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Vera Magalhães: Paranoia de Estado

Instrumentos públicos não podem ficar à mercê de delírios do governante

Derrubado Luiz Mandetta, o inimigo interno que Jair Bolsonaro resolveu combater em meio à maior emergência de saúde do planeta, os esforços do presidente da República se voltam agora para uma tríade de adversários: Rodrigo Maia, João Doria e o STF, com menor intensidade (até porque, desde que assumiu, ele mostra certo temor de atacar o Judiciário com a sem-cerimônia com que atinge outros Poderes e instituições).

A razão é a velha paranoia presidencial. Acossado por fantasmas persecutórios desde muito antes de ser presidente, Bolsonaro vê um complô para derrubá-lo. O foco do momento é o presidente da Câmara, até pela importância do cargo para um eventual processo de impeachment.

Para atiçar ainda mais o medo do capitão, a sexta-feira foi o aniversário de quatro anos da queda de Dilma Rousseff. À parte pedaladas e economia em frangalhos, a condição definitiva para o impeachment avançar foi a decisão de Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, de levá-lo a cabo depois de a presidente o desafiar.

Bolsonaro estava lá. Ele sabe que, quando a Câmara vira, o presidente está em apuros. Um fato foi fator decisivo para o presidente pirar. A Câmara deu 30 dias para que ele apresente seu resultado do teste para covid-19. Desde que voltou dos Estados Unidos, após o Carnaval, o presidente se esquiva dessa exigência básica de transparência. Já alegou que fez teste com nome falso e que os exames são sigilosos por questão de Estado. A Câmara resolveu pagar para ver.

Ter mentido numa questão tão séria quanto a própria saúde em meio a uma pandemia, ainda mais quando apregoa por aí que se trata de uma “gripezinha”, que as pessoas devem “enfrentar o vírus” e sai pela rua cumprimentando pessoas após assoar o nariz seria, sim, crime de responsabilidade.

O Legislativo de 2020 está a léguas de distância do de 2016 quanto à disposição para um impeachment. Embora tenha grande ascendência sobre várias bancadas, Maia não é Cunha em termos de métodos de persuasão. Além disso, deputados e senadores avaliam que o momento de crise sanitária, humanitária, social, econômica e política agudas não combina com um processo de impeachment.

Mas Bolsonaro segue atormentado por seus fantasmas. Isso não seria um problema sério se os meios para demonstrar sua paranoia fossem os de sempre: guerrilha nas redes sociais e entrevistas descompensadas. Porém, há indícios de que aparelhos de Estado estão sendo usados para alimentar a paranoia, o que aumenta em muito a gravidade da situação. Há indícios de que a Abin, a agência de inteligência do governo, está sendo usada para espionar Maia, Doria e sabe-se lá mais quem.

Diante da reação até tímida do Congresso, pela gravidade da acusação, o Planalto desmentiu a informação, mas a total falta de transparência com que este governo trata a coisa pública não permite acreditar na negativa. É preciso cobrar e investigar o uso do Estado para saciar a fome de teorias da conspiração do capitão.

A Hungria é um caso a ter na mira. Lá, Viktor Orbán, um dos ídolos da família Bolsonaro, aproveitou a pandemia para dar um golpe de Estado.

Nesta semana, em meio a uma fala sem pé nem cabeça quando consumava sua birrenta troca de ministro da Saúde, Bolsonaro lembrou que é sua prerrogativa decretar estado de sítio. Não é a primeira vez que essa expressão aparece, meio “sem querer”, desde que a crise começou.

É preciso que as instituições reforcem a vigilância, porque chefe de Estado paranoico e autoritário, um risco de “golpe” inventado e sustentado nas redes sociais, Estado à mercê da paranoia e sociedade amedrontada formam um combo bastante propício a tentativas de virada de mesa.


O Estado de S. Paulo: Bolsonaro acha que Maia ligou 'bomba relógio' e Congresso prepara troco

Bolsonaro iniciou uma rodada de conversas com dirigentes do Centrão; as negociações do Planalto com o Congresso, a partir de agora, serão feitas com deputados e senadores

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O mais duro ataque público do presidente Jair Bolsonaro a Rodrigo Maia (DEM-RJ), na noite de quinta-feira, 16, pode custar caro ao governo. O novo capítulo do duelo entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, após a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem como pano de fundo o programa de socorro a Estados e municípios, no valor de R$ 89,6 bilhões. A briga, no entanto, vai muito além dessa cifra.

Convencido de que Maia quer não apenas derrubá-lo como fazer uma manobra para ser reeleito ao comando da Câmara, em 2021, Bolsonaro iniciou, nas últimas semanas, uma rodada de conversas com dirigentes do Centrão. No novo modelo de articulação política planejado pelo presidente, as negociações do Planalto com o Congresso, a partir de agora, serão feitas com deputados e senadores.

Antes carimbados como “velha política”, líderes de legendas como PP, PR e PSD foram chamados para encontros reservados com Bolsonaro. Isolado, o presidente pediu ajuda a todos eles para a votação de projetos que possam amenizar a crise social e econômica provocada pela pandemia do coronavírus.

Na avaliação de Bolsonaro há uma “bomba-relógio” fiscal em curso, armada por Maia, com o objetivo de ferir de morte sua gestão. “Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que eu esteja equivocado”, disse o presidente, na noite desta quinta-feira, em entrevista à CNN Brasil. “Qual o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Ele quer atacar o governo federal, enfiar a faca. (...) Está conduzindo o País para o caos”, emendou.

Dois dias antes, Maia já havia reclamado dos “coices” dados pelo governo. Desta vez, porém, mudou o linguajar e falou em pedras. “Ele joga pedras e o Parlamento vai jogar flores”, afirmou o deputado.

Apesar do discurso, o troco pode vir a cavalo. O governo teme, por exemplo, que a Medida Provisória instituindo o contrato verde e amarelo perca a validade. A MP flexibiliza o pagamento de direitos trabalhistas e contribuições sociais para facilitar a contratação de jovens e funcionários com mais de 55 anos. Foi aprovada pela Câmara, mas, se não for votada até segunda-feira, 20, caduca. Ao que tudo indica, há mais uma derrota no horizonte para o Planalto.

Bolsonaro está especialmente irritado com Maia porque, em videoconferências com banqueiros e investidores, o deputado tem alfinetado sua administração. O presidente da Câmara chegou a dizer, num desses encontros virtuais que, se não fosse a crise do coronavírus, o Congresso já teria rompido com Bolsonaro.

A demissão de Mandetta azedou de vez um relacionamento que já era ruim. A exemplo de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), Mandetta é filiado ao DEM, partido que também integra o Centrão.

Na prática, Bolsonaro aproveitou o bate-boca desta quinta para desviar o foco negativo da dispensa de Mandetta, o ministro que era mais popular do que o chefe. Ao anunciar a saída, o presidente foi, novamente, alvo de panelaços em várias capitais do País.

O confronto entre Bolsonaro e Maia, no entanto, vem de longe. Tanto que o presidente da Câmara nem fala mais com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sob a alegação de que não quer se aborrecer. A queda de braço ganhou contornos mais nítidos após a disputa pelo controle do Orçamento e chegou ao ápice recentemente, com a aprovação do programa de socorro a Estados e municípios.

O valor de R$ 89,6 bilhões que passou pelo crivo da Câmara é outro revés para o governo, que tenta mudar a proposta na votação no Senado, oferecendo uma transferência direta com valor fixo de R$ 40 bilhões. Guedes argumenta que “não se pode dar um cheque em branco a governadores de Estados mais ricos”, pois não é possível saber quanto tempo vai durar a pandemia.

Bolsonaro também usa essa justificativa para não ampliar os repasses a Estados que adotam medidas de isolamento social para enfrentar o coronavírus.

A avaliação ali é a de que, ao compensar por seis meses a perda na arrecadação de dois impostos (ICMS e ISS), o governo federal acabará bancando o prolongamento da quarentena em Estados administrados por adversários, como João Doria (São Paulo) e Wilson Witzel (Rio). Os dois são pré-candidatos à cadeira de Bolsonaro, em 2022.

“O que o povo tem a ver com a briga do presidente com o governador João Doria?”, provocou Maia, que é próximo do tucano. “Vamos deixar as brigas para o futuro”.

Maia tem dito que não fará qualquer movimento para conquistar novo mandato à frente da Câmara. Antes da pandemia, porém, Alcolumbre já havia consultado até mesmo juristas sobre o assunto.

A Constituição proíbe que presidentes da Câmara e do Senado sejam reconduzidos ao posto na mesma legislatura. Para alterar esse quadro, o Congresso precisaria aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e, ainda, alterar o regimento das duas Casas.

Diante da crise do coronavírus, no entanto, o Congresso pode adotar uma fórmula que permita a reeleição de Maia e Alcolumbre, para desespero dos bolsonaristas. Cresce, ainda, a possibilidade de adiamento das eleições municipais de outubro para dezembro.

Nas redes sociais, seguidores de Bolsonaro já comemoram com antecedência a saída de Maia e Alcolumbre de seus postos. No afã de ver a dupla pelas costas, eles erraram até mesmo a data do término da gestão no Congresso. Marcaram dezembro, quando, na realidade, é fim de janeiro. De 2021.


O Globo: Sergio Moro tem estratégia permanente de 'tentar acuar instituições democráticas', diz Maia

 Presidente da Câmara voltou a criticar o ministro da Justiça 

RIO — O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, voltou a fazer duras críticas ao ministro da Justiça, Sergio Moro, que tenta aprovar o pacote anticrime no Congresso. Para Maia, o ministro erra ao insistir aprovar a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância por meio de projeto de lei e, se algumas das teses de Moro fossem seguidas ao pé da letra, ele seria réu, e não ministro da Justiça. Em entrevista para o jornal "Folha de S. Paulo", o presidente da Câmara disse ainda que o ex-juiz da Lava-Jato tem como "estratégia permanente" tentar acuar as instituições democráticas do país.

— Acho que o ministro Sergio Moro tenta, como sempre, a estratégia permanente dele, a estratégia de um pouco de pressão, de tentar acuar as instituições democráticas deste país — disse ao criticar pontos do pacote anticrime de Moro.

Para Maia, colocar a prisão em segunda instância em projeto de lei "parece mais uma vontade de desgastar o Parlamento do que uma vontade de aprovar o projeto".

— O projeto que foi apresentado pelo governo tem coisas boas. Agora, acredito que a discussão da prisão de segunda instância... Ele, que é jurista, que conhece o tema, encaminhar por projeto de lei parece mais uma vontade de desgastar o Parlamento do que uma vontade de aprovar o projeto.

O deputado também lembrou que em 2016, na votação das dez medidas contra corrupção, elaboradas pela força-tarefa da Lava-Jato, o Congresso não aprovou a proposta de uso de prova obtida de forma ilícita, desde que de boa fé.

— Naquelas dez medidas (contra corrupção) nós rejeitamos a prova ilícita de boa fé. Hoje eles criticam a prova ilícita de boa fé no caso do Intercept. Você vê como são dois pesos e duas medidas que, se nós tivéssemos feito o que eles gostariam, hoje eles eram réus, não eram procuradores, e ele não era ministro da Justiça — disse à "Folha de S. Paulo".

Sobre a relação de Moro com o Congresso, Maia diz que o ministro começou o governo com uma visão distorcida e "achou que podia marcar a data da votação do projeto e como o projeto iria tramitar".

— O que eu espero é que se respeite a legitimidade do Parlamento, coisas que no passado, o grupo do entorno do ministro Moro, principalmente os procuradores, não respeitaram — ressaltou.

Na entrevista, Maia afirmou, no entanto, que a Lava-Jato teve um saldo positivo e que a possibilidade de criar uma CPI para investigar as mensagens vazadas na operação, que já possui número de assinaturas suficientes, é “próxima de zero”.


Míriam Leitão: Guedes x Maia: razões de cada um

Guedes atacou o Congresso para evitar nova desidratação na reforma e Maia reagiu se afastando de um governo ‘usina de crises’

O ministro Paulo Guedes ficou dois dias engasgado. Não engoliu a mudança nas regras de transição que favoreceram a elite do funcionalismo, mas o que ele detestou mesmo foi a retirada da capitalização. Tentou ficar em silêncio, mas não se segurou e atacou o Congresso. O deputado Rodrigo Maia tinha que reagir. Ao fazê-lo passou recados estratégicos e uma alfinetada: disse que pode fazer a capitalização, menina dos olhos de Guedes, pelas mãos da oposição. Mais precisamente do PDT.

Guedes acha que ao dar declarações duras conseguiu criar um impedimento a novas desidratações da reforma. Rodrigo Maia, ao responder duramente, se distancia mais do governo, essa “usina de crises”, como definiu. Para o ministro da Economia, a capitalização era o início do seu projeto econômico para o país, mesmo que isso pareça a quem o ouve como muito abstrato. Para o presidente da Câmara dos Deputados, se a capitalização continuasse no projeto, poria tudo a perder.

A discussão da capitalização sempre foi sobre o futuro. Na reforma havia um pedido para que o Congresso autorizasse o governo a apresentar uma proposta. Se autorizasse, o novo regime não precisaria ser por emenda constitucional. Desde o começo dessa tramitação, o ministro da Economia falava mais da capitalização, uma hipótese sem contornos definidos, do que sobre a proposta concreta que apresentara. Isso gerou horas de discussões ociosas, que deveriam estar dedicadas aos novos parâmetros da atual previdência.

Para o ministro, o novo regime permitiria que os trabalhadores passassem a fazer o que os ricos já fazem: capitalizar seus fundos para o futuro. Se isso acontecesse, na visão dele, o país conseguiria democratizar o ato de poupar, criar empregos, aumentar a eficiência dos investimentos e elevar a produtividade do trabalho. Tudo parece resolvido quando ele desenha o futuro com a capitalização.

Na Câmara, no entanto, o que se diz é que o ministro errou desde o começo ao defender o modelo chileno, que está neste momento sendo alterado: não tinha a contribuição patronal e passará a ter. Introduzir esse novo sistema é uma questão muito complexa. As perguntas feitas insistentemente pelos parlamentares nunca foram respondidas, sobre o custo da transição e sobre as bases em que ela será oferecida.

O deputado Mauro Benevides era o economista-chefe da campanha de Ciro Gomes em 2018. Foi o primeiro a falar do sistema de capitalização e enfrentou uma onda de perguntas difíceis sobre o assunto. Minucioso, ele se debruçou e desenhou uma proposta, cuja explicação era árida demais para uma campanha eleitoral. Ontem ela foi providencial para Maia.

— Se a capitalização não está nessa proposta, ela no segundo semestre pode ser aprovada. Até porque os partidos de esquerda têm uma ótima proposta de capitalização, do deputado Mauro Benevides — disse o deputado.

Paulo Guedes acusou o Congresso de ter privilegiado os funcionários do Legislativo que ganharam regras de transição mais suaves para os servidores de antes de 2003. Esse é o grupo que não foi atingido pela reforma do ex-presidente Lula, em 2003. O relatório do deputado Samuel Moreira permitiu que quem tem menos de dez anos para se aposentar, seja no setor público, seja no setor privado, escape da idade mínima de 62 e 65 anos, pagando um pedágio de 100% do que ainda falta para se aposentar hoje. Guedes acha que isso custou R$ 30 bilhões e que, ao ampliar para o regime geral, a conta ficou em R$ 100 bilhões.

— Cederam às corporações e abortaram a Nova Previdência — disse o ministro.

Rodrigo Maia respondeu lembrando as concessões feitas na reforma dos militares, que foi enviada junto com um aumento dos soldos e adicionais. Do ponto de vista líquido, permite uma economia de R$ 10,4 bilhões. Isso é um terço do esforço que os mais pobres fariam se fosse mantida a mudança do BPC.

— O projeto de lei (com a reforma) das Forças Armadas é que pressionou as corporações em cima do Parlamento. Mas criamos a regra de transição porque acreditamos que ela é justa — disse Maia.

O fato é: governo e Legislativo cederam às corporações, mas a proposta ainda permite uma economia de pouco mais de R$ 800 bilhões. O problema é que a tramitação está só começando e outras concessões podem acabar sendo feitas. No Brasil, quem tem mais poder sempre soube se fazer ouvir.


Míriam Leitão: Sustos na tramitação da reforma

Há várias pedras no caminho da reforma da Previdência. A prisão do ex-presidente Temer criou um novo foco de tensão. Existem outros. O PSL rejeita a criatura que o seu governo enviou. As brigas com o presidente da Câmara elevam a incerteza sobre o tempo de tramitação, que ainda nem começou. A reforma dos militares, enviada junto com um pacote de bondades para as Forças Armadas, deu mais um argumento contra o projeto.

O ponto que tanto pesou na bolsa de valores nos últimos dois dias pode nem perdurar muito. Se Temer receber um habeas corpus no curto prazo, a tensão diminuirá. O que realmente preocupa na reforma são todos os sinais dados esta semana pela base parlamentar e que se tornaram piores com a divulgação do projeto da previdência dos militares.

A dúvida é por que o governo enviou tudo junto: mudança das pensões e aposentadorias e o aumento dos rendimentos dos militares. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, me disse, numa entrevista que foi ontem ao ar na Globonews, que os dois assuntos estão juntos em cinco leis que estão sendo alteradas:

— Seria muito difícil alterar as mesmas leis em um momento, da parte da inatividade e pensões, e não alterar na parte das carreiras.

Isso é verdade do ponto de vista formal. Mas está sendo feito agora porque foi uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro. Quando o assunto é soldo, as Forças Armadas são um pote até aqui de mágoa. Culpam o governo Fernando Henrique, que acabou com a promoção ao entrar na inatividade e estabeleceu que os que entrassem no contingente a partir de 2001 não teriam o direito de deixar pensão para as filhas. O benefício continuou para quem já era militar. Foram duas mudanças normais, mas eles a consideram ultrajantes. O que realmente eles têm razão é o que aconteceu nos governos seguintes:

— As reestruturações feitas nos últimos governos aumentaram substancialmente a remuneração dos civis. Não foram todas as carreiras, é bom deixar isso bem claro. São as de elite, como a minha, de consultor da Câmara, como a do Bruno Bianco, advogado da União, procuradores, auditores fiscais, gestores governamentais. Nelas, todos chegam ao topo, o que não acontece nas Forças Armadas. E chegam muito rápido. Os salários dos civis deviam aumentar mais devagar e respeitar mais a meritocracia.

Isso de fato criou defasagem entre servidores civis e militares. O problema nessa área é entender do que eles estão falando. Na apresentação da reforma da Previdência, feita há um mês, o Ministério da Economia divulgou uma tabela com déficit militar de R$ 20 bilhões. Os jornalistas estranharam o número, que estava subestimado. Eles explicaram que falavam apenas das pensões, porque o pagamento aos inativos não seria déficit da Previdência, dado que militar não se aposenta, mas entra para a reserva remunerada. É triste ver a equipe econômica capturada por esse eufemismo que distorce as contas. O ministro Paulo Guedes falou que o sistema seria superavitário. E não será. Não com essa reforma.

O secretário Rolim contou que no fim de abril será feita uma avaliação atuarial do regime dos civis e dos militares.

— Dentro de alguns anos estará sim equilibrado o sistema de pensões — afirmou.

Ele está se referindo apenas parcialmente ao déficit que hoje é de R$ 43 bilhões. Isso aumenta os ruídos de uma área cheia de números conflitantes.

A reforma dos militares e o aumento de R$ 87 bilhões em 10 anos no custo dos soldos e aposentadorias é um fator a mais num ambiente já conflagrado. Esta semana o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, duvidou do déficit apresentado pela própria equipe econômica, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, disse que a reforma dos militares é um “abacaxi”. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, também do PSL, disse que só escolherá o relator depois que o ministro Paulo Guedes explicar a proposta das Forças Armadas.

Este governo não precisa de inimigos. Bastam o presidente, seus aliados e os filhos. Carlos Bolsonaro disparou contra Rodrigo Maia, que já estava ofendido pelas frequentes falas enviesadas do próprio presidente sobre os conselhos para que ele melhore a articulação política. Bolsonaro faz crer que isso é pedido da “velha política”.

Com tudo isso, a prisão de Temer não é o problema da Previdência. O que mais ameaça a tramitação da reforma é o governo mesmo que a encaminhou.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Merval Pereira: Bolsonaro sem noção

Movem-se as placas tectônicas da política brasileira, e pode vir daí um terremoto de vastas proporções. A reforma da Previdência está com problemas pela desarticulação do governo, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que é (ou era) o grande aliado para dar andamento à sua aprovação, acha que essa desarticulação faz parte de uma estratégia do próprio Bolsonaro, que só sabe governar na base da confrontação.

Para o presidente da Câmara, o presidente Jair Bolsonaro “não tem noção, nem da gravidade da situação, nem da importância de governar com o Congresso numa democracia”. Há uma diferença entre governar como o PT fazia, e como a Angela Merkel (chanceler alemã) faz, destaca o Rodrigo Maia. “Eu vou continuar atuando a favor da reforma da Previdência, mas não em nome do governo”. Maia diz que quem tem que atuar dentro do Congresso é o articulador político do governo, o Onix Lorenzoni. E, especialmente, o próprio presidente Bolsonaro.

“Eu não tenho capacidade para conseguir os votos necessários para aprovar a reforma. Posso até, pelo meu convencimento, arranjar uns 50, 60 votos. Mas faltarão mais cerca de 250, que o governo vai ter que buscar”. Para tanto, ressalta Maia, tem que fazer política, e isso eles não querem fazer.

“Querem ficar com o bônus de serem os protetores do povo, e o Congresso assumirá o ônus de ter aprovado uma matéria impopular, embora necessária”. O governo Bolsonaro, desde o início, tenta se desvencilhar da dependência do Congresso, o que é um contrasenso num regime necessariamente de coalizão em que o presidente nunca tem a maioria parlamentar, mesmo que tenha a maioria popular.

Nos Estados Unidos, o candidato, como Trump, pode ser eleito pelo Colégio Eleitoral e perder na votação popular. Em regimes como o nosso, nem sempre acontece que um presidente popular tenha o apoio da maioria no Congresso, mas não consegue governar sem ele. Aconteceu com Collor, com Dilma e está acontecendo com Bolsonaro.

Com a agravante para Bolsonaro de que sua popularidade está em decadência muito antes de terminar do período de graça dos governos. Nos 100 primeiros dias, o presidente eleito historicamente conseguia tudo no Congresso. Não mais. Além disso, o governo, em campanha permanente, queima suas pontes com potenciais aliados porque só se interessa em cultivar a parte do eleitorado que o elegeu, a que fala mais diretamente a seus valores conservadores.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que se dispunha a ajudar na aprovação da reforma da Previdência, está recuando sua defesa para fazer frente a uma série de ataques, uns provocados por inexperiência, como o do ministro Sérgio Moro; outros, propositais para incensar os radicais bolsominions nas redes sociais.

O vereador Carlos, o filho 02, que se distrai fazendo política no twitter, publicou no Instragam, no dia da prisão de Moreira Franco, sogro de Rodrigo Maia: “Por que o presidente da Câmara está tão nervoso?”, numa clara insinuação irônica. E retuitou uma mensagem do ministro Sérgio Moro com críticas indiretas a Maia.

Moro enviara de Washington uma mensagem pelo WhatsUpp reclamando que Rodrigo Maia havia criado uma comissão para analisar o projeto anticrime do governo juntamente com outros projetos já em tramitação na Câmara, inclusive um que foi coordenado pelo atual ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Considerou isso o descumprimento de um suposto acordo.

Rodrigo Maia, de fato, deixou o projeto para entrar na pauta no segundo semestre, pois acha que discutir os dois, esse e o da Previdência, ao mesmo tempo vai dispersar os votos. E combinou a estratégia com Bolsonaro. O presidente da Câmara mandou a resposta, exigindo que Moro o respeitasse como presidente do Poder Legislativo.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, retrucou no twitter, que foi replicado por Carlos Bolsonaro: "Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais.".

Maia desabafa: “Se o filho do presidente me ataca publicamente, e ele não faz nada, quer dizer que pensa como o filho”. O governo não quer a reforma da Previdência, especula Rodrigo Maia. “Ou melhor, quer, mas jogando a responsabilidade para o Congresso. Bolsonaro posa de bonzinho, e nós somos os contra o povo”.


Ricardo Noblat: Governo de quatro

Aos cuidados de Renan

Dê no que der, hoje, as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, o governo do presidente Jair Bolsonaro sairá derrotado. Os candidatos mais fortes para vencer, Rodrigo Maia (DEM) na Câmara, e Renan Calheiros (PMDB) no Senado, não foram escolhas do capitão, nem dos que o cercam no Palácio do Planalto.

Rodrigo e Renan construíram suas prováveis vitórias. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, fez tudo para atrapalhar a vida dos dois. Tentou emplacar nos cargos outros nomes. E só procedeu assim porque Bolsonaro permitiu ou não ligou. Rodrigo conquistou a bancada de Bolsonaro à revelia dele. Renan, também.

O que se viu ontem à noite foi mais uma trapalhada do governo que acabou virando também um vexame. Tão logo soube que Renan havia ganhado a indicação oficial do PMDB para candidato à presidência do Senado, Bolsonaro, do hospital, telefonou para ele, parabenizou-o e pediu para encontrá-lo na próxima semana. Foi um Deus nos acuda no Congresso e no governo.

E os demais candidatos que se dizem dispostos a enfrentar Renan logo mais à tarde? Porque ao telefonar só para Renan, Bolsonaro dava por liquidada a eleição no Senado. O capitão, mesmo impedido de falar muito, começou a telefonar paras os demais candidatos à presidência do Senado e também para todos os candidatos à presidência da Câmara.

Muitos deles jamais haviam falado com Bolsonaro desde que ele assumira a presidência da República. Um deles, o senador Espiridião Amin (PP-SC), espantou-se com a ligação e contou mais tarde que Bolsonaro quis até falar com sua mulher. Sabe-se que Bolsonaro não falou com todos. Mas todos passaram a dizer que falaram com ele.

Bolsonaro cometeu o grave erro, evitado pela maioria dos presidentes que o antecederam, de não cuidar de partida de suas relações com o Congresso. Montou sua base de apoio entre os militares, seus ex-companheiros de farda e de aventura, entre os ultraconservadores que o apoiaram, entre os amigos com quem tinha dívidas, mas entre deputados e senadores, não.

Deve ter imaginado que eles acabariam do seu lado por gravidade. Ou então que poderia dar-se ao luxo de só se preocupar com eles mais adiante, faturando por enquanto imagem de um presidente empenhado em inaugurar uma nova política. Aí foi atropelado pela velha quando foram descobertos os rolos da dupla dinâmica Flávio e Queiroz.

O caso atingiu-o em cheio, tomando-lhe a bandeira da ética que lhe rendera tantos votos. Não se trata apenas de uma nova forma de caixa dois alimentado com dinheiro de funcionários de assembleias legislativas. Trata-se da suspeita de que diretamente ou por meio de Queiroz, os Bolsonaros sempre foram ligados a milicianos no Rio de Janeiro. Miliciano rouba e mata.

Rodrigo, Renan ou os que se elegerem se no lugar deles ajudarão o governo a aprovar suas principais medidas econômicas porque concordam com elas, não por deferência ou apoio incondicional ao governo. Mas discordarão de medidas para outras áreas que são igualmente tão caras aos sonhos do capitão. Aí só negociando, só cedendo, só dando algo em troca.

O mandato de Bolsonaro é de quatro anos. O de Renan, por exemplo, é de oito. Renan poderá salvar o mandato de Flávio, como já se ofereceu para fazer. Mas o filho de Renan precisa que não lhe falte dinheiro para governar Alagoas nos próximos quatro anos. Trocar a salvação de um filho pela salvação do outro até que sairia barato para Bolsonaro. Mas Renan costuma cobrar caro.

Olavo x Mourão

Quem fala pelo clã dos Bolsonaro

Nos primeiros 30 dias de um governo, nunca antes na história deste país um vice-presidente da República conseguiu tanto eclipsar o titular do cargo como está fazendo o general Antônio Hamilton Martins Mourão, de codinome “Morzão” entre jornalistas do eixo Rio-São Paulo-Brasília

Daí a revolta velada contra ele de parte da família Bolsonaro. Daí Mourão ter se tornando alvo de ataques furiosos no Facebook disparados pelo ex-astrólogo Olavo de Carvalho, mentor intelectual de Jair e, dos seus filhos, guru de hordas de bolsonaristas. Daí o incômodo do capitão recolhido a um hospital.

Foi por isso que Bolsonaro, ainda impossibilitado de falar sob o risco de complicações médicas, ter se apressado em reassumir o cargo ainda em um leito do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Além do protagonismo de Mourão, Bolsonaro não assinaria em baixo de várias declarações feitas por ele.

Bolsonaro não seria tão cuidadoso como está sendo Mourão ao falar sobre a situação interna da Venezuela. Não teria sido compreensivo com o gesto do deputado Jean Wylys de renunciar ao mandato depois de ameaças à sua vida. E não diria que a ida de Lula ao velório do irmão seria um gesto humanitário.

No caso de Lula, além de ter faturado pontos junto à oposição, Mourão revelou-se em linha com o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que autorizou a ida de Lula ao velório, embora apenas a 4 minutos de o corpo ser enterrado. A autorização perdeu o sentido.

Entre sábado e ontem no Facebook, Olavo destratou Mourão duas vezes. Como Mourão reagiu à primeira com um comentário sarcástico (“Quem se importa com as opiniões do Olavo?”), o homem que indicou os ministros das Relações Exteriores e da Educação elevou o tom de sua fúria.

Mourão voltou a apanhar de Olavo por ter recebido em audiência o embaixador palestino Ibrahim Alzeben: “Enquanto os israelenses socorriam as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”,

Olavo bateu mais: “Se dependermos de tipos como Paulo Chagas [que disputou o governo do Distrito Federal] e Mourão, em menos de um ano a quadrilha petista estará de volta, amparada nos serviços secretos da Rússia e da China”. Valer-se do PT para causar assombro é um clássico de Olavo. Mas quem se importa com as opiniões dele?

Bolsonaro se importa.


Bruno Boghossian: Eleições no Congresso podem queimar fusível no Planalto

Disputa pode esvaziar papel de Onyx e deixar governo nas mãos de Renan e Maia

O governo corre o risco de queimar seu primeiro fusível na relação com o Congresso. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado podem instalar no comando do Legislativo dois personagens que têm relações já desgastadas com os articuladores do Planalto.

Ao ser anunciado por Jair Bolsonaro como chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni foi encarado com ceticismo. O deputado ganhou o cargo por ter sido um aliado fiel, mas sempre foi visto como uma figura pouco experiente, que acumulava anos de convivência conturbada com colegas.

Novo responsável pela articulação política do governo, ele conseguiu a proeza de acumular desavenças tanto com Rodrigo Maia quanto com Renan Calheiros —dois favoritos para comandar o Congresso a partir desta sexta-feira (1º).

Se a vitória da dupla se confirmar, o Planalto pode passar por apuros. Maia e Renan já disseram publicamente que estão alinhados com boa parte da agenda de Bolsonaro, mas Onyx certamente não terá vida fácil.

Embora tenha prometido não interferir nas eleições, o governo deixou digitais nas duas disputas. Maia e Onyx já não eram melhores amigos. Para piorar, aliados do presidente da Câmara atribuem ao ministro uma tentativa de lançar um nome alternativo a sua candidatura.

No Senado, a ação foi escancarada. O chefe da Casa Civil escalou um auxiliar, o deputado Leonardo Quintão, para angariar apoio para DaviAlcolumbre, do DEM. Ele rodou gabinetes e chegou a dizer que recebera o aval de Bolsonaro para a ação.

Caso Renan saia vitorioso da eleição, Onyx começa o ano prematuramente esvaziado. O alagoano construiu pontes alternativas com o ministro Paulo Guedes para discutir a pauta econômica e já fez até acenos a Flávio Bolsonaro, que estará no plenário que ele quer presidir.

Quando Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara contra a vontade do governo petista, em 2015, disse que não conversaria com o ministro da articulação política. Pepe Vargas durou só dois meses no cargo.

Disputa pode esvaziar papel de Onyx e deixar governo nas mãos de Renan e Maia

O governo corre o risco de queimar seu primeiro fusível na relação com o Congresso. As eleições para as presidências da Câmara e do Senado podem instalar no comando do Legislativo dois personagens que têm relações já desgastadas com os articuladores do Planalto.

Ao ser anunciado por Jair Bolsonaro como chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni foi encarado com ceticismo. O deputado ganhou o cargo por ter sido um aliado fiel, mas sempre foi visto como uma figura pouco experiente, que acumulava anos de convivência conturbada com colegas.

Novo responsável pela articulação política do governo, ele conseguiu a proeza de acumular desavenças tanto com Rodrigo Maia quanto com Renan Calheiros —dois favoritos para comandar o Congresso a partir desta sexta-feira (1º).

Se a vitória da dupla se confirmar, o Planalto pode passar por apuros. Maia e Renan já disseram publicamente que estão alinhados com boa parte da agenda de Bolsonaro, mas Onyx certamente não terá vida fácil.

Embora tenha prometido não interferir nas eleições, o governo deixou digitais nas duas disputas. Maia e Onyx já não eram melhores amigos. Para piorar, aliados do presidente da Câmara atribuem ao ministro uma tentativa de lançar um nome alternativo a sua candidatura.

No Senado, a ação foi escancarada. O chefe da Casa Civil escalou um auxiliar, o deputado Leonardo Quintão, para angariar apoio para DaviAlcolumbre, do DEM. Ele rodou gabinetes e chegou a dizer que recebera o aval de Bolsonaro para a ação.

Caso Renan saia vitorioso da eleição, Onyx começa o ano prematuramente esvaziado. O alagoano construiu pontes alternativas com o ministro Paulo Guedes para discutir a pauta econômica e já fez até acenos a Flávio Bolsonaro, que estará no plenário que ele quer presidir.

Quando Eduardo Cunha se elegeu presidente da Câmara contra a vontade do governo petista, em 2015, disse que não conversaria com o ministro da articulação política. Pepe Vargas durou só dois meses no cargo.


Luiz Carlos Azedo: O homem de Cunha

Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia

O presidente Michel Temer chegou a anunciar o deputado Carlos Marun (PMDB-RS) como novo ministro da Secretaria de Governo, encarregado das articulações políticas no Congresso, no lugar do deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA), mas teve que recuar diante da grande reação negativa, a começar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não quer passar de cavalo a burro. É o que aconteceria com a substituição do tucano pelo líder da tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, que hoje está preso em Curitiba.

Ministro encarregado das negociações com as bancadas, sendo do PMDB, Marun se tornaria o político mais poderoso na Câmara, ofuscando Maia. O parlamentar gaúcho é o herdeiro do espólio parlamentar de Cunha, que está em cana, mas não morreu. Trocou o poder que tinha de ajudar os amigos nas campanhas eleitorais pelo silêncio a cerca desse e outros assuntos. Cunha “puxa cadeia” com galhardia: dedica-se exclusivamente a estudar os processos da Operação Lava-Jato e cruzar informações. Cada minuto do seu silêncio é valioso para gregos e baianos.

O presidente Michel Temer teve em Marun um esteio na luta contra a aceitação das duas denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara. Sua nomeação para o cargo não deixa de ser um reconhecimento pelos serviços prestados, mas faltou combinar com Rodrigo Maia, que comanda a Casa com amplo apoio, inclusive de partidos da oposição. Marun na Secretaria de Governo seria um candidato natural à presidência da Câmara, mas isso atrapalha o futuro de Maia, já que numa nova legislatura poderia pleitear a reeleição

Diante do impasse, Temer recuou. O xadrez da reforma ministerial não se restringe à aprovação da reforma da Previdência, vital para o governo obter resultados econômicos mais ambiciosos em 2018. Envolve também as ambições eleitorais de Maia e do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), outro que pode querer se manter no cargo. E atores que se movimentam tendo em vista as eleições presidenciais, entre os quais o próprio Temer. O centro do tabuleiro será dominado por quem conseguir uma maioria sólida na Câmara, isso passa pelo realinhamento de forças partidárias na Casa, previsto para a janela de troca de partidos do mês de abril.

Maia não quer o PMDB ocupando o espaço que era do PSDB no Palácio do Planalto, quer que seu partido ocupe essa posição, uma vez que o desembarque tucano praticamente transforma a legenda no aliado principal de Temer. Há uma outra variável a ser considerada também: a situação no Rio de Janeiro. A cúpula do PMDB fluminense está toda na cadeia, o que equaliza as relações entre seus caciques, que continuam controlando o governo do estado — Luiz Fernando Pezão é um aliado leal aos seus companheiros que estão detrás das grades — e a Assembleia Legislativa. O ex-prefeito carioca César Maia, pai de Rodrigo, é candidato a governador, mas o ex-prefeito Eduardo Paes já está se preparando para deixar o PMDB e concorrer por outra legenda. Sonha com a volta ao ninho tucano. Não interessa ao presidente da Câmara um aliado de Cunha no Palácio do Planalto, operando com a bancada do PMDB fluminense.

Cristovam versus Huck
O namoro do presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), com o apresentador Luciano Huck, estressa as relações na cúpula da legenda. A seção paulista do partido, liderada pelo secretário de Agricultura de São Paulo, deputado federal licenciado Arnaldo Jardim, está firme com a candidatura do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e não abre. O líder da bancada na Câmara, Arnaldo Jordy (PA) e o deputado Rubens Bueno (PR), seu antecessor, apoiam a pré-candidatura do líder do PPS no Senado, Cristovam Buarque (DF), que Freire ignora solenemente.

Pela primeira vez em minoria na Executiva do partido que dirige há 26 anos, Freire usa a mídia e o próprio carisma para tentar empolgar as bases do PPS e reverter a posição da maioria da bancada. A tese do grupo de Freire é filiar Huck, formar um novo núcleo dirigente com os líderes do Agora e mudar o nome do partido. Ontem, em Porto Alegre, em pré-campanha, Cristovam ironizou a situação: “Meu partido, o PPS, deve pensar o amanhã, e não o agora. O agora já passou!”.

 


Luiz Carlos Azedo: Homem a homem

Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia da Lava-Jato na Câmara, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira

O presidente Michel Temer adotou um sistema de marcação homem a homem para garantir a rejeição da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot pela Câmara, na qual é acusado, supostamente, de organização criminosa e obstrução de Justiça, com base na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Ontem, quase 50 deputados foram recebidos oficialmente por Temer, em seu gabinete, em cerca de 20 audiências, depois de um fim de semana dedicado à discussão de sua estratégia de defesa.

Já não adianta terceirizar as negociações com os deputados da base do governo que negaceiam seu apoio, por diversos motivos, do não cumprimento de compromissos assumidos à ambição de ocupar mais espaços na Esplanada. Pelo Twitter, logo de manhã, Temer classificou a denúncia do ex-procurador Rodrigo Janot de “inepta e sem sentido” e anunciou que conversaria com os parlamentares da base para preservar “a harmonia entre os poderes”. Na verdade, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi seu esteio na rejeição da primeira denúncia, acendeu uma luz amarela no Palácio do Planalto ao se queixar da atuação da cúpula do PMDB e se defender das acusações de que está conspirando: disse que não teria o mesmo comportamento do PMDB, que articulou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff quando Temer era o vice-presidente da República.

Na avaliação do Palácio do Planalto, Temer tem votos suficientes para barrar a segunda denúncia, mas está correndo risco de ter menos apoio do que na rejeição da primeira. O aval da Câmara para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigue o presidente da República depende do apoio de 342 dos 513 deputados, o que é muito difícil de alcançar. Entretanto, Temer não deixa de ser um animal ferido, o que provoca uma espécie de ataque de piranhas na própria base do governo, principalmente dos aliados que querem mais espaço na Esplanada.

A movimentação dos insatisfeitos fragiliza o ministro Antônio Imbassahy (PSDB-BA), da Secretaria de Governo, que teria a responsabilidade de articular a base do governo, mas perdeu autoridade porque o líder do PSDB, Ricardo Trípoli (SP), e praticamente todos os tucanos paulistas são a favor da aceitação da denúncia, que implicaria no afastamento de Temer do cargo por 180 dias. Nesse caso, Rodrigo Maia assumiria a Presidência.

Temer já conversou com uma dezena de deputados da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, responsável pela primeira etapa de análise da denúncia, que consiste na apreciação do parecer a ser elaborado pelo deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), recomendando o envio da acusação para o Supremo ou a suspensão do processo até a conclusão do mandato de Temer. A situação do relator é um capítulo à parte: o PSDB não quer que permaneça na função, mas não pode substituí-lo. Nesse caso, outro partido poderia indicá-lo para a comissão, a pedido do Palácio do Planalto.

A conciliação

O Senado é mesmo a Casa da “conciliação”: adiou para 17 de outubro a apreciação da suspensão do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e, assim, evitou um confronto aberto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor do adiamento 50 senadores; contra, 21. Os senadores Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL) foram os “jacobinos” da sessão, mas não tiveram o apoio que esperavam. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), também defendeu a realização da votação, porém, o líder da bancada do PMDB, Raimundo Lira (PB), consultou 21 dos 23 integrantes da bancada e concluiu que havia uma “maioria consistente” para aguardar o julgamento do STF.

O PSDB tentou sair da saia justa com um pedido de suspensão do afastamento de Aécio ao Supremo, mas o ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, negou o pedido. Ao líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), não restou outra alternativa a não ser defender a votação, mas a bancada acabou isolada. Aécio Neves, além de estar com o mandato suspenso, foi proibido de sair à noite e manter contato com outros investigados pela Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada com base no Código de Processo Penal, por três dos cinco juízes da Primeira Turma do STF: Luís Barroso, Rosa Weber e Luís Fux. Marco Aurélio Mello, o relator, e Alexandre de Moraes votaram contra.

A Constituição determina que a prisão de senadores seja autorizada pelo Senado, o que criou um impasse. Para muitos senadores, “quem pode mais, pode menos”: o princípio Constitucional deve prevalecer sobre matéria penal. Mas a Constituição também determina a palavra final sobre matéria constitucional seja do Supremo. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, marcou para 11 de outubro a sessão do Supremo que apreciará a questão. Ao adiar a decisão sobre o caso para 17 de outubro, o Senado evitou um confronto institucional. A possibilidade de o Supremo rever a decisão da Primeira Turma é grande.


O Globo: Fragilização de Temer fortalece alternativa Maia

Relatório na CCJ é uma derrota do presidente, que deseja um processo rápido de votação para evitar o aprofundamento do desgaste político contínuo

Já era esperado que o relator do pedido de licença para que o presidente Michel Temer seja julgado no Supremo pelo crime de corrupção passiva, deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), aprovasse a admissibilidade do processo. Na sessão de ontem da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Zveiter, advogado de profissão, disse que a denúncia encaminhada pela Procuradoria-Geral da República contém “sólidos indícios de práticas delituosas”.

A defesa de Temer, feita por Antonio Cláudio Mariz, seguiu a linha da tentativa de desconstruir a denúncia pela suposta falta de provas. Por exemplo, de que os R$ 500 mil guardados na mala com que Rocha Loures foi filmado nas ruas de São Paulo seriam mesmo para o presidente.

O fato é que começa a se desenhar a saída de Temer, por até 180 dias, com a posse do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para esperar o veredicto do STF, e, se houver a condenação do presidente, convocar uma eleição indireta em 30 dias, à qual o próprio Maia poderia ser candidato de consenso da base do governo.

A rigor, a crise política que desgasta o governo Temer transita em pista dupla: da consolidação do entendimento de que a posição do presidente é indefensável, e pela via das negociações no Congresso em torno de um nome que possa levar o país até as eleições de 2018, daqui a pouco mais de um ano. É neste contexto que se fortalece Rodrigo Maia, também aceito por ter forte compromisso com as reformas. Definido este consenso, Temer terá ainda mais dificuldades políticas.

Por tudo já conhecido até agora — desde a revelação pelo GLOBO da gravação por Joesley Batista de sua conversa nada republicana, em altas horas, com Michel Temer, no porão do Palácio do Jaburu —, as provas e indícios contra o presidente são fortes. Da temática daquela conversa — cuidados pecuniários com Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para não fecharem acordos de delação — à propina acertada com Loures, indicado por Temer para o empresário tratar de qualquer assunto.

O tempo corre contra Temer, à medida que as informações decantam na opinião pública. Daí o Planalto querer que as votações ocorram logo na Câmara — na CCJ e, depois, no plenário. Quebra-se, também, uma espécie de encanto que se tentou criar em torno de Temer, vendido no mercado das esperanças como o único capaz de garantir as reformas. Quando, na verdade, passou a ser o contrário, à medida que o inquilino do Planalto, fragilizado, deixou de ter condições de aprová-las, a não ser negociando-as no balcão do toma lá dá cá. E assim, tornando-as inócuas. Uma aprovação de fantasia.

Haja vista o exemplo da reforma trabalhista, em que o Planalto emite sinais de recuar no fim do imposto sindical, tornando-o uma contribuição espontânea, mas por etapas. Assim, será perdida chance preciosa de se moralizar a vida sindical, tornando as agremiações de fato representativas, inclusive as patronais, sem espertalhões acostumados ao acesso fácil do dinheiro público, arrecadado pelo imposto que precisa ser extinto.

Fica cada vez mais evidente, na prática, que a Constituição tem o mapa do caminho para a saída da crise, por definir de maneira clara o rito para a saída de Temer ou a sua permanência.