do Ministério Público Federal argumentando justamente que fiscalizar o uso do dinheiro não é mais atribuição federal, e sim estadual.
A solução para o impasse depende do TCU, que vai precisar julgar em breve a quem pertence o dinheiro. Se não para orientar a CPI, pelo menos para resolver uma questão bastante prática.
Com a mudança de atribuição de federal para estadual, os R$ 79 bilhões deixaram de contar para o cálculo das receitas da União, que funcionam como parâmetro para os limites de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, as receitas do governo caíram 10% em dezembro passado, o que fez com que vários órgãos federais tivessem seus limites de gastos com pessoal estourados de uma hora para outra.
A questão terá que ser decidida, já que a partir de maio esses órgãos federais têm que mandar para o Tesouro relatórios de gestão. E se ficar comprovado que eles estão gastando mais do que o permitido, terão de cortar despesas, congelar promoções e concursos, por exemplo.
A pressão desses setores para que o Ministério da Economia assuma a responsabilidade sobre os recursos tende a aumentar. Do outro lado estarão os governos estaduais, que não gostariam de enfrentar a fiscalização do Ministério Público Federal e da própria CPI da Covid. Quem perde, em um caso ou em outro, é o governo Bolsonaro.
Se a tese da equipe econômica for vencedora, Bolsonaro terá mais problemas na CPI, já a convocação de governadores vai perder força. E se o TCU sair ganhando, quem perde é a equipe de Paulo Guedes.
Fonte:
O Globo