Maílson da Nóbrega
Maílson da Nóbrega: Como Bolsonaro prejudica o Banco do Brasil
É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do BB. Isso tem consequências
Dias atrás noticiou-se que o presidente Jair Bolsonaro iria demitir o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, no cargo havia apenas quatro meses. Motivo: sua irritação com o anúncio, pelo BB, de um programa de demissão voluntária, que estimava a adesão de 5 mil funcionários, e o fechamento de 112 agências. As ações do banco despencaram na B3.
Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB. Em 2019 mandou o banco suspender a veiculação de um comercial de TV que buscava atrair grupos jovens, até mesmo com apelo a questões de raça e gênero. O vídeo recebeu elogios de especialistas, mas irritou um presidente sensível a pautas de costumes e ignorante da realidade do banco.
Nesses dois casos, o BB seguia estratégia para se manter competitivo no sistema bancário. Essa realidade foi iniciada a partir de 1986, quando o banco perdeu o acesso à “conta de movimento”, um mecanismo que lhe conferia suprimento automático, ilimitado e sem custos de recursos do Banco Central (BC).
Com o tempo, a “conta de movimento” tornou-se insustentável. Ela provocava emissões de moeda, que precisavam ser neutralizadas pelo BC, mediante venda de títulos públicos federais. Os empréstimos do BB impactavam o endividamento da União e eram fonte de pressões inflacionárias. A “conta de movimento” foi extinta em 1986.
Essa mudança criou um desafio para o BB, o de sobreviver sem o acesso fácil e grátis a recursos do BC. O risco de falência foi evitado mediante injeção de capital da União, nos anos 1990. De lá para cá, o banco modernizou-se, adotou novas práticas gerenciais e ajustou sua estrutura à nova realidade.
Hoje, o novo desafio é adaptar-se a um ambiente crescentemente competitivo. O BB tem de se preparar, via eficiência, para concorrer com seus pares no setor privado. Seus concorrentes têm reduzido quadros de pessoal e fechado agências. As medidas do BB eram coerentes com essa realidade.
Nada disso foi inteiramente absorvido por grande parte da classe política, que ainda enxerga o BB pelas lentes dos tempos da “conta de movimento”. De tempos em tempos surgem pressões para que o banco amplie seus empréstimos a juros abaixo do mercado ou para que seja utilizado para forçar os bancos privados a reduzir suas taxas de juros, como se continuasse a obter recursos no BC, sem custos. Dilma Rousseff deu ordens ao banco para emprestar mais a juros camaradas, impactando sua rentabilidade. Bolsonaro parece ter a mesma visão ultrapassada. Pior, vem mostrando não entender os poderes do acionista controlador. É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do banco.
A demissão do presidente do BB, ao que se diz, foi suspensa por conselho dos que alertaram Bolsonaro sobre os riscos da imprudência. Acionistas minoritários nacionais e estrangeiros poderiam buscar a responsabilização administrativa ou judicial do presidente, alegando o crime de abuso do controlador.
O BB tem naturalmente dificuldades de competir com os bancos privados, dados os custos que lhe são inerentes. Entre eles, pode-se mencionar a sede em Brasília, que desconsidera as características de sistemas financeiros em todo o mundo, qual seja, a concentração em certas cidades, o que propicia economias de aglomeração. Os bancos se agregam em Nova York, São Francisco, Londres, Frankfurt, Zurique, Amsterdã, Paris, Roma e outras praças relevantes. No Brasil, isso ocorre em São Paulo.
Além disso, o Banco do Brasil está sujeito a outros ônus, como o de submeter-se às regras de concorrência pública para adquirir equipamentos e serviços, bem como à volatilidade administrativa derivada da substituição de sua diretoria ao sabor das mudanças de governo, ou mesmo antes, como já aconteceu na atual administração.
O mercado financeiro identifica e precifica os riscos da interferência do governo no BB. As ações do banco sofrem um desconto em relação aos seus principais pares do sistema bancário. O desconto médio tem oscilado em torno de 30%, mas costuma subir em momentos de intervenção governamental. Passou de 50% em 2015-2016, quando a presidente Dilma Rousseff deu ordens para o banco aumentar empréstimos e reduzir juros. Agora chegou perto disso, com o voluntarismo inconsequente de Bolsonaro. No começo do governo Lula, o BB chegou a exibir um prêmio sobre as ações de seus concorrentes privados, quando a percepção era de que não havia ingerência externa na sua gestão.
A demissão do presidente do BB foi evitada, mas a possibilidade de sua ocorrência neste governo pode ter deixado consequências. O presidente do BB, detentor de uma carreira bem-sucedida em importantes bancos privados, deve ter-se dado conta de que não dispõe da autonomia que lhe fora assegurada quando do convite para dirigi-lo. Doravante terá de pensar duas ou mais vezes quando tiver de tomar decisões, avaliando quais delas poderiam excitar os instintos intervencionistas e autoritários do presidente. É um novo custo. O mal está feito.
SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA
Maílson da Nóbrega: Recuperação da economia e obras paradas
Iniciativa privada deve ter papel mais relevante na crucial expansão da infraestrutura
A pandemia de covid-19 evidenciou e agravou deficiências manifestas, quais sejam, a desigualdade social, a pobreza, a fragilidade da atividade econômica, o alto desemprego e o elevado endividamento público. Além desses desafios, é preciso também refletir sobre as bases de uma recuperação duradoura da economia brasileira.
Tudo isso dependerá de reformas estruturais para aumentar a produtividade e o potencial de crescimento econômico, até mesmo mediante destravamento dos obstáculos impostos pelo setor público à atividade das empresas, de que são exemplos as obras paradas. A expansão da infraestrutura será crucial. Esse conjunto permitiria a restauração de confiança dos empresários, tornando viáveis os investimentos. Agora, diferentemente de outras crises, a iniciativa privada deverá ter o papel mais relevante.
No campo da produtividade, sobressai a proposta em exame de modernizar a caótica tributação do consumo – Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 45, da Câmara, e 110, do Senado –, pois aí está a maior fonte de ineficiências. Haveria a substituição de cinco tributos por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cobrado no valor agregado (IVA) e arrecadado no destino, permitindo a desoneração integral nas exportações e nos investimentos. Além disso, para a participação do setor privado será fundamental avançar nas concessões de serviços públicos. O marco do saneamento e, brevemente, a nova lei de gás natural poderão atrair vultosas inversões.
Felizmente, dispomos de certo tempo. A queda do produto interno bruto (PIB) em 2020, entre 5% e 6%, a maior da nossa História, legará grande ociosidade na economia, assegurando a recuperação cíclica em 2021, da ordem de 3,5% ou mais. A produção de petróleo, que poderá expandir-se em mais de 7% no próximo ano, contribuirá para a reativação da atividade econômica em Estados como o do Rio de Janeiro.
O Brasil já venceu desafios semelhantes. Para tanto ajudarão conquistas como a da solidez das instituições e da democracia. Cite-se o êxito recente do mercado de capitais, que se tornou fonte de crédito para investimento em infraestrutura. Casos de sucesso no setor privado são muitos, como os da Embraer, das empresas que dominam avançada tecnologia de construção civil, particularmente na infraestrutura, e da crescente multinacionalização de firmas bem administradas.
Nesse contexto, é preciso não perder oportunidades. Levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto de 2019 indica 14 mil obras paralisadas, somando R$ 144 bilhões. Numa análise superficial, uma obra de R$ 1 bilhão com prazo de execução de 36 meses pode empregar cerca de 1.500 colaboradores e criar 216 mil outros empregos diretos em três anos. Boa parte desses empreendimentos dispõe de fonte definida de financiamento, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de outras instituições financeiras.
Vale destacar, no relatório do TCU, a informação de que cerca de 10% dos óbices à continuidade dessas obras não derivam da falta de recursos, mas de objeções de tribunais de contas dos Estados e do próprio TCU, ou de problemas jurídicos. Não fosse pela conhecida lentidão decisória de órgãos públicos, que costumam procrastinar a adoção de saídas jurídicas razoáveis, cerca de 21.600 empregos diretos poderiam ser criados.
Um case de oportunidade perdida é o do Metrô do Rio de Janeiro. Em seis anos foram construídos 15 km de linha metroviária e cinco estações, mas uma delas está pendente de conclusão por causa de processos em andamento no Tribunal de Contas estadual. A continuidade da obra geraria cerca de 1.600 empregos diretos, atenderia 22 mil passageiros por dia e proporcionaria arrecadação de quase R$ 100 milhões em impostos, com impacto positivo na economia do Estado.
Não bastassem casos de falta de competência técnica para opinar sobre assuntos complexos, os processos se eternizam pelo receio de dirigentes de órgãos públicos de serem responsabilizados por suas decisões. Assim, julgamentos de ações que destravariam obras importantes são realizados sem considerar relatórios de auditoria independente, firmados por profissionais internacionalmente reconhecidos, que evidenciam equívocos de decisões tomadas sob esse ambiente.
Neste grave momento, não se pode perder tempo ou errar, nem usar a crise para oportunismo ou para ferir a autonomia das instituições de controle. Cumpre buscar soluções criativas e amparadas na lei, com vista a retomar obras paradas que não impliquem aumento de gastos públicos e contribuam para recuperar a economia.
Mesmo que se materialize o pior cenário macroeconômico e político, as conquistas institucionais e a relativas aos fundamentos da economia têm tudo para ser preservadas. A plataforma de lançamento econômico, digamos assim, permaneceria firme. Investimentos públicos que não exigem aporte de recursos orçamentários deveriam ser retomados.
SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA